segunda-feira, 17 de julho de 2023

Kenneth Grant - O Culto de Ku


A sacerdotisa Lî foi a minha conecção com o curioso Culto de Kû que originou-se no Sul da Ásia Oriental. Seu interesse no presente contexto mora no fato de que o coração do culto possui um sistema análogo ao Vodu Mystére dos 256 venenos, ou kalas, da Deusa.

No Culto os kalas são ostensivamente utilizados para adquirir riquezas e/ou promover vinganças, mas eles também possuem utilizações profundas e mágicas . O hieróglifo Kû comporta muitos significados, o primeiro dos quais é ‘magia negra’, em contraste à variedade branca conhecida como Wû. Como um ideograma Kû tem ao menos a idade de 3.000 anos. Ele denota um princípio mágico gerado por licenciosidade, um princípio que controla os espíritos daqueles tiveram uma morte violenta ou que tenham sido moralmente degenerados através de uma excessiva sensualidade. Ele é em alguns aspectos o equivalente Chinês do Mystére du Zombeeisme.

Seu instrumento mágico é uma bacia, tigela ou vaso d’água, e seu totem zoomórfico são os seguintes: inseto, verme, cobra, sapo, centopéia, etc. Enquanto que o comentário de Tsou Chuan revela: “Vasos e vermes fazem o kû, causado pela licenciosidade. Aqueles que tiveram morte violenta também são kû”.

O conceito básico de Kû é preservado no Yî King onde ele aparece como o décimo oitavo hexagrama. O comentário textual provido por Legge e outros é geralmente obscuro, mas os dois trigramas elementais que formam o hexagrama são aqueles os da terra e do ar, e portanto de acordo com o significado de Kû quando causa uma perda de alma ou sôpro. Isto vai bem de acordo com os antigos textos Chineses onde Kû é identificado com condições atmosféricas malignas tais como aquelas geradas, fisicamente, por regiões subterrâneas sulfurosas e pantanosas, ou psiquicamente, por eflúvios miásmicos de condições cadavéricas. Kû também indica a presença de maus espíritos e as auras insalubres de entidades artificiais criadas por meio de magia negra.

O que é de interesse especial aqui, é o fato de que, conforme alguns textos extremamente antigos, o Kû voa através da noite e aparece “como um meteoro”. Sua luminosidade aumenta e ele projeta uma sombra na forma humana; ele é então conhecido como t’iao-sheng-kû. A sombra pode desenvolver um grau de densidade que capacita-o a copular com mulheres, neste estágio ele é chamado chin-tsan-kû. Ele pode então ir aonde quer que ele deseje e dizem que ele espalha calamidades através da zona-rural. A crença popular encara o Kû como um maligno caçador da escuridão que arrebata as almas dos mortos. Tais crenças deram lugar à consideração de noites calmas oprimidas por pesadas nuvens em que irreconhecíveis objetos eram vistos reluzir e raiar como meteoros sobre o alto dos telhados e voar para o espaço. Tais luzes foram atribuídas ao Kû, e o Kû era capaz de devorar em suas correrias noturnas os cérebros das crianças. Ele também seqüestrava espíritos humanos. Nas famílias de feiticeiros que eram conhecidas como ‘guardiões Kû’, a mulher era sempre seduzida por este espírito.

O meteoro era identificado como o Kû voador ou a serpente Kû, uma referência oblíqua à Corrente Ofídica a qual os iniciados sabiam ter entrado na atmosfera da terá vinda do Exterior. O círculo de feiticeiros que servem a este espírito ‘venenoso’ tornam-se ricos. Esta crença é reminiscente de seu equivalente Vodu na deusa serpente Ayida Oeddo, de quem é dito “minha deusa serpente, quando você vem é como o flash de luz”. O espírito de Ayda Oeddo é “uma grande serpente que aparece apenas quando ela quer beber. Ela então descansa sua cuda sobre a terra e afunda sua cabeça na água. Diz-se que ‘aquele que encontra excrementos desta serpente é rico para sempre’”.

Partindo do fato de que as mulheres e meninas da família (círculo) são ditas serem seduzidas pela serpente, é evidente que a Corrente Ofídica manifesta seus venenos através dos kalas da fêmea. A serpente voa noturnamente “como um meteoro”. Quando ela alcança regiões esparsamente inabitadas ela desce e “come os cérebros de homens”. Tais mortais canibalizados tornam-se zumbis; “cérebros” significa inteligência, que, em troca, é símbolo de princípios vitais.

Um espírito similar ao chin-tsan-kû aparece na forma de um sapo ou rã. Ambas as formas, batráquia e ofídica, são familiares aos feiticeiros como totens do Senhor das Profundezas e do Grande Antigo. É interessante notar aqui que o Kû, como os OVNIs, parecem evitar as áreas populosas.Ele aterrissa ou materializa-se em regiões desertas. Outra similaridade com os relatos de OVNIs é que os ocupantes de tais engenhos algumas vezes fogem com várias partes do corpo humano. Os antigos Chineses foram compelidos a incorporar suas observações em um contexto ‘mágico’ para encontrarem termos para descrever o fenômeno da origem extraterrestre. A insistência sobre o simbolismo dos insetos é altamente significante em vista do som sussurrante credito por ser o arauto da proximidade ou advento do Grande Antigo.

Há ainda outro tipo de Kû. Ele era lendário por excretar ouro e prata e arremessa-los durante a noite, como raios. “Um grande ruído era criado por sua queda”. Também diz-se que OVNIs caem em uma grande rapidez sonora. Além do mais, “ele pode ser uma serpente, um sapo ou qualquer outra espécie de inseto ou réptil”. É mantido por seus adoradores em uma sala secreta, e alimentado pelas mulheres. Entretanto, ele é formado de puro Yin, o qual é uma maneira figurativa de dizer que é ele é um Kû vampiro que vive do sangue menstrual. É dito também que o Kû que devora homens excretará ouro, enquanto que o Kû que devora mulheres excretará prata. A chave para estas palavras deve ser procurada no simbolismo da alquimia Chinesa e interpretada à luz da Gnose Ofídica. Lê-se então: O Kû vampiro (fêmea) que suga a semente masculina (como íncubus), emana o kala criativo ou solar; o Kû vampiro (macho) que absorve o sangue menstrual (como succubus), emana o veneno lunar ou destrutivo. O processo divide-se naturalmente em Magick (sol) e Bruxaria (lua). Mas o kala lunar nem sempre é destrutivo ou corrosivo algo mais do que a corrente solar é invariavelmente criativa. Há gradações infinitas. Os Chineses estavam conscientes de uma sutil perichoresis, ou interpenetração de dimensões, e o Kû era talvez, uma das formas na qual eles simbolizavam-no. Ainda assim em quase todos os casos o processo envolvia um intercâmbio sexual entre mortais e extraterrestres – entre feiticeiros, meteoros ou ‘raios’.

O simbolismo do ‘pires’49 está também implícito no símbolo dual do Kû que inclui a bacia ou vaso, e o verme ou inseto. Os espíritos lunares e solares copulam nas águas contidas no vaso, assim imbuindo o fluído com os kalas vindos do Exterior.

O Yî chien chih pû lista quatro tipos de Kû: Kû serpente, chin-tsan-kû, Kû centopéia e Kû sapo. Eles podem mudar suas formas ou tornarem-se invisíveis. Cada um deles possuem suas consortes co as quais eles copulam a intervalos fixos em um vaso contendo água. Os venenos assim liberados fluem sobre a superfície da água e são coletados com uma agulha. A infusão é conhecida como a respiração ou espírito do Yin e Yang e é então injetado, durante uma visitação noturna nos genitais da vítima. O princípio vital é assim dominado e a vítima torna-se um zumbi, seu fantasma é daqui em diante controlado pelo Kû da mesma forma que o tigre escraviza o ch’ang. Esta explicação foi necessária para explicar os curiosos eventos que ocorreram em um encontro da Loja Nova Ísis quando Lî oficiou em um Rito de Kû interpretado de acordo com as linhas gerais do Nu-Aeon.

O templo da loja estava decorado com seda amarela rajada com malva.55 Lî tomou sua posição sobre um trono esculpido em ébano atapetado com malva. Ela usava um robe de seda negra enfeitado com uma serpente de esmeralda e rodeado com cordas de cetim, também de cor malva. As correias de sua sandália eram da forma de sapos forjadas em jade verde. No lugar do altar usual, estava um grande tanque repleto de um fluido colorido no qual aglomeravam-se muitos aparatos altamente realísticos sugestivos do Grande Antigo. Um grande gongo de bronze era golpeado para marcar os estágios do ritual que sucedeu.

Lî afundou em profundo transe. Seu corpo balançava ritmicamente como um delicado caule de um lótus negro cauterizado contra a brilhante seda amarela. Um sussurro quase inaudível procedeu vindo do capuz através da abertura da qual os olhos de Lî cintilavam vindo de seu sono mágico. Seus dedos estavam excepcionalmente longos e inclinados co brilhante verniz que refletiam raios de irradiações luminosas advindas da lamparina adornada com jóias que pendia, balançando lentamente na escuridão, acima do trono. Ela era uma lanterna de metal forjado de artesanato Árabe, suas janelas alternadas brilhavam com painéis multicoloridos que lançavam pesadas sombras por todo o aposento e dirigia um brilho esmeralda nas profundezas do tanque. Oito figuras encapuzadas rodearam o trono e tocaram a tempo o gongo. Suas reverberações criaram um vácuo que pareceu sugar na sala um curioso lamento, como de insetos dos quais a presença invisível tornava-se inacreditavelmente palpável.

O círculo dos adoradores fechou-se sobre Lî como um mar negro invadindo uma vívida praia amarela. Seu sussurro aumentou de uma baixa e pausada repetição de duas ou três notas a um alto falsete, assemelhando-se ao grito agudo dos guinchos de morcegos. A intensidade hipnótica do gongo, combinada com a concentração crescente do incenso que espiralava de um incensório em forma de dragão, evocou uma atmosfera bizarra, onde o incidente que ocorreria pareceria – aos participantes – como uma vívida realidade.

No clímax do rito Lî desprendeu seu robe e, como uma sombra branca, incrivelmente réptil, escorregou sobre beira do tanque. A medida que ele afundava nas águas, oito tentáculos fálicos alcançaram e prenderam-na.

Eles envolveram-na em um múltiplo maithuna no qual cada um dos tentáculos participava de cada vez. O cabelo de Lî, negro como a noite, formou uma ondulação lentamente arabesca, cada vívido tendão cauterizou-se contra a zona malva com precisão Dalínica.56 O orgasmo óctuplo que finalmente convulsionou-a foi registrado pelos adoradores ao redor do trono. Violentos paroxismos deslocaram os capuzes negros, revelando brilhantes cabeças calvas e os protuberantes olhos dos servos batráquios de Cthullu. Esta transação ocorreu apenas nas profundezas da zona-malva, pois a estática figura de Lî, ainda encapuzada, sentada mergulhada em uma poça como uma piscina de óleo sobre o ponto de escoamento abaixo das pernas do trono.

A medida que a Imagem amontoava intensidade nas mentes dos acólitos, as sombras lançadas pela lanterna assumia sobre o chão uma animação quase tangível e ofídica. Lentamente, as ondulações oleaginosas aproximaramse do tanque e começaram a e escalar suas paredes. A radiância malva resplandecia através delas e fazia de cada uma das formas pululantes uma pesada ampola repleta de líquido, um alongado saco de pus infuso com um veneno peculiar. Quando as sombras alcançaram a parede do tanque elas gotejaram em suas profundezas e fundiram-se com o fluido esverdeado. Ao contato deste novo elemento a forma Kû de Lî emergiu do abraço daquele yab-yum octópode e retornou repentinamente ao trono, descrevendo uma perfeita parábola quando o espírito penetrou a massa flácida sobre o trono e identificando-se uma vez mais com a casca vazia encapuzada. Nesse retorno repentino o Kû revelou-se como um réptil marinho ao meio termo entre uma serpente e um peixe.

A experiência de Lî confirmou algumas, se não todas, das principais descobertas de dois pesquisadores que contribuíram com um artigo sobre Magia Chinesa para o Jornal da Universidade da Pensilvânia, em 1933. A fase mais importante, entretanto, com suas implicações extraterrestres permaneceu inesperada por eles. O resultado do rito conteve alguns elementos que sugeriram que os Chineses possuíam um conhecimento oculto particular que precedeu qualquer evidência científica assim chamada de intervenção extraterrestre nos afazeres da humanidade. A substância sombra que pareceu viva e rastejava dentro do tanque era realmente algum tipo de óleo ectoplásmico secretado dentro do robe de Lî, seu refugo réptil. Isso deixou um depósito sobre o trono e um rastro de limo sobre os muros do tanque que emitiu um ganido lânguido mas alto quando dissolvido em ácido.

Como previamente notado, o Kû foi identificado com o décimo oitavo hexagrama do Yî King. O vaso ou tanque é tipificado pelo trigrama simbolizando o elemento Terra; ele aparece como uma cobertura acima do trigrama do espaço ou ar, assim encerrando, prendendo, ou capturando aquele elemento. Nesta retenção o elemento descarrega sua vitalidade, ou semente, como o verme (corrente ofídica) dentro de um conteúdo. Crowley, que trabalhou por muitos anos com o sistema do Yî King, comparou o hexagrama dezoito com seu reflexo - hexagrama cinqüenta e três – que é composto dos trigramas de Ar-de-Terra. Isto sugere ‘voar’, enquanto que Terra-de-Ar sugere ‘sufocar’. A conclusão posterior sugere sufocação por submersão ou gases pantanosos, e por emanações venenosas advindas de kalas miásmicos tipificados pelos venenos da serpente Kû.


32 Ver The Vision & the Voice (Crowley, 1909), um informe das explorações de Crowley dos espaços ou aethyrs ocultos além do Universo conhecido, primeiro mapeado por Dee and Kelley. O punhal caracterizado ‘acidentalmente’ em outros rituais da Loja Nova Ísis. Ver Parte III, ch. 5, e outros lugares.

33 Compreendendo, assim, ambos brilho e escuridão das metades.

34 Págs. 204 – 206, em particular, e em muitos outros lugares através das trilogias.

35 Em suas cartas ele negou-a; em seus contos ele exultou no conhecimento dela.

36 Ver Magick (edição RKP) p.388, e Liber 777, colunas XV, XVI, XVII e XVIII.

37 Este assunto foi explorado em Outside the Circles of Time e em outras partes; é necessário aqui meramente recordar as implicações.

38 A espécie, não o ‘primeiro’ homem.

39 Ver Números, XXXI, 35; Levítico, XII, 7

0 Veja os escritos de Michael Bertiaux ligados ao Culto da Serpente Negra.

41 A superposição do trigrama da Terra sobre o do Ar sugere sufocação.

42 Representadas pelos trigramas Terra sobre Ar.

43 N.T.: Em inglês = Ophidian Current.

44 N.T.: Em Inglês = Outside.

45 O espírito é o veículo dos venenos ofídicos ou kalas.

46 Ver Cults of the Shadow, p34.

47 Ver as observações de Vallée sobre canibalismo e a morte de gado para a venda, em Messenger of Deception, parte III.

48 Note, nesta conexão, a abelha, que é um zoótipo do Aeon de Maat. N.T.: mantenham em mente que Kenneth Grant e Michael Bertiaux dão crédito à idéia de um Aeon de Maat de Frater Achad (filho mágico de Crowley).

49 N.T.: Pires em inglês é ‘saucer’. Em inglês os discos voadores (OVNIs ou UFOs) são conhecidos como ‘flying saurcers’.

50 Esta é a versão Chinesa da prática do Tantra Hindu da coleta sobre uma folha de bhurpa dos kalas da suvasini.

51 Incubi e succubi.

52 Uma referência à lenda Chinesa concernente ao espírito de uma pessoa devorada por um tigre.

53 N.T.: Não confundir com a Loja Nova Ísis situada no Brasil (i.e. RJ). A Loja referida no texto, é uma Loja da Typhonian O.T.O. da qual Kenneth Grant (o autor) é o O.H.O.. Esta loja chama-se New Isis Lodge.

54 N.T.: Nu-Aeon é análogo à Novo Aeon, posto que a palavra ‘Nu’ é análoga à ‘New’ (Novo) de acordo com as correlações cabalísticas utilizadas por Grant ao longo de todo o livro.

55 N.T.: A palavra malva, aqui, está vinculada à cor, e não à flor.