sábado, 23 de julho de 2022

A Filosofia Antiga

Desde a Antiguidade, o termo magia tem ganhado conotações pejorativas e tem sido associado a prestidigitação e trapaças de todos os tipos. Tanto mageia quanto goēteia eram sinônimos de feitiçaria, um tipo de prática mágico-cerimonial de caráter inferior devido às inclinações particulares de quem pratica, e não pelos métodos ou procedimentos que se realiza, muito embora esse também seja um tema deveras debatido. O Séc. III d.C. apresentou uma disputada questão na taxonomia e na definição de suas práticas e qualidade de ritual. Em meio a essa disputa, a teurgia neoplatônica também foi acusada ter equivalência com a prática da magia (goēteia, feitiçaria). Jâmblico, filósofo e teurgo, era um homem que combinava o refinamento e a profunda inquirição espiritual filosófica com a devoção e a teofania de um hierofante de mistérios. Ele se esforçou em demonstrar que a teurgia tratava-se de uma prática cerimonial de tipo superior, aliada a um estilo de vida filosófico. Jâmblico ensinava que a teurgia é o complemento religioso-cerimonial da filosofia, acreditando que somente a devoção inspirada poderia levar o filósofo do ver para o ser em um arrebatado estado de união com o divino (henosis).

Como veremos adiante, a filosofia antiga é um estilo de vida, uma maneira distinta de olhar a realidade. A teurgia, neste mesmo caminho, não difere da filosofia, antes disso, a complementa. É correto dizer que filosofia e teurgia são artes irmãs. Nos primeiros séculos da era cristã, principalmente entre os Sécs. III e IV onde esse embate crescia fervorosamente, o cristianismo se apresentava como uma alternativa filosófica, uma vez que orientava um estilo de vida sacramental em concordância com o Logos. Nesse processo, ele rejeitou e perseguiu os rivais da filosofia helênica que perseguiam os mesmos objetivos espirituais, mas com metodologias dialéticas e teúrgicas distintas. Porfírio, professor de Jâmblico, classificava os cristãos em dois grupos, os letrados e os iletrados. Os iletrados eram a maioria, os polloi kai alloi, os letrados eram a minoria, os hairetikoi. Estes poucos eram os gnósticos, àqueles que possuíam hairesis, uma firme e oposta doutrina filosófica.

Os gnósticos foram completamente exterminados pelos cristãos e a ekklesia, antes orientada pela philosophia verissima de Platão, agora orientava-se aos mistérios menores. A lógica e os aspectos psíquico-cosmológicos da filosofia foram aceitos, mas a espiritualidade pagã foi furiosamente sufocada. A teurgia e metafísica neoplatônicas de Jâmblico e Proclo transformaram-se na teologia mística de Pseudo Dionísio, mas a dimensão teúrgica do neoplatonismo foi demonizada e perseguida.

Uma vida filosófica é essencialmente mística. Um filósofo na Antiguidade era um místico. No entanto, o embate acalorado e por vezes deveras sangrento entre cristãos e pagãos também mudou completamente a orientação das academias de filosofia que por fim foram completamente fechadas e seus professores e alunos perseguidos. Houve nesse período um maciço ingresso no cristianismo, que se apoderava dos ideias filosóficos espirituais de imortalidade da filosofia, deixando apenas uma casca de discurso racional amorfo. O cristianismo se valeu dos exercícios espirituais da filosofia, renegando esta apenas a um conjunto de especulações. É essa filosofia desprovida de estilo de vida filosófico que chegou até nós nos dias de hoje em nossas universidades. A filosofia moderna é um fruto direto desta corrupção do neoplatonismo tardio e pagão em virtude da apropriação cristã de sua espiritualidade. A partir do Séc. IV d.C. a filosofia nunca mais seria a mesma. Ela daria lugar a especulação filosófica abstrata de uma atividade intelectual desprovida de identidade própria, perdendo completamente suas dimensões teológica, religiosa e teúrgica.

O resgate da filosofia antiga pode, dessa maneira, ser estabelecido através da prática da teurgia. A filosofia compreendida como um desenvolvimento da tradição órfica, pitagória e platônica, não se trata de uma explicação teórica da realidade, do mundo, mas antes disso, de um rito de renascimento, o que implica em transcender a finitude material. O objetivo de uma vida filosófica inclui a habilidade de viver bem no aqui e no agora, pois o pano de fundo noético de cada filósofo, quer dizer, o Uno inefável, está presente em toda parte. Nos termos da cultura egípcia, trata-se portanto de uma transição ao reino de Osíris (duat) ou corpo alquímico da deusa Nuit (o céu), às vezes representado como um templo na forma de vaca (a deusa Hathor). Para um filósofo, portanto, aprender a viver bem se trata de aprender a morrer e essa paideia (educação) filosófica é análoga a construção da tumba real, quer dizer, a maṇḍala teúrgica de palavras (hekau) e os espíritos hieróglifos animados (medu neter), a incorporação das Formas platônicas. Essa tumba filosófica é a própria cripta de iniciação do filósofo, onde ele passará pela transformação alquímica no templo de Osíris no duat. O termo grego filósofo tem equivalência com o termo egípcio mer rekh, que significa amante do conhecimento, que dizer, àquele que busca por uma teofania divina com os neteru (deuses) em henosis. Esse elemento teofânico dá acesso ao espírito da sabedoria, quando o deus Thoth é assentado na ponta da língua e a deusa Maat no santuário do coração. Como todo hierofante de mistérios egípcios, o filósofo busca a ressurreição no reino de Osíris-Rá. A revolução intelectual helênica despertada por Pitágoras e Platão modernizou e adaptou este conhecimento egípcio, transformando o antigo Faraó-Hórus, o theios aner, no Filósofo-Sacerdote platônico buscando união com os princípios elevados noéticos (neteru) adentrando a barca de Rá. O Atum-Rá egípcio equivale ao Intelecto Divino ou cosmos noético (kosmos noetos) de luz espiritual.





A Prática da Teurgia

A prática da teurgia, nome grego que significa Obra de Deus, é a prática espiritual mais arcaica da humanidade, pois seu início ocorreu quando o homem olhou para o firmamento e vislumbrou as estrelas. Contudo, no contexto cultural pelo qual iremos explorar essas Lições, a teurgia aqui tratada teve início na Grécia entre um grupo de filósofos genericamente classificados na história como pré-socráticos. Deste grupo de filósofos, um dos mais relevantes para nosso estudo é Pitágoras (570-495 a.C.). Ele sugeriu que a realidade não era multifacetada e fragmentada como parecia, afirmando a existência de um princípio singular que a tudo subjaz. Para Pitágoras esse era um princípio matemático. Ele descobriu uma harmonia matemática fundamental entre as notas musicais e vértices geométricos sugeridos fora da matéria, participando de outra realidade. Se é possível estabelecer uma harmonia matemática entre cordas de um violão corretamente afinadas, significa então que essa harmonia exista em um outro plano de existência, separada das cordas que ela tem relação direta. Desde que essa harmonia não é material, ela existe fora da matéria em uma dimensão abstrata.

Pitágoras é um filósofo pré-socrático. Sócrates (469-399 a.C.) foi um filósofo tão importante na história do Ocidente que ele divide a filosofia em dois períodos: o anterior e o posterior a ele. Ele viveu no mesmo período de Buda, que morreu por volta de 480 a.C. e se valeu das ideias acerca da realidade matemática de Pitágoras desenvolvendo-as em sua plenitude. Sócrates sugeriu que o Mundo das Ideias era habitado por algo além de abstrações matemáticas apenas, e que ele também continha a protoideia da bondade, por exemplo. Platão (428-348) que foi seu discípulo desenvolveu ainda mais suas ideias. A noção de que a realidade física é o reflexo de imagens arquetípicas perfeitas no Mundo das Ideias é, dessa maneira, platônica, como a culminação das ideias dos filósofos que precederam Platão.

Aristóteles (384-322) foi discípulo de Platão, mas rompeu laços com ele. A partir desse momento iniciou-se uma degradação das ideias dos filósofos que o precederam. Aristóteles postulou que muito embora essas protoideias existam no Mundo das Ideias, elas não existem separadas em uma dimensão abstrata e não material. Vê-se aqui a gênese de muitas ideias defendidas nas filosofias modernas e pós-modernas sobre a natureza da realidade. No entanto, os postulados de Aristóteles não são universalmente aceitos desde sua época e esses que os rejeitavam foram chamados de médio-platonistas. Esses médio-platonistas continuaram a ensinar os postulados de Platão. Com o tempo, àqueles que tinham afinidade com as ideias e doutrinas de Platão na Antiguidade vieram a ser conhecidos como neoplatonistas. O Neoplatonismo é caracterizado por um conjunto de filósofos mais inclinados ao exercício místico e mais práticos do que os filósofos do Medioplatonismo. Os neoplatônicos possuíam um objetivo espiritual genuíno conhecido como henosis, quer dizer, uma união extática com o divino. Eles também eram mais práticos porque ofereciam uma tecnologia espiritual específica que os capacitava a conquistar a meta última da henosis.

Duas escolas neoplatônicas desenvolveram tecnologias espirituais para a conquista da henosis: a escola mística-contemplativa e a escola mágico-cerimonial. A escola mística-contemplativa tipificada pelos ensinamentos de Plotino (203-270 d.C.) ensinava métodos puramente mentais, meditativos e reflexivos. A escola mágico-cerimonial tipificada pelos ensinamentos de Jâmblico (245-325) d.C. ensinava métodos magísticos cerimoniais de inclinação religiosa ao Um. Nestas Lições nós iremos nos debruçar sobre tecnologias espirituais de ambas as escolas para criar uma prática solitária mais completa e mais harmônica, consistente com as interpretações mágicas de Jâmblico e as interpretações místicas de Plotino.

A Tradição Hermética de Mistérios influenciou profundamente o desenvolvimento da teurgia na Antiguidade. No entanto, pelo grande fluxo de convergência cultural que consistia a prática da magia dos Papiros Mágicos Greco-Egípcios, que incluía nesse contexto cultural eclético até o Neoplatonismo, os filósofos platônicos e neoplatônicos deram pouca atenção a eles, devido a falta de rigor nos métodos práticos, no discurso e raciocínio. Em detrimento disso os papiros da Tradição Hermética ficaram desconhecidos na história do Ocidente até que um grupo de hermetistas modernos do Séc. XIX os redescobriu, interpretando-os, no entanto, de maneira equivocada, como demonstramos em outro lugar.[1] A Teurgia Clássica manteve-se, tecnicamente falando, a parte do desenvolvimento da Tradição Hermética de Mistérios.

Alguns autores postulam que o desenvolvimento do cristianismo fez ruir a teurgia. No entanto, de muitas maneiras, o que o cristianismo fez foi revigorar a teurgia. A teurgia foi tão bem assimilada pela teologia cristã que autores como Mouni Sadhu[2] não postulam distinção entre fé cristã e teurgia. Nessa assimilação cristã da teurgia, os deuses pagãos se tornaram anjos, o Um se tornou Deus e o Logos se tornou Jesus. O Evangelho de João (1:1) inicia com as palavras: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. A palavra grega para Verbo é Logos. Uma versão neoplatônica desta frase poderia ficar assim: No princípio era a base racional do universo, e a base racional do universo estava com o Um, e ela também era o Um. Posteriormente, na Idade Média, cristãos neoplatônicos como John Dee (1527-1608), Cornélio Agrippa (1436-1535) etc. fizeram contribuições pessoais ao desenvolvimento da teurgia que tomou, sob muitos aspectos, o nome de Alta Magia que se desenvolveu nas interpretações modernas e pós-modernas da magia.

A avaliação de cada uma dessas fases ilustra o fato que a teurgia não acabou, mas foi amplamente assimilada e reassimilada em vários contextos religiosos, místicos e mágicos na história do Ocidente desde a Antiguidade. É isso que perpetuou a vida da teurgia e é por este motivo que o reconstrucionismo não funciona, pois para que a teurgia seja utilizada com eficiência, ela tem de estar viva, não morta. Assim faz-se urgente contextualizar os métodos do passado para a visão de mundo que temos hoje.

A Renascença trouxe certo revigoramento através do pensamento empírico cientificista. Em detrimento deste novo modelo de universo, o misticismo neoplatônico perdeu força e gradativamente as tradições iniciáticas do Ocidente se esforçaram para se alinharem ao paradigma científico moderno. Fora do âmbito acadêmico, alguns pensadores e hermetistas como S.L. MacGregor Mathers (1854-1918), um dos fundadores da Ordem Hermética da Aurora Dourada, Aleister Crowley (1875-1947) e Israel Regardie (1907-1958) se esforçaram em criar uma ponte entre os métodos iniciáticos do passado e a moderna visão científica do mundo. Dentre estes, Crowley foi o que mais tentou alinhar a tradição com a ciência moderna naquilo que ele chamou de Iluminismo Científico, no entanto, eles e outros careciam de fontes naquela época para construir um caminho seguro e eficiente. Mas hoje nós temos a nossa disposição muito mais material de pesquisa. É óbvio que muito se foi perdido, mas é fato que hoje podemos olhar para o passado com mais eficiência que os hermetistas do Séc. XIX. Esse olhar nos dá uma vantagem que eles não tiveram e o trabalho que eles iniciaram e não conseguiram terminar nós podemos continuar com mais precisão, amarrando as pontas soltas que eles deixaram no caminho. A teurgia é o componente que torna possível praticar a magia como um mecanismo de evolução espiritual. Essas lições têm como objetivo prepará-lo para esta prática.


A Tecnologia Divina

Faça um pequeno exercício de imaginação: Platão havia nos dito – em sua Alegoria da Caverna – que existiam algumas pessoas que viviam dentro de uma caverna.[3] Ele não chegou a dar nome a eles, mas nós vamos chamá-los de ctonianos e eles nasceram sob circunstâncias bem estranhas. Eles podiam comer e beber, mas não podiam levantar suas cabeças. Eles deveriam estar o tempo todo voltados para parede, acorrentados, sem poder olhar uns para os outros ou para qualquer outro lugar que não fosse a parede.

Enquanto isso, alguns guardas que tomavam conta destes que se detinham acorrentados a olhar a parede, passavam frente uma fogueira atrás deles, carregando inúmeros objetos. Ao fazê-lo, sombras eram projetadas nas paredes da caverna. Um destes guardas – e Platão não menciona seus nomes – que vamos chamar de Aion, passou na frente da fogueira carregando um vaso, projetando sua sombra na parede. Os ctonianos olharam àquela sombra e disseram uns aos outros: veja, um vaso. Outra vez Aion passou carregando uma espada e os ctonianos disseram: veja, uma espada. E assim, sucessivamente.

Mas as sombras dos objetos que Aion carregava eram apenas projeções bidimensionais lançadas na parede. Isso significa que ele poderia estar carregando objetos muito mais complexos e, dependendo do ângulo da luz sobre eles, formas distintas poderiam ser projetadas como sombra. Se Aion tivesse carregando um livro, sob determinado ângulo sua sombra poderia parecer uma caixa. Se ele abrisse o livro na frente da fogueira, uma nova sombra na forma de um «V» seria projetada. Mas se ele o carregasse de pé, sua sombra seria cilíndrica na parede. Para cada uma dessas sombras os ctonianos davam um nome e pensavam ser coisas distintas, sendo de fato apenas um livro com projeções diversas. Mesmo sem essa percepção, eles ainda poderiam suspeitar que de alguma maneira misteriosa os objetos carregados por Aion, quer dizer, as sombras na parede, misteriosamente se tornavam em outros objetos.

Agora, imagine que por algum motivo, os ctonianos se libertassem da escuridão da caverna e chegassem do lado de fora e começassem a observar as coisas como elas são de verdade. Antes, o que eles viam eram formas sombrias bidimensionais na parede da caverna. Agora eles podem ver o universo tridimensional em cor e textura, observando que as formas mudam na medida em que passam por elas e por fim acabam percebendo que o que eles viam não era a realidade, mas sombras da realidade e quando eles olham para o céu são capazes de ver uma bola de fogo incandescente flutuando acima deles, um deus irradiando força, poder e calor.

Todos nós somos como os ctonianos, ignorantes da realidade, olhando para formas sombrias na parede, que são nossas experiências diárias, através de nossas percepções limitadas. O fogo na caverna é a luz que nos dá a visão das sombras na parede, mas do lado de fora da caverna há mais luz e outra realidade que não conseguimos perceber com os sentidos. E quando temos lampejos dessa realidade que está além de nosssa capacidade de percepção sensorial ficamos paralisados, cegos pelo esplendor daquilo que estamos observando mas não temos palavras para descrever, pois a única experiência que temos são sombras. É como se os ctonianos que se libertaram da caverna voltassem para tentar libertar uns poucos que lá ainda permaneceram e na ânsia de descrever a eles a verdadeira realidade do lado de fora, o único resultado que têm é a face do medo nas expressões daqueles que ficaram. Todos nós vivemos dentro dessa caverna da ignorância, mas não precisamos. A teurgia é um meio de se libertar da caverna e estar conectado com a realidade que está além de nossos sentidos.

Quando àqueles ctonianos que permaneceram na caverna entraram em contato com àqueles que se libertaram, eles engajaram em uma prática de teurgia, uma tecnologia espiritual que estava os capacitando a entrar em contato com outra realidade além daquela da caverna, quer dizer, além de nossos sentidos.

A teurgia é uma palavra grega que vem de duas raízes: theos que significa deus e ergon que significa obra. É uma tecnologia espiritual onde o praticante (teurgo) suplica ao divino usando a razão, a intuição e poderes estéticos na finalidade de engajar ou conquistar uma perspectiva superior, além dos limites sensoriais, quer dizer, a henosis: a unidade com o estofo fundamental da existência. A henosis não é um tema simples de se explicar e nós vamos nos debruçar sobre ele em nossas Lições. Alguns autores têm o comparado ao nirvāna dos budistas ou ao mokṣa dos hindus, como um tipo de liberdade universal de todo aparato condicionante da consciência. Mas não há como fazer uma comparação precisa, pois a Tradição Ocidental de Mistérios tem sua própria linguagem e nós não queremos cair no mesmo erro dos teósofos delirantes. Nós teremos a oportunidade de nos aprofundar no tema em Lições futuras.

Superficialmente, a execução da teurgia se parece com um ato simples de adoração. Isso levou a Sociedade Teosófica a tentar estabelecer uma equivalência indevida, por se tratar de um equívoco, com o bhakti-mārga da tradição hindu. Um teurgo não pode ser definido por suas ações ritualísticas apenas e fazê-lo, de fato, é embaraçante. Para um teurgo, uma oferenda e uma oração é um trabalho em obra divina, um sacerdócio cujas ações têm um propósito específico. Não se trata de um trabalho sobre um ou o deus; não se trata também de um trabalho para deus; diferente disso, se trata de um trabalho com um ou o deus. Ao contrário do bhakti-mārga, a teurgia não se trata de um serviço a deus. O teurgo não tenta barganhar com deus para que ele sirva a um propósito. O que o teurgo faz é colaborar junto a um ou o deus para a conquista de um objetivo comum: a henosis.

A henosis é uma união de perspectivas: a perspectiva da Alma humana do teurgo se une a perspectiva de uma realidade superior do universo, uma fonte inesgotável a partir do qual tudo se manifesta através de uma processão. É difícil para nós definir o que é essa fonte de tudo e porque a partir dela iniciou-se uma processão que definiu a matéria como resultado último, no entanto, desprovida de luz. Plotino utilizava muitas metáforas para explicar essa processão a partir da fonte, quer dizer, o Uno. A mais célebre é a metáfora da luz. A derivação de tudo o que existe a partir do Uno é representada como uma luz que se irradia a partir de uma fonte luminosa. Sua irradiação ocorre na forma de círculos sucessivos que pouco a pouco diminuem de luminosidade, na medida em que a fonte continua plena e inesgotável. O primeiro círculo ao redor da Fonte de Luz, o Uno, é o Espírito (Nous). O terceiro círculo de luz que sucede o primeiro é a Alma. No entanto, o quarto círculo assinala o momento em que a luz diminui completamente, se apaga. Esse apagar da luz representa a matéria, já em trevas.[4] É impossível, portanto, descrever essa Fonte de Luz, o Uno, em palavras, devido a dualidade da linguagem. Disso nascem algumas indagações: «seja como for, a personalidade é completamente dissolvida na henosis?» «Eu permanecerei a mesma pessoa ou me transformarei em algo superior?» De fato, não há respostas que possam sanar completamente essas questões. Se a resposta for: «sim, na henosis a personalidade cessa sua existência.» Então não se trata de henosis, pois a henosis é unicidade, não a dissolução da identidade/personalidade ou, como Aleister Crowley postularia, apenas Não. E se a resposta for: «sua personalidade permanecerá a mesma e você continuará a ser o que é.» Então também não é henosis, mas sim, dualidade: ainda existirá você e o Uno. Outra resposta poderia ser: «sua personalidade se transformará no Um e não haverá distinção entre o que você é e o Um.» Essa ainda não é uma resposta satisfatória, pois não existe referência para o que é o Um, embora os budistas tentam explicá-lo através do que Ele não é.

Dessa maneira, não é possível construir uma definição rígida acerca da henosis. O que de fato podemos comprovar é que com a prática da henosis, inúmeros aspectos negativos, equivocados e delirantes da personalidade são completamente curados. Em algumas ocasiões, essa cura nos aspectos sombrios da personalidade, quando os vasos se enchem de luz, manifestará verdadeiros milagres na vida do teurgo, pois a constância na henosis – e Jâmblico alerta que essa constância é uma virtude, a bravura, conquistada pelo teurgo – enche o Corpo de Luz com os códigos de luz da própria Fonte Luminosa. Outras vezes, a constância na henosis leva o teurgo e ver com mais clareza, entendimento e, portanto, agir em sabedoria sobre aspectos negativos da personalidade. Não estou falando com isso que a henosis irá curar a obesidade, mas ela com certeza lançará luz sobre as correntes que aprisionam o obeso. A henosis é, dessa maneira, o exercício do teurgo. Através dela a perspectiva da vida muda. Sua relação com o dinheiro ou com afetos emocionais se transforma e àqueles problemas que antes eram exaustivamente e fracassadamente intransponíveis, tornam-se irrelevantes sob a Luz que vem da Fonte.


O Neoplatonismo

O neoplatonismo é uma cultura filosófica de princípios que orienta um estilo de vida através de muitas escolas de pensamento plantônico que se iniciou com um filósofo helênico do Egito chamado Plotino. O termo neoplatonismo nunca foi utilizado por seus filósofos fundadores. Até o Séc. XVIII esses filósofos eram conhecidos pelo termo plantonistas, que era como eles mesmos se denominavam. Os neoplatônicos ou os plantonistas mais tardios, não consideravam suas interpretações de Platão ou Aristóteles como algo novo. Para eles, neoplatonismo permanece sendo platonismo, seis séculos depois de Platão.

O platonismo mudou durante os séculos ao ponto de algumas escolas se distanciarem largamente das ideias de seus fundadores. Essas interpretações distantes são consideradas uma espécie de novo pensamento dentro do platonismo. O neoplatonismo utiliza todo o corpo literário e cultural do platonismo, mas também absorve elementos de fora, como por exemplo da obra de Aristóteles (384-322), considerado um inimigo do platonismo, enfatizando o empirismo sobre a razão. Embora o neoplatonismo tenha se iniciado com Plotino, é em Jâmblico que ele se manifestou plenamente. Eles discordam de Aristóteles em muitos pontos, mas absorveram muitas de suas ideias e também terminologias. Além de Aristóteles, de Jâmblico em diante os neoplatônicos ainda absorveram elementos dos pitagóricos, dos cristãos, dos Oráculos Caldeus etc. Mas o principal elemento que dá destaque e brilhantismo ao neoplatonismo é a teurgia ou Obra de Deus.

A aceitação em receber influências de fora do platonismo deu nascimento a um complexo movimento de alto refinamento místico, religioso e esotérico e o resultado disso foi a teurgia como uma ferramenta que possibilitou a transformação da prática filosófica. A filosofia purifica a mente, a religião ilumina e a teurgia eleva. Quando colocada em ação a prática filosófica, religiosa e teúgica na vida, a Alma ganha um combustível para transcender a mortalidade e comungar com os imortais. Por isso é inapropriado considerar Jâmblico apenas um filósofo ou um teurgo. Filosofia e Teurgia são elementos que interagem ao ponto de tornarem-se indistinguíveis. Essa ideia possibilitou criar um estilo de vida onde teurgia e filosofia eram aplicados na vida diária, em todos os aspectos da vida.

Mas a teurgia neoplatônica é distinta da prática conhecida por este nome difundida nas escolas modernas de mistérios. Não se trata apenas de uma experiência de arrebatamento místico como muitos têm proposto, pensando que a henosis é a meta única. Diferente disso, a teurgia neoplatônica é um estilo de vida que caminha de mãos dadas com a filosofia e a prática religiosa.

Como Platão, que nasceu 400 anos a.C., os neoplatônicos conviviam de perto com as religiões bramânicas. No entanto, para Plotino –que viveu em um período onde o cristianismo era proibido no Império Romano – essa convivência significava algo completamente distinto das interpretações de Proclo (412-485) –que viveu em um período onde o cristianismo era a religião oficial do Império Romano e os cultos pagãos estavam gradativamente sendo caçados e dizimados. A visão de ambos ainda era distinta da visão de Pseudo-Dionísio, o Areopagita e Marsílio Ficino (1433-1499), ambos cristãos praticantes.

Assim, o neoplatonismo reage ao cristianismo de diferentes maneiras, distintas na maioria das vezes da religião cristã. Plotino e Porfírio (233-305 d.C.), por exemplo, dialogam muito bem com os gnósticos setianos cristãos. E embora Plotino claramente descorde de sua teologia, ele aceita bem o discurso deles. Em contrapartida, parece que esses mesmos gnósticos tiveram certa influência sobre suas ideias. Jâmblico, por outro lado, que viveu durante o reinado do imperador romano Juliano, um pagão, parecia não se importar muito com a influência do cristianismo. Já Proclo tinha uma atitude de confronto com o cristianismo e defendia a natureza politeísta do platonismo.

Os pagãos neoplatônicos costumavam não se importar com a fé de quem quer que fosse e instruíam qualquer um que lhes pediam e é por isso que encontramos cristãos, judeus, mulçumanos e pagãos de vários tipos neoplatônicos. Seja como for, estes neoplatônicos contribuíram para o enriquecimento da filosofia, teologia e teurgia neoplatônica. O neoplatonismo é tanto hermenêutico quanto epistemológico, uma lente através da qual é possível ver e interpretar o mundo. Trata-se de uma filosofia prática para o dia-a-dia.

A própria influência pagã no neoplatonismo difere de escola para escola. Algumas eram claramente politeístas e outras não. Plotino, por exemplo, não dá muita atenção a teologia politeísta e muito de sua filosofia é métodos contemplativos podem ser empregados com segurança por qualquer monoteísta. Por outro lado, Proclo professa uma teologia pagã politeísta em resposta a cultura anti-pagã disseminada pela cristandade que estava crescendo.

E embora Jâmblico, o mais influente neoplatônico, pareça estar em cima do muro com relação a cristandade, sua teologia era pagã, sem dúvida. Mas se ele aderia ao politeísmo é outra questão. Ele era muito bem versado nos deuses de sua terra nativa, a Síria e também demonstrava muito conhecimento sobre deidades gregas, órficas e egípcias. Sua abordagem parece muito mais panteísta do que politeísta. Jâmblico via os deuses como monoeides, um termo utilizado por Platão para o deus benéfico. A palavra significa na forma de uma singularidade. Para Proclo, os deuses eram indivíduos antes de representarem o todo, uma herança do pensamento de Jâmblico. Nele, os deuses parecem perder sua natureza politeísta para se tornar algo mais unitário e emanatório. Como os aeons dos gnósticos, os deuses para Jâmblico eram manifestações de certa singularidade divina, funcionando como extensões do mesmo poder, o que garantia a eles nos influenciar em direção a mesma fonte da qual ele provinham.

A existência de uma fonte divina e singular é comum a todos os grupos pagãos neoplatônicos e isso é explícito no monoteísmo neoplatônico. Na cultura platônica e neoplatônica essa fonte divina geralmente é chamada de Deus, Uno, o Bem. Mas a natureza do Um varia muito entre os neoplatônicos. O Uno pode ser a Realidade Negativa Absoluta, que produziu a ideia qabalística de Ain, o Nada como a imagem ou símbolo último de Deus, o Absoluto. A Realidade Negativa Absoluta também inspirou a teologia negativa de Pseudo-Dionísio. O Uno também pode ser tanto a Fonte positiva quanto ativa de todas as coisas. Como Fonte Positiva, ele é a fonte de todas as coisas que são ele, em si mesmo. Isso não produz criação, mas a necessidade de que alguma coisa exista. Como Fonte Ativa, ele é a fonte através do qual todas as coisas emanam. No Caso de Jâmblico especificamente, o Uno é a combinação harmônica destes três últimos. A natureza singular do Uno como um é inegável e quem sabe, o ponto mais em comum entre os neoplatônicos politeístas e monoteístas.[5]

Além da questão politeísmo vs monoteísmo na cultura neoplatônica, existe a interessante questão dos Superiores no sistema de Jâmblico, uma cadeia ou congregação de criaturas espirituais que conectavam a humanidade ao Uno, atuando como mensageiros: eles entregavam aos homens as ordenações divinas do Uno e levava ao Uno as demandas dos homens. O entendimento pagão clássico era de que o mundo é habitado por criaturas espirituais de todos os tipos. Além de encantado, o mundo era responsivo. Essa é uma visão essencialmente animista, xamânica e essa era a visão de mundo do mago da Antiguidade. Originalmente, essa visão era compartilhada também pelas religiões abraâmicas e ela ainda existe sob formas místicas pouco conhecidas. Isso inclui todo o coro de anjos e toda espécie de demônios, assim como espíritos da natureza e muitas outras criaturas espirituais.

Devido a mente materialista do mago moderno, a magia dos dias de hoje perdeu sua natureza animista para se tornar essencialmente idealista. Quando nós lidamos com o mago da Antiguidade, temos de levar em consideração o seu ponto de vista acerca do universo, caso contrário não conseguiremos compreender a natureza de suas práticas.

Platonistas levam a sério a hierarquia espiritual. Para eles, o mundo se materializa através de uma cadeia sucessiva de eventos espirituais do Uno para os muitos, do Universal para a singularidade. Não se tratava apenas de ideias. Eles vivem esse mapa de universo com intensidade. E essa hierarquia se aplica em muitos níveis. Por exemplo, a teoria, que vem do reino do intelecto, era superior a prática, que funciona no reino da formação. A teurgia era a pérola do sistema platônico, superior a teologia e filosofia. Por teologia Jâmblico considerava o conhecimento de Deus ou deuses. Como a filosofia se tratava do discurso racional, Jâmblico a considerava inferior a teologia.

Uma introdução bem feita sobre a cultura neoplatônica – principalmente sobre os pontos de vista de Jâmblico – necessitaria de ser dividida, portanto, em três seções: Filosofia, Teologia e Teurgia. Sem o pano de fundo fornecido pelo estudo da Filosofia e Teologia neoplatônica, a Teurgia fará pouco ou quase nenhum sentido, pois ela termina o que se inicia na Filosofia: aproximar o teurgo das qualidades divinas que ele almeja, fazê-lo estar o mais próximo de Deus.


A Teurgia de Jâmblico

A teurgia neoplatônica de Jâmblico tem uma premissa fundamental: tornar-se o mais próximo possível do divino. Com esse objetivo como meta última, os neoplatônicos se dedicavam primeiro ao estudo da filosofia na intenção de fundamentar ou estruturar seu trabalho espiritual. A filosofia é o alicerce do trabalho espiritual neoplatônico. Mas se a filosofia é o alicerce da espiritualidade neoplatônica, a religiosidade são as paredes que dão estrutura a essa prática espiritual. A religiosidade neoplatônica opera sobre dois fundamentos: sacrifícios e preces. A prática religiosa purifica o filósofo, preparando-o para o encontro com o Uno. Nesse caminho, a espiritualidade neoplatônica não se tratava de um exercício amorfo, antes disso, um caminho onde é possível experimentar o Sagrado diariamente com alto grau de refinamento intelectual. Na visão neoplatônica, essa prática combinada, religião e filosofia, dá nascimento e nutre a virtudes purificatórias essenciais, àquelas que levam o praticante acima das virtudes políticas da mente ordinária. Essas virtudes purificatórias são de natureza espiritual e por conta disso, elas refinam o aparato intelectual. O entendimento disso é o passo inicial que coloca o teurgo em contato com o divino e com a divinação.

Mas por que o passo inicial? Porque não é o suficiente para que um praticante seja considerado um teurgo. Qualquer pessoa ordinária pode estudar filosofia e praticar rituais de adoração. Mas embora sejam esses ingredientes fundamentais na prática da teurgia, por si mesmos eles não fazem de ninguém um teurgo. Um filósofo e um religioso não são teurgos, mas um teurgo é sempre um filósofo e um religioso.

Em palavras muito simples, o Candidato deve transcender o reino da mente. Ele deve encontrar um mecanismo que o leve além. Jâmblico dizia que o pensamento puro, uma qualidade de mente produzida pela filosofia – que implica em prática contemplativa e reflexiva sobre a vida e os próprios processos da mente – não é o suficiente para transformar o Candidato em um teurgo. Assim, teurgia não se trata de conhecimento – embora o conhecimento seja um pré-requisito para a prática – mas ao invés disso, algo que está além do conhecimento.

A palavra teurgia deriva de duas fontes: a palavra grega theos que significa Deus e a palavra ergon que significa trabalho ou atividade, portanto, teurgia é um termo que tem sido traduzido como trabalho divino ou operação divina, quer dizer, Obra de Deus. Para a maioria dos teurgos pagãos neoplatônicos, teurgia se trata de um engajamento, um trabalho diário com o Sagrado. No entanto, a palavra tem sido compreendida na magia moderna como um tipo de operação ritualística com anjos e inteligências planetárias. Na verdade, o ocultismo moderno considera qualquer interação com criaturas espirituais de tipo superior como teurgia. Mas para os neoplatônicos, teurgia compreendida como um trabalho diário de contato com o Sagrado implica em vários ritos e etapas de iniciação: hierougia (rituais sagrados), mustagogia (iniciação nos mistérios), hieratike (liturgia), hieratike tachne (arte sagrada), theosophia (ritos de sabedoria espiritual). Tudo isso sendo teurgia.

Jâmblico se esforçou em demonstrar que a teurgia era uma prática espiritual muito distinta da baixa magia, feitiçaria e até mesmo da goécia, noção que foi corrompida nos grimórios de magia da Idade Média. E embora a prática teúrgica implique em utilizar as técnicas e as tecnologias da magia e da feitiçaria, a teurgia não é a técnica ou a tecnologia, pois se trata de mecanismos puramente humanos. No entanto, se compreendido de maneira apropriada, esses elementos podem ser utilizados como ferramentas da teurgia.

Nas palavras de Jâmiblico: A teurgia apresenta um aspecto duplo. Por um lado ela é executada por homens e como tal devemos observar nossa posição natural no universo. Mas por outro lado ela controla os símbolos divinos e em virtude disso o homem alcança a união com os poderes superiores, os quais passam a dirigi-lo. Harmoniosamente em concordância com a dispensação dos símbolos o homem assume o manto dos deuses. É por causa dessa distinção que a arte invoca os poderes superiores. Vestido com as virtudes desses símbolos inefáveis, o homem é capaz de dominá-los, com a hierática autoridade dos deuses.[6]

A teurgia de Jâmblico embora executada pelo homem, tratava-se de um trabalho essencialmente divino. Nesse caminho, ela diferenciava-se das técnicas de baixa magia e feitiçaria que tratavam com entidades e criaturas espirituais inferiores. Jâmblico acreditava que a magia popular de sua época se tratava apenas de uma tecnologia para o domínio do plano físico e que portanto, produzia um resultado pernicioso de padrão artificial que simulava a operação divina da teurgia. Embora não fosse ilícita, a magia popular não poderia dar ao executor as condições de se aproximar do Uno. A teurgia, por outro lado, envolvia padrões vibracionais mais sutis e superiores, além do mundo gerador.

Para Jâmblico a principal função da teurgia é divinizar o homem. Theosis, quer dizer, tornar-se o máximo possível como o próprio Deus. Como falei acima, embora inspirada em princípios espirituais superiores, a teurgia utiliza as mesmas tecnologias usadas na magia e na feitiçaria, mas o teurgo é algo além de um mago ou feiticeiro. Ritos hieráticos, telestéticos e teúrgicos na teurgia divinizam o praticante. A teurgia tem um amplo campo de atuação prática, desde a invocação de deuses e daimones, animação de ícones ou estatuetas, rituais de união com o Sagrado etc., no entanto, o teurgo está mais interessado na origem das forças por trás de cada ação ritualística, seja nos sacrifícios ou na liturgia, na meditação ou na contemplação. Uma vez que as forças divinas estão presentes por trás de cada ação ritual, podemos considerar ser um rito de teurgia.

Uma vez que a teurgia tem um vasto arranjo de elementos práticos, a divinização que ocorre através de sua execução é observada em muitos fenômenos distintos como a adoração e os sacrifícios, a invocação de deuses em estatuetas, telismância, ritos de purificação e cura e o mais importante, o congressus cum daemone, a invocação do daimon pessoal. O congressus cum daemone é a operação de teurgia mais importante para Jâmblico, pois é somente através do daimon pessoal que o praticante pode se considerar um teurgo. Ninguém pode se considerar um teurgo até que tenha obtido o contato com seu daimon pessoal.

É possível rastrear nos Papiros Mágicos Greco-Egípcios e nos sistemas de teurgia de outros períodos como o de Pseudo-Dionísio ou a telismância astrológica de Marsilio Ficino que, para que o exercício da teurgia seja eficaz, o reino da geração do qual o homem faz parte deve ser completamente inundado pela força do Uno, proveniente de planos divinos superiores. Jâmblico ensinava que os poderes superiores eram aterrados temporariamente no plano da geração e neste breve espaço de tempo o teurgo se vestia da autoridade do próprio Uno-Deus. Mas Jâmblico insistia em uma diferença fundamental que, segundo ele, distinguia o teurgo do feiticeiro. Se por um lado um feiticeiro poderia invocar as forças e os poderes superiores para o plano da geração, por outro lado ele não tinha a principal característica de um teurgo: a capacidade de elevar-se ao plano do Uno, o ingrediente fundamental na prática da teurgia, o que a distingue da feitiçaria. Um teurgo não é apenas àquele que invoca os poderes superiores, mas que fundamentalmente é capaz de subir aos planos superiores e comungar com o Uno. E isso se reflete na prática da teurgia. Um teurgo deve ser capaz de divinizar todos os procedimentos e tecnologia que utiliza em suas operações. Por exemplo, tradicionalmente os talismãs são utilizados porque eles são veículos pneumáticos para forças praeter-humanas. No entanto, ele somente se torna efetivo se o teurgo o diviniza, isso inclui consagração para dotar-lhe de um corpo de luz adequado para receber a assinatura e a presença da força que nele foi invocada. O talismã passa a fazer parte de uma hierarquia de códigos de luz, o que o possibilita orbitar na vibração de determinada divindade.

A divinação ocorre na teurgia através da possessão divina, o que requer ao teurgo a capacidade de assumir formas divinas na intenção de ser inundado pelos poderes da deidade invocada. Embora seja nas mãos de Jâmblico que a teurgia ganhou requinte e prestígio, ela é rastreada no Séc. II d.C. já com Plotino, que utilizou pela primeira vez o termo teurgia para explicar o poder divinatório dos ritos dos Oráculos Caldeus. Na execução desses rituais, Jâmblico compreendeu o propósito último da filosofia: a união com o divino. Ele foi responsável por definir a importância da visão de Platão em Timeu na cosmologia teúrgica e o racional por trás dos rituais. Seus ensinamentos remodelaram o Neoplatonismo que não foi mais o mesmo após Jâmblico, desde o paganismo de Proclo ao Cristianismo de Pseudo-Dionísio, o Areopagita e Marsílio Ficino. Em Jâmblico aprendemos que os rituais de teurgia têm o poder de sacramentar a matéria (hylé), constituindo o Casamento Místico, quer dizer, a União com o Divino. Em sua magna obra, De Mysteriis, ele diz:

Desde que seja necessário que as coisas da terra não sejam privadas da participação no divino, a terra recebe certa porção divina capaz de receber os Deuses. A arte teúrgica, portanto, reconhece esse princípio geral e tendo descoberto os receptáculos apropriados, em particular, como sendo apropriados a cada um dos Deuses, trazem ervas, pedras, animais, perfumes e outros objetos sagrados, perfeitos e deiformes de tipos similares. Então, disso tudo se produz um receptáculo perfeito para receber o divino.

Através dos ritos de teurgia, dessa maneira, hylé (um termo técnico para matéria cunhado por Aristóteles), produz-se um receptáculo apropriado para receber a Luz do Uno, seja na Alma humana ou no aparato teúrgico utilizado para ser a morada dos Deuses. Foi também através dos ritos de teurgia que Jâmblico percebeu e depois defendeu que a experiência direta com o divino, a experiência direta com o mais elevado Bem, não necessita de renúncia da matéria, mas que, muito pelo contrário, o teurgo deveria abraçar completamente a vida na matéria e a multiplicidade agindo como um demiurgo. Nesse caminho Jâmblico conectou a execução dos ritos de teurgia com a paideia, a disciplina filosófica intelectual. Uma das chaves do sistema de Jâmblico é a doutrina da anamnesis de Platão, que trabalha no redespertar da Alma quando ela entra em contato com o mundo sensível das ideias através da henosis. Toda cosmologia que envolve os ritos teúrgicos de Jâmblico foi exposta por Platão em Timeu.

Para Jâmblico, a realização última da filosofia não era a imaterialidade da razão, mas a participação na Obra de Deus através da teurgia. Para ele, é o poder dos ritos teúrgicos e não a abstração filosófica a chave para a união com o divino. A Visão não-dualista de Jâmblico que unia o divino a matéria e sua ênfase sobre a liturgia ritualística da teurgia influenciou profundamente o Cristianismo ortodoxo, como oposto ao maniqueísmo gnóstico. Para Jâmblico, diferente dos gnósticos dualistas que depreciam a matéria, ideia também encontrada em Plotino, de certa maneira, a encarnação da Alma na matéria é o único meio pelo qual a Salvação pode acontecer. Essa Salvação ocorreria através da execução dos ritos teúrgicos, cuidadosamente baseados no entendimento preciso da encarnação da Alma como demonstrada por Platão em Timeu, onde a Alma imita o deimurgo enquanto encarnada na matéria. Essa imitação ou assunção de forma divina reside no coração da teurgia.

Essa interpretação de Jâmblico, por outro lado, discorda da visão de Plotino, que ensinava que a Alma não encarna completamente na matéria e, portanto, não necessita ser divinizada ao reino dos Deuses. Jâmblico discordava completamente dessa ideia de Plotino e dizia que a Alma encarna completamente no reino da matéria e por conta disso não possuía acesso direto ao divino. Uma vez encarnada, a Alma não pode fugir ou se esquivar da matéria e através da mediação de um ato sacramental, e apenas por meio dele, é possível a alma receber a graça da teurgia dos Deuses, o método pelo qual a Alma se refina ao ponto de se assemelhar ou possuir as qualidades de um Deus. Essa ideia de Jâmblico foi tão impactante na Antiguidade que ela reside ainda hoje no cerne da prática litúrgica da Igreja Romana, o sacramento da Missa.

O mecanismo por trás do sacramento da Missa na Igreja de Roma reside no fato de que por meio dele é possível a Alma ascender ao Reino de Deus através da encarnação de Deus no mundo no momento em que a hóstia é consagrada pelo Sacerdote. Quando a hóstia consagrada e sacramentada é consumida, ocorre a descida da graça e o Espírito Santo atua diretamente sobre a Alma, elevando-a ao Reino de Deus. Michel Salamolard em A Eucaristia, onde tudo se Transforma, diz:

Acima, observei que, em todo sacramento [...] as duas realidades que se encontram não são coisas, mas sujeitos, Deus e homem, parceiros de uma aliança de amor e de vida. É possível agora definir a natureza desse encontro, o qual se realiza no e pelo Cristo. Ele é nossa porta de entrada na comunhão trinaria (cf. João, 10: 1-10), razão do que é fácil de entender. É nele, em sua pessoa, que se realizou de maneira única, plena e insuperável a união do humano com o divino. [...] Nele, todo humano está associado ao divino. Portanto, cristificando-nos e tornando-nos semelhantes a Cristo, unindo-nos a Ele, o sacramento nos diviniza.[7]

Santo Agostinho (354-430) criticou duramente a magia e os tratos com os daimones, no entanto, é inegável a influência da teurgia neoplatônica de Jâmblico sobre ele quando diz que o procedimento litúrgico do sacramento só é possível pela descida de Deus e sua encarnação no sacramento. Todo esse procedimento litúrgico no preparo do sacramento na Cristandade é uma herança da teurgia neoplatônica que ensina a divinizar a matéria, a parte mais densa da criação através de imagens e outros elementos, sendo possível comunicar o transcendente, transformando a matéria em um sacramento. Falando sobre o princípio fundamental que diviniza a matéria através da Encarnação de Deus, em sua Patrística: Comentários aos Salmos, Santo Agostino diz: a matéria [...] se torna por sua participação em Cristo o mistério através do qual a salvação é conquistada.[8]

É interessante notar que por volta do Séc. VIII d.C., quando de frente ao conflitante dualismo iconoclástico cristão e islâmico, João Damasceno (676-749), o último dos Pais Gregos da Igreja, defendeu a veneração de ícones (imagens) dentro da cristandade, o que incluía roupa, metal, marfim, madeira, mosaicos, escrituras e estatuetas, de maneira muito similar a Jâmblico. Em seu De Imaginibus, ele diz:

O que a Bíblia é para os que sabem ler, a imagem o é para os iletrados.

Antigamente Deus, que não tem corpo nem face, não poderia ser absolutamente representado através de uma imagem. Mas agora que Ele se fez ver na carne e que Ele viveu com os homens, eu posso fazer uma imagem do que vi de Deus.

A beleza e a cor das imagens estimula a minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo dos campos estimula o meu coração para dar glória a Deus.

Como fazer a imagem do invisível? Na medida em que Deus é invisível, não o represento por imagens; mas, desde que viste o incorpóreo feito homem, fazes a imagem da forma humana: já que o invisível se tornou visível na carne, pinta a semelhança do invisível.

Outrora Deus, o incorpóreo e invisível, nunca era representado. Mas agora que Deus se manifestou na carne e habitou entre os homens, eu represento o «visível» de Deus. Não adoro a matéria, mas o Criador da matéria, que se tornou matéria para o meu bem e aceitou residir na matéria e através da matéria operou minha salvação. Não vou deixar de reverenciá-lo na matéria, através da qual minha salvação é trabalhada. [...] Pois o corpo de Deus se transformou em Deus Imutável através da hipostática união, e o que provém da unção permanece matéria animada, pois é formada uma alma intelectual e racional e não algo incriado. Portanto, eu adoro a matéria cheia de energia divina e graça, e prostro-lhe respeito por que através dela minha salvação alcanço.[9]

Para João Damasceno, a matéria é completamente divinizada pela encarnação da graça divina na parte mais densa da criação. Essa descida da graça tem a única finalidade de levar a Alma ao reino de Deus. Talvez a influência mais profunda e concreta de Jâmblico na teologia cristã resida nessa ideia defendida por João Damasceno: a matéria está plena com o poder de comunicar o que está mais radicalmente além da matéria.

Ao defender a veneração de ícones,[10] João Damasceno cria uma conexão entre a teologia cristã e a teurgia de Jâmblico que postulava a dignidade intrínseca da matéria. Jâmblico considerava que a matéria, em toda sua densidade cosmológica, trata-se de uma expressão da Fonte Una Paternal.[11] Dessa maneira, a matéria como imagens naturais e ícones construídos pelo homem pode se tornar uma fonte de moradia perpétua do divino,[12] agindo como um veículo de comunicação entre o teurgo e o divino.[13] Através dos ritos teúrgicos, preces e invocações, oblações e fumigações, o poder intrínseco da matéria receptivo ao divino é desbloqueado, transformando-a em um veículo adequando a morada e comunicação com a energia divina. Mas a chave para este desbloqueio reside na henosis. É a henosis a experiência capaz de elevar a Alma ao reino do Bem e trazer de lá para matéria seus códigos de luz. Por esse motivo imagens naturais e ícones construídos pelo homem podem transmitir os códigos de luz do Bem para as profundezas sombrias da matéria.[14] Jâmblico chama isso de a pura e divina forma da matéria,[15] que transmite ou comunica os códigos de luz do divino. É seguindo essa ideia que João Damasceno defendia a veneração de ícones, os quais podem preencher a Alma humana com os arquétipos imateriais do divino. O paradoxo reside aqui: enquanto que para Jâmblico a forma divina da matéria está além dela, para João Damasceno e Pseudo-Dionísio esta forma divina é Jesus Cristo.

O paradoxo reside no cerne da discussão filosófica sobre a encarnação do divino: para os cristãos o divino encarna como Jesus Cristo, mas para os teurgos neoplatônicos o divino encarna como a Alma humana. Toda a doutrina cristã está repleta da noção neoplatônica de que o divino desce a matéria e através da matéria divinizada é possível retornar ao divino. Como veremos com mais atenção nessas Lições sobre a teurgia de Jâmblico, a diferença é que para os cristãos a matéria precisa ser redimida, enquanto que para os neoplatônicos a matéria não precisa se redimir, pois ela contém e transmite toda divindade do Bem. As crenças são paradoxalmente semelhantes, pois através de atos sacramentais é possível retornar ao Reino de Deus. Os cristãos chamam isso de salvação, mas os teurgos poderiam chamar poeticamente de alinhamento ou sintonização com o divino através da henosis.

Jâmblico ensinava que preces, invocações e atos sacramentais não modificam a mente dos deuses, por isso não são feitas na forma de petições, assim como não funcionam como terapia, como é ensinado pelas escolas modernas. Ao contrário, sua prática leva a um tipo de sintonização com o divino, transformando a matéria em um mecanismo através do qual o divino a influencia diretamente. Essa sintonização é a própria Obra de Deus (teurgia), que estabelece um tipo de sinergia entre a matéria e o divino. Jâmblico postulava que através da teurgia o mundo se torna o mundo divino, quer dizer, o mundo que compreende o Uno, o Bem, deuses, daimones e heróis, diferente do mundo não divino, compreendido como desprovido dos códigos de luz do Uno,[16] ideia defendia por outras correntes filosóficas e que encontram algum respaldo em Plotino.

Jâmblico dizia que a teurgia é uma atividade divina compartilhada comunitariamente e não um conhecimento experienciado individualmente, pois é impossível participar individualmente da ordem universal, mas apenas em comunhão com o coro divino e àqueles que se levantam juntos, unidos em mente. O Meio para se chegar ao Uno não está disponível a cada indivíduo por si mesmo, a menos que ele se alinhe com o todo, retornando ao princípio comum junto com todas as coisas.[17] A teurgia, portanto, opera fundamentalmente através da participação individual na ordem cósmica, não se escapando da realidade material. Para Jâmblico, todas as experiências da Alma humana encarnada na matéria são necessárias para que o teurgo possa realizar seu trabalho espiritual. Trata-se de uma visão não-dualista que vê o mundo de maneira positiva, iluminada. Diferente da visão de Plotino que rejeitava a matéria em detrimento de uma realidade espiritual, Jâmblico ensinava que é através da comunhão com os ciclos naturais, daimones, deuses e heróis que a Alma se alimenta e retorna ao Uno.

Porfírio, biógrafo e editor de Plotino, foi duramente criticado por Jâmblico por dizer que os deuses eram espirituais demais para serem acessados através de rituais teúrgicos pela razão da matéria ser completamente desprovida de luz e sacralidade:

Essa doutrina [diz Jâmblico] soletra a ruína de todo rito sagrado e a comunhão teúrgica entre os deuses e os homens, uma vez que ela coloca os seres superiores fora da terra. Isso equivale dizer que o divino está distante da terra e que ele não se mistura com o homem e que esta região inferior é como um deserto desprovido de deuses.[18]

Em contraste a essa visão turva, a teurgia de Jâmblico sustenta a continuidade dos deuses na matéria, reconhecendo sua presença nos animais, vegetais e minerais, resgatando o animismo das tradições órfica e pitagórica. Através dos ritos teúrgicos, Jâmblico postulava que é possível entrar em contato com a divindade na matéria: através da teurgia o divino é revelado em todas as coisas.[19]

Nas tradições neoplatônica e pitagórica o cosmos é uma teofania e a teurgia é a prática através da qual é possível ao homem entrar em contato e perceber que o cosmos está em perfeita sincronia com a matéria. Por conta disso, Jâmblico negava a hipótese de se escapar da matéria ou dividi-la em dois mundos: um superior e divino e um inferior desprovido de divindade. Para ele, o mais elevado e divino se encontra no mundo inferior da matéria, quer dizer, o Uno está presente na realidade material. Os deuses não se encontravam isolados em um lugar muito além ou mais sutil que a matéria, mas eram revelados no mundo. Jâmblico afirmava que os daimones revelavam a vontade dos deuses, não por divulgação ou ocultação, quer dizer, não como alguém que revelaria ou ocultaria informação objetiva. Na teofania de Jâmblico, o divino permanece oculto em sua aparição. Ele acreditava que este era o caminho da cosmogênese e a sagrada tradição que ela encarnava: uma atividade que ele descreve como simbólica.[20]

Na cosmologia de Jâmblico, os poderes emanados do Uno são recebidos e orquestrados por uma atividade noética personificada por Platão como um Demiurgo que tecia estes poderes divinos em um cosmos vivo. Assim, os princípios espirituais ocultos mais elevados eram revelados através da matéria, incluindo todas as paixões humanas. A teurgia, portanto, é a arte de aprender a receber essa processão de maneira a encarnar essa demiurgia que continuamente cria e sustenta a matéria. Ignorar a divindade intrínseca na matéria não é apenas negar este poder, mas negar a própria realidade humana. Isso faria do mundo, nas palavras de Jâmblico, um deserto desprovido de deuses. A luta de Jâmblico era contra uma visão dualista e distorcida da matéria que assolava os homens de sua época, impedindo-os de ver a realidade espiritual animista nela contida.

A teurgia neoplatônica, dessa maneira, valoriza a encarnação da Alma na matéria, pois ela possibilita a descida total do divino no mundo. A teurgia cristã caminha de maneira similar ao considerar que a encarnação de Jesus Cristo no ato sacramental da missa satura o mundo com a presença divina, possibilitando que os participantes do sacramento experienciem o sagrado. A experiência do sacramento da missa cristã é teúrgica, pois ela provê aos congregantes a possibilidade de elevar a Alma ao Reino de Deus através da liturgia, liberando-a de seu transe material. Como acima mencionado, a teurgia de Jâmblico teve profundo impacto na teologia postulada por João Damasceno que, sob a luz da encarnação de Deus no sacramento, dizia que toda a matéria era preenchida com a energia da graça. Isso foi completamente demonstrado por Jâmblico quando ensinava que o Uno penetra completamente a realidade material, dando suporte as ideias defendidas por João Damasceno acerca da encarnação. Jâmblico dizia que os códigos de luz do Uno, que ele chamou de princípios superiores, são mais penetrantes (driumterai) que a influência densa das realidades inferiores. Proclo, por outro lado, ensinava que essa influência é mais extensiva. Seja como for, isso explica que a inefável presença do Uno está também nos níveis mais densos da matéria.

Na teurgia o cosmos material é uma algama, ou seja, um santuário do Demiurgo. Em Timeu (37c) Platão diz:

E quando o pai o gerou [quer dizer, o universo] o percebeu em movimento e vivo, um monumento aos deuses eternos, também ele se regozijou; e estando ele devidamente satisfeito, pensou em torná-lo ainda mais estreitamente semelhante ao seu modelo.

Assim, o cosmos material revela a presença dos deuses e por conta disso Jâmblico via a matéria como uma teofania. Longe de ser caída, a natureza é a face e o símbolo vivo do divino.

Mas embora João Damasceno tivesse forte influência de Jâmblico, a teologia cristã não compartilha da mesma visão positiva e privilegiada do cosmos revelado pelo divino, um monumento aos deuses como postulado por Platão na citação acima. A doutrina platônica é cosmocêntrica enquanto que a doutrina cristã é antropocêntrica. Como mencionado anteriormente, a cristandade postula que a natureza é caída e por conta disso necessita ser redimida. A encarnação do Homem Divino no papel de Jesus Cristo é essencial para redenção da natureza e da ordem material. Após o evento da encarnação de Deus na Terra, o cosmos material na interpretação cristã passa a ter a mesma função do cosmos material na interpretação de Jâmblico, como uma diferença: para Jâmblico, o poder sacramental da matéria não necessita da encarnação de Jesus Cristo. O cosmos material é e sempre foi, intrinsecamente e inalteradamente, sagrado. Para o teurgo neoplatônico não há a necessidade de uma nova criação ou a redenção de uma natureza caída, pois a natureza é o seu corpo de salvação. A expressão natural no contínuo progresso da demiurgia revela a coreografia de uma antiga e perpétua teofania. Baseado neste conhecimento divino, Jâmblico ensinava que a teurgia deve estar em sincronia e analogia com a criação.[21] Os procedimentos teúrgicos, assim, são efetivamente uma Obra de Deus quando estão em harmonia e analogia com a atividade cosmogônica e é isso que distingue, fundamentalmente, a teurgia da goécia (feitiçaria).[22] Em De Mysteriis Jâmblico postula que àqueles que desviam os poderes espirituais de seus propósitos demiúrgicos são feiticeiros que, cedo ou tarde, cairão em desgraça.[23] Jâmblico honrava e venerava os egípcios pelo fato de seus rituais refletirem mimeticamente a demiurgia dos deuses. Ele defendia que a cultura egípcia era teúrgica, seus ritos e preces preservavam a medida eterna da criação.

Para Jâmblico, os rituais de teurgia de cada raça sagrada revelam o poder de seus deuses e a maneira apropriada de invocá-los. A teurgia neoplatônica se revela dentro de um cosmos pluralista e politeísta: a variedade de culturas e o ambiente geográfico que elas pertencem corresponde a uma sociedade teúrgica diversificada. Isso é consistente com a metafísica de Jâmblico onde o inefável Uno só pode ser completamente conhecido por meio da multiplicidade da matéria, o Um nos Muitos, uma hierofania tanto revelada quanto que revela a Fonte Prístina. A teurgia, dessa maneira, é uma atividade cosmogônica enraizada na Fonte Prístina que se manifesta na pluralidade da matéria como uma ação generosamente demiúrgica.

Uma das maiores contribuições que Jâmblico fez ao Neoplatonismo foi sua insistência, a despeito dos ensinamentos de Plotino e Porfírio, de que a Alma desce completamente a matéria (corpo) e se encontre sujeita a todas as consequências da existência mortal. Jâmblico define a Alma da seguinte maneira:

A média entre divisível e indivisível, seres corpóreos e incorpóreos, [é] a totalidade das proporções universais (logoi) que, após as Formas, servem ao trabalho da criação; [a Alma é] àquela Vida que, tendo procedida do Intelecto, possui vida por si mesma e é a processão de classes do Ser Real como um todo a um estado inferior.[24]

A Alma para Jâmblico desdobra o logoi do universo até sua manifestação no reino da multiplicidade das formas. Para servir ao trabalho da criação, a Alma deve animar o corpo mortal, quer dizer, para que possamos participar da demiúrgia a Alma precisa encarnar na matéria. Isso não mais permite que a Alma retorne por introspecção a um estado inefável, como Plotino ensinava. Como um platonista, Jâmblico acreditava que mesmo estando profundamente imersa na matéria, a Alma permanecia imortal.

A Alma é o meio (mesē), não apenas entre o dividido e o não dividido, o remanescente e o processo, o noético e o irracional, mas também entre o não gerado e o gerado [...]. Assim, o que é imortal na Alma é preenchido completamente com a mortalidade e não permanece apenas imortal.[25]

A henosis do Salvador que aparta a si mesmo da divindade para se tornar mortal, uma generosidade paradoxal de Deus é, para os teurgos neoplatônicos, a condição de toda Alma humana. Como encarnados, nós somos imortais e mortais ao mesmo tempo. Para Jâmblico, isso é uma coincidentia oppositorum: a encarnação muda não apenas a atividade da Alma, mas também sua natureza ou essência. Nossa unidade se torna dividida, nossa imortalidade se torna mortal, nossa identidade se torna autoalienação. Jâmblico dizia que quando encarnada, a Alma faz outro (heteroiousthai) de nós mesmos. E mesmo assim, é somente através dessa autoalienação (allotriōthen) que constitui nossa existência que somos capazes de participar da perpétua demiurgia do cosmos. Como um mediador da cosmogênese, o teurgo coopera com a obra do Demiurgo tecendo uma unidade em meio a multiplicidade, permitindo assim que as Formas se tornem corporificadas.

Na teurgia a Alma coopera com o Demiurgo e para fazê-lo ela deve estar em meio a divisão, fraqueza e mortalidade. É apenas nessa condição, imersa a multiplicidade, que a Alma pode contatar a atividade unificadora do Demiurgo. Através da teurgia, diz Jâmblico, a Alma experimenta completamente este paradoxo:

O escopo da teurgia se apresenta em um aspecto duplo: um é que ela é conduzida pelo homem, o que preserva nossa hierarquia natural no universo; o outro é que, estando empoderados pelos símbolos divinos, é possível ascender através deles a um estado de união com os deuses e isso [nos] leva até sua harmoniosa ordem. Isso pode ser certamente chamado de tomar a forma dos deuses.[26]

O teurgo assume a forma dos deuses enquanto permanece humano e mantém sua hierarquia no universo. Segundo Jâmblico, as invocações e preces teúrgicas aumentam o nosso divino eros (theion erōta) e estimulam o elemento divino da Alma (to theion tēs psychēs).[27] Existe um elemento que permeia todo cosmos e durante um rito teúrgico ele está presente, pois é a própria essência da Obra de Deus: a generosidade do Demiurgo (Timeu 29e). Para o teurgo, o mundo é uma manifestação da generosidade demiúrgica e a encarnação da Alma na matéria é uma expressão dessa generosidade. A deificação do teurgo durante os ritos também é, segundo Jâmblico, uma expressão da mesma generosidade (apthonōs). Defendendo a sacralidade dos ritos de teurgia, Jâmblico diz:

Se as formas adoradas [nos ritos de teurgia] são apenas costumes humanos e recebem sua autoridade apenas de hábitos culturais, alguém poderia argumentar que o culto aos deuses é uma invenção criada pelo pensamento. Mas o fato é que aquele invocado nos sacrifícios é Deus e ele os preside[28] e um grande número de deuses e anjos o cercam. E cada raça nessa terra é atribuído um guardião por este Deus e a cada templo também é atribuído um guardião particular.[29]

Em um mundo repleto de poderes divinos, a tarefa do teurgo é encontrar uma maneira de honrar os deuses de forma apropriada, levando em consideração as condições culturais e geográficas, bem como os elementos essenciais para execução dos seus ritos de teurgia. A geografia é sempre importante e ela revela os meios de adoração discerníveis a olho nu.


NOTAS:

[1] Veja o conjunto de Lições de Estudo 1: A Tradição Hermética de Mistérios.

[2] Veja Theurgy: The Art of Effective Worship, Mouni Sadhu.

[3] Platão, A República, 514a et. seq.

[4] Veja Enéadas, IV: 3, 17.

[5] Na Tradição Hermética Moderna (veja Lição de Estudo 1), Kenneth Grant (1923-2011) defendeu que a Fonte Última ou Uno foi primordialmente representado como uma Entidade Feminina ou creatrix: Asherah, Qutesh.

[6] Citado em Living Theurgy, Jeffreys S. Kupperman.

[7] Michel Salamolard, A Eucaristia, onde tudo se Transforma.

[8] Santo Agostinho, Patrística: Comentários aos Salmos.

[9] Citado pelo Papa Bento XVI no artigo: São João Damasceno: da veneração das imagens ao louvor da matéria, «o grande mar de amor de Deus pelo homem».

[10] O Papa Bento XVI diz: João Damasceno foi um dos primeiros a distinguir, no culto público e privado dos cristãos, entre adoração e veneração: a primeira só pode dirigir-se a Deus, sumamente espiritual; a segunda, no entanto, pode utilizar uma imagem para se dirigir àquele que é representado na própria imagem. Veja o artigo: São João Damasceno: da veneração das imagens ao louvor da matéria, «o grande mar de amor de Deus pelo homem».

[11] Não é possível dizer precisamente que João Damasceno leu Jâmblico, no entanto, pesquisadores supõem que sim, devido a seu conhecimento íntimo de Platão e Aristóteles, além de sua afinidade óbvia com o neoplatonismo. Assim, supostamente João Damasceno conhecia Jâmblico, mas deliberadamente procurou omitir seu nome. Isso ainda é motivo de pesquisa entre acadêmicos estudiosos, historiadores e filósofos.

[12] Veja Jâmblico, De Mysteriis, III, 28.

[13] Veja Jâmblico, De Mysteriis, V, 23.

[14] Os magos da Idade Média compreenderam esse processo através da teurgia-goécia, cujo objetivo era elevar a Alma ao reino dos deuses (As Chaves Maiores de Salomão) e trazer de lá os códigos de luz por eles transmitidos a Alma. Os magos transmitiam estes códigos de luz a matéria através dos daimones, que operavam sob o comando dos magos (As Chaves Menores de Salomão).

[15] Veja Jâmblico, De Mysteriis, III, 30; V, 15.

[16] Veja Jâmblico, De Mysteriis, I, 9-15.

[17] Jâmblico, citado por Gregory Shaw, Theurgy and the Soul: The Neoplatonism of Iamblichos.

[18] Jâmblico, De Mysteriis, 28, 4-8.

[19] Jâmblico, De Mysteriis, 32, 5.

[20] Jâmblico, De Mysteriis, 136, 1-7.

[21] Jâmblico, De Mysteriis, 65, 4-11.

[22] Jâmblico, De Mysteriis, 168, 10-12.

[23] Jâmblico, De Mysteriis, 182, 11-13.

[24] Jâmblico, De Anima. Essa definição da Alma, Jâmblico diz, foi compartilhada por Platão, Aristóteles, Pitágoras e todos os Ancestrais, se referindo provavelmente aos filósofos pré-socráticos. Citado por Gregory Shaw, Theurgy and the Soul: The Neoplatonism of Iamblichos.

[25] Jâmblico, De Anima, 89.33-37.

[26] Jâmblico, De Mysteriis, 184, 1-8.

[27] Jâmblico, De Mysteriis, 144, 10-11. Em De Anima Jâmblico diz que as Almas encarnadas são confinadas em uma única forma e divididas entre os corpos. Assim, quando encarnada, a Alma humana é identificada e limitada pela estrutura do corpo físico.

[28] Este Deus que se refere Jâmblico é o Demiurgo Nous, que preside todos os deuses e demais entidades. Veja De Mysteriis, 273.

[29] Jâmblico, De Mysteriis, 236, 1-6.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Consciência Coletiva

Consciência coletiva, de acordo com o sociólogo francês Émile Durkheim, é um conjunto cultural de ideias morais e normativas, a crença em que o mundo social existe até certo ponto à parte e externo à vida psicológica do indivíduo.


Conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado com vida própria


Toda a teoria sociológica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos sociais têm existência própria e independente daquilo que pensa e faz cada indivíduo em particular. Embora todos possuam sua "consciência individual", seu modo próprio de se comportar e interpretar a vida, podem-se notar, no interior de qualquer grupo ou sociedade, formas padronizadas de conduta e pensamento. Essa constatação está na base de um fenômeno ao qual Durkheim chamou de consciência coletiva.

Segundo Durkheim "para que exista o fato social é preciso que pelo menos vários indivíduos tenham misturado suas ações e que dessa combinação tenha surgido um produto novo". Esse produto novo, constituído por formas coletivas de agir e pensar, se manifesta como uma realidade externa às pessoas. Ele é dotado de vida própria, não depende de um indivíduo ou outro.

"Mas, dirão, um fenômeno só pode ser coletivo se for comum a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, à maior parte deles, portanto, se for geral. Certamente, mas, se ele é geral, é porque é coletivo (isto é, mais ou menos obrigatório), o que é bem diferente de ser coletivo por ser geral. Esse fenômeno é um estado do grupo, que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles. Ele está em cada parte porque está no todo, o que é diferente de estar no todo por estar nas partes[...]". (As regras do método sociológico, p.09)

O indivíduo se submete à sociedade e é nessa submissão que ele encontra abrigo. A sociedade que o força a seguir determinados padrões, é a mesma que o protege e o faz sentir-se como parte de um todo estruturado e coeso. Essa dependência da sociedade traz consigo o conforto de pertencer a um grupo, um povo, um país. Nesse sentido, não há contradição alguma na relação submissão-libertação. Esta interpretação guarda certa relação com as necessidades psicológicas que incluem a auto-inclusão (auto-estima, relacionamento, amizade, etc.), como encontrado no conceito da necessidade social individual na teoria de Maslow.

Mas existem contradições quanto ao fato de poder ser livre pela autonomia pessoal e ao mesmo estar preso às necessidades inconscientes, que podem incluir a busca pela vida em sociedade ou de pertencer a certo grupo. Alguns psicólogos e psicanalistas dizem que as teorias de coletividade impõem certo tom de igualitarismo empírico aos integrantes de uma sociedade (por exemplo, os jovens são orientados pelos pais a procederem de uma certa maneira; mas os companheiros do colégio dizem que não tem nada errado em faze-lo diferente, simplesmente porque "todos fazem", dando valor de sentido existencial à vivência, mais do que aos significados inseridos nela).

Alguns cientistas chegaram a um nível mais refinado da avaliação, partindo de uma análise antropológico-biológica para explicar a questão. Por exemplo, o astrofísico e neurocientista Maicon Santiago argumenta que não existe contradição entre os conceitos sociológicos da experiência do indivíduo e o substrato psicológico intrínseco da interação social (aspecto fundamental), porque a autonomia interacionista da consciência é parte crucial da evolução humana, resultado da necessidade de sobrevivência de cada indivíduo dentro dos diferentes grupos de populações nas escalas ancestrais.

Portanto, se a interação social é resultado de um potencial fundamental do indivíduo para a coletividade, então foram as partes que evoluíram para compor um todo padronizado. Isso significa que a teoria de Durkheim está apoiada nos mesmos pressupostos que nutrem a atual concepção psicossocial que figura dentro da história comportamental evolutiva das categorias de relações individuais.

Inconsciente Coletivo

Inconsciente Coletivo, segundo o conceito de psicologia analítica criado pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, é a camada mais profunda da psiquê. Ele é constituído pelos materiais que foram herdados, e é nele que residem os traços funcionais, tais como imagens virtuais, que seriam comuns a todos os seres humanos. O inconsciente coletivo também tem sido compreendido como um arcabouço de arquétipos cujas influências se expandem para além da psiquê humana. Além do inconsciente coletivo, há o inconsciente pessoal, composto de materias adquiridos ao longo da vida.


Características

A existência do inconsciente coletivo não é derivada de experiências individuais, tal como o inconsciente pessoal, trabalhado por Freud, embora precise de experiências reais para poder se manifestar. Tais traços funcionais do inconsciente coletivo foram chamados por Jung de arquétipos, que não seriam observáveis em si, mas apenas através das imagens que eles proporcionam. Jung chamou a atenção para o fato de que o inconsciente coletivo retém informações arquetípicas e impessoais, e seus conteúdos podem se manifestar nos indivíduos da mesma forma que também migraram dos indivíduos ao longo do processo de desenvolvimento da vida.

O psicanalista Erich Fromm apresenta outra posição a respeito. É denominada de "inconsciente social", que seria a parte específica da experiência dos seres humanos que a sociedade repressiva não permite que chegue à consciência dos mesmos.

O inconsciente coletivo complementa o inconsciente pessoal, e muitas vezes se manifesta igualmente na produção de sonhos. Desta forma, enquanto alguns dos sonhos têm caráter pessoal e podem ser explicados pela própria experiência individual, outros apresentam imagens impessoais e estranhas, que não são associáveis a conteúdos da história do indivíduo. Esses sonhos são então produtos do inconsciente coletivo, que nesse caso atua como um depósito de imagens e símbolos, que Jung denomina arquétipos. Dele também se originam os mitos. No entanto, sendo o inconsciente coletivo algo que foi e está sendo continuamente elaborado a partir das experiências obtidas pelos seres, o acesso individual às informações contidas no inconsciente coletivo pode ser uma forma de explicar o mecanismo de operação de alguns dos fenômenos psíquicos incomuns que foram considerados desde o princípio da psicologia junguiana. Por outro lado, isso corresponde a introduzir mais do que arquétipos nesta estrutura psíquica universal, que pode conter igualmente dados fundamentais de operação dos fenômenos naturais, que se manifestam como leis das descrições químicas e físicas da natureza (ver mais), além, é claro, da biologia. Em síntese, o inconsciente coletivo da psicologia analítica pode ser um modelo adequado para a compreensão dos fenômenos mentais.

Os instintos são comuns aos animais e aos homens, entre eles estão o instinto sexual e a exigência de autoafirmação. Portanto, são fatores impessoais, universalmente difundidos e hereditários de caráter mobilizador, e de modo algum apenas qualidades pessoais. Muitas vezes se encontram tão afastados do limiar da consciência, que a moderna psicoterapia se vê diante da tarefa de ajudar o paciente a tomar consciência deles - os instintos. Estes não são vagos e indeterminados por sua natureza, mas forças motrizes especificamente formadas, que perseguem suas metas inerentes antes de toda conscientização, independendo do grau de consciência. Por isso eles são analogias rigorosas dos arquétipos, logo, os arquétipos são imagens inconscientes dos próprios instintos. Em outras palavras, representam o modelo básico do comportamento instintivo.

A atividade humana é, em grande escala, influenciada por instintos - abstração feita das motivações racionais da mente consciente. O inconsciente coletivo não é uma questão especulativa nem filosófica, mas empírica. É uma área da psique relacionada com tais formas universais, como nossos pensamentos, percepções e fantasias, que são influenciados por elementos formais inatos e universalmente presentes, cuja uma inteligência normal poderá, nessa ideia, descobrir tanto ou tão pouco misticismo como na teoria dos instintos.

Para comprovar a existência dos arquétipos, que formam o inconsciente coletivo, pressupõe-se o animismo, o que faz referência questões próprias ou relacionados à alma, logo são necessárias explicações mais profundas de como o material pode ser percebido.

Em primeiro lugar - e mais importante -, é necessário observar os sonhos. Estes, como produtos espontâneos da psique humana, não são influenciados por questões do consciente. Durante a avaliação, pode-se observar motivos do sonho conhecidas pelo pacientes, além dos desconhecidos. Quando não se sabe as causas,  é importante excluir as que o indivíduo tenha alguma noção sobre.

Ainda como modo de analisar o material, há a imaginação ativa. Esta tem relação com as fantasias advindas de concentração intencional, que são produtos que acabam por aparecer em nossos sonhos também. Quando sonhamos com determinada fantasia, ela tende a se tornar consciente. Após isso, a frequência com que sonhamos com ela diminui consideravelmente.

Por fim, os delírios dos doentes mentais, das fantasias em estado de transe e dos sonhos da primeira infância, que se sucede dos 3 aos 5 anos, são passíveis de observações. Para esse material ser válido, é essencial que sejam achados relações históricas convincentes. Como exemplo, não é interessante, de imediato, relacionar uma serpente presente em um sonho à mitologia, pois a presença de tal animal pode estar relacionada a outros fatores. Esse passo é algo que pressupõe um trabalho exaustivo, pois os símbolos não podem ser retirados de seus contextos. Assim, é quase impossível fazer essa etapa em apenas uma conferência.


Inconsciente pessoal

O inconsciente pessoal, na psicologia analítica de Carl Jung, representa todo o material inconsciente que foi adquirido em algum momento da vida do indivíduo. Entre essas aquisições pessoais, incluem-se "o esquecido, o reprimido, o subliminalmente percebido, pensado e sentido", bem como os complexos. Ao conceito de inconsciente pessoal, opõe-se o de inconsciente coletivo, composto por arquétipos herdados e comuns a todos os seres humanos.

Uma diferença importante a ideia de inconsciente de Jung e de Freud é que, para Freud, o inconsciente continha materiais reprimidos. Esses materias poderiam se tornar conscientes caso fosse suprimida a repressão Para Jung, por outro lado, o inconsciente (tanto o pessoal como o coletivo) inclui não só o reprimido, mas, basicamente, tudo aquilo que subjaz o limiar da consciência.

Os complexos são parte importante elemento do inconsciente pessoal.

Inconsciente

Inconsciente, do latim inconscius (às vezes chamado também subconsciente), é um termo psicológico com dois significados distintos. Em um sentido amplo, mais genérico, é o conjunto dos processos mentais que se desenvolvem sem intervenção da consciência. O segundo significado, mais específico, provém da teoria psicanalítica e designa uma forma específica de como o inconsciente (em sentido amplo) funciona. Enquanto a maior parte dos pesquisadores empíricos está de acordo em admitir a existência de processos mentais inconscientes (ou seja, do inconsciente em sentido amplo), o modelo psicanalítico tem sido alvo de muitas críticas, sobretudo de pesquisadores da psicologia cognitiva. Para evitar a confusão entre os significados, alguns autores preferem utilizar o adjetivo "não consciente" no primeiro significado, reservando o adjetivo "inconsciente" para o significado psicanalítico. Segundo Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra suíço, há uma distinção crucial entre características conscientes e inconscientes da psique: consciência é o que conhecemos e inconsciência é tudo aquilo que ignoramos. "O inconsciente não se identifica simplesmente com o desconhecido; é antes o psíquico desconhecido, ou seja, tudo aquilo que presumivelmente não se distinguiria dos conteúdos psíquicos conhecidos, quando chegasse à consciência." Para Jung ainda, o ego forma o centro crítico da consciência e, de fato, determina em grande medida que conteúdos permanecem no domínio da consciência e quais se retiram, pouco a pouco, para o inconsciente. O inconsciente inclui todos os conteúdos psíquicos que se encontram fora da consciência, por qualquer razão ou qualquer duração.

Carl Jung atribuiu, a Carus, médico e pintor do século XIX, a indicação do inconsciente como a base essencial da psiqueː

Embora vários filósofos, entre eles Leibniz, Kant e Schelling, já tivessem apontado muito claramente o problema do lado sombrio da psique, foi um médico que se sentiu impelido, de sua experiência científica e médica, a apontar para o inconsciente como a base essencial da psique. Este foi Carl Gustav Carus, a autoridade que Karl Robert Eduard von Hartmann seguiu.


História

Influências sobre o pensamento que se originam fora da consciência de uma pessoa já eram expressas nas antigas ideias de tentação, inspiração divina e influência dos deuses no comportamento das pessoas. Ideias semelhantes já eram expressas também nos Vedas hindus (2 500-600 a.C.).


No budismo

Os primeiros textos budistas, como o Cânon Pali, apresentam uma teoria sobre tendências mentais latentes (Anusaya, "viés latente", "predisposição", "disposição latente") que são pré-conscientes ou inconscientes. Esses padrões são mais tarde denominados "vasanás" (impressão) pelos budistas iogachara posteriores e foram considerados como residindo em uma camada mental inconsciente. O termo "grilhões" também está associado às tendências latentes.

Um texto posterior do Teravada, o Abhidhammattha-sangaha (séculos XI e XII) diz: “As disposições latentes são impurezas que 'repousam junto' do processo mental ao qual pertencem, surgindo à tona como obsessões sempre que encontram condições adequadas” (Abhs 7.9). A escola Teravada também sustenta que existe um fluxo de consciência subconsciente chamado Bhavanga. Outro conjunto de fatores mentais inconscientes responsáveis por influenciar o comportamento de alguém inclui os asavas (em sânscrito, asrava, "afluxo"). Diz-se que esses fatores "intoxicam" e "confundem" a mente. O Buda ensinou que era preciso removê-los da mente através da prática, a fim de alcançar a libertação. Diz-se que os asavas surgem de diferentes fatores: sensualidade, agressão, crueldade, corpo e individualidade são alguns dos fatores dados.

A escola Iogachara do budismo Maaiana (começando do século III ao V EC) estendeu essas ideias ao que foi chamado de teoria budista da mente inconsciente. Este conceito foi denominado ālaya-vijñāna (a consciência fundamental) que armazena sementes cármicas (bija) e sofre renascimento. Essa teoria foi incorporada a uma teoria Iogachara mais ampla das Oito Consciências e também é sustentada no budismo tibetano. Ver Budismo e psicologia.


No Ocidente

Platão, em diversas obras, falou sobre a realidade do irracional no ser humano. Em A República, ele descreve como os homens, no estado de sono, podem dar vazão a diversas coisas que, despertos, rechaçariam. Alguns autores, como Giovanni Reale, vêem essa passagem como uma antecipação da reflexão psicanalítica. Diversos filósofos antigos e medievais, ao se ocuparem da parte irracional do ser humano, reconheceram que há realidades encobertas, profundezas que às quais cada um não tem acesso livre. Desse modo, pode-se considerar que a filosofia falou, desde os primórdios, do inconsciente, ou ao menos apontou para a sua existência.

Paracelso é tido como o primeiro a fazer menção a um aspecto inconsciente da cognição em seu trabalho "Sobre doenças" (1567). Sua metodologia clínica criou um sistema convincente que alguns consideram o início da moderna psicologia científica. William Shakespeare explorou o papel do inconsciente em muitas de suas peças, sem, no entanto, nomeá-lo como tal.

Alguns usos raros do termo "inconsciência" (em língua alemãː Unbewußtseyn) podem ser encontrados na obra do médico e filósofo alemão do século XVIII Ernst Platner.

Já o termo "inconsciente" (em língua alemãː Unbewusste) foi cunhado pelo filósofo idealista alemão do século XVd III Friedrich Schelling (em sua obra "Sistema de idealismo transcendental") e, posteriormente, foi introduzido na língua inglesa pelo poeta romântico e ensaísta Samuel Taylor Coleridge (em sua obra "Biografia literária").

Filósofos ocidentais como Arthur Schopenhauer, Baruch Espinoza, Gottfried Wilhelm Leibniz, Johann Gottlieb Fichte, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Eduard von Hartmann, Søren Kierkegaard e Friedrich Nietzsche já usavam o termo "inconsciente".

Em 1880, Edmond Colsenet apoiou, na Sorbonne, uma tese filosófica sobre o inconsciente. Elie Rabier e Alfred Jules Émile Fouillée realizaram sínteses do inconsciente "em um tempo em que Freud não estava interessado no conceito".

O psicólogo Jacques Van Rillaer aponta que "o inconsciente não foi descoberto por Freud. Em 1890, quando ainda não se ouvia falar de psicanálise, William James, em seu monumental tratado de psicologia ("Os princípios da psicologia"), examinou a maneira pela qual Schopenhauer, von Hartmann, Pierre Janet, Alfred Binet e outros usaram os termos "inconsciente" e "subconsciente".

O historiador da psicologia Mark Altschule observa que "é difícil - ou talvez impossível - encontrar um psicólogo ou psiquiatra do século XIX que não reconhecia que a atividade cerebral inconsciente era não apenas real mas também da maior importância".

Van Rilliaer poderia também haver mencionado que Eduard von Hartmann publicou um livro dedicado ao assunto, "Filosofia do inconsciente", em 1869 - antes de qualquer outra pessoa.

Os psicólogos alemães do século XIX Gustav Fechner e Wilhelm Wundt começaram a usar o termo "inconsciente" em sua psicologia experimental, no contexto de múltiplos e confusos dados dos sentidos que a mente organiza num nível inconsciente antes de revelá-los num todo convincente na forma consciente.

Sigmund Freud e seus seguidores desenvolveram um registro da mente inconsciente. Ele tem um importante papel na psicanálise. Segundo a leitura lacaniana de Freud, a pulsão é o conceito psicanalítico que mais se revela inseparável da questão sobre o que é o inconsciente.


De acordo com Sigmund Freud:


O inconsciente é certamente o verdadeiro intermediário entre o somático e o psíquico, talvez seja a ligação perdida tão procurada.

De acordo com Jacques Lacan:

O inconsciente é estruturado como uma linguagem.

Carl Gustav Jung, um psiquiatra suíço, desenvolveu o conceito mais além. Ele concordou com Freud que o inconsciente é um determinante da personalidade, mas propôs que o inconsciente pode ser dividido em duas camadasː o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo.

Análises do inconsciente também já foram feitas em relação ao conceito de potência e ato de Aristóteles. Ver Potencialidade e atualidade#Na psicologia.


Modelos do inconsciente

O inconsciente define um complexo psíquico (conjunto de fatos e processos psíquicos) de natureza praticamente insondável, misteriosa, obscura, de onde brotariam as paixões, o medo, a criatividade e a própria vida e morte.

Nos livros "Psicopatologia da vida cotidiana" e "A Interpretação dos sonhos", Sigmund Freud mostra que há um significado nos esquecimentos e outros atos falhos e nos sonhos, que não está em geral aparente de imediato. O fato de haver esse significado, mas ao mesmo tempo que ele não seja transparente ao indivíduo, sugere que o que consideramos nossa mente é como uma ponta de um aicebergue. A parte submersa seria, então, o inconsciente.

O conceito de inconsciente de Carl Gustav Jung se contrapõe ao conceito de inconsciente e pré-consciente de Freud. O pré-consciente seria o conjunto de processos psíquicos latentes, prontos a emergirem para se tornarem objetos da consciência. Assim, o pré-consciente poderia ser explicado pelos conteúdos que fossem aptos a se tornarem conscientes (determinismo psíquico). Já o inconsciente seria uma esfera ainda mais profunda e insondável. Haveria níveis inatingíveis no inconsciente.

O inconsciente não se confunde com o id. Este é uma parte do inconsciente, enquanto o ego e o superego possuem porções conscientes.

Jung separou o inconsciente pessoal do inconsciente coletivo. À camada mais profunda da psique humana deu o nome de inconsciente coletivo e concebeu o seu conteúdo como uma combinação de padrões e forças universalmente predominantes, chamadas "arquétipos" e "instintos". Em sua concepção, nada existe de individual ou único nos seres humanos nesse nível. Todos temos os mesmos arquétipos e instintos. O inconsciente é povoado por complexos. Foi esse o território que Jung explorou inicialmente em sua carreira como psiquiatra. Depois deu-lhe o nome de inconsciente pessoal. Todas as experiências comuns às mãos de pessoas que se encontram similarmente investidas de autoridade criam padrões psicológicos de base social, através de uma espécie de sutil programação do inconsciente pessoal. Os complexos materno e paterno continuam a dominar a cena no inconsciente pessoal. São os gigantes. Hoje, não existe consenso sobre se realmente existe um inconsciente coletivo, igual ou distribuído igualmente entre todas as culturas e povos. Mas os estudos de mitologia/religião comparada, de todos os povos e de todas as épocas da humanidade, dão fortes indícios e força a esse modelo. Cabe aqui citar um grande nome nessa área, Joseph Campbell, autor do livro The Power of Myth (O Poder do Mito). Seus estudos reforçam o modelo de inconsciente coletivo de Jung.


Controvérsia

Existe uma polêmica sobre a existência ou não da mente inconsciente.


Franz Brentano rejeitou o conceito de inconsciente em seu livro de 1874 "Psicologia de um ponto de vista empírico", embora sua rejeição se baseie em suas definições de "consciência" e "inconsciência". Jean-Paul Sartre oferece uma crítica à teoria do inconsciente de Freud em seu livro O Ser e o Nada, baseado na afirmação de que a consciência é, essencialmente, autoconsciente. Sartre também argumenta que a teoria freudiana da repressão tem uma falha interna. O filósofo Thomas Baldwin argumenta que o argumento de Sartre se baseia numa má compreensão sobre Freud. Erich Fromm argumenta que "a expressão 'o inconsciente' é uma mistificação (embora possa ser usada por razões de conveniência, como sou culpado de estar fazendo nestas páginas). Não existe algo como 'o' inconsciente; existem, apenas, experiências das quais temos consciência, e outras das quais não temos consciência, ou seja, das quais somos inconscientes. Se eu odeio um homem porque o temo, e sou consciente do meu ódio mas não do meu medo, podemos dizer que meu ódio é consciente e meu medo é inconsciente; ainda assim, meu medo não reside nesse lugar misteriosoː 'o' inconsciente".

John Searle ofereceu uma crítica ao inconsciente freudiano. Ele argumenta que os casos freudianos de estados mentais rasos, conscientemente mantidos poderiam ser melhor caracterizados como "consciência reprimida", enquanto a ideia de estados mentais mais profundamente inconscientes é mais problemática. Ele argumenta que a própria noção de coleção de "pensamentos" que existe em uma região privilegiada da mente que nunca é acessível à mente consciente é incoerente. Isso não implica que não existam processos "não conscientes" que formam a base de muito da vida consciente. Ao invés disso, Searle, simplesmente, argumenta que postular a existência de algo que é como um "pensamento" em tudo exceto no fato de que ninguém pode ter consciência dele (de fato, não pode sequer "pensar" nele) é um conceito incoerente. Falar de "algo" como sendo um "pensamento" implica que ou ele está sendo pensado por um pensador, ou poderia ser pensado por um pensador. Processos que não são relacionados causalmente ao fenômeno chamado pensamento são mais apropriadamente chamados de processos não conscientes do cérebro.

Outros críticos do inconsciente freudiano são David Stannard, Richard Webster, Ethan Watters, Richard Ofshe e Eric Thomas Weber.

David Holmes examinou sessenta anos de pesquisa sobre o conceito freudiano de repressão, e concluiu que não existe evidência positiva para esse conceito. Devido à falta de evidência para muitas hipóteses freudianas, alguns pesquisadores propuseram a existência de mecanismos inconscientes que são muitos diferentes dos mecanismos freudianos. Esses pesquisadores falam de um "inconsciente cognitivo" (John Kihlstrom), um "inconsciente adaptativo" (Timothy Wilson), ou um "inconsciente idiota" (Loftus e Klinger), que executa processos automáticos mas não possui os complexos mecanismos de repressão e retorno simbólico do reprimido.

Na moderna psicologia cognitiva, muitos pesquisadores procuraram retirar, da noção de inconsciente, o seu passado freudiano, e termos alternativos como "implícito" e "automático" foram adotados. Essas tradições enfatizam o grau pelo qual os processos cognitivos acontecem fora do âmbito da atenção cognitiva, e mostram como as coisas das quais somos inconscientes, não obstante, influenciam outros processos cognitivos, assim como o comportamento. Tradições de pesquisa ativa sobre o inconsciente incluem memória implícita e aquisição não consciente de conhecimento.


Psicologia cognitiva contemporânea

Pesquisa

Enquanto, historicamente, a tradição de pesquisa psicanalítica foi a primeira a focar no fenômeno da atividade mental inconsciente, existe um extensivo corpo de pesquisa conclusiva e conhecimento em psicologia cognitiva contemporânea devotado à atividade mental que não é mediada pela atenção consciente.

A maior parte da pesquisa cognitiva sobre os processos inconscientes foi feita na tradição acadêmica dominante do paradigma do processamento da informação. Em oposição à tradição psicanalítica, guiada por conceitos relativamente especulativos (no sentido de ser dificilmente verificáveis empiricamente) como o complexo de Édipo e o complexo de Electra, a tradição cognitiva de pesquisa sobre os processos inconscientes baseia-se em relativamente poucas premissas teóricas e é empiricamente orientada (isto é, primordialmente orientada pelos dados). A pesquisa cognitiva revelou que, automaticamente, e claramente fora da atenção consciente, os indivíduos registram e adquirem mais informação do que eles podem experimentar através de seus pensamentos conscientes.


Processamento inconsciente de informação sobre frequência

Por exemplo, uma extensa linha de pesquisa conduzida por Hasher e Zacks demonstrou que os indivíduos registram informação sobre a frequência de eventos automaticamente (isto é, fora da atenção consciente e sem o uso de recursos conscientes de processamento da informação). Mais ainda, as pessoas fazem isso de modo não intencional, "automaticamente", não importa as orientações que elas recebam. A habilidade de registrar inconscientemente e de modo relativamente acurado a frequência de eventos aparenta ter pouca ou nenhuma relação com a idade da pessoa, educação, inteligência ou personalidade. Consequentemente, pode representar um dos elementos fundamentais de construção da orientação humana no ambiente e possivelmente da aquisição de conhecimento processual e de experiência em geral.