quinta-feira, 8 de novembro de 2018

TRINDADE GNÓSTICA


A Trindade Gnóstica é explicado pelo Mestre Huiracocha de uma forma muito simples, mas que possui diversas dimensões simbólicas para enriquecer nossa compressão do que é o Ternário Rosa-Cruz, então vamos ler trechos do livro A Igreja Gnóstica do Dr. Krumm-Heller.

1. PAI, DIABO E FILHO
"Temos três figuras que jogam um papel importante dentro da Religião. Deus - Pai (o Jeová da criação). O Diabo que, assim como filho ao manifestar-se tomou o corpo humano, ele igualmente o fez, segundo a lenda Bíblica, sob a forma de uma serpente. O CORPO, a parte material, é o Diabo, o Demiurgo, que é por sua vez, o Gênio da Terra. O Filho é a Vida em ação, a parte astral e só por ela, mediante esse veículo de vida manifestada, encontramos o Pai, chegamos a Deus, que reside dentro de nós sem que consigamos comunicar com ele, apesar de todas as igrejas, bíblias ou imagens. Só existe um único caminho para chegar a Deus. De nada nos serve que Jesus tenha nascido em Belém, se ele não nascer no nosso coração e a sua morte na cruz do Gólgota, não morre igualmente dentro de nós e nos redime também".
(...)
"Mas há que ter em conta que Deus (O Bem Absoluto) é eterno, enquanto o Diabo (o seu pólo oposto) não é. Este foi formado pelo Demiurgo, por todas as paixões que desceram para tomar a carne, para preparar aí o caminho da Ascensão. A esta manifestação de paixões chamam Jaldabaoth. Sendo a nossa Terra regida por Javeh contra Cristo em luta constante. Javeh é o gênio do mal, o demônio, e recomendamos que se estude a Bíblia neste aspecto, onde se pode ver o papel nefasto do gênio do mal descrito no Antigo Testamento. Um dos Anjos que tomou a figura humana foi Jesus. O que recebeu a missão de pregar e deixar antever os Sagrados Mistérios do Eu e a sua substancia divina".

2. DEUS, PARAÍSO E SERPENTE
"Na Trindade, com o Pai-Deus num extremo e a Matéria no outro, não podem ser entrelaçadas senão por Cristo enquanto laço de união. Mas Cristo nada pode fazer sem o auxílio da serpente, porque a força e o poder apenas residem nela".
(...)
Conta-se que os doze Anjos que ficaram com Lúcifer, eram de características masculinas, enquanto os que se desuniram tinham características femininas. Ambos na sua genuína tendência, teriam que se encontrar e ao tocarem-se, em masculino e feminino, tiveram que unir-se mediante os sexos.
A Mulher, porque queria ao subir, tornar a parte masculina ativa, pois sem ela não é possível a sua ascensão. Ao mesmo tempo, o princípio masculino, procurou a mais apropriada descida, encontrando nela e no ato sexual, a forma de continuar sem interrupção a sua rota.
Aqui está, pois, o Mistério do Paraíso.

3. TRIO ROSA-ROSA-CRUZ
"Dizíamos no nosso Rosa Cruz (Novela Iniciática), a respeito do trio Matéria, Energia e Consciência, que ainda estava tudo por resolver. Quando concebíamos a Matéria, esta não podia ser explicada sem lhe considerar inerente uma Energia. Nem a esta, por sua vez, sem uma Consciência ou Inteligência. O que é o mesmo que a Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo... como encarnação iniludível que está em tudo o que existe".

A Porta da Morte - Kenneth Grant


ESPALHADAS em vários dos escritos de Crowley, embora principalmente naqueles que ele considerava não terem sido escritos por ele próprio, mas por Inteligências extra-terrestres que o usavam como um canal, estão sugestões relativas à verdadeira natureza das qliphoth ou Mundos reversos. O Liber 474, por exemplo, é descrito como ‘o Portal do Segredo do Universo’, e, como o número do livro sugere, ele está atribuído a Daäth.100 Segundo o Liber 474, o universo tem que ser destruído. Mas existe uma importante qualificação pois ele diz: ‘por Universo Nós queremos dizer não aquele Universo inferior que a mente do homem pode conceber, mas aquele que é revelado à sua alma no Samadhi de Atmadarshan’. E novamente,através do Portal do Universo Secreto o homem ‘pode entrar em uma real comunhão com aqueles que estão além, e ele será competente para receber comunicação e instrução de Nós mesmos diretamente. Então Nós o prepararemos para a Confrontação de Choronzon e a Ordália do Abismo, quando nós o tivermos recebido na Cidade das Pirâmides’.
As cinco palavras que eu grafei em itálico poderiam parecer singularmente significativas, pois, tendo destruído o ‘Universo’, o que mais resta? Com o que ou com quem pode o iniciado então comungar? Se é lembrado do verso em AL que diz: ‘Eu sou o Senhor da Dupla Baqueta de Poder; a baqueta da Força de Coph Nia – porém minha mão esquerda está vazia, pois eu esmaguei um Universo; & nada resta’. Este é o 72o verso do último capítulo de AL, e o 217o verso do Livro como um todo. Os dois números, 72 e 217, indicam a natureza da Força mencionada. 72 é o número de OB, a Serpente (Aub), o aspecto negativo ou feminino de Od (Aud) que é a própria Luz Mágica(k); ele é também o número da palavra caldaica DBIVN, significando ‘fluxo’ ou ‘gota de sangue’. A palavra deriva do egípcio Typhon ou Tefn, a Mãe de Set. Nos Mistérios Egípcios estes poderes gêmeos, o Ob e o Od, eram representados por Shu e Tefnut, o primeiro significando fogo, o último, umidade ou sangue.101 O número 217 é aquele de ( * ) Seth, que não é apenas o nome do Deus Set, mas [também] da estrela de sete pontas de Babalon, a Mulher Escarlate, cuja imagem é Sírius. 217 é 31 x 7, assim afirmando sua conexão com AL (31), o número Chave do Livro da Lei.
217 é também o número de DBVRH, significando ‘uma abelha’ que é o símbolo específico de Sekhet, cujo nome significa uma abelha. Ela é a deusa da intoxicação e paixão sexual, logo sua conexão com o mel e com sakh, ou sakti, ‘inflamar ou inspirar’ e com ‘bebida fermentada’. A abelha, que é a cópula entre os elementos masculinos e femininos nas flores, era um tipo da alma que é representado nos ideogramas egípcios como o Ba ou Aba-it, que guia as almas dos mortos en route para o Sekhet-Aahru, os Campos de Prados Celestiais ou Mel. Ba, o astral ou duplo é também uma palavra significando ‘mel’ e diz-se que Shu e Tefnut distribuem mel.102 A deusa Sekhet como Sakti é uma força lunar, e, junto com seus atributos de amor e doçura, um símbolo adequado da lua de mel, que indica a natureza sexual da força em questão.
A combinação dos números 72 e 217 resulta 289, o número de PTR, uma ‘abertura’,‘orifício’, ou ‘vazio’. As idéias sugeridas pelos números do verso podem portanto ser resumidas pelo símbolo do útero e suas emanações ofidianas. Isto é confirmado pela palavra ou nome curioso, Coph Nia. Coph ou Koph significa a ‘filha’.103 Este é um nome de Proserpine ou Perséfone, a deusa da destruição. Ela é chamada Koph porque, como Payne Knight o expressa, ela representa a ‘Filha universal,ou princípio secundário geral; pois embora apropriadamente a deusa da Destruição, ela é freqüentemente distinguida pelo título Soteira,Preservadora, representada com folhas (?) de milho sobre sua cabeça,como a deusa da Fertilidade. Ela era, em realidade, a personificação do calor ou fogo que supunha-se penetrar a terra, que foi uma vez considerado como sendo ao mesmo tempo causa e efeito da fertilidade e destruição, como sendo ao mesmo tempo a causa e efeito da fermentação; da qual ambos procediam’.
104 A Segunda parte da palavra ou nome – Nia – é o ain (vazio) ao contrário, que identifica o olho ou útero da filha com o Ob ou Corrente Ofidiana; uma ‘dupla baqueta’ porque Ob é o complemento de Od. A ‘mão esquerda está vazia’, pois eu (o ego) esmaguei um Universo & nada (o ain) resta’. Ain é 61; Nia é também 61, mas se o número for também invertido, obtémse 16, e 16 é Hia (Ela), i.e. a Filha.105 16 é o quadrado de 4 e, no Liber CCXXXI o quarto verso,cuja numeração é 3, 106 declara: A Virgem de Deus está entronada sobre uma concha de ostra; ela é como uma pérola e busca Setenta para seu Quatro. Em seu coração está Hadit a glória invisível.
Três é gimel, a letra atribuída à Sacerdotisa Virgem da Estrela de Prata. Quatro é o número da Esposa; aquela cuja porta107 está aberta.
Buscando Setenta108 para seu Quatro significa que a virgem busca abrir seu olho ou tornar-se desperta. Mais luz é lançada sobre o significado deste verso pelo penúltimo verso de AL: Existe um esplendor em meu nome oculto e glorioso, como o sol da meia noite é sempre o filho.
O sol-filho é Hadit, a glória invisível no coração da virgem.
A identidade do sol-filho é enfatizada pela referência a Khephra – o sol da meia noite – o sol de Amenta, o sol negro de Set.
‘Eu sou’ (o ego) é idêntico com Daäth, pois o ego é a shakti-sombra ou poder ocultador de Kether no momento rápido como o raio de sua bifurcação em Chokmah e Binah (Horus e Set109). Daäth é o espectro, a sombra da realidade, um conceito ilusório que surge na consciência humana mas que não possui existência à parte desta. Ela é conhecida na metafísica hindu como o chit-jada-granthi – o sentido de identidade sutil e ilusório que faz a consciência (chit) imaginar-se em posse de uma mente e corpo individuais que, na realidade, são inexistentes, sem vida, inertes (jada). Granthi é o nó que os liga em aparente identidade.
No simbolismo egípcio a múmia representa o eidolon, uma mera boneca ou fantoche subtraído de auto-consciência exceto quando animado pelo khu ou poder mágico do Adepto.
Por esta razão o corpo humano, que era considerado pelos egípcios como o tipo da múmia, era considerado sem vida ou ilusório. É este corpo morto ou inerte que é ressucitado em Amenta pelo khu vivificante do Adepto. A identidade com este fantasma de ego-consciência, como a múmia, é projetada como uma miragem no Deserto de Set. Ela tem que ser destruída (i.e. esquecida), em consciência, antes que a morte verdadeira seja experimentada nos Pylons de Daäth. Apenas deste modo o Universo é ‘destruído’, e a consciência é libertada da escravidão da existência imaginada. Apenas então pode ‘ele (o Adepto) entrar em uma real comunhão com aqueles que estão além’.
A situação torna-se compreensível quando a verdadeira natureza da mente subconsciente (Amenta) tenha sido sondada. Os três estados de consciência – jagrat, svapna, e sushupti – tem seus paralelos no simbolismo egípcio pelos três estados de vida na terra, vida em Amenta, e o estado de liberação da escravidão da matéria o que é obtido tornando-se um dos khus na esfera celestial das estrelas110 que nunca se põe 111 112. Uma vez que este paralelo seja percebido fica fácil compreender a parte representada por Daäth.
Daäth representa o ego que erroneamente identifica a consciência (que ele reflete mas que ele não produz) com o complexo corpo-mente, desta forma atribuindo a ele a consciência que não pertence à terra113 ou à Amenta,114 mas à consciência amorfa e não condicionada (i.e. cósmica). A múmia era o tipo do corpo funcionando em Amenta; quer dizer, o corpo terreno adormecido ou ‘morto’ e funcionando em níveis astrais de consciência. A morte do corpo implicava portanto no nascimento do espírito em Amenta. Porém não é a morte verdadeira que libera o espírito para sempre. Para fazer isto acontecer uma morte real tem que ser obtida, e esta é a morte total do ego tanto em sua condição pessoal (consciente) quanto em sua condição impessoal (sonho).
A mecânica deste processo está resumida no assim chamado Livro dos Mortos que é o manual mágico da metamorfose do corpo em um khu (espírito glorificado)

Nightside of Eden
Kenneth Grant
Arte da imagem - The Crocodile of Khem - Allen Holub

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Tradição Esotérica Ocidental



É comum na atualidade, vermos correntes filosóficas ou tendências espiritualistas que se dizem pertencentes “à Tradição Ocidental”, ou mantenedoras do “verdadeiro esoterismo do ocidente”. Nunca se falou tanto em “Tradição Ocidental” e “Esoterismo do Ocidente” como se tem falado no último século, após a expansão (e popularização) do Esoterismo Moderno ocasionada pela Ordem Hermética da Golden Dawn (GD).

          A expressão “Tradição Esotérica Ocidental” transformou-se, a partir do século 20, numa espécie de comprovação de seriedade espiritual: só as correntes espirituais e filosóficas que conseguem se alinhar ao que a modernidade classifica como “tradição ocidental”, é que merecem ser vistas com respeito. O problema é que a interpretação que a modernidade dá à expressão “tradição ocidental” não abrange os valores morais e espirituais pertencentes à espiritualidade do homem ocidental, e nem consegue abranger o que a Tradição espiritual do Ocidente realmente significa.

          O que as correntes esotéricas e Instituições Iniciáticas contemporâneas consideram como “pertencentes à Tradição Ocidental”, na verdade está distante da essência propagada na espiritualidade ocidental, pautada no trivium hermético (Astrologia, Alquimia e Teurgia) e em valores caros ao homem ocidental. Muitas vezes, o esoterismo ocidental divulgado por Ordens Iniciáticas e filosofias espirituais modernas nem mesmo é “ocidental”: trata-se de um mistura de conceitos filosóficos e espirituais orientais e ocidentais, mantidos unidos a partir de um sincretismo forçado e aparentemente sem critérios.

        Dessa forma, propomos uma reflexão ao leitor: o que significa realmente a expressão “Tradição Esotérica Ocidental”? Qual é a base filosófica e espiritual do chamado “Esoterismo Tradicional” praticado no Ocidente?

          Não queremos aqui dar uma resposta definitiva a esses questionamentos, e mesmo que o quiséssemos fazer, isso seria impossível: abranger a essência da Tradição Esotérica Ocidental é tarefa quase impossível, por conta dos longos períodos de tempo da história humana em que essa tradição está pautada. Porém, a Tradição Esotérica Ocidental é pautada em valores que lhe são comuns e que não dependem do tempo (valores “perenes”). Foram esses valores que sobreviveram ao longo dos séculos e que serviram de respaldo epistemológico à espiritualidade praticada pelo homem ocidental.

          Para entendermos que valores são esses e o que realmente significa a Tradição Esotérica Ocidental, estamos iniciando uma série de artigos que tentará elucidar ao leitor qual o real significado do termo “tradicional”, e o que realmente pode ser considerado como “pertencente à Tradição Ocidental”.  Primeiramente analisaremos o significado do termo “Tradição” à luz de autores ocidentais como Aquino (2001), Guénon (2017) e Dubuis (2000). A partir daí, mostraremos ao leitor que a essência e os valores da Tradição Esotérica Ocidental estão distantes do que o Esoterismo Moderno erroneamente considera como “tradicional” (e divulga através das inúmeras correntes espirituais e Instituições Iniciáticas contemporâneas).

           Esperamos com isso, conscientizar o leitor de que nem tudo que se vende na atualidade como “esoterismo tradicional” é realmente algo “tradicional”, ou mesmo alinhado aos valores da Tradição esotérica do Ocidente.

“Tradição”: que palavra é essa?

          A modernidade transformou a palavra “tradição” numa espécie de “símbolo de defasagem”. O termo “tradicional” virou sinônimo de tudo que é ultrapassado, arcaico ou obsoleto. Mais do que isso: a visão moderna (pautada nos ideias do Iluminismo), de uma forma geral propagou a ideia (deturpada) de que tudo que é tradicional também é atrelado a valores indesejáveis ao “homem moderno”, como “grosseria”, “intolerância”, “saudosismo”, “teimosia” ou mesmo “implicância” contra valores modernos.

          Essa visão estereotipada do que significa o termo “tradicional”, passa por uma completa ignorância da modernidade a respeito do significado do termo “Tradição”, além da influência prejudicial do Iluminismo sobre o pensamento do homem ocidental contemporâneo (conforme iremos abordar ao longo deste artigo). Entender o que significa o termo “Tradição” é um passo necessário para se compreender o que significa a Tradição Esotérica Ocidental, e como ela é estruturada.

          Para René Guénon, a oposição moderna à Tradição é antes de tudo fruto da oposição iluminista a tudo que possa ser considerado “tradicional”. Para o autor, essa ignorância moderna a respeito do que significa a Tradição fica ainda mais clara através das ideias (deturpadas) modernas de que a Idade Média foi um “período de trevas” e de que o Renascimento foi um “retorno à glória da antiguidade”. O autor enfatiza que o crescimento da modernidade não foi necessariamente algo apenas positivo, mas também prejudicial (do ponto de vista filosófico), já que a modernidade não “corrigiu” nada que estava errado na Idade Média, e sim

“[…] marcou uma queda muito mais profunda, pois consumou o rompimento definitivo com o espírito tradicional, quer no campo das ciências e das artes, quer até mesmo no campo religioso, no qual tal ruptura teria sido dificilmente concebível” (GUÉNON, 2017, p.18).

A Tradição é antes de qualquer coisa, algo vivo, perene: ela não se diluiu ao longo do tempo. Seus valores foram moldados de acordo com cada cultura na qual ela se estabeleceu; mas sua essência é uma só, e por isso mesmo, a Tradição manteve-se viva ao longo dos séculos.

          A transmissão da Tradição se dá de forma oral e escrita, e está ligada à cultura e aos hábitos de cada sociedade, manifestando-se de acordo com os recursos tecnológicos de cada período da história humana. Há sociedades em que a Tradição se manifesta de forma essencialmente oral (como nos casos das culturas xamânicas ou aborígenes); em outras, a Tradição encontra também formas de manifestação escrita, através de obras religiosas, culturais ou mesmo políticas. Isso não impede que a Tradição manifeste-se também na própria modernidade; porém, o que é mais comum (conforme veremos ao longo do texto) é que a espiritualidade moderna aproprie-se da Tradição (e de seus valores) através de uma deturpação sistematizada. Seja como for, o termo “Tradição” refere-se essencialmente a tudo que é transmitido (seja entre seres humanos, ou entre os homens e entidades espirituais), seja de forma oral, seja de forma escrita (GUÉNON, 2017).

          Tomás de Aquino classifica a Tradição como algo equilibrado e pautado na oferta de justiça ao ser humano. O conceito de “Tradição” trabalhado por Aquino estende-se tanto ao campo da religião, quanto à política, à cultura e a todas as formas de conhecimento manifestadas pelo ser humano. Assim, o homem depende da Tradição como uma forma de obter nela a justiça e a dignidade providas por Deus, para manter sua vida em equilíbrio (AQUINO, 2001).

          Uma das características da Tradição é justamente sua capacidade de não se deixar atingir pelas inconstâncias do tempo. Isso significa dizer que os valores considerados “tradicionais” sempre manterão uma mesma base comum (por mais que se moldem a cada cultura e a cada período em que se manifestarem). A “moldagem” que a Tradição faz em torno de seus valores é uma moldagem que visa mais sua permanência (perenidade) que sua transformação, pois de uma forma geral, a Tradição não se transforma: ela simplesmente se perpetua, adquirindo roupagens diferentes e guardando a mesma essência. Assim, é comum que muitas culturas diferentes (e aparentemente inconciliáveis) valorizem aspectos comuns tidos como “tradicionais”, como a valorização da família, a importância dada à espiritualidade, o respeito à vida, etc.

          É inegável que no Ocidente, a Tradição anda “de mãos dadas” (ou quase dadas) com o judaico-cristianismo, apesar de também se manifestar de forma perene em outras religiões do Ocidente e até mesmo no Oriente (que não tem a mesma influência judaico-cristã em suas sociedades). A influência da religião sobre o conceito ocidental de “Tradição” é clara (ou no mínimo bastante acentuada). Isso incomodou o Iluminismo (conforme veremos ao longo desta série de artigos), pois a filosofia iluminista, de certa maneira se opunha à religião por acreditar que ela (religião) era uma expressão social do tradicionalismo, e mantinha a sociedade em estado de “aprisionamento intelectual”. Segundo Coomaraswamy (2017) esse tipo de pensamento iluminista é facilmente constatado na estrutura de produção econômica da sociedade moderna, em que

[…] as atividades básicas do homem moderno são destituídas de qualquer senso do sagrado, como ignorantes dos princípios metafísicos. Ao passo que o ponto de vista tradicional, ao contrário, se baseia na doutrina de uma queda a partir de um estado de graça e na necessidade da Revelação e da graça divinas para que o homem possa retornar à sua condição primordial e sagrada, a seu Centro mesmo, provendo-o também de uma metafísica, que explica a essência e razão de ser da própria natureza humana”. (COOMARASWAMY, 2017, p. 15).

Como se vê, a palavra “Tradição” não se refere somente a aspectos políticos, culturais ou econômicos do ser humano: refere-se também a aspectos espirituais. Tradição e espiritualidade são coisas que andam quase juntas (às vezes até unidas), e tentar descaracterizar essa união (ou mesmo caracterizá-la como algo “prejudicial” ao ser humano) foi uma tentativa inútil (e bastante maléfica à sociedade ocidental) que o Iluminismo fez, a partir do século 18.

          O ser humano é religioso por natureza, e sua essência lhe diz que ele deve procurar a Deus, seja por inspiração, seja por esforço próprio (AQUINO, 2001). A forma mais segura de se empreender essa busca é através da Tradição: é ela que fornece meios adequados ao homem de realizar sua busca pelo divino, livre dos vícios, sincretismos e deturpações tão frequentes nos ideais modernos.

          Como a modernidade não conseguiu derrubar a essência unificada do significado da Tradição, ela passou a recorrer a estratégias que tentassem fragmentar esse conceito. Essa tentativa de fragmentação da Tradição foi respaldada a partir de uma das fortes características do Iluminismo: o relativismo. Para o homem moderno (e naturalmente iluminista) tudo parece ser relativo: não se pode concluir nada sobre assunto nenhum, e muito menos generalizar conclusões sobre questões de interesse humano, sob risco de se desconsiderar os detalhes que cercam essas questões (generalização). Assim, o Iluminismo passou a defender a ideia (relativista) de que a Tradição, por mais forte que seja, não pode ser considerada uma coisa só, e depende do local, da cultura e da época em que está inserida. Dessa forma, para o Iluminismo, haveriam várias “tradições” no Ocidente (e não simplesmente “a Tradição”).

          Gaudron (2011) contradiz essa ideia moderna (e relativista) sobre a existência de “várias tradições”. Para o autor, o fato de existirem tradições ou diferentes manifestações dos valores tradicionais (que dependem de circunstâncias culturais e sociais de cada época da história humana) não invalidade a existência de uma Tradição unificada. Essa Tradição não depende das diferenças que os homens guardam entre si, ao contrário: é algo divino, independente, autônomo.

          Assim, a Tradição “é o depósito da Fé, que foi confiado de uma vez por todas, e que o magistério deve transmitir e proteger até o fim do mundo” (GAUDRON, 2011, p. 232). O autor alemão vai ainda mais além, e confirma a teoria de René Guénon de que a Tradição é uma só: imutável, unificada e perene, independente das diferenças culturais, políticas e sociais que adote em sua manifestação em cada cultura e período da história humana:

“O depósito revelado é absolutamente imutável. Mas esse depósito imutável é expresso de modo cada vez mais preciso pelo Magistério, que o inventaria e o classifica, ao mesmo tempo em que o transmite e o defende. […] A Tradição é viva no sentido em que o depósito revelado não é transmitido somente de modo morto, em escritos, mas também o é por pessoas vivas que tem autoridade para defendê-lo, dar-lhe o devido valor e fazer que seja vivido” (GAUDRON, op.cit, p. 232).


          Apesar de possuírem características culturais essencialmente diferentes, Oriente e Ocidente possuem traços da Tradição em comum, e esses traços deixavam orientais e ocidentais ainda mais próximos no passado (GUÉNON, 2017). Isso é algo curioso (em se tratando de analisarmos o que significa a Tradição), já que é comum na modernidade pregar-se a ideia de uma “diversidade cultural” que tornaria impossível aproximar culturas opostas (ou distantes) entre si.

          Conforme vimos, ser “tradicional” é ser fiel a valores e a formas de manifestação que transcendem o tempo e as diferenças do ser humano. O que é considerado uma “generalização” pela modernidade, é para os tradicionalistas uma simples constatação: não existem “várias tradições”; existem sim, várias manifestações culturais da mesma Tradição, perpetuada ao longo dos séculos. E é sobre esse conceito de “Tradição” que se apoia a essência da Tradição Esotérica Ocidental, conforme veremos nos próximos artigos desta série.

 Na 1ª parte desta série de artigos, analisamos o significado do termo “Tradição” e vimos como a interpretação dada a este termo influencia diretamente a espiritualidade do homem ocidental. Agora, na 2ª parte desta série, iremos analisar a Tradição Esotérica Ocidental a partir das culturas que lhe servem de base, mostrando que a mistura que é feita na espiritualidade moderna entre Oriente e Ocidente foge completamente da essência do Esoterismo Ocidental (além de se caracterizar como algo prejudicial ao pensamento do próprio homem ocidental).


Entendendo a Tradição Esotérica Ocidental: suas bases epistemológicas, influências culturais e espirituais e valores inegociáveis.

          Vimos no artigo anterior que ao contrário do que a modernidade comumente prega, não existem “várias tradições”: existem sim manifestações culturais, políticas e sociais diferentes, que guardam entre si uma base comum de uma só Tradição. A Tradição é perene (eterna) e não está sujeita às impermanências do tempo. Assim, a ideia relativizada de que a Tradição depende das características políticas, filosóficas e culturais do ser humano não serve de base para entendermos a essência do Esoterismo Tradicional do Ocidente. A Tradição Esotérica Ocidental tem um corpo-base de valores que não dependem das diferenças das culturas ocidentais em que ela vem se manifestando há séculos.

          De uma forma geral, podemos conceituar a Tradição Esotérica Ocidental como um corpo de conhecimentos manifestado e transmitido por meio das filosofias de quatro grandes centros espirituais do Ocidente. A Tradição Esotérica Ocidental é a manifestação espiritual da própria Tradição perene, através da roupagem adquirida por quatro substratos culturais (por meio de seus valores espirituais e filosóficos). Essas quatro grandes culturas do Ocidente são as seguintes:

a) A cultura pagã e o xamanismo, representadas especialmente através da cultura céltica e das religiões de matriz afrodescendente, por meio da divulgação de um estilo de espiritualidade que comunga diretamente com a natureza;

b) A cultura egípcia, responsável direta pela difusão de valores espirituais relacionados à vida pós-morte, à prática de magia, astrologia e ao culto religioso socialmente organizado;

c) A cultura greco-romana, responsável pela propagação (ou inspiração) no Ocidente de várias correntes filosóficas que serviram de base para o pensamento esotérico ocidental, como o Platonismo, Hermetismo, Estoicismo, e Neoplatonismo;

d) A cultura judaico-cristã, responsável pela estruturação da sociedade ocidental como um todo, além da divulgação de valores espirituais e morais caros à formação do caráter do ser humano no ocidente, e à sua visão de mundo.

       É a partir desses quatro centros de manifestação cultural (Cultura Céltica/Xamanismo, Egito, Grécia/Roma e Oriente Médio) e das manifestações da Tradição diretamente derivadas desses centros, que repousam as bases da Tradição Esotérica Ocidental. Qualquer coisa que saia desse escopo não pertence à essência da espiritualidade do Ocidente (mesmo que sejam também formas válidas e ricas de manifestação espiritual). Não se trata aqui de pregarmos um “exclusivismo”: trata-se simplesmente de constatarmos que a espiritualidade do Ocidente repousa sob os alicerces dessas quatro roupagens adquiridas pela Tradição para manifestar-se ao homem ocidental (RIFFARD, 1990).

           Obviamente, o leitor pode questionar-se se essa análise que estamos fazendo acerca dos alicerces da Tradição Esotérica Ocidental não soa “eurocêntrica” demais. De certa forma, ela realmente pode soar como uma espécie de “eurocentrismo” (apesar de não ser essa nossa intenção), ao sermos taxativos em estabelecer os centros de manifestação cultural da Tradição Esotérica Ocidental (mesmo porque o ser humano da antiguidade ou do período medieval desconheciam os conceitos de “Ocidente” e “Oriente”, e muito menos a dualidade que se estabeleceu entre esses conceitos na modernidade). Mas de uma forma geral, para fazermos um estudo embasado do significado da Tradição Esotérica Ocidental, precisamos primeiramente nos livrar de quaisquer relativismos que dificultem a análise das bases epistemológicas da espiritualidade no Ocidente (GUÉNON, 2017); e isso passa necessariamente por deixarmos claro o que é “ocidental” (espiritualmente falando) e o que simplesmente não é.

          Falar abertamente de cada um desses quatro centros culturais demandaria muito tempo (o que não é o objetivo deste artigo). Futuramente tentaremos abordar a importância de cada um desses centros culturais do ser humano para a formação da Tradição Esotérica Ocidental; porém, o que nos interessa aqui, é saber que o Esoterismo Ocidental se pauta, a partir de tudo, numa busca pela explicação das coisas materiais. O Esoterismo Tradicional no Ocidente procura uma justificativa para a existência humana, seus problemas e suas soluções. Ele quer explicações concretas para assuntos muitas vezes sutis; busca justificativas para questões aparentemente sem solução. Por isso, falar de uma “Tradição Esotérica Ocidental” é antes de tudo “[…] ir ao fundo de seu pensamento, e de lá lançar-se para as extremidades, porque esse centro abriga todo o conjunto” (RIFFARD, 1990, p. 9).

             Falar de Esoterismo Tradicional no Ocidente é falar de algo que é completamente alheio ao pensamento científico moderno. A Tradição Esotérica Ocidental não se respalda e nem busca se aproximar da ciência moderna por um motivo muito simples: a busca esotérica é a busca por respostas de assuntos que não são objeto de estudo da ciência materialista (vida pós-morte, contato com espíritos e entidades, consulta a oráculos, existência de Deus, etc.). A ciência moderna até admite seus limites e reconhece que não é capaz (e nem tem intenções) de trabalhar sobre esses assuntos. Porém, mesmo quando reconhece sua impossibilidade de atuação nos assuntos comumente abordados pelo Esoterismo, a ciência moderna o faz de forma pejorativa; assim, é comum que a ciência materialista, ao se referir ao Esoterismo, o faça de maneira vexatória, humilhante, escandalosa (RIFFARD, 1990).

              Ainda assim, a Tradição Esotérica Ocidental não deve nada à ciência moderna. Ao contrário do Esoterismo Moderno (que é uma derivação da Tradição Esotérica Ocidental), que tentou e ainda tenta (de maneira inadequada) se alinhar ao pensamento científico moderno (conforme veremos ao longo desta série), o Esoterismo Tradicional não guarda e nunca guardou nenhuma intenção de se aproximar, compactuar ou dialogar com os valores iluministas que predominam no método científico moderno. Isso porém, não significa que a Tradição Esotérica Ocidental seja “rival” da ciência materialista (ou negue seus avanços e descobertas no Ocidente): são dois campos de conhecimento distintos, que não precisam (e não tem a mínima necessidade) de serem unificados ou “aproximados à força”. De certa forma, “o Esoterismo se revela por si mesmo. Não precisa de um psicanalista ou de um crítico. Possui sua própria linguagem” (RIFFARD, 1990, p. 28).


           A essa altura, já deve ter ficado claro ao leitor qual o campo de atuação da Tradição Esotérica Ocidental: a busca por respostas a questões que incomodam o homem do Ocidente (questões essas que não podem ser respondidas pelo método científico moderno). A partir disso, podemos também evidenciar outra coisa: a espiritualidade oriental (representada especialmente por elementos do hinduísmo e do budismo) não faz parte do corpo de conhecimentos trabalhados na Tradição Esotérica Ocidental. Essa, por si só é uma constatação que parece contradizer (e irritar) profundamente os espiritualistas modernos, entusiastas que defendem a existência de uma espiritualidade sincrética que misture “o melhor de cada corrente espiritual”.

            Não estamos dizendo que a espiritualidade do Oriente não tem seu valor: a questão não é essa. Ela tem seu valor e sua beleza, e certamente possui resultados comprováveis entre os seus adeptos orientais (e às vezes até ocidentais). Porém, o que está em jogo aqui é outra coisa: a construção da identidade da Tradição Esotérica Ocidental faz uso de valores que não são abordados (ou mesmo compreendidos) pela espiritualidade do Oriente.

       Argumentos do tipo “Yoga funciona”, “meditação budista é ótima” ou “a espiritualidade oriental é mais honesta que a ocidental” não justificam ou explicam a aproximação de conceitos orientais à espiritualidade do homem ocidental. Esses são argumentos comumente usados pela modernidade para justificar sua busca por algo que contradiga aquilo que lhe desagrada no Ocidente, fazendo-a correr atrás de um “conhecimento secreto” ou de uma “verdade inédita no Ocidente” por meio de elementos espirituais orientais. Essa aproximação, na verdade, foi feita no século 19, através da expansão do Esoterismo Moderno (que iremos ver com detalhes no decorrer desta série de artigos).

        Na verdade, a espiritualidade oriental (que nem sequer é conhecida como “esotérica” pelos adeptos de suas culturas) não compactua dos valores do homem ocidental, ao contrário: o raciocínio do homem oriental é pautado em preocupações absolutamente distintas daquelas demonstradas pelo homem ocidental. Enquanto o oriental tende a ter uma forma de raciocínio mais psiquista (preocupada com sua própria mente) e ao mesmo tempo preocupada com o bem estar de sua sociedade, o homem ocidental tende a se preocupar com o externo a si (exterior à sua mente) e buscar melhorias e avanços para si mesmo.

          Nem um nem o outro estão errados: tratam-se de pontos de vista essencialmente distintos. Isso se expressa de forma ainda mais nítida na espiritualidade: o oriental procura meditar, “esvaziar sua mente”; o ocidental anseia por resultados visíveis, através de evocações, invocações e orações. Assim,

“O Oriente se baseia na realidade psíquica, isto é, na psique, enquanto condição única e fundamental da existência. […] Trata-se de um ponto de vista tipicamente introvertido, ao contrário do ponto de vista ocidental que é tipicamente extrovertido. […] A introversão é, se assim podemos nos exprimir, o estilo do Oriente, ou seja, uma atitude habitual e coletiva, ao passo que a extroversão é o estilo do Ocidente” (JUNG, 2011, p. 17-18).


          Mesclar aspectos espirituais do Oriente à espiritualidade do Ocidente é algo absolutamente alheio à essência da Tradição Esotérica Ocidental. A própria Psicologia (tão admirada e utilizada no Esoterismo Moderno) faz questão de enfatizar as diferenças de interesses e de raciocínio entre orientais e ocidentais, e por esse motivo fizemos questão de citar Jung (2011), uma vez que ele é um dos baluartes da espiritualidade moderna.

          Apesar disso, ainda podemos afirmar com clareza que a espiritualidade oriental guarda em si uma base dos valores da Tradição, que também são abordados no Esoterismo Tradicional do Ocidente. É essa base que faz com que, em certos momentos, certos elementos e símbolos espirituais (como a cruz, por exemplo) sejam comuns em culturas aparentemente inconciliáveis (GUÉNON, 2017).

       Há também três características comuns na Tradição Esotérica Ocidental, que merecem ser citadas como marcas registradas da espiritualidade no Ocidente:

A importância do “segredo” na prática espiritual;
A crença na existência de seres espirituais (e no contato com eles);
A diferenciação entre indivíduos “iniciados” (praticantes do Esoterismo), e “não-iniciados” (praticantes de uma espiritualidade mais básica e externa, comumente denominada “Exotérica”).


          O “segredo” é uma das características primordiais da Tradição Esotérica Ocidental: não se pode nem se deve falar abertamente das práticas espirituais que se faz.

          No pensamento ocidental, cada ser humano deve ser capaz de descobrir a verdade a partir de sua própria experiência (mesmo que essa verdade seja comum a todos que a busquem). Assim, revelar segredos de práticas espirituais torna-se prejudicial não pela revelação em si, mas pelo fato de prejudicar a busca dos outros pela verdade, conforme relata Dubuis:

“Do not hide the processes which lead to Knowledge, but keep very quiet about the nature of the experiements and experiences which result from the acess to this Knowledge[1]”. (DUBUIS, 2000, p. 6)


          A crença na existência de seres espirituais (e no contato com eles) também é uma característica básica da Tradição Esotérica Ocidental. Essa característica é fruto da influência direta do xamanismo, onde o operador frequentemente tem contato com entidades das mais diversas espécies (anjos, demônios, elementais, desencarnados, etc.), gerando uma espécie de trabalho espiritual específico conhecido no Ocidente como “Teurgia” (que abordaremos a seguir).

          Finalmente, a diferenciação entre indivíduos “iniciados” e “não-iniciados” é outra característica comum na Tradição Esotérica Ocidental, que foi ainda mais aprofundada no Esoterismo Moderno. No Ocidente, a história nos mostra que é comum separar-se indivíduos por sua classe social, ou por suas “qualidades”. No caso da espiritualidade, essa separação é feita da seguinte forma: os indivíduos devidamente preparados eram introduzidos aos mistérios sagrados de uma religião através de cerimônias específicas (as chamadas “iniciações”). Eram esses indivíduos que tinham acesso ao conhecimento “interno” ou reservado de certas religiões (chamado de “Esotérico”, com a letra “S”).

        Já ao resto da população, era comumente destinado um tipo de conhecimento básico, comum a todos que não fossem iniciados nos mistérios de determinada religião. Esse é o chamado conhecimento “Exotérico” (com “X”), um corpo externo de saberes que era transmitido a todos os que se mostravam incapazes de aprofundar-se nos mistérios de determinado corrente filosófica ou religiosa.

          No próximo artigo da série, discutiremos como a Tradição Esotérica Ocidental manifesta-se de maneira prática nas correntes espirituais do Ocidente, através de suas três artes espirituais (o chamado “trivium hermético”).

 No artigo anterior, vimos que a Tradição Esotérica Ocidental é a manifestação espiritual da própria Tradição, por meio do substrato de quatro grandes culturas do Ocidente (Cultura Céltica & Pagã e Xamanismo Afro, Cultura Egípcia, Cultura Greco-Romana e Cultura Judaico-Cristã).

          Na 3ª parte desta série, iremos analisar de que forma o Esoterismo Tradicional do Ocidente se manifestou (e ainda se manifesta) em termos práticos, através de seu “tripé espiritual” (ou “trivium hermético”).


O trivium hermético: a base metodológica da Tradição Esotérica Ocidental

          Vimos que a Tradição Esotérica Ocidental é pautada nas culturas celta, egípcia, greco-romana e judaico-cristã, e como o Esoterismo Tradicional praticado no Ocidente afasta-se de conceitos iluministas e modernos (além de afastar-se também de conceitos orientais). A partir de agora, tentaremos entender como a Tradição Esotérica Ocidental manifesta-se de forma prática, através das suas três artes herméticas.

          O trivium hermético é a base de toda a Tradição Esotérica Ocidental. É sobre essas três artes (Astrologia, Alquimia e Teurgia) que o Esoterismo Tradicional do Ocidente repousa suas práticas. Assim, qualquer sistema filosófico ou espiritual que não faça uso dessas três artes herméticas, em maior ou menor grau (ou faça uso de apenas algumas delas), não pode ser considerado “tradicional”, ou mesmo “pertencente” à Tradição Ocidental. Aqui, grande parte das Ordens Iniciáticas modernas e correntes filosóficas pós-século 19 já perdem sua “aura” (muitas vezes presunçosa e desonesta) de tradicionalismo.

          É preciso destacar que quando se fala do trivium hermético, estamos nos referindo à três artes específicas: a Astrologia Tradicional (e não a Astrologia Moderna); a Alquimia Laboratorial (e não a Alquimia psicológica comumente abordada a partir do século 19); e a Teurgia (e não a prática de magia psiquista ou psicologizada, ou mesmo os exercícios orientalistas amplamente divulgados a partir do século 19).

          A modernidade adaptou ou criou variações das três artes do trivium hermético. Essa foi uma estratégia utilizada pelo Esoterismo Moderno como tentativa de puxar para si alguma forma de “validação histórica” que lhe possibilitasse obter a mesma credibilidade da Tradição Esotérica Ocidental. Para isso, a modernidade apropriou-se das artes herméticas e as transformou em “ciências ocultas” (RIFFARD, 1990), dando a elas um ar de “cientificidade” e as tentando aproximar do método científico moderno.

        É desnecessário dizer que tanto a Astrologia Tradicional, quanto a Alquimia Laboratorial e a Teurgia não são ciências (no sentido materialista do termo “ciência”). As três são artes espirituais, porque demandam de seus operadores habilidade de manuseio e sensibilidade para se interpretar os resultados obtidos (sensibilidade essa que simplesmente não existe no método científico moderno, pautado na frieza e na busca por resultados imediatos). É por essa razão que não nos referimos nunca à Astrologia, Alquimia ou Teurgia como “ciências espirituais” (mesmo que muitos estudantes da modernidade prefiram se referir a elas dessa forma), visto que tratá-las como ciências (mesmo que espirituais) já é um grande passo para se analisá-las sob um viés materialista moderno.


          De acordo com o alquimista Jean Dubuis, o estudo do trivium hermético é amplo, e exige do praticante muita dedicação e seriedade de intenções. O autor chama o trivium hermético de “retrato tríplice” (em alusão a alguma estrutura de altar que faça uso de três imagens religiosas simultaneamente), e deixa claro que o estudo das três artes é costumeiramente mais profundo do que se imagina, envolvendo também o estudo de simbolismo, numerologia e mitologia (DUBUIS, 2000).

         Eliphas Levi, tido como um dos baluartes da espiritualidade moderna, também dividiu a Tradição Esotérica Ocidental em Astrologia, Alquimia e Teurgia. Porém, ele usou nomenclaturas diferentes para se referir ao trivium hermético: o autor separou a Cabala da prática de Magia, e incluiu o estudo de Astrologia no que ele denominou simplesmente de “Hermetismo” (LEVI, 2009). Seja como for, mesmo que diferentes autores tenham adotados nomenclaturas distintas (ou feito divisões diferentes), a base de prática espiritual da Tradição Esotérica Ocidental reside sempre nas três artes do trivium hermético.

         A primeira arte do trivium hermético é a Astrologia Tradicional. Ela é a arte responsável pelo estudo dos astros, e por sua influência nas ações dos seres humanos. É também a base do trivium hermético, e o trabalho com as outras duas artes (Alquimia Laboratorial e Teurgia) exige necessariamente conhecimentos astrológicos (especialmente para a escolha do melhor momento para se efetuar trabalhos espirituais, a chamada “Astrologia Eletiva”).

         Diferente da Astrologia Moderna (pautada no bem estar do ser humano e na explicação da personalidade do homem ocidental), a Astrologia Tradicional tem como principal foco a predição de acontecimentos na vida do homem. Sua base epistemológica é essencialmente pautada na ideia de “destino” trabalhada no Estoicismo, e também bastante influenciada pelo ideário espiritual judaico-cristão, responsável pela divulgação da ideia dos astros como “representantes do criador”.

          A segunda arte hermética é a Alquimia Laboratorial. Ela é o trabalho de evolução espiritual que é feito através do auxílio à evolução da própria natureza, por meio da manipulação direta da matéria. Apesar de o nome sugerir algo meramente experimental e feito em laboratório, a Alquimia Laboratorial tem também um aspecto espiritual: a prática do oratório. É daí que surge a expressão latina “Ora et Labora” (reza e trabalha).

         A Alquimia Laboratorial se divide de acordo com o “reino” no qual o trabalho alquímico é realizado: Animal, Vegetal ou Metálico. Todavia, na prática, o trabalho alquímico é comumente dividido em duas categorias: Espagiria (trabalho com os vegetais) e Alquimia propriamente dita (trabalho com os metais).

A Alquimia Laboratorial (ou Operativa) consiste no trabalho com a natureza, através da manipulação direta da matéria. O alquimista busca aperfeiçoar os processos realizados pela natureza, produzindo tinturas, elixires e medicamentos capazes de manter a essência da matéria trabalhada e curar o ser humano.

Já a Teurgia é o trabalho de evolução espiritual através do contato direto com o Todo-Poderoso, por meio das entidades que compõem as diversas hierarquias espirituais presentes na criação. Também conhecida no Ocidente (nem sempre de maneira correta) como Magia Cerimonial, a prática de Teurgia consiste essencialmente no trabalho de Invocação e Evocação de anjos, arcanjos, demônios, elementais, desencarnados ou mesmo dos nomes divinos de Deus, como forma de se obter conhecimento direto das entidades que compõem a criação.

        Constantemente pautada na prática de orações, a Teurgia tornou-se também popular no Esoterismo Moderno, através da popularização simplificada (e estereotipada) da Goetia (sistema mágico cerimonial pertencente à Tradição teúrgica Salomônica). É necessário também dizer que a Teurgia não faz levantamentos morais em torno de seu trabalho, e por mais clichê que possa parecer, é necessário ressaltar que a divisão entre “magia branca” e “magia negra” (muito difundida no Esoterismo Moderno) diz mais respeito às intenções do operador que à prática de Teurgia em si.

          Para Jean Dubuis, o trivium hermético é um estudo que vai “além da vida”: assim,

As a summary, Alchemy would be the study of chemistry plus Life; Magic the study of physics plus Life; and Astrology the study of Astronomy plus Life. (DUBUIS, 2000, p. 121).[1]


          Conforme o leitor deve ter percebido, a Cabala não está inclusa como uma das três artes herméticas. Por isso, é preciso deixar claro qual a posição da Cabala na Tradição Esotérica Ocidental (uma vez que ela guarda muita popularidade entre os sistemas filosóficos e espirituais da modernidade).

         A Cabala não foi citada no trivium hermético por uma razão muito simples: uma parte dela já está contida na Teurgia, como parte integrante desta última (no que muitos autores medievais denominavam de “Cabala Prática”, ou simplesmente “Cabala Cristã”).

         A Cabala é parte essencial do misticismo judaico, e por isso mesmo, fator primordial na formação da identidade da Tradição Esotérica Ocidental (como parte da cultura judaico-cristã). Sua atuação na espiritualidade do Ocidente ganhou grande destaque a partir do século 13, por meio da divulgação feita por Moisés de Leon. A partir daí, a Cabala foi fortemente utilizada na prática de magia cerimonial tradicional nos séculos que seguiram, fosse através do uso do alfabeto hebraico, fosse através da utilização de chaves de invocação de anjos, arcanjos ou dos nomes divinos do criador. Toda essa utilização ficou popularmente conhecida entre os autores ocidentais como “Cabala Prática”, ou mais precisamente “Cabala Cristã”, parte integral da Teurgia.

        Obviamente, a Cabala tem um corpo de conhecimentos bem mais vasto que seu aspecto prático (que foi incorporado à Teurgia Ocidental). Porém, o aspecto cabalístico comumente adotado na prática teúrgica ocidental diz respeito ao auxílio que a Cabala (enquanto arte espiritual judaico-cristã) pode oferecer ao trabalho mágico do Ocidente. Isso inclui diretamente a abordagem prática do alfabeto hebraico e as maneiras corretas de se invocar nomes divinos comumente presentes em círculos mágicos e inscrições contidas na parafernália mágica. Esse tipo de trabalho espiritual foi intensamente feito no período medieval, onde os cabalistas cristãos que trabalhavam com a Teurgia, “[…] se interrogavam sobre os nomes dos anjos, sobre a significação dos textos bíblicos à força de anagramas” (RIFFARD, 1990, p. 581).

          A essa altura, já deve ter ficado claro ao leitor que a Tradição Esotérica Ocidental sustenta sua metodologia prática em três artes distintas (com a Cabala estando inclusa em uma delas, por meio de um sincretismo). Astrologia, Alquimia e Teurgia formam a base de toda a prática espiritual do Esoterismo no Ocidente, e as três sempre estiveram presentes na espiritualidade ocidental, fosse na cultura celta e xamânica, na egípcia, na cultura greco-romana ou mesmo no panorama judaico-cristão.

         Como dissemos anteriormente, o trabalho com o trivium hermético é condição sine qua non para que qualquer corrente filosófica ou espiritual seja considera “tradicional” ou mesmo pertencente à Tradição Esotérica Ocidental: trabalhar com as três artes simultaneamente é algo absolutamente necessário (apesar de aparentemente “impossível” na atualidade, por conta da falta de praticantes genuínos da Tradição Esotérica Ocidental).

Para a Teurgia Ocidental, a prática mágica consiste justamente de se trabalhar em conjunto com espíritos, anjos e demais entidades como forma de se obter resultados concretos e manifestações no plano físico. Para isso, a linguagem cabalística é utilizada como ferramenta de enriquecimento das operações teúrgicas, fazendo com que a Cabala seja parte integrante da Teurgia (mas não uma arte hermética independente, no trivium hermético).

 O trabalho com apenas duas dessas artes, ou mesmo com apenas uma, já são suficientes para se caracterizar qualquer Ordem Iniciática ou corrente filosófica como “não-tradicional” ou não pertencente à Tradição Ocidental (conforme já explicitado pelos autores citados ao longo do artigo). Assim, as correntes filosóficas e espirituais, e as Ordens Iniciáticas que não se enquadram como “tradicionais”, encaixam-se quase que automaticamente como pertencentes ao Esoterismo Moderno.

          No próximo artigo desta série, iremos analisar as origens do Esoterismo Moderno, a grande influência que essa forma de espiritualidade sofreu do Iluminismo, e os problemas epistemológicos que ele enfrenta para se respaldar enquanto corrente espiritual no ocidente.

  Na 5ª parte desta série de artigos, vimos como o Esoterismo Moderno tomou forma a partir do século 19, e se consolidou como uma tradição espiritual independente, delimitando um corpo teórico a partir de autores considerados “mestres espirituais” na modernidade (Eliphas Levi, Papus, Helena Blavatsky e Crowley).

        A partir de agora, encerraremos esta série de artigos sobre a Tradição Esotérica Ocidental analisando de maneira profunda como o Esoterismo Moderno ratificou de maneira definitiva seus pressupostos filosóficos a partir do século 20, e como ele tem sido vítima dos próprios valores iluministas que abraça, sofrendo de um relativismo conceitual que o impede de chegar a qualquer conclusão sobre a Verdade (e o afastando da essência da Tradição Esotérica Ocidental).


O Esoterismo Moderno e suas infinitas correntes espirituais: para onde caminha a espiritualidade do homem contemporâneo?

          O Esoterismo Moderno estimula a mistura, o sincretismo, a absorção desenfreada (e sem critérios) de conhecimentos muitas vezes incompatíveis, através da lógica moderna de que “de tudo se deve extrair um pouco”. Só que essa lógica cria estudantes incompletos e medíocres, que dominam superficialmente aspectos de muitas correntes e doutrinas diferentes, mas que não conseguem desempenhar um papel satisfatório em nenhuma delas.

     Curiosamente, o Esoterismo Moderno parece ser vítima dos próprios ideais iluministas que abraçou (e dos quais construiu sua identidade). Assim, ao mesmo tempo em que prega uma releitura da Tradição, a espiritualidade moderna vê-se perdida em meio a uma diversidade quase infinita de tendências espirituais,filosofias e correntes religiosas, sem que nenhuma delas possa ser classificada como “autêntica” ou “verdadeira”. Como o Esoterismo Moderno abraça “várias verdades”, a autenticidade de cada corrente filosófica que compõe a espiritualidade contemporânea vai depender sempre da interpretação pessoal de cada buscador (Subjetivismo). E é justamente aí que os estudantes de esoterismo da modernidade caem num verdadeiro “labirinto”.

O Esoterismo Moderno abraçou os ideais iluministas (especialmente o Relativismo) a tal ponto, que encontra-se praticamente num “beco sem saída”: há caminhos espirituais demais, e verdades de menos. Assim, o homem contemporâneo se vê numa verdadeira “selva de conceitos”, sem que nenhum lhe pareça confiável ou definitivo.

Diferente da Tradição Esotérica Ocidental, que é respaldada em critérios definidos e possui uma base epistemológica sólida e comum em todas as culturas ocidentais nas quais se manifesta, o Esoterismo Moderno tem uma dificuldade enorme em estabelecer critérios práticos de análise da espiritualidade. Isso ocorre porque a modernidade parece caminhar sob um ideal fantasioso de “democracia” (outro fruto da influência iluminista), que quer dar a todos “vez e voz” na construção de identidade de qualquer coisa (incluindo a espiritualidade). Assim, o Esoterismo Moderno, amarrado aos ideais iluministas do Relativismo e do Subjetivismo, deixa à cargo de cada buscador interpretar como quiser os resultados que obtém de suas práticas espirituais, gerando uma verdadeiro festival de achismos e análises distorcidas de coisas que poderiam ser classificadas de maneira objetiva e concreta.

         Ao leitor, deixo um pequeno “desafio”: pergunte a algum estudante de esoterismo da atualidade quais resultados ele obteve de suas práticas espirituais (sejam elas quais forem). É bem provável que você receba respostas do tipo “tive resultados extraordinários”; “senti energias positivas a meu redor, durante minhas práticas”, ou mesmo respostas relativistas do tipo “o que são resultados pra você? Tudo pode ser considerado resultado”. Os estudantes de Esoterismo Moderno tem enorme dificuldade para sistematizar os resultados que obtém de suas práticas, justamente porque o próprio Esoterismo Moderno (através de grande parte de suas correntes filosóficas e espirituais) não estabelece critérios claros de análise de resultados, ou de interpretação de práticas espirituais.

         É importante ressaltar que nesse “samba do crioulo doido”, alguns valores da Tradição Esotérica Ocidental foram mantidos (e até fortalecidos!) no Esoterismo Moderno. Não porque esses valores são importantes para a modernidade, mas porque seu uso é estratégico aos objetivos da espiritualidade moderna. Estamos falando do “segredo” e da separação dos indivíduos entre “iniciados” e “não-iniciados”.

          A importância do segredo e da separação da sociedade entre “iniciados” e “não-iniciados” (chamados na modernidade de “profanos”) está intimamente ligada ao nascimento e expansão das Ordens Iniciáticas modernas no século 19. Muitas dessas instituições espiritualistas se apresentaram como detentoras de algum tipo de “sucessão espiritual” (obviamente remontando aos primórdios da Tradição Esotérica Ocidental). Assim, no Esoterismo Moderno nascido no século 19, apenas as Ordens Iniciáticas eram capazes de manter segredo sobre os conhecimentos “milenares” que possuíam, e seus membros (iniciados) eram constantemente aconselhados a não se misturar com os “profanos” (não-iniciados). Isso criava uma sensação (presunçosa) de “superioridade espiritual” dos membros dessas Ordens, que se achavam “mais gabaritados” que os indivíduos que não fossem “iniciados” (o que obviamente, forçava os não-iniciados a procurarem a iniciação dentro das Ordens). É justo ressaltarmos, no entanto, que esse tipo de raciocínio tem sido duramente combatido no seio da própria modernidade através do discurso conciliatório do movimento “New Age” (Nova Era) e da suposta “Era de Aquário” (que traria a verdade de qualquer assunto à tona).

          Seja como for, é por essa razão que as Ordens Iniciáticas modernas fizeram uso desses aspectos (segredo e valorização da iniciação) tão caros à Tradição Esotérica Ocidental (e não por simplesmente considera-los “importantes” ou “autênticos”).

          É necessário destacar também, que o conceito da espiritualidade moderna sobre o termo “iniciação” difere e muito da interpretação dada pelo Esoterismo Tradicional a esse termo. De uma forma geral, o Esoterismo Moderno parte da ideia de que seres humanos (iniciados) podem iniciar outros seres humanos em alguma vertente espiritual, e as Ordens Iniciáticas do século 19 se valeram desse raciocínio para divulgar fortemente o raciocínio de que a “Iniciação” só poderia ser obtida dentro de suas estruturas, por membros devidamente iniciados. Porém, essa interpretação dada pelas Ordens Iniciáticas modernas, considerava a iniciação como sinônimo de cerimônias que deviam ser realizadas na estrutura das Ordens, exclusivamente por seus membros ou aspirantes a membros (GUÉNON, 2017).

A filosofia “New Age” (Nova Era) é uma forma de espiritualidade muito ativa no Esoterismo Moderno, pautada numa visão espiritual eclética, descentralizada, focada no bem estar (Holismo) e no “progresso espiritual” do homem contemporâneo. Para os adeptos do pensamento “Nova Era”, nada pode permanecer oculto ou inacessível ao ser humano, pois a humanidade está vivendo um período de “renascimento espiritual” (a chamada “Era de Aquário”) onde todos os segredos serão abolidos.

O pensamento da Tradição Esotérica Ocidental a respeito do conceito de iniciação é diferente: na verdade, a “Iniciação” (sob um ponto de vista tradicional) é um processo espiritual acarretado por meio da experiência direta (prática) do buscador, através do trabalho com o trivium hermético. Assim, a iniciação não depende de outro ser humano (mesmo que ele seja iniciado em Ordens Iniciáticas), mas sim do trabalho espiritual feito pelo buscador. De forma simplificada, dum ponto de vista tradicional, apenas Deus pode conceder uma “iniciação espiritual a alguém”, seja por meio de sua graça direta, seja através das hierarquias da criação e dos seres que a compõem (anjos, arcanjos, demônios, elementais, espíritos desencarnados, etc.). Logo, o conceito tradicional de “Iniciação” não gira necessariamente em torno de um “iniciador humano”.


Considerações Finais

          A Tradição Esotérica Ocidental é um corpo de conhecimentos transmitido de geração á geração através dos séculos, pautado nas manifestações culturais de quatro grandes civilizações ocidentais: a civilização celta, a civilização egípcia, a civilização greco-romana, e a civilização judaico-cristã. É dessas quatro culturas (e das culturas diretamente influenciadas por elas) que se sustenta toda a base sócio-histórica da Tradição Esotérica Ocidental.

         A Tradição manifesta-se de formas diferentes em cada uma dessas culturas, mantendo a mesma essência em cada um delas (e usando roupagens diferentes de acordo com a carga histórica e cultural de cada um dos pólos nos quais se manifesta). Assim, não existem “várias tradições” no Ocidente: existe somente uma Tradição, que é perene (não dependente do tempo) e que se manifesta de formas aparentemente diferentes, mas essencialmente similares em sua essência (através dos valores tradicionais).

           Quanto à sua forma de manifestação, a Tradição Esotérica Ocidental manifestou-se nas quatro culturas (céltica, egípcia, greco-romana e judaico-cristã) através do chamado “trivium hermético”: a Astrologia, a Alquimia e a Teurgia. Foi através dessas três artes herméticas (sempre presentes em maior ou menor grau), que a Tradição Esotérica Ocidental manifestou sua base prática ao longo dos séculos.

          Por outro lado, o Iluminismo (a partir do século 17) veio à tona na cultura ocidental como um rival da Tradição, e procurou (e ainda procura) enfraquecer a essência da Tradição através das correntes de pensamento que formam o pensamento iluminista (Relativismo, Humanismo, Empirismo, Subjetivismo, Ceticismo, Materialismo e Progressismo, Pragmatismo, etc.). O Iluminismo atingiu diretamente a Tradição Esotérica Ocidental a partir do século 19, gerando o que conhecemos atualmente como o Esoterismo Moderno: uma tradição autônoma, gerada a partir da Tradição Esotérica Ocidental, mas compactuando de valores e ideias alheios à sua origem.

          O pensamento iluminista está “entranhado” no Esoterismo Moderno “até os dentes”, e nada que seja considerado tradicional ou pertencente à Tradição Esotérica Ocidental escapa incólume à abordagem da espiritualidade contemporânea: “adaptar” é sua palavra de ordem, e “deturpar” é seu sobrenome (RIFFARD, 1990).

          Com isso, não queremos dizer que o Esoterismo Moderno não tem um valor; ele certamente o tem, e não é nossa intenção “exterminá-lo” ou mesmo deturpá-lo (como o Iluminismo procurou fazer com a essência da Tradição, em seu surgimento). O problema aqui não é simplesmente o fato de o Esoterismo Moderno existir: é comprovarmos o que ele faz (em relação à Tradição) ao longo de sua existência. E o que ele tem feito não é algo que possamos considerar “benéfico” ou “positivo” ao pensamento da espiritualidade tradicional ocidental: o Esoterismo Moderno simplesmente tem seguido à risca a cartilha iluminista de combate aos valores tradicionais e à essência da Tradição Esotérica Ocidental (sua própria fonte de origem), porque sua própria essência é procurar modificar tudo que toca.

          O fato de que o Esoterismo Moderno trabalha através de adaptações de conceitos considerados tradicionais, é comumente justificado pela modernidade com o argumento de que “o homem moderno não pode usar os mesmos métodos espirituais que os homens de outras eras usaram”.

       Outro argumento comumente usado pelos sistemas esotéricos modernos para justificar a utilização (e mudança) de conceitos tradicionais, seria o de que “a modernidade é a evolução da Tradição”, e, portanto, “o Esoterismo Moderno corrige os erros cometidos pelo esoterismo Tradicional”. Esses argumentos são absolutamente incoerentes e não explicam ou justificam o empobrecimento que a espiritualidade moderna ocasiona nos conceitos tradicionais de que se apropria. O problema aqui não são as adaptações feitas pela modernidade sobre os conceitos da Tradição Esotérica Ocidental: é a falta de coerência dessas adaptações, que terminam por gerar aberrações filosóficas e espirituais sem nenhuma consistência, no seio da espiritualidade moderna.

          Da mesma forma, fica-nos claro que a modernidade nunca “corrigiu” nenhum dos “erros” que alega haver na manifestação da Tradição ao longo dos séculos…. pois se o tivesse feito, ela mesma não teria gerado falhas na espiritualidade do homem contemporâneo. Não estamos dizendo que a Tradição Esotérica Ocidental não tenha falhas; certamente ela o tem (visto que o conceito pleno de “perfeição” jamais pode ser manifestado neste mundo); porém, não foi o Esoterismo Moderno que “corrigiu” essas falhas. Assim, a modernidade não consertou nada do que classifica como “errado” na Tradição; ao contrário: acrescentou novas falhas à espiritualidade ocidental, ao mesmo tempo em que alega estar tentando “corrigir” os erros do passado, para desviar a atenção de suas próprias imperfeições (COOMARASWAMY, 2017).

          Esperamos que tenha ficado claro ao leitor o que significa a Tradição Esotérica Ocidental, qual o conceito de “Tradição”, e quais as diferenças (abissais) entre o Esoterismo Tradicional do Ocidente e o Esoterismo Moderno.

          Aos caros leitores, fica a dica: nem tudo que se diz ser “tradicional”, bebe realmente dos valores da Tradição Ocidental. Não se deve comprar “gato por lebre”, nem “bananas por maçãs”: são duas frutas diferentes, com sabores diferentes (embora gostosas), mas que nem sempre devem (ou podem) ser consumidas juntas.

         Cada ser humano tem liberdade para escolher o que quer seguir, e com qual vertente filosófica ou espiritual quer se alinhar. Todavia, é preciso se ter consciência do que se está seguindo, para se evitar decepções futuras. Não se pode usar o discurso de eterno buscador (“estou experimentando para saber o que escolho”), pois esse é um dos mantras modernos que tentam justificar a incapacidade dos buscadores espirituais da atualidade em fazer escolhas (mesmo as mais simples).

          Escolher o Esoterismo Moderno como caminho espiritual é um direito que cabe a qualquer ser humano, e é algo comum na atualidade (muitos estudantes que optam por trilhar a Tradição Esotérica Ocidental e seus valores, inclusive iniciam suas jornadas espirituais na espiritualidade moderna). Todavia, só não se pode escolher a modernidade, achando que se está optando por algo “tradicional”.

          A vida é feita de escolhas, e cada escolha deve ser feita com carinho, cuidado e atenção. Não se pode ter tudo na vida, ao mesmo tempo em que se deve ter noção mínima do que se quer obter numa senda espiritual. Como diriam certos “ditados populares”: “quem tudo quer, termina sem nada”; ou mesmo: “quem não sabe o que quer, não reconhece o que encontra”.


REFERÊNCIAS

COOMARASWAMY, Rama. Ensaios sobre a destruição da tradição cristã. Instituto René Guénon de estudos Tradicionais – IRGET. São Paulo: 2017.

GUÉNON, René. A crise do mundo moderno. Instituto René Guénon de estudos Tradicionais – IRGET. São Paulo: 2017.

RIFFARD, Pierre. O Esoterismo: antologia do esoterismo ocidental. Ed. Mandarim. São Paulo: 1996.
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica: Vol. 1. Edições Loyola. Rio de Janeiro: 2001.

COOMARASWAMY, Rama. Ensaios sobre a destruição da tradição cristã. Instituto René Guénon de estudos Tradicionais – IRGET. São Paulo: 2017.

GUÉNON, René. A crise do mundo moderno. Instituto René Guénon de estudos Tradicionais – IRGET. São Paulo: 2017.

GAUDRON, Matthias. Catecismo católico da crise na igreja. Ed. Permanência. Niterói-RJ: 2011.
DUBUIS, Jean. The Fundamentals of esoteric Knowledge. Triad Publishing, Gainesville-EUA, 2000.

GUÉNON, René. A crise do mundo moderno. Instituto René Guénon de estudos Tradicionais – IRGET. São Paulo: 2017.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião oriental. Vozes. Petrópolis-RJ: 2011.

RIFFARD, Pierre. O Esoterismo: antologia do esoterismo ocidental. Ed. Mandarim. São Paulo: 1996.

DUBUIS, Jean. The Fundamentals of esoteric Knowledge. Triad Publishing, Gainesville-EUA, 2000.

RIFFARD, Pierre. O Esoterismo: antologia do esoterismo ocidental. Ed. Mandarim. São Paulo: 1996.

[1] “De forma resumida, a Alquimia seria o estudo da Química aplicado à vida; a Magia, o estudo da Física aplicado à vida; e a Astrologia, o estudo da Astronomia aplicado à vida”. Tradução livre.

Site consultado: https://artemagnablog.wordpress.com/2018/02/09/entendendo-a-tradicao-esoterica-ocidental-parte-3/?fbclid=IwAR3PjelD4E5K4RyKmgl_n1bJiUuPZiGrpqM3abKYgH0srWk_UMlnVaivpGs

domingo, 14 de outubro de 2018

Sexualidade Sagrada Asenath Mason


O caminho da sexualidade sagrada é geralmente associado ao Tantra e às tradições mágickas do Oriente. No Ocidente ainda ocorre grande desentendimento e seus elementos são incorporados em alguns sistemas ritualísticos, mas raramente é abraçado como um caminho de crescimento espiritual. A função da Árvore Qliphótica neste paradigma também é subestimada. Os sistemas mágicos da tradição esotérica ocidental geralmente esquivam-se das Qliphoth, evitando qualquer contato com essas forças e descrevendo-as como obstáculos no desenvolvimento pessoal ao invés de uma ferramenta de crescimento e transcendência. Esta visão, no entanto, passa por transformações a todo momento. Praticantes modernos estão mais abertos às tradições obscuras e à magia do caminho da mão esquerda, e a visão sobre as Qliphoth está mudando de cascas que contém todo o “mal” do mundo para princípios iniciáticos detentores de um potencial de autodeificação individual.
Este livro abarca um dos aspectos mais fascinantes da Árvore da Morte: o caminho da transcendência através do sexo e da transgressão. Normalmente, quando pensamos sobre sexualidade sagrada, retornamos às épocas antigas e templos de prostituição ou temos em mente ritos imemoriais de fertilidade e adoração a deuses e deusas associados à natureza. Tudo isso é verdade, porém a sexualidade sagrada é mais do que isso. Em geral, podemos dizer que é qualquer atividade sexual que se destina a uma experiência espiritual e tem como propósito transformar o mundano em sagrado, o profano em santo, o físico em espiritual. Também podemos dizer que além da transformação, a função da sexualidade sagrada é fazer uma ponte entre o corpo e a mente. O cristianismo e outras religiões convencionais envenenaram a antiga visão do sexo como sagrado e divino, fazendo seus adoradores acreditarem que o ato sexual é algo vergonhoso, obsceno e pecaminoso.
Essa é uma poderosa convicção que ainda prevalece nas partes do mundo onde tais tradições religiosas são cultivadas. Antigos deuses da fertilidade com seus chifres, corpos peludos e enormes falos foram transformados em demônios na demonologia ocidental, e as antigas deusas com sua nudez, seios proeminentes e vulvas expostas tornaram-se símbolos de pecado e promiscuidade. Assim, a linda deusa de Gamaliel - Lilith em seu aspecto de Prostituta Sagrada - tornou-se “A Asna Obscena” com cabeça de mula, pernas peludas e asas de harpia. É apenas como escolhemos vê-la, mas perceber isto não é uma tarefa fácil. No mundo moderno as pessoas passam muito tempo bloqueando e suprimindo suas potencialidades sexuais, seguindo a longa tradição que tem sido contada de que o sexo é algo ruim e que usá-lo com outro fim, além da procriação, é errado. Podemos pensar que nos tempos atuais esta visão é diferente, mas não é sempre assim e o preconceito contra a sexualidade ser uma ferramenta de transcendência ainda é um tanto incompreensível, mesmo nas comunidades mágickas.
A utilização das Qliphoth nas práticas do sexo sagrado ainda é muito rara. No entanto, a verdade é que a Árvore da Morte permite acessar os deuses e deusas do mundo antigo em suas formas originais e sem distorções, despojadas de equívocos promovidos pelas religiões convencionais e pela má compreensão das tradições mágickas que evitam coisas como “mal” e “negro” e focam somente na reconstituição dos ritos antigos. Embora não haja nada de errado com isso, as antigas deidades ainda estão aqui para nos ensinar seus caminhos e podemos aprender diretamente com elas entrando em contato com o reservatório de energia e força que representam, e isso pode ser alcançado através do trabalho com a Árvore da Morte. 
Tendo tudo isso em mente, podemos dizer que o caminho da sexualidade sagrada é um conjunto de práticas que visam restaurar a conexão perdida entre o sexo físico e a espiritualidade, o erótico e o religioso, o corpo e o espírito - práticas que procuram o crescimento espiritual por meio da gnose da carne. Sexo é uma das melhores ferramentas de transcendência pessoal, pois nos ensina como lidar com nossa força vital, direcionar nossa energia interior e conectar com o universo, seja através de nossos parceiros ou pelo trabalho com espíritos e deidades pelos meios da gnose sexual. Com a prática da magia sexual, descobrimos nosso potencial interno, obtemos acesso a material inconsciente que normalmente é inacessível à mente consciente, e aprendemos como fazer nossa força vital fluir de forma desimpedida. Isso é conseguido trabalhando com nossos corpos, que inclui a exploração das nossas necessidades sexuais, impulsos e desejos, desenvolvendo nossos sentidos pelos deleites da carne e honrando tanto prazer quanto dor, pois ambos podem forçar nossos limites afim de nos ajudar a transcender nossas inibições pessoais.
A sexualidade sagrada é um poderoso caminho para a autodeificação. Ela não compreende o corpo como um obstáculo para o desenvolvimento espiritual, mas como um recipiente e um laboratório alquímico onde ocorre a transmutação do físico em espiritual. Esta mentalidade ensina encarar a carne como sagrada e abraçar o sexo como ferramenta de ascensão pessoal. No momento do orgasmo estamos mais próximos do divino e conseguimos contemplar o infinito e nos reconectar com a fonte de toda criação, o reservatório primordial de força existente nas raízes de todo universo. É sobre isso que o caminho de Gamaliel trata: abraçar sua sexualidade em todos os seus aspectos e enxergar o sexo como um veículo de crescimento espiritual e consciência pessoal. Render-se e abraçar o seu lado escuro não é encarado aqui como um sinal de fraqueza ou como se fosse vítima de seus impulsos e demônios, mas como uma expansão para algo que é muito maior que você: a própria divindade e a divindade em você.
O leitor também encontrará o seguinte neste livro. O autor apresenta rituais e métodos de trabalho com “Os Obscenos”, incluindo técnicas de invocação, sonho lúcido e magia com sangue, ensinando ao praticante como entrar no ventre da Deusa Lunar e comungar com suas máscaras e manifestações. Este caminho inicia-se na Caverna de Lilith, a vulva da Deusa Negra de Sitra Ahra, levando às profundezas de seu corpo. Técnicas de magia sexual e sexualidade sagrada são a melhor maneira de abordar este trabalho, e as imagens sexuais são o tema mais comum nos ritos de Gamaliel.
O caminho é marcado com sangue e somos guiados dentro de túneis vermelho-sangue do plano astral por serpentes, corujas e criaturas da noite - as crianças de Lilith. Fogo e sangue, sexo e dor, transgressão e transcendência - são todas palavras-chave na gnose desta Qlipha. Peregrinando através dos corredores manchados de sangue dentro do corpo da Deusa Lunar, aprendemos como usar a magia sexual para inflamar o fogo interno e elevar a Força da Serpente. A própria deusa virá nos ajudar em uma de suas muitas máscaras: Lilith, Naamah, Eisheth Zenumin, Agrat bat Mahalath e outras. Acompanhada por Samael, a Serpente e o Diabo, ela nos ensina que aquilo que percebemos como barreiras e limitações é apenas uma ilusão e que podemos nos livrar disso que restringe nosso caminho rumo ao divino. O profano torna-se sagrado, o corpo se transforma em templo e o espírito é elevado em êxtase de prazer e sofrimento, como a deusa também nos mostra que esses dois são um e a mesma coisa.
Para entrar em Gamaliel precisamos estar dispostos a experimentar tudo isso e muito mais, e é sobre isso que este grimório trata. Ele irá introduzi-lo no caminho da sexualidade sagrada, não em uma forma simbólica, mas através de intensas práticas de sangue e sexo, transes meditativos profundos e ritos de possessão, levando-o à alturas e profundezas e deixando-o carregado, transformado e faminto por mais. Pessoalmente, vejo Gamaliel como a parte mais fascinante da Árvore da Morte e desejo ao leitor uma linda jornada através deste reino místico.