sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Tradição Tifoniana



Existe uma grande controvérsia a respeito do que ‘é’ a Tradição Tifoniana e qual é a sua diferença, p.e. da Tradição Draconiana. Ainda, muitos estudiosos dizem que elas são as mesmas, mas não são. A Tradição Tifoniana foi o Culto Draconiano ‘sistematizado’ no antigo Egito. Quando o Culto Draconiano saiu da África Primal[1] ele atingiu sua apoteose nas Dinastias pré-monumentais do antigo Egito, se tornando ‘ali’, a Tradição Tifoniana. Entretanto, o Culto Draconiano é o substrato primêvo de todas as grandes religiões centradas no Culto a Deusa Primordial e seu filho, e seus traços mais marcantes são encontrados no Vodu, no Tantra Hindu, no Sistema Kahuna Polinésio e nos Cultos Xamânicos Sul-Americanos e Asiáticos.[2]

Definição da Tradição Tifoniana

O termo “Tifoniana” já fora usado extensivamente no século XIX pelo brilhante Gerald Massey ao longo de suas obras de religião antiga, como uma descrição para àquelas pessoas que adoraram a Deusa Primordial, identificada nos céus como a grande constelação da Ursa Maior. A adoração desta deusa precedeu todas as formas de adorações masculinas e sua essência ainda hoje é refletida como a ‘Mãe Natureza’.

Já fora provado que nesta fase primordial da civilização o papel do macho na procriação não era compreendido. Nesta concepção, gravidez e nascimento eram processos misteriosos que envolviam a fêmea que parecia se dividir enquanto dava a luz. Nesta fase à deusa Tifon e seu Filho Seth eram tidos como ‘uma entidade comum’ na concepção teogônica desta Tradição.

A civilização evoluiu ocorrendo assim uma mudança gradual de percepção, a adoração moveu-se de uma fase matriarcal lunar (a deusa) para uma fase patriarcal solar (macho-deus). Antes dessa mudança de percepção, o papel do macho na procriação era incompreendido e o resultado desta incompreensão significou um balanço dramático no pêndulo universal e o princípio masculino cresceu em maior ênfase que o princípio feminino. As deidades não escaparam deste mar de revisionismo e a guerra outorgou ao deus masculino a supremacia, instaurando assim uma nova ortodoxia. Àqueles que não se renderam ao novo culto e continuaram sua adoração a deusa primordial, foram taxados como antiquados, depois como estranhos e perversos, e finalmente como uma ameaça. A visão solar foi consolidada em uma política de estrutura patriarcal de sociedade e isso conduziu na instauração generalizada de uma adoração solarita que mais tarde seria a concretização de um conflito político gerando perseguições aos adoradores da deusa. Os Adeptos da “Velha Tradição Tifoniana” sofreram com o resultado.

Os Tifonianos então passaram a serem vistos como opositores, àqueles que iam contra as tradições contemporâneas. Ao longo das dinastias egípcias, Seth, Seth-Tifon ou só Tifon recebia uma descrição mitológica como “opositor”, tendo Seth preso em uma batalha perpétua contra Horus. Deve ser levado em consideração pelo leitor que a mitologia sempre acompanha a mudança de paradigma que envolve os povos. Assim, as lendas mitológicas sempre descrevem essa mudança de paradigma se contradizendo com descrições mais antigas. P.e., nas dinastias solaritas, Tifon é descrita junto com Seth como “o tormento perpétuo” de Horus, ao contrário de Deusa Primordial de tempos mais remotos. No mundo Juidaico-Cristão, cuja tradição fora influenciada pela civilização Egípcia, o opositor foi identificado como Satanás (Satã), Lúcifer, o Diabo. O termo “Satã” é derivado de uma conjunção entre o Deus ‘Seth’ e a Deusa Lunar Egípcia ‘An’. Nestas tradições, a mulher é retratada como a ‘sedutora’ que, com o uso do sexo, sensualidade e desejos corporais é considerada imoral e suja. No Judaísmo ortodoxo p.e., que tem a autoridade patriarcal calcada no Velho Testamento, a mulher, durante seu período menstrual é segregada porque é considerada impura. Em tempos modernos, o extremo horror da misoginia está arraigada na religião patriarcal onde milhares de mulheres são torturadas como bruxas hereges por causa de seu culto a Deusa Primordial. Este medo irracional do ‘feminino’ desde a Idade Média diminuiu, embora ainda haja essa ignorância em tempos recentes, veja p.e. os movimentos de propriedade feminina dos anos sessenta.

A Tradição Tifoniana deveria ser encarada sob a luz do ‘reparar’ o equilíbrio entre os sexos, encorajando o princípio feminino em uma nova idade de esclarecimento. Isso não significa uma restauração da adoração a Deusa Primal, mas um equilíbrio entre os princípios femininos e masculinos.

Outra derivação do termo “Tifon” é a sua afinidade com a palavra “Tufão”[3]. O Tufão é uma poderosa força de destruição centrípeta. É a “Força & Fogo” caracterizada pela descrição do advento do Aeon de Horus que desde 1904 instaurou catástrofes e destruições no mundo. O Tufão entra em uma área previamente tranqüila e instaura o Caos pela destruição que causa. Contudo, essa destruição é a mudança cíclica tão compreendida pela magick, i.e. existe a necessidade de se colocar sobre o solo as antigas estruturas para que o novo possa ser erguido. Assim, ainda hoje o termo “Tifon” causa pânico, isso se dá pelo fato de que pessoas não preparadas para mudanças repentinas sofrem com os ‘venenos’ emanados pela fórmula mágica da Tradição Tifoniana, i.e. a mudança brusca e repentina causada pela força do Tufão. Seu impacto na consciência causa mudanças bruscas, tanto internas quanto externas e isso pode levar ao que chamamos de ‘efeito dominó’. Em curto prazo isso pode representar enormes dificuldades, e nós, Adeptos desta Tradição, devemos estar preparados pare este desafio.

A perspectiva Tifoniana, entretanto, é muito mais ampla do que a consciência humana é capaz de perceber. Essa perspectiva Tifoniana é uma consciência cósmica. O que nós fazemos em nosso trabalho mágico é ampliar nossa consciência humana além dos Círculos do Tempo e do Espaço para conseguirmos captar as emanações estelares desta Corrente Mágica.[4]

Existem inúmeras interpretações para o termo “Tifoniano”. A implicação, porém, é sempre a expansão de consciência além dos níveis normais de percepção. Assim, nós somos interpretados como opositores por sermos Tifonianos, todavia, hoje em dia, essa oposição está relacionada com a aceitação de uma visão limitada de nós mesmos. O poder do Tufão destrói essa falsa percepção de ‘si mesmo’ de maneira a podermos ‘perceber’ um Universo além dos Círculos do Tempo e Espaço.

O Aparecimento da Tradição Tifoniana

O ‘AL vel Legis’ I:56 declara que “Todas as palavras são sagradas e todos os profetas verdadeiros; salvo unicamente que eles entendem um pouco; resolvem a primeira metade da equação, deixam a segunda inatacada.” Os últimos 100 anos viram o nascimento de uma nova eternidade, um esclarecimento que traz a luz de uma nova liberdade escolar livre da falsa superstição. Isso aumentou nossa consciência histórica e derramou abundante luz na supressão violenta do pensamento humano e da espiritualidade que estavam sob o domínio dos líderes da Cristandade. As cruéis perseguições patriarcais ameaçavam o livre-pensador que tinha de se proclamar Cristão para se salvar das torturas e da selvageria. Surpreendentemente, a Igreja Católica era sempre o culpado maior. Era essa uma das predominantes razões para o segredo da tradição oculta: proteger os Iniciados das escolas de mistérios, bem como seus segredos de Iniciação dos espreitos olhos da autoridade religiosa Cristã. A palavra “oculto” inserida no nome ‘ocultismo’ reflete esses mistérios escondidos. Contudo, não era somente a Igreja Cristã, em seus vários disfarces, que suprimiam as informações dos julgados heréticos. No Antigo Egito cujas dinastias atravessaram mil anos, a batalha espiritual sob a luz do domínio político-religioso levaram a perseguição dos adoradores da Deusa Primordial. Historicamente, o mito de Seth e Horus, os dois irmãos que se digladiavam pela supremacia é uma representação mítica da luta dos Solaritas contra os Tifonianos.

O Deus Seth que é simbolicamente representado pelo Planeta Saturno (Binah), ‘o Planeta por trás do Planeta’ Vênus, é representado pela Estrela Sírius, o ‘Sol por trás do Sol’. Efetivamente isso simboliza Seth como o Iniciador, a Verdadeira Fonte Criativa da Influência Vibrante que cria a expansão da consciência. Mas Seth fora taxado como maligno após o crescimento de lendas que expressavam um simbolismo de falsa-moral, p.e. o mito de Caim e Abel. Contudo, em contra partida, o mito da Besta Selvagem e da Mulher Escarlate expressa a natureza da expansão da consciência promovida pela vibração astral de Seth. Mas tais mitos servem como um teste de iniciação que podemos chamar de ‘teste de intenção’, mantendo o profano afastado dos mistérios. Assim o poder do Tufão (Seth) como mudança que a Iniciação traz, corresponde àquela batalha eterna na natureza entre a ordem e o caos. Psicologicamente, a Iniciação no Deserto de Seth (Tufão) causa caos porque desafia e destrói os modos condicionados de pensar e da falsa-percepção. Portanto, é uma ameaça ao estado condicionado e ortodoxo daqueles que “entendem um pouco”.

Claramente, a Tradição Tifoniana é uma Tradição de Iniciação e Iniciação é Realização. Aqueles que souberam interpretar os espetáculos dos mitos durante a história da humanidade compreenderam os sistemas de Iniciação promovidos por esta egrégora. Na Árvore da Vida, o glifo do Planeta Saturno e do Deus Seth é a Sephira Binah (Compreensão). Esta Tradição durante a história das civilizações se mascarou sob numerosas formas, mas seu espírito visionário continuou intacto. É importante reconhecer este fato como mágico, assim aplicamos a ele um termo conhecido como parampara.[5]Isso significa que a Tradição se expandiu externamente, extraterrestremente iluminando a consciência do homem em fases distintas da evolução. Estas reverberações, quando efetivamente canalizadas, agem como um manancial criativo de vibração. Esse manancial está oculto para a maioria dos cientistas e religiões fundamentalistas. Algumas personalidades como Austin Osman Spare, Salvador Dali, Leonardo Da Vinci, Isaac Newton e etc., eram ocultistas e descreviam a ciência como uma prosperidade mágica.

Com o advento do Novo Aeon, Aleister Crowley deu início ao renascimento da Tradição Egípcia pré-dinástica de Seth-Tifon em oposição a Trindade Osiriana. A diferença essencial entre os dois Cultos é a ênfase que se coloca sobre o princípio do gênero de Seth-Tifon, a Mãe Virgem e seu Filho em oposição ao Culto Osiriano representado pela paternidade individualizada.

Neste contexto, este renascimento deveria ser notado pois O Livro da Lei é uma poderosa transmissão Tifoniana para uma nova era de veneração e reconhecimento do principio feminino. Este princípio no Livro é chamado de Nuit, o Círculo em Expansão Infinita. Entretanto, distinto da dourada era Tifoniana Egípcia, o principio masculino também tem seu lugar reconhecido. Ele é o ponto onipresente conhecido como Hadit. Em Magick em Teoria e Prática Crowley enfatiza:

O Espaço infinito é chamado a Deusa NUIT, e o ponto infinitamente pequeno e atômico, no entanto, Onipresente, é chamado de HADIT. Estes são imanifestos. Uma conjunção destes dois infinitos é chamada RA-HOOR-KHUIT, uma Unidade que inclui e dirige todas as coisas.

Essa Tradição não tem nenhuma semelhança à obscura idade dos deuses agonizantes cujo paternalismo desequilibrado causou sofrimento desnecessário. Contudo, o Culto revivido pelo O Livro da Lei está completamente em comunhão com o Equilíbrio de Energia Criativa Ígnea de Mäat combinando harmoniosamente a qualidade feminina de intuição delicadamente conjugada a receptividade. Seth é o Deus da Iniciação e Saturno é o Planeta do Karma. A Iniciação se dá desobstruindo, i.e. destruindo bloqueios indesejados para o progresso iniciático. O caos causado pelas conseqüências do Karma é uma parte essencial do processo de Iniciação sendo percebido em um estado cíclico uniforme. Todavia, para aqueles que absorvem a essência da Tradição Tifoniana, os véus opacos são rasgados de maneira que a verdadeira luz dá o brilho necessário a este tema porque Karma é o que chamamos de “consciência de pecado”.

Crowley lutou muito por suas descobertas e deu início a modernas compreensões. Isso criou um caos porque amedrontou os ocultistas ortodoxos que não conseguiam perceber a visão de Crowley e chafurdados em seu ‘sono’ de consciência, se apegavam a velhos conceitos já revogados do velho aeon. Crowley por toda sua vida foi perseguido por aqueles que não lhe compreendiam, assim como os Osirianos e Cristãos “endiabraram” a Criativa Força do diabo Seth ou Satã. Crowley ensinava àqueles indivíduos que buscando a verdade, adotavam o título ou a posição de Tifonianos e é curioso notar que Crowley declarava que seu Sagrado Anjo Guardião era Shaitan-Aiwass, uma forma de Seth, o Iniciador.[6]

Felizmente as atitudes estão mudando! Crowley suportou, ainda que com todas as suas faltas pessoais, inúmeras dificuldades para colocar em funcionamento as fundações espirituais de nosso Novo Aeon. Invocando Seth-Horus ele nos deu a verdadeira noção de nossa divindade interna e nos ensinou o modus operandi para a ativação e realização deste potencial criativo ilimitado.

O trabalho de Crowley foi continuado e perpetuado até hoje por alguns ícones da Filosofia thelêmica. O primeiro a dar ‘verdadeiramente’ continuidade ao seu trabalho foi Frater Achad que descobriu a Chave para O Livro da Lei e anunciou as premissas do Aeon de Mäat pela primeira vez em 1948, quarenta e quatro anos após do Equinócio dos Deuses que Crowley denominou como o Aeon de Horus. Os estudos qabalísticos de Achad derramaram muita luz para nosso crescimento espiritual e nos fez compreender o conceito de Espaço e Tempo calcando a base e o fundamento científico da Tradição Tifoniana. Ele também descobriu o verdadeiro significado da Trindade Thelêmica (93). Outro ícone de importância no atual contexto é Kenneth Grant que assumiu o controle do ramo Inglês da O.T.O. em 1955, fundando uma Loja chamada Nova-Isis para canalização vibracional de forças além de nosso Sistema Solar. Os frutos de seu trabalho foram registrados nas suas obras que expõem suas descobertas desenvolvendo o processo que Crowley havia iniciado muitos anos antes. Estas descobertas foram cientificamente comprovadas sob a luz de uma nova perspectiva. Tais descobertas formaram a Ponta da Lança do Sistema Tifoniano durante os últimos trinta anos atraindo inúmeras pessoas sob uma nova Gnosis para o caminho da Iniciação. A Tradição Tifoniana em efeito é um Tufão, um Vendaval, uma Vibração Fundamental de expansão da consciência que tem um papel importante evolução da humanidade.

A Tradição Tifoniana Hoje

Deveria ser prontamente notado que quando nós dizemos “Tifoniano”, queremos dizer muito mais do que a Deusa Tifon e seu Filho Seth. Assim, como nos aprofundamos na questão histórica, está na hora de adentrarmos na questão mais importantes deste tema: a relevância desta Tradição hoje, seus benefícios e o que ela pode trazer ao moderno Iniciado.

Daqui em diante alguns véus serão levantados para que o ‘verdadeiro’ processo iniciático formulado por esta Tradição Tifoniana sejam rasgados e a luz sobre o tema seja um foco ou brilho que afete os níveis de percepção espiritual do leitor.

A Tradição Tifoniana representa a Força e o Fogo e sua aplicação representa uma aspiração e devoção no coração de cada Iniciado. Esta é a Flama de Hadit que queima no coração de cada Homem. Da mesma maneira, a shakti que é a Kundalini-Shakti que dá a cada Iniciado o poder de suportar a manifestação vibracional da Tradição Tifoniana que se manifesta como existência Una. Não obstante, para a maioria das pessoas uma individualidade desordenada aparece ao se iniciarem nesta Tradição. Mas este é o Poder do Tufão no qual temos de aprender a trabalhar para o desenvolvimento de nosso processo iniciático até que o senso de individualidade possa ser dissolvido. Isto acontece porque tudo em todo Universo está conectado ao seu duplo.

Entretanto o trabalho parte sempre de um princípio. Embora a consciência seja um princípio contínuo, o ser humano possui um senso egóico o qual necessita trabalhar e purificar. A Iniciação, compreensão e purificação que este processo requer variará a cada pessoa. É uma falácia da mente crer que há uma fórmula prescrita ou uma ‘apostila’ passo a passo para este processo. Isso não existe, da mesma maneira que não existe uma fórmula para felicidade absoluta. Mas o que nós podemos fazer é aplicar princípios mágicos ao nosso Dharma ou padrão de ser, nossa Verdadeira Natureza. Cada pessoa se desenvolverá de maneira diferente no caminho iniciático e na descoberta de seus próprios egos e essência, o que o levará a um caminho onde possa estar em maior contato com o Universo. Um exemplo clássico de uma discrepância espiritual entre indivíduos é a aproximação e apego ortodoxo a um texto mágico-religioso como p.e. O Livro da Lei. Essa transmissão espiritual, i.e. o ‘AL vel Legis’, tem, no passado quanto no presente, recebido inúmeros comentários ilustres, mas seu valor mais precioso é o que ele significa ‘pessoalmente’ para nós mesmos, i.e. a experiência espiritual direta que nós ganhamos com sua utilização pessoal, permitindo que seu Fogo ilumine os íntimos intervalos cíclicos de nosso Verdadeiro Ser. Desta maneira o Iniciado transcende as especulações filosóficas e entra em contato com seu verdadeiro espírito. Fazendo isso o Iniciado pode tecer seus próprios rituais e meditações em relação aos versículos mais particulares e especiais para ele.

A Iniciação é um Caminho Interno, solitário, embora paradoxalmente isto nos conduza sempre para o exterior. A ideia é simples e afeta cada instante de nossas vidas, p.e. o fato não é você ouvir qual é a sensação de se beber um copo d’água, mas sim bebê-lo, experimentá-lo. É uma viagem a fonte do Nilo em busca de um manancial interno. Quando o Iniciado descobre isso realmente, ele encontra seu Real Guru, aquele que deveria ser a principal fonte de sua preocupação e busca espiritual, sua projeção interna mais sublime, o Sagrado Anjo Guardião.

A Consciência é um continuum. Subconsciente, inconsciente, supra-consciência e etc., são meras classificações que dão definições a certos aspectos deste continuum. Nós podemos falar: ‘nossa consciência’, mas isto é uma ilusão. Nós não possuímos consciência, não obstante, é ela que nos possui e opera por nós. Ainda, nossa consciência é um fluxo constante e não um paralelo fixo para ‘trocas’ de consciência de um momento para outro. Este é um processo que classificamos como ‘Obscura Consciência’. A Iniciação deveria ser considerada o processo da dissolução dos véus dessaObscura Consciência.

Às vezes pode demorar algum tempo para que o Iniciado conclua que tudo o que existe é consciência em transição, agregações inconstantes e instáveis que aparecem diante dele como uma forma estável. As práticas místicas de várias tradições possibilitaram os antigos Iniciados a perceberem estes processos. O ser humano não consegue perceber todos os processos da consciência, sua faixa de consciência é bastante estreita e está acostumada a evoluir por convulsões em detrimento da realidade de sobrevivência e tudo àquilo que se vincula a este processo instintivo. Entretanto, é vasto o campo de progressão da consciência e práticas mágicas ou místicas podem, efetivamente, expandir a consciência além da percepção cotidiana do homem profano. Meditações regulares e exercícios respiratórios como pranayama têm efeitos drásticos, embora seus efeitos sejam na maioria das vezes externos no decorrer das práticas. Contudo, o impulso habitual, a prática contínua, disciplina a mente e o corpo tendo um efeito permanente tornando a Iniciação um modo de vida irresistível. Isso significa que a ampliação da consciência foi contínua e permanente. Quando isso ocorre nós nos damos conta de nossa crescente individualidade (identidade) e nos afastamos cada vez mais da máscara de nossa humana encarnação. Essa é uma aspiração gloriosa da Flama Interna de Hadit e o Iniciado deveria se esforçar por obter estes resultados como os Magos, Feiticeiros, Xamãs e Bruxas...

O ser humano está em sua existência cotidiana completamente adormecido: sonhado. A Iniciação é um processo onde o homem, sofrendo as convulsões do Poderoso Tufão pode acordar. Isso é simples assim! Tradições diferentes com terminologias diferentes, essencialmente, chegam a este mesmo ponto: a sublime divisão entre o sonho do profano e o despertar do Adepto. O Iniciado pode escolher o processo que quer para seu trabalho com a Kundalini saltando de um sistema para o outro ou adentrarem neste Grande Colegiado Espiritual que é a Tradição Tifoniana e desfrutar do Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Embora os sistemas sejam em grande parte diferentes entre si, eles compartilham de um único objetivo: o transcender das humanas limitações em busca de uma maior ampliação da consciência em níveis perceptuais.

Anteriormente eu mencionei o fato de que o Coração da Tradição Tifoniana é a Força e o Fogo. Mitologicamente esse processo é demonstrado pela Serpende ou o Dragão das Profundezas, uma poderosa entidade que emerge das profundezas da consciência repentina e silenciosamente causando sua grande devastação. O que é devastado é a restrição da consciência humana. “Eu não trago a paz mas a espada.” Essa é uma intrusão da consciência humana por poderosas forças internas, atávicas. Essa mesma idéia está inserida na Gnosis Lovercraftiana como no Culto de Cthulhu, o deus que salta das profundezas do ‘Mar’ após estar adormecido pelas idades.

O Sagrado Anjo Guardião é uma entidade que efetivamente é encontrada por aqueles que verdadeiramente percorrem o caminho da iniciação. Ele não é uma entidade extática ou objetiva, mas um rápido olhar para Eternidade. A consciência é protoplasmática, troca seus fluídos constantemente, se expande e se contrai. Como a consciência pode ser refinadamente expandida, em virtude das experiências mágicas e místicas, essa consciência cósmica crescentemente entra em um estado de ruptura da mesma maneira que nubla o brilho do sol. Nestas etapas, a qualidade da experiência do magista é aumentada pelo tipo de iniciação que está a percorrer porque por mais cobiçoso que possa ser, a mente não pode saltar e agarrar o infinito e eterno por sua perspectiva passageira, entretanto a consciência pode ser transportada para fora dos Círculos do Tempo e Espaço por um momento, sofrendo assim as infinidades do divino, se objetivando com o Anjo. A inércia do grande oceano da consciência assimila os redemoinhos do êxtase espiritual, dos menores para os maiores. É assim que o Anjo se ‘move’ para o aspirante de tempos em tempos e na ocasião certa. O aspirante sente quando é chegada à hora e se ‘abre’ para a conjunção suprema.

Como mencionei antes, o Real Guru é interno e em condições thelêmicas isso representa a Verdadeira Vontade que é mais uma ‘faceta’ da Vontade Universal ou Consciência Cósmica. Uma vez que o Adepto descubra sua Verdadeira Natureza, o alinhamento com ela deveria ser automático, embora não seja tão fácil, ele possui o impulso do Universo atrás dele. Ele deve chegar a ponto de compreender que todos os Instrutores e Gurus espirituais externos são exteriorizações do Real Guru – a Verdadeira Vontade.

Para alguns de vocês que neste momento leem este artigo, tudo isso pode soar abstrato ou confuso, mas realmente é muito simples. Existe em nossa Iniciação uma direção e um impulso, uma força gravitacional que nos puxa. Através de práticas constantes e de muita disciplina a consciência é refinadamente expandida. A constante disciplina para o progresso apressa nossa forma evolutiva e com certeza pode nos ‘salvar’ das dores de diversas encarnações ao caminho do nirvana. Dedicação, persistência e disciplina são absolutamente essenciais para a ampliação permanente da consciência para que o Adepto colha as recompensas da transcendência espiritual.

Alguns dos leitores já ouviram falar nas entidades præter-humanas. Este termo denomina entidades que estão ‘além’ dos seres humanos. Nas tradições ocultas tais entidades são consideradas fora do alcance geral de manifestação humana e não estão sujeitas as mesmas leis de tempo e espaço que operam nossa dimensão. As histórias mitológicas estão repletas de contos do tráfego destas entidades com o ser humano. P.e., Moisés recebendo os Dez Mandamentos; a conversação de Saul na estrada para Damasco; as sessões de John Dee e Edward Kelly com os Anjos Enochianos; e o contato de Aleister Crowley com Aiwass, Amalantrah e Abuldiz. O contato com tais forças normalmente é considerado benéfico e o resultado desta comunicação é um elixir de novos conhecimentos e um entendimento mais amplo do Universo externo e interno. Existem muitas especulações que deste 1947 (com a crise nuclear) inúmeros contatos com UFOs foram travados. Mas esse tema foge ao nosso estudo.

Embora seja de meu conhecimento que tais seres sempre travam contato com Iniciados, na maioria dos casos o magista ou aspirante deve possuir um trabalho interno (mágico) bem feito e elaborado, talvez por muitos anos, antes de poder contatar e manter tráfego com estas entidades. O propósito e benefício deste trabalho está claro para àqueles que assim o fazem. O corpo humano deve estar preparado para o impacto das vibrações energéticas præter-humanas. Ainda, deve haver um refinamento na percepção e na sensibilidade de forma que tais contatos sejam verdadeiramente efetivados. Com a devida preparação, um magista treinado e disciplinado não é enganado por entidades hostis do plano espiritual. É comum vermos aspirantes achando que em prévias vidas foram Hitler, Jesus, Crowley e etc. Na maioria das vezes sua descoberta veio por meio de uma revelação espiritual, fruto do contato com entidades espirituais. Enquanto o aspirante não for bem preparado, tentará de todas as maneiras travar contatos com tais entidades, contudo, ele parecerá um rádio velho ou desajustado onde somente extática e ruídos desconexos são sintonizados. Não podemos nos esquecer que nossa consciência é contínua e que somos cercados por entidades que, como uma multidão de agregados passageiros, lutam pela nossa atenção.

Existe uma Inteligência præter-humana que é, modernamente dizendo, associada a Tradição Tifoniana. Ela é conhecida como Lam.[7] A primeira publicação oficial da A\A\ (Argenteum Astrum) a apresentar o retrato de Lam foi o The Blue Equinox de 1919. O primeiro contato de Crowley com esta Inteligência foi no curso da Operação de Amalantrah, no mesmo período. Sua imagem hipnótica traz uma forte semelhança com os E.T.s que vemos nos filmes modernos, embora sua pintura houvesse sido efetivada anos antes deste arquétipo ser estilizado no inconsciente coletivo. Pode ser dito que os atuais cultos ufológicos têm mitificado de certa maneira as condições destas entidades e a incursão externa extraterrestre poderia ser considerada como um efeito consciente.

Ao recorrer a Lam, esta Inteligência Præter-Humana, geralmente, uma pergunta é feita: “Ele é uma entidade ou uma energia?” O problema surge quando há uma tentativa de ver algo não-humano do ponto de vista de uma perspectiva humana, assim categorizações tendem a desmanchar todo o trabalho prático contido nesta Inteligência. Os físicos nucleares enfrentam um dilema semelhante no nível subatômico, pois seria inseguro definir o quantum como uma partícula ou como uma onda de energia.

Quem sabe, talvez, Lam deveria ser considerado como uma máscara, ocultando assim áreas de nossa consciência além de nossa consciência normal. O Tráfego com Lam pode levar o Adepto a experimentar e desfrutar de um nível de percepção mais profundo de nossa consciência. Esta é a essência dos contatos com tais entidades. Desta maneira o homem se esquece “de pequenos homens verdes em ternos engraçados” que é a maneira humana de se observar o desconhecido, e começa a experimentar um oceano vasto que é a consciência colocando as faltas humanas e as dificuldades em uma perspectiva mais equilibrada. Esta é a colheita do humano para com o Præter-Humano. Como este é um assunto que nos interessa bastante, uma Célula desenvolvendo o Culto de Lam está agora em operação dentro da O.T.O. e seus resultados serão logo publicados, com a possibilidade no futuro, da participação externa para os interessados.

A Tradição Tifoniana deve ser observada como o efeito de transformação através do contato com essas forças que estão além da consciência humana. O propósito disto é ampliar a consciência humana, tanto externa quanto interna enriquecendo as infinitas possibilidades espirituais. Existe um grande espaço interno que atravessa uma faixa de freqüência muito larga da qual nós formamos uma fração. Entendendo isso, o Adepto anseia pelo contato externo através dos Portais do Exterior se preparando para o efeito do vendaval que isso acarretará na consciência. A taxa da adaptação da consciência neste processo é a chave da sobrevivência e da sanidade do Mago e seu sucesso, como sempre, é o pivô de uma evolução contínua como ser humano.

Abraçando a Tradição Tifoniana nós abraçamos nosso destino com uma energia criativa e ígnea que nos levará a novos mundos antes imperceptíveis para nós. Alegria e equilíbrio harmonioso formarão a parte essencial de nosso sublime sonho escolhido quando subirmos e bebermos no Cálice brindando o sucesso de nosso verdadeiro testamento alinhado a nossa Verdadeira Vontade.


[1] Veja Cultos das Sombras, Grant, Capítulos 2 & 3.
[2] Veja o artigo Anuttara Amnaya & a Escola Kaula, por Fernando Liguori.
[3] “Typhon”=Tifon e “Typhoon”=Tufão.
[4] A O.T.O. se vale de técnicas psico-sexuais para abertura de portais transplutonianos a fim de canalizarmos essa Corrente.
[5] A O.T.O. funciona como uma rede cósmica, porque seus membros não estão — em um sentido mágico — centrados sobre a Terra. Suas zonas de atividade oculta estão localizadas nos espaços os quais incluem e transcendem simultaneamente níveis astrais de consciência. A O.T.O. é controlada por contatos dos planos interiores focados hoje através de um grupo de correntes individuais canalizadas fora dos Círculos do Tempo e Espaço.
[6] Veja Aleister Crowley & o Deus Oculto, Kenneth Grant, Capítulo 1.
[7] Veja o artigo O Culto de Lam, por Fernando Liguori.

A Dupla Voz por trás de Liber AL


Kenneth Grant
Outer Gateways, Capítulo 4. Skoob Books, 1994.


O Livro da Lei transmite diversas vozes ou doutrinas, às vezes distintas, mas mais frequentemente equivocas, disputando-se umas com as outras por trás da máscara do Horus cabeça de falcão.

Horus é um nome que possui tantos significados que antes de tentar defini-lo nós deveríamos compreender firmemente a sua significação raiz que é Hor ou Har, significando ‘a criança’. Que este conceito não tem o que quer que seja a haver com qualquer criança física ou histórica, já fora transparecido nos prévios livros desta série. Nas mais antigas tradições, e passando através de todo tecido fabricado sobre padrões de mitos da antiguidade, aparece os Gêmeos, as duas crianças que tipificam a luz e a escuridão, o pubescente e o impubescente, e, nas posteriores fases escatológicas e teológicas do pensamento, o bem e o mal. Gerald Massey e outros têm tornado abundantemente claro que os gêmeos representam duas fases de uma única entidade.

No Liber AL pode-se traçar três mitos idênticos competindo por expressão, e a voz resultante permanecerá confusa e manchada a não ser que sua linguagem seja compreendida em relação aos estratos de mitos específicos de onde ele originou. Eu mostrei em livros anteriores que as deidades mencionadas no AL – Had, Hadit, Ra-Hoor-Khuit, Hrumachis, Hoor-paar-Kraat, Heru-ra-ha, e etc., – são formas da criança Set, a primeira divindade masculina reconhecida e que fora tipificada como a Estrela-Cão. Embora primeiro como macho, ele era o oitavo no corpo das deidades estelares representadas pela Deusa das Sete Estrelas. Set formou a culminação, o mais elevado ou oitavo em relação à Mãe estelar, Tifon (posteriormente Nuit) representada pelas sete estrelas da Grande Ursa. Este simbolismo é primordial e fundamental para todos os ciclos de mitos conhecidos pelo homem, e não há como fugir do fato que no antigo Egito – onde o mito original foi preservado, monumentalmente, em sua forma mais pura – Set fora o primeiro Deus verdadeiro (distinto da deusa) a ter sido adorado.

Os cultos de Set supriam os tipos míticos sobre os quais AL foi fundado. Crowley, com sua ênfase no aspecto solar deste deus, um aspecto que emergiu em um período posterior nos ciclos dos mitos da antiguidade, obscureceu consideravelmente as questões reais levantadas pelo livro. Montague Summers, um estudioso profundo e perceptivo, fez um comentário convincente sobre a concepção de Crowley sobre Horus, um comentário que merece mais atenção do que tem até aqui recebido. Escrevendo sobre o grimório de Crowley, Magick, Summers observa:

Horus aqui[1] é senão um nome, um nome enganador e ardente. Ele não tem nada haver com Horus, o filho de Isis, o Senhor da Escada Celestial, o deus-diurno adorado no antigo Egito. Este ‘Senhor do Aeon’, ‘a Criança Coroada e Conquistadora’, o ‘Irmão Antigo’, como ele foi temerosamente e blasfemamente chamado pelos Maniqueus caídos, é o Poder do Mal, Satã.[2]

Essas são palavras duras e elas me incendiaram quando as li em minha juventude com pouca experiência dos pequenos ciúmes que poderiam provocar a publicação de julgamentos mal considerados. Contudo, a crítica extravagante fixou-se em minha mente e ela pode ter sido o fator original de minha incessante busca por uma compreensão mais profunda do AL, pois digo de início que aceito Aiwass como a fonte do AL, mesmo tendo Crowley declarado ser a fonte. Entretanto, na forma como AL fora transmitido, ele reteve fortes traços da mente humana através da qual ele foi refratado sobre o papel. E aquela mente, apesar de seu brilhantismo, apesar do rigoroso curso do treinamento mágico e místico que ela se submeteu, mostrou ser curiosamente completamente despreparada para receber a marca de Aiwass. Deixe-me, portanto declarar que em um sentido certo e particular o comentário de Summers não foi totalmente impreciso. Ele havia sentido, mas obscuramente, a dicotomia que fragmenta o AL, e que o torna não uma transmissão coerente de uma única fonte, mas um caldeirão de elementos conflitantes borbulhando com correntes transversais de doutrinas contraditórias que podem ser compreendidas somente por quem tem compreendido profundamente o esquema do simbolismo Egípcio e que possui um insight profundo sobre a ciência Ufológica.[3] Uma compreensão do que aqui foi dito anteriormente pode ser adquirida pelo estudo dos trabalhos de Gerald Massey; embora exaustivos como são, eles não vão longe o suficiente, pois Massey era necessariamente inconsciente em sua época da Gnosis em seu disfarce ufológico. Mesmo assim, as desavenças no AL devem ser buscadas no aparelho de recepção, a mente do escriba que, conforme a atitude de Crowley em relação ao AL eloqüentemente demonstra, estava despreparada para assimilar, muito menos transmitir, a corrente que o informava. A razão pode ter sido que a alma mater de Crowley, a Ordem Hermética da Aurora Dourada, possuía uma concepção errônea do fator tempo envolvido na evolução do simbolismo mítico e religioso no mundo antigo.

A voz predominante no AL é a voz de Har, o filho da mãe, a deusa Tifoniana das sete estrelas que alcançou no Har sua apoteose ou elevação; pois como o manifestador dos sete, ele era o oito, ou o mais elevado, e o ‘um em oito’,[4] a estrela no sul[5] que anunciava os Sete Great Ones no norte. No simbolismo teológico ele veio para tipificar a deidade masculina primordial nos céus porque como o deus do sul ele representava a dianteira do Espaço, assim como Tifon-Nuit, sua mãe, representava a deusa do norte. Crowley, cuja psicologia o dispôs para aceitar somente este último, o aspecto solar do culto, estava no início inadequado para o cultivo de uma doutrina que se relacionava primariamente ao deus pré-monumental dos Shus-en-Har. Em um sentido estritamente mágico os Shus-en-Har, ou devotos de Har, eram os “servos da Estrela & da Cobra”,[6] i.e. da Corrente Ofidiana em sua fase estelar e pré-solar.

É, contudo evidente, a partir das cartas recebidas pelo autor que, apesar do trabalho exaustivo de Gerald Massey,[7] permanecem básicas opiniões equivocadas em relação ao duplo Horus e o papel da criança mágica no sistema Thelêmico.

A questão é ainda mais complicada pelo fato de que a morte de Crowley em 1947 ocorreu na beira da Era Ufológica, desde quando tem se tornado possível avaliar certos fenômenos como mais do que as fantasias fabulosas de mitologistas primitivos. É possível que os Shus-en-Har que adoravam a criança “Daquele-Que-Sempre-Vem” na forma do hutit,[8] ou disco alado, estivessem prestando homenagem não a uma representação do sol e sua trajetória, mas estavam celebrando o arco que primeiro trouxe para terra a semente das estrelas. Pois o disco representava também o ciclo sempre recorrente do Tempo que se manifestava como o Novo Aeon, ou Criança dos Ancient Ones, i.e. do Velho Ciclo. A criança de su[9] é sinônima da semente e do ovo, e do ZRO Atlanteano que, como nossa palavra zero, tipifica o círculo ou ciclo conforme aplicado ao aeon, sempre vindo, sempre retornando. A criança como aquela que retorna também tipifica o falo como Aquele-Que-Sempre-Vem, um título de Horus. O conflito entre os devotos dos dois Hars – o Har (filho) da Mãe (Set-Tifon), e o Har do Pai (Horus-Osiris) – não era, como algumas autoridades supõem, um conflito racial, mas sim religioso. A linhagem celestial, não terrestre, era a questão da discórdia. No curso das eras, os ancestrais dos Draconianos terrestres foram tipificados pela constelação da Grande Ursa conectada com mitos vastamente antigos inspirados por memórias ofuscadas dos primeiros colonizadores da terra e descendentes dos sistemas estelares Draconianos. A linhagem solar, assim chamada, era, nos mitos posteriores representada como descendente da lua para abrir o caminho para aqueles de quem eles próprios eram um reflexo pálido ou uma projeção distorcida. ‘Aqueles’, cuja procedência era confundida com o sol, vieram de Sirius – o ‘sol por trás do sol’. Eles eram os invasores posteriores que descendiam da Estrela de Set que tipificava a elevação, a estrela mais exaltada, nascida de Tifon como a oitava de sua prole e o primeiro macho ou reflexo ‘solar’ da Mãe. Neste sentido, somente Horus é o deus solar. Esta situação basicamente simples é a causa de toda confusão e da cisão nas mais antigas teologias terrestres concernentes a criança em questão, a criança dos sistemas do último-dia tal como aqueles representados no AL. Pois o ‘sol’ é o sol de Sirius (Set), não o sol ostensivo dos adoradores de Ra. Os elementos desta dupla linhagem têm sido apropriadamente peneirados, até que nós tenhamos compreendido que duas evoluções distintas de uma semente idêntica têm estado competindo por supremacia desde que a terra se tornou o campo de batalha. As correntes gêmeas[10] se originam de uma única fonte, e nós permaneceremos incapazes de interpretar os símbolos dos antigos ciclos de mitos ou compreender as transmissões mais recentes dos mistérios, dos quais AL é talvez o grimório menos distorcido.

As lendas mais antigas são repletas de referências a animais que supostamente foram progenitores de específicas raças humanas, tribos ou famílias. O urso, o cão, o macaco, o crocodilo e etc., são conhecidos como totens zootipos de vários povos primitivos. Os mitos dos Índios Americanos[11]abundam com exemplos. Os Escoceses, os Esquimós, os Africanos, os Índios, todos possuem uma rica herança de tipos que denotam, originalmente, as constelações ou outros mundos no espaço e além. Existem evidências para apoiar a tese que as lendas os envolvendo continham os restos confusos de memórias atávicas adoradas nos ciclos dos mitos da remota antiguidade. Os mitos eram transmitidos pela palavra via boca (muqoz = boca) e eles antecipavam por longas eras suas contra-partes registradas ou lendas. Estes últimos continham senão memórias imperfeitas de uma raça descida das estrelas. Dentro dos limites históricos, as primeiras raças[12] preservaram relatos destas visitas.[13] Sombras prolongadas destas tradições vastamente antigas foram celebradas no Livro dos Mortos e no bestiário monumental do Vale do Nilo a partir de onde os Great Old Onesapareceram como deuses no disfarce de formas  quase-humanas, cabeça de animais, garras de bestas, asas de pássaro e barbatanas de peixe, símbolos dos ancestrais não-humanos da humanidade. Porém estes símbolos de origem não apontavam somente para ancestrais bestiais, mas também para uma mistura do animal com o ‘divino’, conforme representado pela eloqüência figurativa do totemismo. A suposição de que os atributos animais indicavam uma linha física de evolução é senão parcialmente verdadeira. As formas híbridas, embora monstruosas para os olhos modernos, comemoram a descida do homem das estrelas via o sistema de simbolismo totêmico sugerido necessariamente pela fauna do ambiente terrestre de onde as imagens foram primeiramente forjadas. As bestas indicavam também, uma outra linha de evolução que não tinha seu início na terra. Ao longo da linha de ascendência o desenvolvimento é toleravelmente claro, porém a linha de descendência é uma questão de conjectura. Massey demonstrou inequivocamente que o Egito preserva as evidências indubitáveis das duas tradições distintas. Os aderentes de uma proclamavam descendência da Mãe apenas; eles eram os Draconianos. Aqueles da outra proclamavam descendência do Pai; eles eram os Amonitas e Osirianos. Para Massey estas tradições eram completamente terrestres, ao passo que elas estavam aqui interpretadas como significando descida das estrelas via Sirius, e de alguns lócus não especificados simbolizados pelo Sol via Orion, uma linha enfatizada nos mitos da América Central. Para Massey, novamente, o conflito condizia com a dilaceração causada pelo choque de teologias rivais na terra, aquelas que baseavam sua sociologia na descendência primordial da Mãe, e a linha posterior dependendo da sociologia masculina ou ‘solar’. Porém nos limites estruturais da interpretação de Massey, em que necessariamente este conflito consiste? Ele consistia na distinção entre o filho da Mãe e o filho do Pai, após as causas físicas da paternidade terem se tornado conhecidas, i.e. depois que a descendência linear fora transferida da fêmea para a linha do macho. Em termos astronômicos: entre os descendentes da Ursa Maior e Sirius,[14] e os descendentes de Orion.[15] Estes últimos estavam incluídos no sol e é esta atribuição que tem criado confusão.

Torna-se aparente, portanto, que o objeto de adoração do assim chamado Aten ou ‘adoradores do disco’ sinalizava a re-introdução de um culto vastamente antigo. O disco tipificava não a esfera solar, mas um ciclo de tempo descrito no espaço, literalmente, pela revolução das Sete Estrelas de Tifon, que trouxeram ao nascimento, sendo a partir daí manifesta por seu filho, Set ou Sirius. Massey observa que a palavra Aten é derivada de At, um antigo nome para criança e do deus Har, ou Horus-Behutet, deus do ‘hut’ ou disco mágico: o disco alado, ou disco carregado nas asas do abutre. Horus-Behutet é assim o original do Horus-Behadit, o Hadit do AL, do disco do qual Horus exclama: “No mesmo Eu estou conforme um bebê em um ovo”, e com quem ele identifica o deus oculto e invisível, Amen. Massey observa que “o disco Aten era o emblema do filho divino,[16] que era solitariamente a semente da mulher”. Ele também nos lembra que Amen não é um nome, mas um título que havia sido em determinadas épocas aplicado a Sobek, o deus sol Draconiano, que na dinastia divina Amen era o oculto, desconhecido ou Aquele-Que-Sempre-Vem.[17] A semente é sinônima tanto da mulher quanto da criança. Semente em Egípcio é ‘ser’, o círculo, ou ‘zer’, o signo 0, zero, o disco, e a alma do homem é lembrada como a semente. “Uma Aguiazinha”, diz Horapollo em seu Hieroglyphicon,[18] “simboliza a semente do homem, e uma forma circular”. A palavra Atlanteana para sêmen é ‘zro’, uma outra forma de zero. Su é a semente, o ovo, a criança. O disco alado é assim o ovo do abutre ou a ‘semente do vazio’ que tipifica a criança do Espaço Exterior, os Outer Ones cujo totem é o abutre de Neith e de Maat. O Caldeu Zra significa ‘propagar’, ‘corrida’, e a semente alada tipificava a corrida para as estrelas propagando sua semente em esferas terrestres. O número de ZRO é 277 que o identifica qabalísticamente com Urantia, um complexo extraterrestre associado com a Ordem de Melchizedek. Jacques Vallée[19] descreve Urantia como “o 606º mundo habitado no sistema local de Satania”. 606 é o número da Terra, e Vallée observa que um dos ministros de Urantia na terra era “uma mulher alta, forte por volta de seus cinqüenta, vestida em púrpura e malva”, o que sugere uma provável ligação com a magick da zona malva.[20]

Não existe evidência conclusiva que o sol das teologias Egípcias era a esfera solar com a qual os habitantes da terra são familiares, ou mesmo o ‘sol por trás do sol’ (Sirius) que desempenhava um papel tão vital e obsessivo em seus cálculos celestiais, maior mesmo do que o sol. Desde aqueles dias distantes pode-se dizer que fizemos um pequeno progresso, suficiente talvez para considerar a possibilidade de que a lua, até o presente vista por nós meramente como um refletor da luz solar, pode de fato ser o foco de energias ao invés daquelas que emanam da estrela central de nosso sistema solar.

Durante vastos ciclos de tempo às imagens de animais, e misturas de bestas fabulosas e factuais, eram identificadas com as estrelas que formavam o pano de fundo do mundo antigo. Massey enfatizava o conflito perpétuo entre as duas teologias ‘celestiais’ simbolizadas por

1) a Grande Ursa e Sirius (a Grande Mãe Tifon e seu filho Set, a mulher e seu cão), e por
2) os Cultos Solares posteriores tipificados por Horus.

Uma informação subsidiária interessante sobre o Tarot idealizado por Crowley revela sua identidade essencial com a Tradição Tifoniana, e o fato de que Crowley estava consciente desta identidade. O desenho original para o segundo Atu descreve o Magista ofuscado pela Ursa. Crowley rejeitou o desenho e produziu uma versão solar.[21]

Parece evidente que as tradições Mexicanas, Peruanas e Central Americanas transportavam o culto solar, enquanto os cultos Indianos retinham o nodo anterior tipificado pelo Khepsh, Kophi, ou Gopi e a tradição estelar cognata da Deusa. O elemento Mãe-Mulher-Shakti nestes cultos deve ser interpretado como o tipo da Grande Ursa Carregadora, e seu filho o seu manifestador, como a Estrela-Cão manifesta a Ursa Maior. Nos cultos posteriores, a criança manifestava e tipificava não a mãe, mas o pai. Possa não ter ocorrido uma invasão de Orion que coincidiu na terra com, e talvez mesmo estabelecido, os fatos da paternidade humana e a determinação do sol como estrela de origem da terra? Isso pode ter sido verdade em relação à evolução física, mas existe pouca dúvida de que o sol não era a origem da civilização terrestre, cuja prerrogativa pode ser creditada (se assim pode-se expressar!) ao sistema solar de Sirius. Este fato é indicado no AL.

As pessoas tendem a não aceitar as revelações pessoais (i.e. subjetivas) a não ser que elas sejam substanciadas pela ‘ciência’, mas agora que muitas das tais revelações têm sido substanciadas pela ‘ciência’ as pessoas não mais desejam aceitá-las. Este fato é discutido no capítulo oito. Porém não existem fatos incontrovertidos e não pode haver revelação que não seja originalmente de uma natureza subjetiva. A mente, contudo, se satisfaz somente pelos fatos receptivos a análise racional. Porém nós sabemos que valores estão constantemente mudando e que os critérios de uma era não são necessariamente os critérios de sua sucessora. Mas existe uma outra faculdade da consciência humana, a faculdade intuitiva ou de ‘visão interior’; poder-se-ia quase descrevê-la como a quarta faculdade dimensional. É uma faculdade que aparece às vezes no artista, no poeta, no ocultista, e em certos tipos de cientistas, e ela também funciona, embora raramente, em quase todas as pessoas. Ele é epitomizada sobre a Árvore da Vida pela terceira Sephira, Binah, a Esfera da Compreensão. Não a compreensão de coisas empíricas, mas aquele insight para dentro do qual o lado oculto das coisas tornou possível através de uma total identidade súbita da mente com seu substrato, consciência pura, a partir de onde todas as ideias são estocadas e o qual compreende, ou fica abaixo, do mecanismo de mentação.

A faculdade de compreensão é incomunicável porque ela tem sua origem além do Abismo, onde as leis humanas da lógica e raciocínio não se aplicam. Daí a iniciação ser necessária antes que essa faculdade possa ser ativada e utilizada. Mas tal iniciação é sempre e pode somente ser uma auto-iniciação; todas as outras formas de iniciação são falsas porque são necessariamente inadequadas. É incorreto mesmo descrever a compreensão como uma faculdade e sugerir que ela possa ser utilizada, pois o inferior não pode comandar ou fazer uso do superior, a não ser que o superior temporariamente ou permanentemente exalte o candidato a sua própria esfera. As Supernas não podem ser contidas abaixo do Abismo onde as leis do relacionamento Sujeito-Objeto permanecem. Iniciação denota uma jornada para o interior e ela pode somente ser empreendida por cada andarilho para e por si mesmo. Iniciação e intuição são virtualmente idênticas no sentido de que a jornada leva a Subjetividade absoluta que está além de todos os relacionamentos sujeito-objeto. Do Hebdomad[22] Inferior a jornada para o Interior comporta uma jornada equivalente e oposta para o Exterior. Aqueles que alcançam com sucesso esta penetração nos véus de Isis são, portanto, por assim dizer, marcados com os hieróglifos mais antigos e inescrutáveis que permanecem para sempre indecifráveis por aqueles que não se encontram nos mais profundos limites do Ser.

Neste ponto é desejado trazer o sujeito em alinhamento com a O.T.O. que possui como objetivo primordial à preparação mágica do planeta Terra para assumir um papel responsável e completamente consciente no cosmos. A O.T.O. é uma organização mágica e se relaciona especificamente com os Outer Ones. A A\A\[23] é uma Ordem mística e se relaciona com os Deep Ones. As duas se encontrarão no Homem[24] e este evento estabelecerá na Terra o Reino de Ra-Hoor-Khuit. RHK simboliza, em um deus, as forças duais de Set e Horus, a Dupla Corrente. Nesta época a Consciência será liberada, pela iniciação, para dentro de dimensões além da presente compreensão do homem. Será também estabelecido um trono para os Outer Ones, enquanto os Deep Ones continuam sua espera interior.[25]

Ra-Hoor-Khuit, o K-hut do AL, é Horus-Behutet, deus do ‘hut’ ou disco alado, a forma anterior de Aten, o deus que cruzou a terra do oeste ao leste nas asas do abutre Maut, o zootipo de M’aati.[26]Maut o transportou sobre as águas do vazio onde Apep se escondia. Esta é a linguagem figurativa para jornada da estrela-mãe que se relaciona ao culto que utilizava Apófis ou a Corrente Ofidiana e que assim anti-datou os cultos fálicos-solares do Horus posterior. O nome Ra-Hoor-Khut, que também é uma fórmula mágica, sintetiza os elementos vastamente antigos da Tradição Tifoniana.

O disco alado era o veículo que transportava a criança mágica (ou semente) que veio para estabelecer sobre a terra o trono dos Outer Ones. Tal é o Reino de Ra-Hoor-Khut (ou Khuit) esboçado no AL.

De acordo com Massey, “Aten foi o primeiro nome de Horus como deus dos Horizontes duais”. A referência é sobre a jornada do Oeste[27] para o Leste[28] da Estrela-Mãe. A Ordo Templi Orientis(O.T.O.) é a Ordem do Templo do Oriente, o lugar da ressurreição, o renascer mágico; ela é o lugar do re-despertar da Corrente Ofidiana celebrada no AL como Ra-Hoor-Khuit. Como tal sua função é preparar o caminho de retorno dos Outer Ones.[29] Na Gnosis do Necronomicon o processo é tipificado como o despertar de Cthulhu. Assim nós temos a Mulher e seu Cão, a Mãe e seu Filho, a Deusa das Sete Estrelas, Set-Tifon,[30] e o sistema Sirius representado por Yog-Sothoth. As duas Ordens – O.T.O. e A\A\ - são assim inter-relacionadas.[31]

Ra-Hoor-Khuit, sendo uma forma de Hor-Makhu, é idêntico com Aten retratado pelo disco alado do Filho Divino; divino porque sua descendência não-humana é provinda por parte do pai, sendo a semente da mulher sem a intervenção humana. Ele é assim tipifica o ‘não-nascido’, o carneiro ou cordeiro de Cristo na versão Cristã do nascimento da virgem. O Faraó assimilado a este tipo, portanto representou uma linha inconcebivelmente antiga dos mutantes Draconianos dos quais Set era o anunciante.

As Correntes Pânicas na Europa e os Cultos de Krishna na Índia eram de proveniência Tifoniana, como assinalado pela flauta de Pã e a flauta simbólica dos ares ou aethyrs sétuplos representados pela deusa das sete estrelas. É por esta razão que a flauta era conhecida como a ‘flauta do demônio’, um instrumento de abominação e sujeira utilizada nos mistérios antigos.[32] O lugar destas flautas no vale delta era o pântano conhecido como Serbones, onde Tifon escondia-se. No Necronomicon, o sem-face ou sem-cabeça, Nyarlathotep, o deus de Amenta, tocador de flauta idiota no centro da criação. O ankh sem-cabeça formava o T (Tau), que é a Cruz de Set, deus negro das profundezas. Krishna também era um deus negro. Ele era às vezes retratado como ‘dobrado em três lugares’, que torna a imagem comparável com a forma-aleijada ou anã de Horus como Khart, ou Hoor-paar-Kraat. O Krishna torto, atraindo com sua flauta as gopis (mulheres-vacas) nos bosques de Vrindavan, é cognato com o encantar de Pã com sua flauta as ninfas nos atalhos da floresta.

Os mitos foram degradados a meras fábulas, mas as imagens originais brilham ainda, desde que os tipos sejam interpretados. As antigas fulminações contra o aati e o menati, interpretados pelos autores clássicos como repulsa do bestial, ou de algumas outras formas de congresso não-natural, podem ter sido aplicáveis aos últimos dias da fase histórica pós-monumental da cultura Egípcia, mas as escrituras originais eram de uma ordem muito diferente. Elas se relacionavam a uma fórmula particular de miscigenação. É uma forma que novamente confronta a humanidade – a mistura do humano com o não-humano, embora não-animal, semente. Nós temos senão que consultar os anais da Ufologia para os relatos recentes destes mistérios, ou ‘abominações’, que são agora compreendidos serem de forma alguma novos, mas de incalculável antiguidade.[33] O saber rabínico,[34] em particular, é repleto com exemplos de um tráfico que possui relevância com o AL e seu axioma essencial: “Cada homem e cada mulher é uma estrela.”

O disco de Aten era um círculo ou arco (o ukha dos monumentos) que transportava a barca solar. Mas isto era uma interpretação escatológica do disco, pois o círculo, arca, ou veleiro que tipificava ambas as estrelas circumpolares de Tifon e o primeiro embarcador ou ladrador (Sut-Anubis), era imaginado pelo cão que anunciava o advento das profundezas do espaço do disco extraterrestre (espaçonave) carregando a semente-estelar. Seu análogo terrestre, Anúbis, anunciava na terra a subida das águas Nilóticas que literalmente depositavam, e então fecundavam, a terra de Khem (Egito), a terra negra ou escura.

O disco ou círculo era a neve-mãe estelar, não a barca dos mitos posteriores, representada por Stonehenge, um símbolo em pedra da Arca. Stonehenge era conhecida como a ‘Nave do Mundo’, não porque lembrava um navio indo para o mar, mas porque era associada com a viagem através das águas do espaço dos luminários celestiais. Era o arco que tipificava a nave-filho fundado a partir do modelo anterior da nave-mãe.

Hut é o Princípio-Hadit que aparece em muitos nomes de deuses Egípcios, p.e. Ra-Hoor-Khut, Har-Khuti, Khart, e etc. Ele tipifica não somente o ‘ponto infinitamente pequeno e atômico’ na física, mas, mais significantemente a energia pré-conceitual da metafísica.

A deidade Khut, Har-Khuti, ou Ra-Hoor-Khuit é pré-monumental e nos registros das dinastias ‘divinas’[35] um período de 13.420 anos é atribuído aos Draconianos, ou adoradores da Criança, seja estelar como Sut ou Nut, solar como Horus, ou ambos como Sut-Har ou Yog-Sothoth. Ele se manifesta no duplo horizonte, Leste e Oeste, como Hormakhu ou Hrumachis cujo símbolo é o triângulo. A palavra Deus é idêntica, etimologicamente, com o Khut Egípcio, o ‘k’ e o ‘t’ tendo sido omitidos no curso das eras.

Khut é o ‘Deus do Triângulo’ do qual o equinócio e, anteriormente o solstício, era o ápice (khut), o equinócio no zênite, o deus que cortou o eclipse no duplo equinócio. A criança (Har) e o deus (khut) eram idênticos ao que-sempre-retorna ou sempre-vem. Har-Khuti assim manifestava a trindade no canto, ou ângulo, no qual o deus jovem era renascido. O ângulo era o Kheb ou Khep, o ventre, o primeiro ato de segurar ou mão que deu seu nome ao Unnt que deu luz a criança. A mão, sendo uma figura do cinco[36] é o glifo da mulher com seu dilúvio de cinco dias e do quíntuplo triângulo de quinze passos (3x5) simbolizado pela ‘Deusa 15’. O círculo (mãe) e o triângulo (filho) se encontram no yantra de Kali, a deusa do tempo e periodicidade, e no Selo Maçônico de Sirius (veja ilustração). Babalon pode também ser descrita como a representante terrestre de Kali.

O khut ou hut é também o mais elevado (ápice), sendo o oitavo deus como uma culminação de sua mãe, a deusa das sete estrelas. Ele possui muitas outras formas simbólicas: um assento ou trono, um bote, uma mesa (platô), um Templo. Hut era uma modificação de khut (Deus), que por sua vez é uma variante de Kheft, o Diabo como a Ponta traseira do Círculo do Tempo, o Khep ou Khepht. Daí as litanias de trás para frente associadas com a missa negra e com a bruxaria. Kheft é também a deusa do Oeste; ela é a fenda que simboliza o Tuat de Amenta, a região dos mortos abaixo do horizonte, as profundezas subliminares da consciência. O trono vazio que forma o penteado de Isis denota a ausência de Osíris (i.e. o sol), e significa sua descida para dentro do Amenta quando ele mergulha para baixo do nível do horizonte ocidental. A imagem denota também a ausência do princípio de frutificação.

Em algumas lendas o falo de Osíris estava inchado por um peixe,[37] e Isis falhou em recuperá-lo. Mas a ausência de um agente natural de frutificação comportava a presença de um agente não-natural que, antes dos fatos da paternidade serem geralmente compreendidos, referia-se ao tráfico não-humano e fecundação previamente observada. O Caminho Draconiano é o Caminho Negativo, e o carneiro sem chifre como o Cordeiro significava, nas Dinastias Sebek, a descendência da Mãe, i.e. a fonte pré-solar ou sabeana. Sua maneira de realização é por reflexão, sombra, a negação não a união dos opostos. O Neter ou neutro era o sinal da deidade, nem macho nem fêmea.[38] O Neternos hieróglifos é o sinal do  machado, denotando ‘um deus’. O Deus do Machado era um título de Horus Behutet, o deus do ‘hut’, Hadit, o disco alado que atravessava o espaço nas asas do abutre. O machado é o instrumento de corte e abertura, aquilo que faz o corte. Ele tipifica a criança que abre a mãe. O machado se tornou o sinal do deus como o Que-Vem, que vem das profundezas. Sua forma é a figura de 7 e portanto da deusa Tifoniana. O machado também simbolizava os doadores mais antigos da lei, as estrelas brilhando eternamente no espaço como uma imagem do tempo – as sete estrelas da Grande Ursa Portadora, ela que alcançava seu clímax ou altura no oitavo, representado pela Estrela-Cão Sirius.

A pirâmide ou triângulo era um sinal terrestre da altura, conforme observado por Maspero:

Pirâmide é a forma Grega, pyramis, do termo composto ‘piri-m-ûisi’, que na fraseologia matemática Egípcia designa o ângulo saliente, o cume ou altura da pirâmide.[39]

O nome da Grande Pirâmide era Khuit, significando ‘horizonte’, que toda noite engolfava o sol na medida em que ele mergulhava nas profundezas. Da mesma maneira, o peixe enchia o Falo de Osíris e retornava-o para profundeza, assim anunciando o tempo do dilúvio, cuja época a força criativa abria o útero do Nilo e regenerava a terra.

É possível determinar a natureza de várias fases da Gnosis referindo-se aos números ‘mágicos’ relevantes a sua expressão. Na fase anterior, p.e. o espaço era visualizado como possuindo sete portais, o número sete indicando o culto estelar primordial. O céu lunar ou espaço possuía 28 portais, enquanto que na fase final, solar, os portais eram doze, trinta e seis, ou setenta e dois de acordo com as divisões figurativas do zodíaco. Existe uma divisão de treze que está de acordo com a última fase através da qual a consciência humana está agora passando. Esta divisão de 13 é representada como o Aeon da Filha, pois 13 é o número da Mulher. O 13º signo, Arachne, o signo da Aranha, ofusca e interpenetra o portal de Gêmeos que marca a passagem de ingresso para influência de Zain.[40]

Sirius marcava a transição do cálculo Sabeano do Tempo pela Grande Ursa, até o cálculo posterior pela revolução aparente do sol. Mas existe mais em relação a este simbolismo do que um registro de cronometria. Da Ursa Maior veio a Grande Carregadora da semente nos tempos Lemurianos.

A invasão Siríaca por outro lado era pós-diluviana. A estrela brilhante de Sirius era o sol que no simbolismo posterior se tornou confundido com a esfera solar do sistema terrestre. A Estrela-Cão não somente regulava tempo no céu, ela também anunciava o dilúvio[41] periódico sobre a terra, que era interpretado como um aviso, durante seu fluir, contra o ‘intercurso com cidades’.[42] O simbolismo é relevante ao aspecto psicológico da Gnosis.

O estranho grimório, Oahspe, descreve as consequências de se ignorar este aviso ‘celestial’:

Das misérias da terra do Egito a metade nunca foi dita, nem nunca será, pois elas eram da carne e de tal tipo que não se pode mencioná-las completamente, pois a história também envolveria as bestas dos campos e os cães, macho e fêmea, assim como bodes.

Como se não bastasse às pessoas eram vítimas de espíritos malignos e haviam se lançando a práticas tão anti-naturais como o envenenamento da carne que se tornou habitada por insetos nocivos; eles possuíam feridas contínuas e somente práticas malignas aliviavam as dores. As pessoas eram sujeitadas aos encantamentos dos espíritos do mal, e eles apareciam entre as pessoas tomando para si mesmos formas corpóreas para prática da arte do mal, comendo e bebendo com os mortais diariamente.[43]

Talvez o Aviso do Cão, ele mesmo uma regra de conduta secreta, tivesse um conselho mais profundo e ainda mais convincente de prudência contra aquele outro tráfico, aquela outra miscigenação que havia ante-datado o dilúvio histórico e a submersão de continentes extremamente afligidos pela ‘doença’ Tifoniana. Isto certamente é a significação apropriada do cão que aparece na doutrina maçônica onde ele é de fato um símbolo de Prudência.[44] Porém a ‘lepra moral’, os ‘ritos negros’, mencionados por Massey e descritos no Oahspe, não eram as cicatrizes somente das doenças físicas. Os Draconianos ‘amaldiçoados’ eram maculados com contaminações extraterrestres e essencialmente não-humanas.

Embora o presente estado de nosso conhecimento torne especulativa qualquer interpretação, existe forte evidência para apoiar as suposições envolvidas. Nós podemos estar certos de que nenhum estado de degeneração meramente física, manifestando-se como bestialidade ou sodomia (que não teria caracterizado somente um grupo religioso ou étnico), teria ocasionado uma abominação tão feroz e generalizada. Como Massey tornou abundantemente claro, os registros de dinastias inteiras foram destruídos e seus monumentos desfigurados em um esforço para apagar todos os traços dos Draconianos. Uma marreta para aniquilar uma formiga, se fatores meramente físicos fossem envolvidos. Mas existe ampla evidência para mostrar que os Amonitas, ou Solaritas, deviam mais da metade de seu panteão a uma forma estranha e ostensivamente repulsiva de miscigenação mágica da qual as deidades quase-bestiais do Vale do Nilo são lembranças suavemente veladas.[45]

Os Graet Old Ones aparecem no saber antigo primeiro como os poderes super-humanos representados por Tifon (Ursa Maior) e a Estrela-Cão, Set. Eles são descritos pelo poeta Galês Taliesin como os ‘animais lentos de Sut’, ou Satã. Eles foram difamados como os ‘apostatas’ pelos teólogos posteriores porque estas constelações eram vistas como uma perda de tempo em comparação com os cronometristas solares. Na gnosis, estes apostatas eram associados com práticas do culto bestial. Mas esta é meramente uma interpretação de tipos que refletiam, talvez, a ignorância dos interpretadores. Se referido, ao invés disso, a uma nostalgia essencial para Gnosis Tifoniana que era antidiluviana, pré-monumental, e que pré-datava as mais antigas mitologias conhecidas, encontramos a essência da tradição. Um vislumbre da verdadeira situação é revelado em Oahspe: “Eu ensino ambos anjos e mortais que não deverão venerar qualquer um que tenha nascido de uma mulher”. Esta é uma alusão à linha de sangue Tifoniana. Embora ela pareça favorecer a linha de sangue paternalista, este não é o caso. Um verso anterior descreve o Mais Elevado Deus como “Aquele que não se encontra na forma do homem”. A implicação é que o Mais Elevado Deus é originário da raça solar, e que a Sabeana Gnosis original é abominável porque a mãe Tifoniana produzia criaturas indistinguíveis, embora bastante diferente, do homem. Como duas plantas aparentemente idênticas podem surgir de sementes diferentes, assim as formas humanóides podem surgir de sementes não essencialmente humanas. Investigações recentes na nosologia de tipos humanos sugerem que doenças podem germinar em espaços além da Terra.[46]

Já fora observado nesta conexão que o desenho para o Atu I, rejeitado por Crowley, descreve a Ursa (Ursa Maior) dominando o Magista, assim indicando a origem Tifoniana de sua magick.[47]Muita confusão tem surgido por causa da dupla função de Thoth (Mercúrio) no simbolismo mágico. A primeira forma deste deus era Sabeana, e era representada por Set-Anúbis, o Set-An ou Satã das teologias posteriores. Sua representante celestial era a Estrela-Cão como Guia dos Caminhos no Céu; na terra, ele anunciava as águas da inundação. A segunda forma de Thoth era Taht,[48] cujo nome completo, Tahuti, significa O Duplo e a gibosidade da lua, minguando e crescendo. Anúbis era um tipo sintético de cão e macaco tipificado pelo cinocéfalo ou babuíno com cabeça de cão. De acordo com Heródoto, esta criatura era utilizada nos ritos sagrados como um cronometrista, pois a fêmea, no seu devido curso, emitia no momento de lunação uivos periódicos. Isto explica a pergunta do AL[49] – “Está um Deus a viver em um cão?”. O fato é que a deidade masculina mais antiga era identificada com a Estrela-Cão. A pergunta relaciona-se ao antigo ritual, sendo a resposta negativa, pois a tradição implicada é aquela do posterior culto Amonita pós-estelar. Porém o verso continua – “mas os altíssimos são nossos”, implicando que embora o cão tenha sido expulso, ele uma vez de fato representou a elevação ou cume do céu. O Taht posterior era portanto conhecido como Senhor do Am-Smem, a oitava região, o oito sendo, conforme observado anteriormente, o clímax ou manifestação completa da Luz das Sete Estrelas da Ursa Maior. Na Árvore da Vida a elevação das Sete Sephiroth Inferiores é em Daäth, o lugar d’O Duplo.[50] A frase, “mas os altíssimos são nossos”, portanto indica a assimilação ao deus do Oito (i.e. Set), o Mais Elevado, que é, por reflexo, o deus das Profundezas.




[1] I.e. como mencionado em Magick.
[2] Bruxaria & Magia Negra, p. 180.
[3] Veja capítulo 9.
[4] “Eu sou oito, e um em oito”. (AL II: 15).
[5] A Estrela-Cão.
[6] AL II: 21.
[7] O débito de Crowley a Massey era maior do que a escassa, contudo significativa nota de rodapé de Magick (p. 296) pareceria implicar.
[8] Cp. Hadit.
[9] Su = semente. Os Shus-en-Has são assim as sementes de Horus. S = 66, o número dos Qliphoth e da Grande Obra. Também é o número de Tutulu. Veja capítulo 2.
[10] A estelar e a pseudo-solar.
[11] De acordo com Oashpe, uma transmissão moderna, os Índios Norte Americanos são os únicos sobreviventes na Terra hoje da mais antiga tradição. Veja Oashpe, p. 399.
[12] África interior.
[13] Por exemplo, a tribo Dogon. Veja Os Mistérios de Sirius (Temple).
[14] Tifon e Set.
[15] Horus.
[16] I.e. o “filho” não-humano. FL.
[17] I.e. desconhecido para os habitantes terrestres, e vindo do Espaço.
[18] Livro I:6.
[19] Veja Mensageiros do Engano (Vallée).
[20] Veja Por Dentro da Zona-Malva, vol. I (Liguori), que trata extensivamente desta forma de Magick Tifoniana.
[21] Eu estou consciente de que a criatura ofuscando o Magista (na carta de Crowley) tem sido identificada como o Macaco de Thoth. Isso faz pouca diferença em relação à discussão, já que ambos o macaco e o urso são zootipos Draconianos reconhecidos. A versão original do desenho apareceu no catálogo da Exibição do Tarot organizada pela Lady Harris em Oxford em 1944.
[22] Os estados de ser representados pelas Sephiroth 4 – 10.
[23] A Ordem da Estrela de Prata (Sirius).
[24] Homem na Qabalah Inglesa é man = 91 = nam, a Palavra ou Nome Primordial. “O Poder do Homem é o Poder dos Deuses Antigos. E esse é o Pacto”, Necronomicon.
[25] Cthulhu, sonhando nas profundezas (R’lyeh, a cidade submersa) simboliza o presente estado não desperto da humanidade.
[26] Veja glossário, Aahti.
[27] Amenta, tipificado pelo abutre Maut.
[28] O lugar provido para o nascer do sol.
[29] A O.T.O. é o Templo dos Outer Ones.
[30] Cp. Set-hulu (Cthulhu) nas Profundezas do Espaço.
[31] Cp. a Seita da Sabedoria Estelar e a Ordem Esotérica de Dagon (Mitos do Necronomocon).
[32] Fellows (Os Mistérios da Maçonaria) nota que “no tempo de Cícero, os termos mistérios e abominações eram quase sinônimos”.
[33] Christopher Johnson sugere que “abominação, especialmente neste contexto, é certamente cognata com ‘longe do humano’. O aliem é usualmente repulsivo às multidões”.
[34] Para traços não confundíveis de tráficos com ‘anjos’ e outras entidades não-terrestres veja o Livro VIII daKabbalah Sagrada de Waite.
[35] I.e. extraterrestres.
[36] Os cinco dedos que agarram.
[37] Mormyrus oxyrynchus.
[38] Cp. ‘neutro’ e ‘nenhum’. O “Nenhum-Nenhum” de Spare pode também ser visto como uma descrição da linha não-humana de descendência. A falácia de uma idéia de união dos opostos é tratada no Capítulo 5.
[39] Veja O Despertar da Civilização (Maspero).
[40] Veja Outside the Circles of Time (Grant) para uma completa discussão do significado de Zain. Veja tambémArchne Rising (James Vogh).
[41] I.e., do Nilo.
[42] A cidade sendo um símbolo feminino.
[43] Oahspe, p. 505.
[44] Veja Fellows, Os Mistérios da Maçonaria.
[45] Lovecraft vislumbrou estes mistérios intuitivamente conforme revelado por seu conto Preso com os Faraós, que está de acordo com o insight dos iniciados sobre as antigas simbologias.
[46] Veja as pesquisas de Hoyle e Vikramashila.
[47] Veja Figura 3.
[48] Veja Capítulo XLIV do Livro dos Mortos.
[49] AL II:19.
[50] 11 – a ‘maldita’ undécima Sephira.

A Magia & O Misticismo de Liber 418


Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

[...] Falar a respeito de Deus é difícil. Tudo depende da definição que damos àquela palavra. Mas para mim não há dúvidas quanto à existência de seres poderosos e inteligentes, e de um nível de desenvolvimento muito superior ao da raça humana. É este silogismo que faz da Magia um imperativo: através dela podemos entrar em contato com tais inteligências ou podemos desenvolver qualidades em nossas mentes que se aproximem das deles. A existência do universo é uma prova de que assim deve ser. Em resumo, Magia é o ofício de entrar em contato com tais Seres; Misticismo é a arte de desenvolver a mente para se atingir um estado equivalente ao deles.
Aleister Crowley, 1947.


O ANO DE 1909 foi muito significativo para o cenário thelêmico: Aleister Crowley conquista o 7o Grau de Iniciação – o de Adeptus Exemptus 7°=4 da A.’.A.’. e escolhe omote OU MH; as iniciações da A.’.A.’. são abertas, pela primeira vez, para candidatos que não faziam parte do grupo inicial dela; sai a primeira edição de Liber 777 e no período de 03-11 a 19-12 Crowley e Victor Neuburg realizam operações ritualísticas utilizando-se do Sistema Enochiano de Magia. Tais operações ocorreram na Argélia, um país do norte da África, culminando em Liber 418 – também conhecido como A Visão & a Voz. Essas Operações foram tão místicas e profundas que, em meio a elas, mais precisamente em 3-12, Crowley ascende ao grau de Magister Templi 8°=3, assumindo o mote de V.V.V.V.V., durante sua jornada psíquica pelo 14o Aethyr.

De todos os eventos em epígrafe, vamos nos ater a Liber XXX AERUM Vel Saecvli Svb Figvra – CDXVIII – sendo os Anjos dos 30 Aethyrs – mais conhecido como A Visão & a Voz pois ele descreve, de forma objetiva, experiências relacionadas à exploração dos planos sutis. Além disso, nos faz perceber que a Magia Enochiana tem muito mais a oferecer: ela não é somente um sistema para se contatar com determinados seres mas também pode servir como um portal de exploração dos planos interiores e propiciar a consecução de estados mais exaltados de consciência, como aconteceu com Crowley.

Um Flash Sobre a Magia Enochiana

O sistema conhecido como Magia Enochiana foi transmitido ao Dr. John Dee, um catedrático da corte da rainha Elizabeth, através da sensitividade de Edward Kelley, no período de 1582 a 1587. Sabe-se que foi uma falange de seres espirituais que teriam se apresentado como sendo os mesmos anjos divinos que haviam instruído ao patriarca e profeta Enoch. Para tais comunicações, Kelly utilizava-se de uma bola de cristal e relatava suas visões a Dee que, então, as anotava.

A Magia Enochiana é um sistema de Teurgia (técnica para convocar e comandar seres angélicos), bem como de Goécia (um método para convocar e comandar seres demoníacos) e, basicamente, é composta de 02 partes:

1ª Ensinamento fragmentados: pequenas partes que não estavam em ordem lógica e que foram misturadas. Esses ensinamentos versavam sobre a invocação dos anjos planetários, utilizando um sistema de sigilos e quadrantes de Magia. É genericamente conhecida sob o nome de Heptarchia Mystica.

2a A parte que é mais utilizada pelos magistas, é composta pelas 04 Torres de Vigia, as Chaves ou Chamadas Enochianas e o vocabulário da Linguagem Enochiana.

Apesar de estarem separadas, é importante que o magista una, por sua arte, ambas as partes para poder trabalhar com o sistema em sua plenitude. Sobre os Portais e a Chaves é importante dizer que: as Chamadas são evocações poéticas que podem abrir os Portais para as cidades de sabedoria que são 49, ao todo. Entretanto, um dos Portais é muito sagrado para ser aberto; assim, as Chaves reais são 48. Os portais acessam às cidades de sabedoria que são reinos espirituais habitados por diferentes hierarquias de anjos, com funções distintas na Terra. Aquelas cidades celestiais são representadas por 49 números-quadrantes de letras extremamente complexos, que contêm 49 linhas e 49 colunas.

Conforme compreenderemos ao final deste artigo, a Magia Enochiana pode ter uma finalidade mais profunda e transcendental do que aquela que comumente se lhe atribui (Teurgia ou Goécia). Existem níveis de mistério e poder na Magia Enochiana que poucos ocultistas ousam explorar. O que devemos ter em mente é que o Sistema Enochiano também, a despeito de sua complexidade, pode servir a uma finalidade mais elevada; e que o magista deve buscá-la dentro de si. Um belo exemplo nos é dado por Crowley emLiber 418. Ali, o Sistema Enochiano se mostra desvelador, um agente facilitador, da obtenção de estados gloriosos de consciência, levando-nos aos portais da Grande Iniciação, conhecida Iluminação ou Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.

A Visão & a Voz

A Visão & a Voz é o registro das explorações que Crowley e Neuburg fizeram dos planos sutis a partir da utilização da 30a Chamada Enochiana. Nessas Operações, Neuburg (Frater O.V.) atuava como escriba das visões que Crowley tinha após as invocações. Usava-se uma bola de cristal como veículo para visões. Sabe-se que durante esses ritos, visões muito belas e interessantes eram obtidas. Essas visões mostraram-se muito profícuos e forneceram subsídios para muitos trabalhos futuros de Crowley, especialmente para a criação do Tarot de Thoth, que deve muito de seu simbolismo a essas Operações. Além disso, temas relevantes como a Travessia do Abismo e a realização da Grande Obra são tratados. Estaremos, portanto, discorrendo sobre essas duas temáticas muito significativas para todo buscador.

Como dissemos antes, durante essas Operações Crowley atingiu níveis elevados de consciência (o Grau de Mestre do Templo). Este é um dos mais exaltados graus daGrande Fraternidade Universal (também chamada de Grande Fraternidade Branca – sendo o termo Branca desprovido de qualquer conotação racista – antes, alude à fusão dos sete raios ou vias de iniciação). Conforme afirmamos nas Monografias da SETh: “a G’.’F’.’U’.’ é composta de consciências que examinam, dinamizam e dão impulso aos conhecimentos Arcanos, bem como veiculam novos conhecimentos aos seus representantes terrenos quando assim se faz necessário.” O que precisamos ter em mente quando lidamos com assunto tão delicado é que tais consciências estão além de nossa capacidade imediata de compreensão. O que se pode afirmar é que elas atingiram maestria pessoal e, por conseguinte, o domínio de algumas Leis Cósmicas e transcenderam a dualidade. Já são capazes de perceber que ao nível da Mônada, doPurusha ou do Iehida não existe nem o eu, nem o tu, mas sim um continnum de existência. Em outras palavras, estão cientes de que a sensação de que somos seres independentes e separados uns dos outros não é real.

Um dos objetivos do Ocultista é atingir essa consciência de unidade com todos os seres e vencer esse condicionamento a que estamos acostumados: o da separatividade. Atravessar o Abismo (cruzar Daäth) é justamente partir do Eu para o Não-Eu, do Ser para o Não-Ser, isto é, é cruzar a ponte da consciência humana (separativista) para se mergulhar em uma consciência mais profunda e abrangente, porque não dizer, divina. Implica, portanto, em um abandono de tudo aquilo que temos e somos. Em Thelema, tal processo é metaforicamente descrito como o derramar de cada gota de sangue na Taça de Babalon. Assim, quando se cruza o Abismo, há um renascimento e temos um novoBebê do Abismo que está apto para assimilar o Entendimento (a esfera de Binah).

No decurso desta Operação, Crowley cruzou o Abismo diversas vezes e confessa o estado de quase insanidade que era submetido ao passar por tais experiências. Talvez a música de Raul Seixas, Maluco Beleza, quando fala da maluques misturada com a lucidez possa ilustrar melhor esse processo. Assim, não podemos pensar que Cruzar o Abismo seja uma experiência que ocorra apenas uma vez. Na verdade, é um processo cumulativo e que pode levar anos. No caso de Crowley, as vivências relatadas em A Visão & a Voz foram por ele consideradas como a culminação de anos atravessando ‘abismos’. Na verdade, o Abismo faz parte da nossa caminhada, está sempre conosco e o atravessamos paulatinamente à medida que procuramos e direcionamos nossa consciência para planos mais sutis.

Muitas das vezes, a exploração de um Aethyr não se consolida imediatamente. Ao trabalhar com 14o Aethyr, por exemplo, Crowley não obteve muito sucesso e teve que repetir a operação. Numa dessas tentativas, ele foi impelido a parar o ritual e executar um rito cerimonial utilizando-se da Magia Sexual. Em suas Confissões, ele menciona que para cruzar este abismo

[...] eu tinha me apegado a certas concepções de conduta que eram perfeitamente adequadas para mim, sob o ponto de vista humano, mas que eram incompatíveis com a iniciação; eu não poderia cruzar o Abismo até que elas tivessem deixado completamente o meu coração.

Na noite de 3 de dezembro, ele retornou ao local da Operação e prosseguiu com seu trabalho com aquele Aethyr. Desta vez, ele obteve êxito e sua consciência se transportou à Cidade das Pirâmides como Nemo (Nenhum), um Mestre do Templo. A partir desta experiência, o lado mundano de Aleister Crowley ficou abaixo do Abismo e sua consciência transcendeu à identidade humana, permitindo o desabrochar do Adepto (Frater V.V.V.V.V. – Vi Veri Universum Vivus Vivi – Durante Minha Vida, Conquistei o Universo pelo Poder da Verdade). O ‘sangue’ havia sido derramado na Taça de Babalon, a individualidade transcendida e o prazer da dissolução no Oceano Cósmico sentida.

De acordo com a Tradição, só recebem a influência de Binah aqueles que chegaram à plena compreensão de que a personalidade é um instrumento para a Divindade. UmMestre do Templo é aquele que está plenamente aberto às influências de Yehida, o Eu Universal. Este Eu é a expressão positiva e negativa do Grande Agente Mágico ou Luz Astral, representado no Arcano VII, pela esfinge. Aliás, o Arcano VII é símbolo do Mestre do Templo. O campo de maestria de um Mestre do Templo é o poder da palavra atribuindo à letra cheth e ao 18° Caminho. Um Mestre do Templo conhece o segredo da Magia do verbo e do poder das letras. Não é ansioso e tem pouca curiosidade sobre o futuro. Ele vê o que está próximo e, às vezes, o que está distante; mas sabe que o futuro é o presente. Ele é capaz de “viajar” livremente pelos diversos níveis de consciência de seu próprio ser. Um antigo adágio Rosacruciano diz: Um Mestre do Templo tira suas forças da águia, isto é, pelo uso da estimulação das correntes nervosas do cérebro que, no ser humano comum, têm sua válvula de escape através da função sexual. UmMagister Templi recria seu corpo a partir da Morte (Arcano XIII). Assim, ele vive com alegria, livre das limitações do tempo e do espaço e das restrições de suas atividades pessoais. Pela influência que recebe do caminho de Zain, o Mestre do Templo é capaz de agir como um agente das forças criativas que a bíblia chama de Elohim, pois ele é um templo vivo do Senhor do Universo.

Desta forma, o ponto focal da iniciação é transcendência, isto é, é ir além da identidade humana e despertar-se para a verdade de que somos muito mais que um corpo físico. É estarmos cientes de que somos um conosco, com o outro, com a natureza e com o próprio universo. Quando falamos em consciência extraterrestre é exatamente isto que queremos dizer: uma consciência lúcida de sua verdadeira natureza que percebe a si mesma como sendo una à Criação; se sente parte do todo, sabe e cumpre seu papel (dharma) dentro do esquema Cósmico.

Normalmente, o Sistema Enochiano é empregado de duas maneiras: invocação de entidades ou projeção aos planos sutis. Mas quando levamos em consideração as consecuções místicas que Crowley obteve e que são relatadas em a Visão & a Voz, percebe-se que ele não fez dela apenas uma exploração convencional. Ratificamos que ele a utilizou como uma espécie de trampolim para acessar níveis profundos de iniciação. Tal proposição pode ser ratificada quando levarmos em consideração o número 418 que designa este Liber. Quatrocentos e dezoito (418) é o número da palavra místicaAbrahadabra que é símbolo da união do micro com o macrocosmo (a Grande Obra).

A amplitude de tais visões, obtidas a partir do trabalho com o Sistema Enochiano, podem ser vislumbradas nessa passagem extraído das Confissões de Crowley:

Quando atingi Bou Saâde e iniciei o trabalho com 20o Aethyr, comecei a compreender que essas visões eram, por assim dizer, cosmopolitanas. Elas me trouxeram a relação harmoniosa que perpassa a todas as doutrinas mágicas. O simbolismo dos cultos asiáticos; as idéias dos qabalistas, judeus e gregos; os arcanos gnósticos; o panteão pagão, de Mitras a Marte; os mistérios dos antigos egípcios; as iniciações de Elêusis; a saga escandinava; os rituais célticos e os druídicos; as tradições do México e da Polinésia; o misticismo de Molinos assim como o islâmico uniram-se harmonicamente sem o menor conflito. Todas as tradições do velho aeon surgiram reverentes a Hórus, a Criança Coroada e Conquistadora, o Senhor do aeon anunciado pelo O Livro da Lei. Essas visões cristalizaram, de forma dramática, as conclusões teóricas que eu havia parcialmente chegado, a partir do estudo comparativo das religiões. Além disso, tomei consciência de que esta Operação era muito mais do que uma exploração impessoal a qual eu tinha me proposto fazer. Senti que havia uma mão que segurava meu coração, que um sopro sussurrava palavras em uma língua desconhecida cujo sotaque era muito feio e, como em todo encantamento, ela me envolvia com uma energia poderosa que atuava em minha vontade, de uma maneira inescrutável.

A Visão & a Voz de Babalon em Liber 418

Para ter acesso às suas visões, Crowley utilizava uma grande pedra de topázio dourada, sobre uma cruz grega que tinha 49 pétalas de rosas, gravadas ao redor. De posse desta sagrada regalia, iniciava-se as Chamadas. Crowley comenta como era a natureza de suas visões durante as Operações:

Aprendi a não me preocupar em viajar com meu corpo astral para algum lugar específico. Percebi que o espaço não era nada em si mesmo; é meramente uma categoria convencional (uma de muitas), através da qual podemos distinguir um objeto do outro. Quando digo que estava em um Aethyr qualquer, quero dizer que simplesmente estou no estado característico e peculiar dele, isto é, sentindo sua natureza. Assim, meus sentidos podem receber as impressões sutis para os quais foram treinados a registrar, me torno ciente dos fenômenos que se passam em tais planos ou mundos, a exemplo de um ser humano comum que está ciente do plano físico. Eu descrevo o que vejo e repito o que ouço e Frater O.V. anota minhas palavras e, casualmente, ele observa algum fenômeno que considera peculiar.

É curiosa a presença do número 49 no total de pétalas que ornamentavam a cruz. Curiosa porque 49 é um numero associado à Babalon. Os thelemitas identificam aSephira Binah (o Entendimento) com Babalon. Também devemos observar que, em relação à fórmula de IHVH (o Tetragrammaton), Binah corresponde ao primeiro He, enquanto Malkuth ao segundo. Assim, temos uma fórmula de transcendência: o Hê final, a Terra (Malkuth ou a Divina Shekina) seria uma segunda manifestação de um mesmo princípio cósmico, o que permite à criação manifesta ascender a planos que normalmente escapam à nossa percepção imediata.

Binah é a primeira Sephira (emanação ou envoltório) que encontramos tão logo cruzamos o Abismo. Daí deriva seu Mistério: a impossibilidade de se discursar sobre Ela. Só a experiência direta é que poderá desvelar esse Grande Arcano. Na Visão & a Voz,Babalon foi acessada por Crowley no 2o (as descrições das visões no livro são feitas em ordem decrescente, do 30o a 1o Aethyr) Aethyr Enochiano, chamado de ARN, no qual é dito:

Todo homem que me viu jamais me esqueceu. Eu venho muitas vezes nas brasas do fogo, e sobre a suave pele branca de uma mulher, e na constância da cascata, e no vazio dos desertos e pântanos, e sobre grandes penhascos a beira-mar; e em muitos lugares estranhos, onde os homens não me buscam. E muitas milhares de vezes ele não me contemplou. E por fim Eu me lancei nele como uma visão golpeada em uma pedra e quem Eu chamo deve seguir.

Seguir o chamado da Deusa pressupõe disponibilidade para conviver como a desolação e superar os ordálios inerentes a tal consecução, até que estejamos aptos a cavalgarmos com Ela, sentindo todo o seu Prazer e Deleite. Na visão de ARN, Tifon, o Deus da Tempestade, leva Crowley ao desatino, mostrando-lhe como são inúteis todas as formas de adoração que ele conhecia. Tifon, assim, brada:

Desesperança! Desesperança! Pois podes enganar a Virgem e também adulares a Mãe; mas o quê dirás à antiga Prostituta que está entronizada na Eternidade? Pois se ela não quiser, não há força ou astúcia, ou qualquer saber que possa prevalecer sobre ela. Tu não podes cortejá-la com amor, pois ela é amor. E ela tem tudo, e não precisa de ti. E tu não podes cortejá-la com ouro, pois todos os reis e capitães da terra, e todos os deuses do céu, derramaram o seu ouro sobre ela. Assim ela tudo tem, e não precisa de ti. E tu não podes cortejá-la com sabedoria, pois o senhor dela é Sabedoria. Ela tem tudo isto, e não precisa de ti. Desespero! Desesperança!

Ao Adeptus Exemptus, entretanto, Crowley entregou o sutra sagrado Liber Cheth Vel Vallum Abiegni como sendo a fórmula de Realização da Grande Obra, através da devoção a Nossa Senhora Babalon. Segundo ele, o texto instrui o aspirante em como dissolver a sua personalidade na Vida Universal.

Michael Stanley, em seu artigo The Vision and the Voice, chama a nossa atenção para o fato de que, para além do caráter monoteísta que circundava as operações de Dee, uma leitura atenta dos diários dele, denuncia a presença de uma entidade feminina com características babalônicas por trás das comunicações. Essa entidade chamava-seMadimi. Algumas comunicações de Madimi revelam uma beleza poética que se aproximam muito daquelas que Crowley nos fornece em A Visão & a Voz. Seria essa mesma entidade que Crowley, quatro séculos depois, reencontraria?

Sabe-se, ainda, que Kelley nunca conseguiu ver Madimi no cristal, mas ouviu a sua voz. Certa vez, quando ele indagou o seu nome, ela respondeu furiosamente: Eu Sou o que mais queres? Quando Dee relutava em obedecer a certas imposições dela, ela o ameaçava. Certa vez, ela até mesmo chegou a propor uma troca de esposas aos dois, para que o trabalho mágico tivesse a continuidade desejada. Apesar do espanto, Kelly e Dee e suas esposas realizaram o pedido.

Ao investigarmos o 7o Aethyr, Kelley canalizou uma bela mensagem mas que, devido aos condicionamentos da época, foi considerada aterrorizante e foi a gota d’água que levou Dee a parar com as comunicações.

A seguir, reproduzimos fragmentos desta comunicação, conforme encontramos no artigo de Stanley. Reparem que o texto faz menção a um porvir da Deusa. Seria isso uma referência à chegada do Novo Aeon, alguns séculos depois?

Eu sou a filha da Fortaleza e em minha juventude fornico continuamente. Eu sou o Entendimento, e a Ciência reside em meu ser; os céus me oprimem e eles me cobrem e me desejam com apetite infinito; pois quase nada que seja terreno me abraçou, pois sou a sombra que recai com o Círculo de Pedras, e coberta com as nuvens da manhã. Eu sou uma prostituta para aquele que me violenta, e uma virgem para quem não me conhece. Purguem suas ruas, Ó vós filhos dos homens, e tornem suas moradas limpas; tornem-se santos, e vistam a retidão. Joguem fora vossas velhas prostitutas e queimem suas roupas; assim, trarei filhos a vós e eles serão os Filhos do Conforto. [...] Prepare para mim pois eu voltarei em breve para residir entre vocês.

É interessante notar a menção que o texto faz à Fortaleza, uma vez que Crowley chamou a carta A Força de A Luxúria; bem como a presença do termo Entendimento que se aplica à esfera de Binah. Conforme nosso artigo anterior, Jack Parsons & a Operação Babalon (Revista Sothis, Vol. I, N.5), falamos rapidamente do simbolismo de Babalonpresente no Tarot de Thoth, o Arcano ou Chave XI – a Luxúria. Ali também ressaltamos que boa parte da compreensão que Crowley obteve sobre o Mistério de Babalon, deve-se muito às suas experiências com o Sistema Enochiano durante esta Operação.

A partir das descrições de Babalon – quer via canalizações de Dee, quer através do texto de Parsons, dos escritos de Crowley ou mesmo do Tarot de Thoth, fica patente uma trilogia que nos ajuda a desvendar esse arcano: Beleza, Desejo e Magia. A Besta que Ela monta alude a uma energia de natureza primitiva e criativa, além da razão. ContemplarBabalon em toda sua nudez é contemplar sua própria morte ou aniquilação, isto é, a dissolução da ilusão de separatividade que mergulhamos.

Notem que a morte ou o amor dos santos é de fato um acréscimo de vida. A fórmula de 156 é a copulação constante ou um Samadhi com tudo.
A Visão & a Voz

Por falar em santo, ainda encontramos em A Visão & a Voz, mais precisamente no 12oAethyr, a santidade a que faz jus um Mestre do Templo: “o santo é aquele que aperfeiçoou sua devoção à Babalon” (Binah). Apesar desta feliz definição, faz-se mister também destacar uma outra presente em Liber XV: “são tidos como santos todos aqueles que adoraram o Senhor da Vida e que são capazes de espargir suas divinas bênçãos entre as legiões de seres vivos.”

O Quinto Aethyr:
Uma Flecha para a Grande Obra

A fórmula completa da Magia está descrita em 11 palavras: Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei. O significado básico desta fórmula é de que a lei básica, a tendência de cada indivíduo, é em direção à total transformação de si mesmo: de um ser limitado (o qual ele acredita que é) para a sua realidade última que é em essência (um ser transcósmico, extraterrestre, extradimensional).

Kenneth Grant, Outside Circles of Time

Para concluirmos este artigo, gostaríamos de fazer um fazer um comentário sobre um assunto fundamental para todos os estudantes do Oculto: a realização da Grande Obra. No 5o Aethyr, é predominante a visão de uma flecha. Esta flecha é a flecha da Vontade e da Verdade. A visão ali narrada é muito inspiradora e sublime, elucidando a essência da filosofia thelêmica.

Como já frisamos antes, há uma relação entre A Visão & a Voz e a concepção posterior dos Atus de Thoth. Quando falamos em Grande Obra, em termos de Tarot, é inevitável que não falemos do Arcano XIV (A Arte ou A Temperança).

Do ponto de vista astrológico, este arcano é atribuído ao signo de Sagitário que é regido por Júpiter. Sagitário é o arqueiro e a palavra hebraica para este signo é Queshet que também significa arco. No Tarot de Crowley, temos uma figura central andrógena que é perpassada por uma flecha que se eleva do plexo solar em direção aos centros psíquicos superiores. Esta flecha que é um símbolo de direção, do dardo veloz da Vontade, emana do fogo para consumir os pensamentos vagueantes.

Notamos que a personagem está concentrada e direciona conscientemente suas ações; logo, temos neste Atu a simbolização da Verdadeira Vontade. O arqueiro, a flecha e o alvo são um, há uma espontaneidade que vai além do caos e do controle. A Verdadeira Vontade não tem sua própria vontade, ela é a própria vontade. A flecha (que também aparece no arcano VI – os Amantes) é a fonte de todo o movimento; é um movimento infinito sem movimento e, portanto, do ponto vista da iluminação, não há movimento, nem matéria. Esta flecha mantém elos simbólicos com o Olho de Shiva. Mas por não haver movimento, o universo não é destruído. Ele é expandido e é engolido pelas vibrações da Pluma de Maät, que são as plumas da flecha; mas tais plumas não vibram.

Esses paradoxos paralisam as análises intelectuais, extrapolam os limites da razão. A Verdadeira Vontade não é algo que o indivíduo possa possuir. É esta Vontade que crialila, a brincadeira ou a ilusão da manifestação, e se expressa através dela. Tudo é um aspecto desta diversidade e nada aí está aparte ou separado. Tais paradoxos são também encontrados na expressão 0=2, familiar aos thelemitas. Também sabemos que existe uma estreita ligação entre Thelema e alguns apontamentos do TAO. Em Thelema, assim como no Yoga, a análise racionalista é inútil; aliás, o Yoga chama o racionalismo excessivo de cacá bishna (excremento de corvo). Antes, privilegia-se o insight, a intuição e o fruto direto das experiências quer mágicas, quer místicas. Nesta direção, Liber 418 é um exemplo.

Quanto ao Arcano XIV, não podemos deixar de considerar a letra hebraica que corresponde a ele: Samekh. Sendo a terceira das três letras serpentinas do alfabeto judeu, sua forma lembra a serpente que morde a própria cauda – o Ouroboros, da tradição gnóstica - símbolo de completude e eternidade. Como verbo, Samekh significa apoiar, sustentar, escorar ou estabelecer. Como substantivo significa apoio. A forma primitiva desta letra era de uma estaca para sustentar uma tenda. O que sugere estabilidade e firmeza para sustentar nossa Vontade. Também o número 14 não pode ser ignorado: 14 é o valor numérico da palavra Zauhab que significa ouro. Este é o ouro da luminescência, o ouro filosofal que representa a verdade perfeita.

O estado mental que esse Arcano evoca é o da presença real de Deus ou o Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião e a Verdadeira Vontade está intrinsecamente ligada a Ele (é personificada nele). A imagem do andrógeno representa a quintessência, a integração dos contrários.

A dicotomia, a dualidade, que é metaforizada na figura de Choronzon, é uma limitação própria do plano terreno que se dilui, se dissolve à medida que nos tornamos mais receptivos aos influxos de nosso Eu Interior. É esta aproximação, essa comunhão com as inteligências extraterrenas que é o foco da Magia; assim, qualquer outra atribuição dada a ela é equivocada. Magia é arte de se estabelecer contatos conscientes com inteligências superiores e o Yoga é o método de preparação do corpo para que este possa estabelecer tais contatos, bem como dar condições para que ele suporte os impactos próprios desses encontros.

Do ponto de vista iniciático, o Conhecimento e a Conversação com o Sagrado Anjo Guardião é um fenômeno universal e tem a ver com um despertar, uma iluminação, uma conscientização maior do Cósmico. A experiência é real independentemente da nomenclatura (Satori, Cruzar o Abismo, Consciência Cósmica, União com Deus,Iluminação...). E mais, de acordo com o as Visões do 17o Aethyr, uma vez estabelecido um contato efetivo com o Sagrado Anjo Guardião, o vínculo é permanente, não sendo, portanto, um fenômeno temporário ou que possa ser destruído pelo que quer que seja.

O Conhecimento e a Conversação não é um fim em si mesmo, mas é uma das fases mais gratificantes da senda. É um vislumbre do que está para além do nível terreno e para além do nível de Tiphereth, conforme a Visão & a Voz tangencia.

Os métodos para tal consecução são muitos: abstinências diversas, Magia sexual, Liber Samekh, as instruções do 8o Aethyr, Magia de Abramelin, dentre outras. Independentemente do método utilizado, o fator primordial em tais operações é a devoção em relação ao Anjo. Neste particular, um conhecimento sobre os fundamentos do Bhakti–Yoga (a união pela devoção) não pode ser desprezado.

A iluminação, o derramar o Sangue na Taça de Nossa Senhora Babalon, não é um processo gradual; antes é uma mudança súbita, intensa e letal para o ego: é a sua consumação nas chamas da transmutação, conforme ilustra o arcano XVI do Tarot. O tempo para cada um atingir essa consecução é individual. Uns levam mais, outros menos tempo. Portanto, não podemos dar espaço para a ansiedade quanto a isto, pois ela é um grande obstáculo. Como diz a Lei sem ânsia de resultado.

Por experiência, sabemos que três anos de intenso trabalho sobre si mesmo já nos permite vislumbrar aspectos da realidade transcendente. Dr. Spencer Lewis, da AMORC, dizia que para o Mundo Ocidental um despertar efetivo era mais lento, em função das condições em que vivemos, e apontava para uma média de 20 anos de profícuo trabalho iniciático. Independentemente de querelas temporais, citamos o dito anterior apenas como referência, o que não deve gerar expectativas. O mais importante é nos dedicarmos a cada dia com afinco na vivência da iniciação em todos os aspectos de nossa vida e meditarmos continuamente para que possamos, no devido momento, comungarmos com as hostes extraterrenas as sublimes bênçãos da existência universal, não-dual, una para sempre com toda a criação.

Amor é a lei, amor sob vontade.


SUPORTE TÉORICO

CASE, Paul. The True and Invisible Rosicrucian Order.
CROWLEY, Aleister. Liber 418 e O livro de Thoth.
SOTO. Curso de Magia Enochiana.