quarta-feira, 26 de junho de 2024

Fora da Tradição não há Iniciação


Ando com o meu pavio cada vez mais curto. Quanto mais besteiras, idiotices, sandices, loucuras, absurdos, invencionices, charlatanismos etc. eu vejo, leio e ouço, mais esse pavio se encurta!


Daí eu me pergunto: o que está acontecendo para existir tudo isso? Confesso que não tenho uma resposta para dar, mas acredito que isso esteja acontecendo pela banalização do sagrado e pelo abandono da Tradição. Diariamente a Tradição é aviltada e esquecida, jogada no lixo como algo de “velhos” e “ultrapassados”. Sempre falo e escrevo, parafraseando o perenialista René Guénon, as seguintes frases: “Sem Tradição não há Iniciação”, “Fora da Tradição não há Iniciação” e “Sem a Tradição não há Salvação”; assim, é meu dever, como Sacerdote e defensor da Tradição, tentar esclarecer e evitar que isso se perpetue.


Além disso, há que pensarmos que enquanto há os pulhas que enganam, há os bobocas ou ingênuos de boa fé que são enganados. Como se diz por aí: “todos os dias nasce um trouxa e um esperto e eles vão se encontrar”. Ora, trouxa, neste mundo, todo mundo já foi, pelo menos uma vez; o duro é permanecer trouxa pelo resto da vida!


Contudo, onde quero chegar? O que quero dizer com essa introdução? É simples: quero evitar que as pessoas continuem sendo trouxas. Não se quer ou se deseja um monte de espertos, mas pessoas esclarecidas, de verdade!


Sabe-se que com a modernidade, o pensamento cartesiano de René Descartes (considerado o “pai” da filosofia moderna), o positivismo de Augusto Comte e o niilismo de Nietzsche, influenciaram e influenciam o modo como as ciências e a vida são vistas; influenciaram e influenciam, do mesmo modo e na mesma proporção, a visão das religiões, das religiosidades e dos religiosos.


Vamos, então, fazer algumas análises sobre as três correntes de pensamento filosófico que citei:


Cartesianismo: para René Descartes (um teísta cristão) um objeto só será analisado adequadamente pelo uso da razão, devendo-se decompor este objeto em partes isoladas e distintas, fragmentando-o e dividindo-o a fim de o compreender, estudar e criticar e, ao final, classificar as partes do objeto, “encaixotando-as” em categorias, colocando-as em ordem de importância hierárquica. Esta forma de pensamento nós vemos principalmente na Umbanda, que classifica, divide e estabelece as hierarquias do mundo espiritual, influência clara do espiritismo kardecista, sobejamente influenciado pelo pensamento cartesiano. Vemos, ainda, as classificações dos Exus, Caboclos, Orixás etc, na qual tudo deverá estar organizado hierarquicamente e nada pode estar fora disso. Tudo deverá ter seu lugar, arrumadinho, como se fosse numa bela estante de livros.


Positivismo: para Augusto Comte o objeto em análise só poderia ser observado verdadeiramente pelo uso da experimentação e de sua classificação a fim de obter os verdadeiros dados, tendo a ciência ou experimento científico como único recurso para investigação do objeto. O pensamento positivista é marcado pela ideia de que a humanidade avança de uma época bárbara e mística para outra civilizada e esclarecida, em melhoramentos contínuos. Esta teoria influenciou enormemente o espiritismo kardecista e a Teosofia de H. P. Blavatsky que, por sua vez, também influenciaram grande parte das correntes umbandistas.


Niilismo: para ARALDI (2008, p. 5) “o niilismo tem suas raízes na Antiguidade (em Sócrates, Platão e no cristianismo), devido a uma doença da vontade, fisiologicamente condicionada, a uma tendência negadora da vida que inventa o supra-sensível como um refúgio para sua incapacidade de viver”. Para Nietzsche, expoente desta corrente filosófica, os valores e a moral são inúteis, afirmando que nada é real e que tudo o que existe é porque os seres humanos dizem que é. Nietzsche se coloca como inimigo de qualquer forma de religião, em especial do Cristianismo e do Budismo, chamando-os de religiões da decadência. Nietzsche desenvolve um pensamento no qual afirma que a democracia e a igualdade entre os seres humanos é uma falácia, sendo que o homem precisa evoluir para algo além do próprio homem. A teoria niilista influencia enormemente os círculos ocultistas do Séc. XIX e XX, especialmente Aleister Crowley, cuja obra é permeada de conceitos oriundos daquela teoria, além do pensamento satanista contemporâneo, este também extremamente influenciado pelo niilismo.


Assim, o evolucionismo mascarado nestas três correntes de pensamento filosófico vai apoiar a ideia de que “nada é verdadeiro, tudo é relativo”. Desta forma não haveria nenhum valor absoluto ou verdade, moral, beleza, religião, dogma; nada seria estável, apenas a evolução, esta sendo a única ideia absoluta. Ora isto é uma falácia: se nada é absoluto, a evolução também não o é! Assim, o evolucionismo não pode prosperar! Notem, então, que há um paradoxo insofismável.


Mas, o que tudo isso tem a ver com o que estou discutindo? Bem, não podemos negar, em nenhuma hipótese, a influência que o espiritismo kardecista exerceu e exerce nas manifestações religiosas afro-brasileiras. O espiritismo kardecista é, por excelência, evolucionista, sendo que a premissa básica e fundamental do espiritismo está ancorada na crença “da imortalidade da alma e na evolução espiritual” (AURELIANO, 2011, p. 31) e, de acordo com Alan Kardec, “todos os espíritos foram criados por Deus imperfeitos e a todos foi dado o livre-arbítrio para fazerem as escolhas necessárias a sua evolução espiritual” (id., ibid.).


Alan Kardec abusa da boa vontade de seus leitores! Como é possível a ele acusar Deus de fazer imperfeita a Sua criação por Seu bel-prazer? Então, segundo Kardec, podemos pensar que Deus, em um dia em que não tinha o que fazer, pensou assim: “Vou criar seres imperfeitos, para que eles evoluam à perfeição!” Deus, então, criou deliberadamente espíritos imperfeitos? Para quê? Ora, poupem-me!


Esta noção de evolucionismo presente na obra de Kardec, especialmente a evolução espiritual, está relacionada, além das teorias presentes em algumas religiões orientais, tais como o hinduísmo e o budismo (apesar de haver diferenças doutrinais e teológicas gritantes e até antagônicas entre elas e o espiritismo), às “teorias evolucionistas que marcaram as ciências naturais e humanas na segunda metade do século XIX” (AURELIANO, 2011, p. 32), especialmente as doutrinas positivista e cartesiana. “Assim, a negação do sobrenatural e da magia como formas de explicação para as manifestações dos espíritos, a exclusão do sagrado e dos ritos na conformação da prática da doutrina e o uso de experimentos para comprovar a comunicação com o mundo dos mortos seriam meios de fazer do espiritismo uma forma de conhecimento, destinada ao estudo das relações entre o mundo físico visível e o invisível, pautada no raciocínio lógico” (id., p. 33). Nada mais racional e positivista, não é mesmo? Assim, pela influência que as religiões afro-brasileiras sofrem do espiritismo, os seguidores dessas religiões acabam por criar teorias que se enquadram no pensamento positivista e cartesiano no qual o espiritismo kardecista se estriba.


Outra questão que não podemos nos esquecer é a influência que o ocultismo (abrangendo todo o movimento ocultista dos Séc. XVIII ao XX) e a teosofia de H. P. Blavatsky exerceram em religiões afro-brasileiras. Vemos, por exemplo, teorias do Marquês Saint-Yves d’Alveydre e de seu mestre Fabre d’Olivet, do abade Eliphas Levi e do médico Papus, entre outros, sendo adaptadas por alguns segmentos umbandistas, passando a fazer parte da doutrina deles. Outra influência que certos cultos afro-brasileiros sofreram foi da teurgia e da goetia, esta especialmente desenvolvida pelo poeta Aleister Crowley.


Assim, tudo ficou um balaio de gatos, sem levar em conta aquilo que a Tradição original, que deu início aos cultos afro-brasileiros, pregava, tornando-se esta Tradição algo ultrapassado e que teria que evoluir com o enxerto de inúmeras e estranhas teorias, totalmente diversas ao sentido original que aqueles cultos possuíam. Podemos observar, hoje, a Gnose de Samael Aun Weor e a teoria dos Mestres Ascensionados de H. P. Blavatsky (como a famosa chama violeta atribuída ao Conde de Saint Germain) se transformar em material doutrinário umbandista, por exemplo, havendo um rompimento total com aquilo que era proposto pelos primeiros praticantes dos cultos e religiões afro-brasileiras, especialmente a Macumba carioca e a Cabula (ambas extintas).


Sempre ouço: “Ah, as coisas evoluem” e isso me arrepia, irrita e apavora! Como assim!? As coisas evoluem!? O que isto quer dizer!? Respondo: nada, pois a Tradição é Tradição e não nos compete mudá-la ou contradizê-la, mas seguí-la. Se não concordamos com algo da Tradição a qual seguimos, devemos abandoná-la, devemos deixá-la de lado e sermos honestos conosco mesmos e com os outros e, principalmente, com a própria Tradição.


Exemplifico: se você é do Candomblé e não admite o sacrifício, palavra que vem da junção de duas palavras latinas sacrum (divino, sagrado) e officium (dever, serviço, cortesia, ocupação), ou seja, um “dever sagrado” com o qual não concorda, você deve abandonar o Candomblé. A mesma situação se deve à Kimbanda, se você não concorda com o sacrifício de animais não continue nela. Em ambos os casos você pode, muito bem, ir para a Umbanda que não sacrifica animais. Assim, você estará sendo verdadeiro e não abandonando a Tradição.


Outro problema, oriundo do abandono da Tradição é a proliferação de “Sacerdotes” e “Sacerdotisas” auto-declarados, que não passaram pela experiência e formação de um lugar de culto afro-brasileiro, que não possuem a preparação adequada e que resolvem abrir sua Casa, mesmo não tendo nenhuma condição para isso. Como não têm experiência, nem mesmo base para exercerem o sacerdócio, começam a enxertar coisas (principalmente daquilo que leem em livros de outros enxertadores ou que aprendem em cursos, inclusive à distância). Como inserem assuntos que agradam ao público ignorante e malemolente, este passa a seguí-lo, tendo-o como pessoa “iluminada” e capaz de conduzi-los por um caminho espiritual. Ledo engano! São cegos conduzidos por outro cego (sem nem uma bengalinha para ajudar!).


Muito pior são aqueles que se acreditam “avatares” e “mestres”, que se arvoram de um conhecimento iniciático que não possuem, pois não passaram por nenhum rito iniciatório e se propõem a introduzir pessoas naquilo em que não foram iniciados. Acreditam, piamente, que possuem uma “autorização do astral” para fazerem o que bem entendem. Isto é um acinte, que afronta totalmente a Tradição. Neste sentido, vamos ver o que diz alguns mandamentos de Ifá (um dos sistemas filosófico-religiosos mais completos do mundo) sobre o assunto (extraídos do Odú Ìká-Òfún):


1º. Não digam o que não sabem!


Interpretação: Um sacerdote não deve enganar ao seu semelhante acenando com conhecimentos que não possui. E jamais dizer o que não sabe, ou seja, passar ensinamentos incorretos ou que não tenham sido transmitidos pelos seus mestres e mais velhos ou adquiridos de formas legítimas. É necessário o conhecimento verdadeiro para a prática da verdadeira religião. Quem abusa da confiança do próximo, enganando-o e manipulando-o através da ignorância religiosa, sofrerá graves conseqüências pelos seus atos. A natureza se incumbirá de cobrar os erros cometidos e isto se refletirá em sua descendência espiritual.


2º. Não façam ritos que não saibam fazer!


Interpretação: Não se podem realizar rituais sem que se tenha investidura e conhecimento básico para realizá-los. Não se pode fazer aquilo que não sabe ou que não aprendeu.


(…)


12º. Não desrespeitem os mais velhos, a sabedoria está com eles.


Interpretação: Deve-se respeitar e tratar muito bem aos mais velhos, principalmente os mais antigos nos cultos e religiões afro-brasileiras. O respeito aos mais velhos é um dos principais fundamentos de uma religião onde, reconhecidamente, antiguidade é posto. Faltar-lhes com o devido respeito e atenção é como lhes retirar o bastão em que se apóiam. Aquele que sabe respeitar, acatar e amar aos seus mais velhos, sem dúvida receberá o mesmo tratamento quando também caminhar apoiado no seu próprio bastão. Os mais velhos, pelas experiências vividas, representam verdadeiros mananciais de sabedoria onde cada um deve procurar beber um pouco, saciando a sede de saber. São livros sagrados, cujas páginas devem ser lidas com paciência e carinho. Religiões que, durante séculos incontáveis, tiveram seus fundamentos transmitidos oralmente, valorizam sobremaneira, aqueles que são depositários destes conhecimentos. Um velho, por mais obtuso que possa parecer à primeira vista, sempre terá algo, obtido nos longos anos vividos, a ensinar. Devemos lembrar sempre que, se antiguidade é posto, saber é poder!


René Guénon (1946, p.9) nos esclarece sobre a iniciação e a tradição: “(…) a essência e a meta da iniciação são sempre e por toda parte as mesmas; só as modalidades diferem, por adaptação aos tempos e aos lugares; e agreguemos, em seguida, para que ninguém possa se equivocar, que essa adaptação, para ser legítima, não deve ser, nunca, uma ‘inovação’, quer dizer, o produto de uma fantasia individual qualquer, senão que, como a das formas tradicionais em geral, deve proceder sempre, em definitivo, de uma origem ‘não humana’, sem a qual não poderia haver realmente nem tradição, nem iniciação, mas algo dessas ‘paródias’ que encontramos tão frequentemente no mundo moderno, que não vêm de nada e que não conduzem a nada e que, assim, não representam verdadeiramente, se se pode dizer, mais que nada pura e simplesmente, quando não são instrumentos de algo muito pior”.


Como se pode ver, o afastamento da Tradição e do tradicional enfraquece a tudo e a todos. Se, por algum motivo, você não concorda com algo que se pratica em sua Casa espiritual ou que se faça em seus ritos e cerimônias, saia, encontre outro lugar tradicional, diga-se, para continuar seu trabalho. O que não se pode fazer é sair e inventar o seu próprio sistema e considerá-lo melhor e mais “evoluído” que o anterior e começar uma vida sacerdotal sem nenhum preparo para tanto. Diplomas de Sacerdote não habilitam ninguém a exercer o Sacerdócio. Somente anos de experiência e dedicação em uma Casa de tradição, aprendendo no dia a dia, habilitará alguém a ser, de verdade, um Sacerdote. Não seja mais um desses tantos pseudos Sacerdotes que existem por aí!


REFERÊNCIAS

ARALDI, C. L.. Para uma caracterização do niilismo na obra tardia de Nietzsche. São Paulo: FFLCH/USP, Grupos de Estudos Nietzsche, Cadernos Nietzsche nº 5, p. 75-94, 1998.

AURELIANO, Waleska de Araújo. Espiritualidade, saúde e as artes de cura no contemporâneo. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2011.

GUENON, R.. Aperçus sur l’Initiation. Paris: Les Éditions Traditionnelles, 1946.

Angeologia judaico-cristã e a Umbanda


Não se pode esquecer que a Umbanda se desenvolveu, assim como a população brasileira, por meio de três grupos humanos: brancos (especialmente formada por portugueses e seus descendentes), indígenas brasileiros e africanos escravizados.


Neste texto, ater-se-á exclusivamente às influências que a população branca brasileira imprimiu ao desenvolvimento da Umbanda, pois foi essa que trouxe a angeologia judaico-cristã, no decorrer do período colonial, ao seio da Umbanda.


Sabe-se que o catolicismo popular português, com atividades consideradas “errôneas” do ponto de vista ortodoxo, como, por exemplo, excessivo apego aos santos e às práticas de benzimento, invocando-se as forças dos santos e anjos para fins diversos; uso de escapulários e cruzes como talismãs; jejuns ascéticos visando à limpeza corporal etc deu à Umbanda muitas das práticas realizadas até hoje. Desse mesmo grupo humano a Umbanda sofreu influências do espiritismo, ocultismo e da teosofia, que se destacavam na classe média brasileira, sob influência do que havia, na mesma época, na Europa.


Assim, de alguma forma, a angeologia judaico-cristã acabou entrando na Umbanda, enviesada, é claro, que foi se desenvolvendo especialmente a partir dos anos 1950. Com o tempo essas associações foram ficando mais fortes, sendo criadas várias teorias, que tentavam associar os Orixás, divindades típicas do panteão religioso ioruba, com astrologia, magia medieval, cromoterapia e outras práticas estranhas ao universo afro-religioso do qual a Umbanda se afastou ao embranquecer as práticas das Macumbas cariocas, do Candomblé de Caboclo, dos Calundus e de outras manifestações religiosas de descendência africana, as quais não se encaixavam no ideal branco-europeu.


Para que a Umbanda fosse legitimada era necessário que ela quebrasse sua ligação com a África e, por consequência, com qualquer coisa que lembrasse os negros; ademais, era necessário um mito criacional que afirmasse, sem dúvida, essa legitimação: por isso a escolha do 15 de novembro, dia da proclamação da República, como data de sua “anunciação”, bem como a escolha de um Caboclo como porta-voz do “mundo espiritual”, em um momento em que a literatura romântica brasileira e o brasilianismo buscavam estabelecer, no Caboclo (indígena), o símbolo da nação. Para temperar esse caldo, o Caboclo que se manifestou no dia 15 de novembro de 1908 não era um simples índio, mas a reencarnação de um sacerdote jesuíta, o Padre Malagrida. Dessa forma, a Umbanda poderia se inserir, de forma legítima, no universo religioso brasileiro, pois estava totalmente de acordo com os anseios dos ideais brancos-europeus: era cristã, tinha as bênçãos da Igreja Católica e era espírita (por isso ela se chamava “espiritismo de Umbanda”, denominação pela qual foi conhecida por muitos anos).


Nessa esteira, a angeologia judaico-cristã é inserida na Umbanda, com a tentativa de colocar os Orixás como parte integrante do mundo angélico, fazendo-se associações espúrias entre Orixás e anjos.


De forma equivocada, como várias outras, autores umbandistas passaram a desenvolver teorias nas quais os Orixás deveriam ser “encaixados” na angeologia judaico-cristã, de forma a serem legitimados, assim como houvera sido feito com a própria Umbanda em seu desenvolvimento. Entretanto, ao se debruçar na hierarquização dos anjos do judaísmo vemos que há diferenças com o catolicismo, bem como com as funções que cada um deles possui na teologia de cada religião. Abaixo estão exemplos da hierarquia angélica, com seus respectivos autores, lembrando que ela está em ordem de importância, do maior para o menor:


ZOHAR (OBRA CABALISTA JUDAICA, PROVAVELMENTE DO SÉC. XI):


Malakhim

Erelim (ou Arelim)

Seraphim

Khayyot ha-Kodesh

Ophanim

Hashmalim

Elim

Elohim

Bene Elohim

Ishim


MAIMÔNIDES (EM MISHNE TORAH, OBRA JURISPRUDENCIAL JUDAICA, ESCRITA PROVAVELMENTE NO SÉC. XII):


Ḥayyot ha-Kodesh

Ophanim

Arelim (ou Erelim)

Hashmalim

Seraphim

Malakhim

Elohim

Bene Elohim

Kerubim

Ishim


MASEKET ATZILUT (OBRA CABALISTA JUDAICA, PROVAVELMENTE DO SÉC. XIV)


Seraphim

Ofanim

Cherubim

Shinnanim

Tarshishim

Ishim

Hashmalim

Malikhim

Bene Elohim

Arelim (ou Erelim)


SÃO CLEMENTE (EM CONSTITUIÇÕES APÓSTOLICAS, PROVAVELMENTE SÉC. I)


Serafim

Querubim

Aeons

Hostes

Potestades

Virtudes

Tronos

Arcanjos

Anjos

Dominação


SÃO JERÔNIMO (EM EPÍSTOLAS, ESCRITAS PROVAVELMENTE NO SÉC. IV)


Serafins

Querubins

Potestades

Dominação

Tronos

Arcanjos

Anjos


SANTO AMBRÓSIO (EM APOLOGIA PROFÉTICA, PROVAVELMENTE DO SÉC. XI)


Serafins

Querubins

Dominação

Tronos

Principados

Potestades

Virtudes

Arcanjos

Anjos


SÃO TOMÁS DE AQUINO (EM SUMA TEOLÓGICA, ESCRITA NO SÉC. XIII)


Serafins

Querubins

Tronos

Dominação

Virtudes

Potestades

Principados

Arcanjos

Anjos


Como se pode observar não há um consenso na hierarquização dos Anjos, havendo discrepâncias, mesmo entre os autores que professam a mesma religião.


Assim, se não há consenso entre judeus e católicos como esperar que os umbandistas, em sua maioria cristãos, com pequeno conhecimento teológico dessa religião, podem categorizar os Orixás, colocando-os na hierarquia angélica judaico-cristã, fazendo associações impossíveis entre eles? Qual é o objetivo disso? O que se espera? Será que ainda se precisa legitimar as práticas umbandistas por meio das religiões ocidentais? Até quando o pensamento colonizador martelará a cabeça dos escritores umbandistas, fazendo-os buscar nas religiões ocidentais as respostas para suas dúvidas?


Precisa-se dar um basta! Se se quer falar em Orixá, deve-se buscar, incessantemente, o conhecimento vivo do povo ioruba, que fará compreender, sem dúvidas, o que eles são, como são cultuados, o que representam em nossas vidas e como se poderá trazer seu Axé para nós. Enquanto se permanecer preso na repetição dos dogmas judaico-cristãos, não será possível compreender a profundidade e a beleza que a Umbanda possui!

Vodu (Vudu, Voodoo) Gnóstico


Essa é uma mensagem que escrevi a um Irmão que me questionava sobre as práticas do Vodu (Vudu, Voodoo) Gnóstico, que é baseado no livro de Michael P. Bertiaux, The Voudon Gnostic Workbook (1988), relançado por Weiser em 2007.


Caro Irmão,


Olha, na verdade não gosto das práticas do Voodoo Gnóstico, Umbanda Esotérica, Umbanda Gnóstica etc. Aprendi, com o tempo, que são adaptações que foram feitas sem critério nenhum. Essa licenciosidade que foi dada ao “mercado religioso” é, em minha opinião, e fazendo eco a René Guénon, práticas da Contra-Iniciação.


Sou tradicionalista e, por isso, penso da seguinte forma: as coisas devem ser realizadas dentro de cada tradição. Não basta mudarmos os nomes dos seres nos rituais, é preciso que saibamos muito bem com quem ou o com o quê estamos lidando.


Essas misturas (ou hibridismo, bricolage, amalgamento etc) foram feitas, forçosamente, pelos ocultistas, mormente os que foram influenciados por Crowley, que, em minha opinião, não é exemplo iniciático para ninguém. A história contada por Bertiaux a respeito de Jean-Maine há algum tempo está sendo questionada. É só olharmos a importância que a Magia Sexual tem no contexto dos livros de Bertiaux sobre a OTOA (Ordo Templi Orientis Antiqua), M7R (Monastério dos Sete Raios) e LCN (La Couleuvre Noire). Essa importância não existe em nenhuma prática africana tradicional, pois para os africanos o sexo não é tabu, como o é para o ocidental de formação judaico-cristã. Na tradição afro o sexo faz parte da vida.


Outra observação é que os rituais que normalmente se repetem (Cruz Cabalística, fechamento do círculo mágico, invocação de forças nos quadrantes etc) são cópias e/ou adaptações dos rituais da Golden Dawn.


Quando se trabalha com seres angélicos (Miguel, Rafael, Uriel etc) a coisa é fácil, pois eles são seres sem livre-arbítrio, portanto não podem nos prejudicar. Ao se trabalhar com outras potências não é assim. Esses seres deverão ser chamados dentro de um contexto com o qual já estão acostumados, que lhes seja familiar. Se não for assim eles não serão tão amigáveis como se espera deles. Se dermos sorte eles simplesmente nos ignorarão, porém pode não ser assim. Por exemplo, há seres na tradição Yorubá, que são chamados de Ajogun, os quais não apreciam os seres humanos. Eles podem ser manipulados por um Sacerdote que deverá ser uma sumidade em conhecimentos de ervas, rezas, oferendas etc para poder manipulá-los, sob pena de ficar doente ou vir a ser morto pelos Ajogun no caso de não saber como lidar com eles.


Recomendação de ordem prática que posso lhe dar é procurar fazer as coisas dentro de seu conhecimento. Se não sabe, não faça! Se não conhece o ser que está invocando/evocando não o chame! Se quiser enveredar pelo caminho dos Vodun, Inkice ou Orixá deverá estar sob a tutela de um Vodunon, Tata ti Inkice ou Babalorixá, não dá para ser diferente!


Eu, por exemplo, há anos, não faço nenhum tipo de prática adaptada, a não ser que ela esteja num contexto específico da tradição com a qual estou trabalhando. É por isso que damos tanta importância ao Ifaísmo (para os Yorubá) ou Faísmo (para os Fon, de onde veio o Voodoo), pois são práticas tradicionais.


Por mais que os espanhóis queiram tirar o Michael Bertiaux da jogada, dizendo que a NOTO (Novus Ordo Templi Orientis) ou a OTOA Latina (Ordo Templi Orientis Antiqua Latina) é um “revival” da tradição gnóstica original de Jean Maine, isso não se sustenta. Ao comparar o material disponível da NOTO ou OTOA Latina com os ensinamentos originais do Bertiaux, veremos que são idênticos. Nem as vírgulas foram mudadas. É por isso que Bertiaux e Courtney Willis processaram L.. Para evitar problemas a OTOA Latina foi fechada. Agora eu lhe pergunto: um sistema mágico, baseado quase que exclusivamente em práticas de magia sexual, notadamente as práticas homossexuais, é confiável? Em minha opinião, não! Se fosse uma prática tântrica, exclusivamente baseada no hinduismo, ótimo, estaria tudo bem. Ao misturá-la com o panteão Voodoo o negócio fica diferente.


Courtney Willis, Supremo e Absoluto Grão Mestre da OTOA, que não é bobo nem nada, se iniciou em Ifá e está estudando, verdadeiramente, a tradição a qual se ligou. Se não me engano ele foi, no ano passado (2010), para a Nigéria e para o Benin para se iniciar lá. O Benin é o país onde a prática do Voodoo nasceu.


Caro Irmão, é necessário que estejamos atentos com a contra-iniciação. René Guénon e os demais tradicionalistas sempre foram unânimes em nos alertar sobre isso. Tive muitas experiências desagradáveis com minhas práticas, acreditando que elas eram para minha melhora. Como disse anteriormente fui vítima. Não gostaria que ninguém mais o fosse!


Tenho muito carinho e apreço pelos Irmãos que foram ou são membros das Ordens Martinistas, por isso faço esse alerta. Não sou dono da verdade, ao contrário! Apenas sou bom observador. Olho as pessoas que estão há mais tempo do que eu nesse caminho e vejo como elas estão hoje. A maioria abandonou essas práticas.


Você pode fazer as práticas da OTOA e da LCN? Claro que pode, elas são bacanas. No entanto, elas precisam estar inseridas num contexto afro. É necessário que se use gin, as pembas, as oferendas, as invocações etc. Só assim, em minha opinião, é possível abrir os portais de comunicação entre nós e o mundo dos espíritos.

Cultura Yorùbá / Ifá


Algumas pessoas, por desconhecimento, creem que a Ẹ̀sìn Ìbílẹ, Ẹ̀sìn Agbàlayé, Ìṣẹ̀ṣe Làgbà ou Religião Tradicional Yorubá tenha alguma semelhança com a visão que possuímos sobre as religiões ocidentais ou com as religiões de matriz africana e afro-brasileiras. Infelizmente a palavra “RELIGIÃO” causa enorme confusão; vamos, então, separar as coisas.


A Ẹ̀sìn Ìbílẹ é uma tradição “esotérica” yorubá. Por ser “esotérica” é iniciática. É um compêndio de conhecimentos sociais, econômicos, políticos e religiosos de um povo, dentre os vários que existiram e existem na Nigéria e países vizinhos, mesmo antes da existência geopolítica do país Nigéria. Os yorùbá creem em Olódùmarè como Deus único, em Ọ̀rúnmìlà e outros Òrìṣà como transmissores da Sua palavra, com o objetivo de proporcionar, por meio do autoconhecimento, a melhora do comportamento e das atitudes humanas, apurando as regras de boa convivência.


Sendo a Ẹ̀sìn Ìbílẹ uma tradição esotérica do povo yorubá, ela possui pouca semelhança com as mais diversas religiões ocidentais, inclusive com as afro-brasileiras (no caso das que cultuam Òrìṣà, haja vista que algumas cultuam divindades de origem africana diversa da yorùbá), portanto, suas práticas ritualísticas possuem uma relação quase que inexistente com essas outras “religiões”, a começar, por ser formada com seis conjuntos distintos de cultos e rituais, onde um deles se conhece pelo nome de Ọ̀rúnmìlà ou “culto a Ifá”. Os demais são: culto de Òrìṣà (muitos), em que cada um deles possui seu próprio corpo literário e rituais específicos, culto de Egúngún (ancestrais), culto de Ìyàmi (as energias femininas), o culto de Orò e o culto de Ẹdan/Ògbóni.


O objetivo das iniciações é a permissão para o estudos de seus rituais, filosofias e para a capacitação de suas práticas, já que ninguém que não seja um iniciado poderá praticar integralmente seus rituais, salvo aqueles de cunho pessoal.


As iniciações também possuem por objetivo trazer informações acerca do iniciado e de sua vida para que possa, por meio do autoconhecimento, tornar-se uma pessoa melhor, ética e moralmente falando.


Outro objetivo das iniciações, em consequência da dedicação nos estudos do iniciado e de sua competência nos rituais, bem como a aceitação do seu destino, é formar “Sacerdotes”. Contudo, nem todos os iniciados serão praticantes do sacerdócio, muitos serão iniciados ao exercício dos rituais, contudo sem capacitação para promoverem atendimento, consultas, Ẹbọ ou iniciações. Os Sacerdotes serão aqueles que adquirirem conhecimento suficiente e tiverem o reconhecimento deste por seus iniciadores/orientadores, para que então possam realizar as práticas ritualísticas de atendimentos e consultas, realização de Ẹbọ e até promoverem iniciações naquilo que foram iniciados, inclusive, conseguirem prover seus sustentos destas práticas ritualísticas, já que um sacerdote dificilmente conseguirá ser um sacerdote hábil se possuir outra atividade profissional, devido ao tempo necessário para sua formação e capacitação.


Meu objetivo ao escrever este breve texto é ampliar conhecimentos sobre Ẹ̀sìn Ìbílẹ e trazer reflexões individuais, sem, contudo, desprestigiar outras formas de pensamento de outras pessoas.


“Seremos julgados pelo que falamos e fazemos, mas não seremos julgados pelo que os outros fazem com aquilo que falamos, já que cada um de nós é o único responsável pelo nosso próprio destino (atos)”. 

Umbanda Omolokô


O Babalorixá Ornato José da Silva afirma, em seu livro, “Culto Omolokô: os filhos do Terreiro”, que a palavra Omolokô é de origem Yorùbá e significa: Ọmọ (filho) e Oko (fazenda). A fazenda, para o autor, seria a zona rural onde esse culto, por causa da repressão policial que havia naquela época (início do século XX), era realizado, ou seja, na mata ou em lugar de difícil acesso, no interior das fazendas dos donos de escravizados.2


Talvez, por causa disso, possamos teorizar que hoje temos as denominações de “Terreiro” e “Roça” para os lugares onde os cultos afro-brasileiros e de matriz africana são realizados.


Podemos relacionar, também, o significado da palavra Omolokô com o Òrìṣà Oko, Orixá da agricultura ou com o Òrìṣà Irókò, Orixá que habita a árvore de mesmo nome e é cultuado no Candomblé. Segundo se diz, o orixá Oko era cultuado no Rio de Janeiro e era assentado junto com o Òrìṣà Ọṣọ́ọ̀si (Oxossi), pois Oko, assim como Ọṣọ́ọ̀si são caçadores, porém não há dados suficientes que possam confirmar isso.


Outra associação que podemos fazer é a sua relação ao vodun Loko cultuado pelo povo Fon-Jêje, que tem como correspondente yorùbá o orixá Irókò, já citado, e que por sua vez, corresponde ao Inkisi Tempo (Kitembo) na nação Angola de Candomblé. Na época em que os cultos religiosos de origem africana eram proibidos, esse Orixá foi sincretizado a Santo Onofre.


Pesquisas mais recentes dão conta de que a origem do nome Omoloko, também está ligado ao povo Loko. A tribo Loko estava dividida em tribos menores ao longo dos Rios Mitombo, Bênue e Níger, e no litoral de Serra Leoa. Sua cidade principal era Lokoja, que ficava muito próximo ao reino Yorùbá. Crê-se que alguns escravizados do povo Loko, no Brasil, vieram a formar o que alguns chamam de Nação Omolokô.


Segundo Taata Tancredo da Silva Pinto, organizador e o maior incentivador da Umbanda Omolokô, cujo nome iniciático (Sunna3) era Fọ̀lkétu Olóròfẹ̀, o culto Omolokô chegou ao Brasil proveniente do sul de Angola, onde era praticado por uma pequena tribo pertencente ao grupo Lunda-Quiôco, que ficava às margens do rio Zambeze, que lhes fornecia alimentação no período das cheias.


Para o músico e escritor Nei Lopes o Omolokô seria um…


antigo culto banto cuja expansão se verificou principalmente no Rio de Janeiro, na primeira metade do Séc. XX. O nome liga-se provavelmente ao quimbundo muloko, “juramento”; ou ao suto, moloko, “genealogia”, “geração”, “tribo”. Na Angola pré-colonial, Nganga-ia-Muloko era o sacerdote encarregado da proteção contra os raios.4


Podemos afirmar, então, que o nome Omolokô define um culto originário do Rio de Janeiro com práticas rituais e de culto aos Orixás, Bacuros/Inkices ou Voduns e que possui, também, culto aos Caboclos, Pretos-velhos, Exus e demais Entidades Espirituais da Umbanda em geral e outras entidades encontradas no Catimbó-Jurema, Toré, Babaçuê, Tambor de Mina etc.


O culto Omolokô é apontado por estudiosos do assunto e praticantes como um dos principais influenciadores da formação da Umbanda africanizada ao lado do Candomblé de Caboclo, da Cabula e do próprio Candomblé.5


Em que pese essa ligação principal com o Rio de Janeiro, sabe-se que o Omolokô organizou-se principalmente em algumas regiões do sudeste do país, que forneceram grande contingentes de migrantes para a capital do Estado da Guanabara. […] O Omolokô era forte na zona da mata mineira, em todo o estado do Rio, no nordeste paulista e em parte do Espírito Santo – sobretudo nas áreas rurais. As correntes migratórias internas teriam trazido (ou reforçado) essa modalidade de religião afro-brasileira para o Rio de Janeiro – e elas existiam também em outras partes da cidade: Luiz Edmundo (1987, pp. 72-73), por exemplo, relata a existência, no início do século XX, de um Terreiro na antiga travessa do Castelo, comandado por um certo João Gamba, natural de Luanda, cujos rituais apresentavam formas muito semelhantes de incorporação e ressignificação de diferentes matrizes religiosas.6


No culto Omolokô as divindades possuem nomes em língua Yorùbá, Fon-Ewe ou Congo-Angola. Na maioria dos Terreiros Omolokô há o culto aos Orixás, em semelhança ao Candomblé Ketu, por isso são utilizados os Oríkì (poemas laudatórios, que mencionam os valores, atividade e importância de um Orixá, Rei, autoridade etc) para homenageá-los. Os Orúkọ (nomes iniciáticos) são dados por meio da consulta ao Jogo de Búzios. Seus “assentamentos” são semelhantes aos feitos no Candomblé e os Exus são feitos em argila, à semelhança de um busto de uma pessoa, ou então, simbolicamente, em ferro.


Taata Tancredo afirmava que: “a Umbanda é [gn] africana, é um patrimônio da raça negra” e que achava graça quando ouvia os “líderes da Umbanda Branca dizendo que a religião [apenas] sofre influência das tradições africanas”7. Para ele, a Umbanda é um culto de origem africana e esse viés africanista da Umbanda pode ser visto em uma de suas afirmações:


Terreiro de Umbanda que não usar tambores e outros instrumentos rituais, que não cantar pontos em linguagem africana, que não oferecer sacrifício de preceito e nem preparar comida de santo, pode ser tudo, menos Terreiro de Umbanda.4


Para afirmar a característica africana da Umbanda e dar uma formação intelectual aos praticantes do Omolokô, organiza no Rio de Janeiro o primeiro curso de língua e cultura Iorubá.


Na Umbanda Omolokô há iniciação para Orixá, Vodun ou Bacuro, com recolhimento do iniciando à “camarinha” por um período não inferior a três dias. Além da chamada divindade tutelar, que é assentado primeiro, o membro de um Terreiro de Umbanda Omolokô é iniciado para mais duas outras divindades, que farão parte do “enredo” espiritual do adepto.


Há, também, a consagração para as entidades espirituais com as quais trabalharão, que serão firmadas ou assentadas.


Várias casas de Umbanda, cujas formas de culto são consideradas de cunho africanista, originaram-se do culto Omolokô, ou das antigas Casas de Macumba que, mais tarde, foram reconhecidas como praticantes do culto Omolokô, especialmente depois da divulgação de suas práticas nos livros escritos por Taata Tancredo da Silva Pinto. Essas Casas mantiveram uma estrutura de culto aos Orixás, em harmonia com os guias espirituais.9


Sobre a Umbanda Omolokô, podemos ver no site de Internet da Federação de Umbanda do Brasil (FUB) a seguinte afirmação:


Não objetivamos afirmar que a Umbanda Omolokô seja a melhor ou a pior. Em minha concepção a Omolokô é a mais “original”, no sentido de manifestações, é a que mais se próxima daquilo que as entidades que povoam os cultos afro-brasileiros ou afro-ameríndios representam. No Omolokô as entidades não precisam se utilizar dos comportamentos “doutrinados”, em que tudo é padrão. As entidades podem se manifestar livremente e isso é muito desejável. Os Babalorixás e Yálorixás não determinam como as entidades devem se manifestar, apenas determinam como deve ser o comportamento ético do médium, colaborando com seu crescimento espiritual, atraindo para si entidades de Luz.10


REFERÊNCIAS

[1] Esse texto foi escrito em 2012 e revisado e corrigido em 2017, por mim, Mário Alves da Silva Filho.

* Sacerdote afro-religioso, dirigente do Templo Espiritual Pantera Negra e do Ilé Ifá Ajàgùnmàlè Olóòtọ́ Aiyé. Especialista e Mestre em Ciências da Religião, pela PUC/SP; especialista em História da África e do Negro do Brasil, pela UCAM; especialista em Políticas Públicas de Segurança Pública, pela PUC/SP; Bacharel e Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pela APMBB. Endereço eletrônico: ezezide@gmail.com

[2] SILVA, Ornato José da. Culto Omoloko: os filhos do Terreiro. Rio de Janeiro: Rabaço Editora, 1980.

[3] Palavra de origem árabe que quer dizer tradição. Na Umbanda Omolokô se percebe a influência dos malês (muçulmanos negros escravizados)

[4] LOPES, Nei. Enciclópedia brasileira da Diáspora Brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2004, p. 497.

[5] OMOLU, Caio de. Umbanda Omolocô: liturgia, rito e convergência. São Paulo: Ed. Icone, 2002.

[6] CUNHA, Mª. Clementina Pereira. Não tá sopa: sambas e sambistas no Rio de Janeiro, de 1890 a 1930. Campinas: Ed. UNICAMP, 2016, s/p.

[7] FREITAS, Byron Torres de & PINTO, Tancredo da Silva. Camba de Umbanda. Rio de Janeiro: Editora Souza, 1956.

[8] Idem.

[9] OMOLU, Caio de. Op Cit.

[10] Disponível em: http://www.fub.org.br/artigos/?art=omoloko. Acesso em 11/06/2012.


O que é Kimbanda


Muitos escritores de livros de Umbanda separam Kimbanda de Quimbanda, o que é um grande erro! São apenas grafias diferentes, a primeira é a representação gráfica da língua Quimbundo ou Umbundu e a outra do Português, que significam a mesma coisa. Os portugueses transliteraram a palavra kimbanda para quimbanda, sendo este termo mais utilizado fora de Angola.


Crê-se, no Brasil, infelizmente, que Kimbanda ou Quimbanda seria uma prática de “magia negra”, com a utilização dos Exus e Pombagiras – Bombogiras, Pombogiras (do Kimbundo: Mpambu Nzila (ou Njila) – “Caminho que se entrecruza”) para a realização de feitiços e trabalhos maléficos. Dão a essas entidades o status de criaturas malévolas por excelência, sendo a Kimbanda o culto ou prática onde eles devem se manifestar. O intuito desse artigo é evitar esse entendimento errôneo.


Quero destacar, inicialmente, que a Kimbanda (ou a palavra em português Quimbanda) não tem nada a ver com os demônios da Goécia, “Magia Negra”, ou qualquer coisa nesse sentido, nem mesmo o trabalho exclusivo com Exus e/ou Pombagiras. Esse entendimento também é errôneo! O panteão da Kimbanda possui todos os seres que se manifestam na Umbanda e em outros cultos afro-brasileiros ou afro-ameríndios, tais como Preto(a)s-Velho(a)s, Caboclos etc.


Não se aguenta mais atribuírem à Kimbanda um culto satânico (no mau sentido) de destruição e morte. Chega dessas parvalhices e imbecilidades! Veem-se sites, aos montes, afirmando que Exu Marabô é o demônio Put Satanakia ou que Exu Tranca-Ruas é o demônio Tarchimache. Quanta irresponsabilidade! O pior é que muitos acreditam nisso!!! Apenas como esclarecimento: esses nomes vêm do livro chamado de Grande Grimório, escrito pelo Papa Honorius I ou Honorius III (não se sabe ao certo), fruto da imaginação demoníaca que os católicos medievais tinham a respeito do mundo espiritual, que deveria ser habitado por demônios e seres malévolos.


Alguns ditos “acadêmicos” de Umbanda escrevem muitos disparates a respeito do vocábulo Kimbanda, tal como o “Mestre” Itaoman, influenciado pela Umbanda Esotérica de W.W. da Matta e Silva que diz, referindo-se a uma pretensa guerra mágica espiritual entre o “bem e o mal”:


“Ergueu-se, assim, dos confins do Reino das Sombras, sob o impulso do ódio de uma das partes e da maldade da outra, do sangue derramado pelos dois lados, uma ‘Corrente Maléfica’, que atraiu os piores Magos Negros de todas as épocas, formando-se a ‘Kimbanda’, que é o ponto de perversidade das raças martirizadas.”1


Nós não mais podemos ler tantos absurdos como, por exemplo, o que escreve MAES (1997, 165-166), “canalizador” de uma bazófia transmissão do espírito Ramatis:


“o umbandista é o médium, o cavalo, o mago ou o filho do terreiro que deve praticar unicamente o bem; o quimbandeiro é o médium, o cavalo, o mago ou o filho do terreiro que pratica exclusivamente o mal. O primeiro é o intérprete das origens angélicas, o segundo é o marginal, o feiticeiro o discípulo das fontes diabólicas.”2


Quanta imbecilidade em tão poucas linhas! Será que isso foi realmente “canalizado” de um espírito “de luz”, como se apregoa? É claro que não! Isso apenas representa a pequenez mental do pretenso médium, este sim nas trevas da ignorância! O que escreve é a vazão de seus pensamentos tacanhos e sem conhecimento, eivados por uma total ignorância da origem histórica dos cultos afro-brasileiros. É exemplo claro do racismo e intolerância que existe em nosso país.


A Kimbanda, assim como todos os demais cultos afro-brasileiros ou afro-ameríndios, tem panteão próprio, bastante semelhante à Umbanda brasileira e que não tem nenhuma ligação com o mal, com anjos caídos e com demônios. Aos idiotas e imbecis que pensam diferente só dou um conselho: aprimorem-se!!


Inicialmente quero destacar que este artigo tem como base a obra “O que é Umbanda”, de Armando Cavalcanti Bandeira (Rio de Janeiro: Ed. Eco, 1973, pág. 31-37), utilizando-se, ainda, várias fontes de pesquisa, inclusive de textos escritos em Angola e em outros países.


ANÁLISE

Tem havido muita confusão entre os termos umbanda e quimbanda, inclusive nos significados etimológicos.


Há páginas e mais páginas escritas sobre o uso do termo Umbanda. Quer-se acreditar que a primeira vez que foi empregado teria sido na famosa reunião espírita em Niterói – Rio de Janeiro, quando houve a segunda manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas (no dia 15 de novembro de 1908). Este fato é o mito fundador da Umbanda. No entanto, é inverídico. Conforme exporemos ao longo deste artigo, ver-se-á que a palavra Umbanda já havia sido registrada no Séc. XVII em terras, hoje, Angolanas.


Queremos, de uma vez por todas, dizer que aquilo que as pessoas dizem modernamente ser Kimbanda ou Quimbanda não tem nada a ver com a origem do termo. O uso incorreto da palavra Kimbanda ou Quimbanda é fruto do mar de ignorância histórica que banha nossos Terreiros de cultos afro-brasileiros. A má fama da Kimbanda ou Quimbanda advém de desgraças históricas: a escravização e a imposição do cristianismo católico em terras Bantu3.


No final do Séc. XV Dom João de Portugal enviou uma expedição ao Congo, comandada pelo navegador Diogo Cão, composta por padres, monges, soldados, camponeses e profissionais liberais com o intuito de formar uma sociedade nos moldes europeus. Esse envio foi em atendimento à requisição do Rei, o Manicongo, que foi batizado Católico e queria que seu reino fosse como a Europa. O Manicongo enviou seu neto a Roma (Vaticano) para estudar e se tornar Padre. Este, Dom Henrique I, foi o primeiro Bispo negro (1521). O Manicongo e seus sucessores obrigaram todos os súditos a se tornarem católicos. No entanto, essa não foi uma opção agradável a eles, sendo que muitos preferiram se manter ligados a sua religião tradicional.


Dessa forma, aqueles que praticavam o catolicismo eram considerados “homens de Deus”, pois seguiam uma religião correta. Aqueles que seguiam a religião tradicional, como a Kimbanda, entre outros cultos tradicionais bantu, foram considerados “homens do diabo”, pois professavam uma religião primitiva e atrasada, típica do demônio. Esse entendimento chegou até nós por meio da escravização, pois os que se negavam a se converter, de boa vontade, ao catolicismo eram feitos escravos.


Em que pese a negativa de conversão, ainda assim, antes de serem embarcados nos navios negreiros, os escravizados eram “batizados” à força. “Em Angola os escravos eram batizados enquanto aguardavam embarque nos barracões dos portos portugueses quando recebiam um nome cristão”.4 O batismo católico compulsório, feito antes do embarque nos navios, não livrava os escravos de serem humilhados pelos traficantes, que os tratavam como “seguidores do demônio”.


Ao chegarem aqui, esses escravizados continuaram com sua prática religiosa, mesmo sofrendo todo tipo de perseguição, utilizando-se de vários subterfúgios para isso, como a sincretização de seu panteão com os santos católicos, por exemplo (algo que já havia acontecido em África e não somente nas Américas). Aliado a isso houve uma incorporação do valor “ser do demônio” como uma estratégia de proteção, pois ao assumirem serem adeptos da Kimbanda causavam medo nos senhores feudais e em outros negros, que, por receio, muitas das vezes, não os agrediam e lhes davam um status superior.


Além da escravização e da imposição do catolicismo na África há outro motivo que nunca poderá ser olvidado: o preconceito, oriundo do racismo, conforme apontam Phaf-Rheinberger & Pinto:


“A Umbanda vem de Angola. Neste país o termo [Umbanda] significa “medicina tradicional” ou “prática tradicional de cura”. Aquele que é responsável por essa prática médica é chamado de Kimbanda. No Brasil esse conceito angolano foi reinterpretado. Umbanda tornou-se algo como uma religião que promove o contato com o mundo transcendental, através da iniciação do médium (gn). Da mesma forma é usada, por vezes, como sinônimo do conceito brasileiro de magia branca (magia boa, magia de cura). A palavra Kimbanda surge no Brazil com a grafia Quimbanda, mudando-se totalmente seu sentido original. Não se refere mais a uma pessoa, mas a uma força oposta à magia de cura, sendo chamada de magia negra. Por que isso aconteceu? Reinterpretações possuem um propósito psicológico. Elas satisfazem as necessidades das pessoas que podem ser inconscientes. Estamos assistindo ao que uma sociedade essencialmente racista está fazendo com a terminologia africana. Enquanto a Umbanda, com uma prática de cura de fundo religioso, é aceita no Brasil, o praticante africano desta arte de cura não é aceito. Assim, a ideia original do termo quimbanda foi despersonalizada. Tornou-se um símbolo das forças do mal, da bruxaria. Os conceitos angolanos originais do termo foram reinterpretados em termos de uma dicotomia bastante racista, sendo o negro sinônimo de demoníaco e o branco de bondoso.”5


Como bem aponta ORTIZ, houve, no Brasil, um abandono dos significados originais dos vocábulos Kimbanda e Umbanda, até opô-los sistematicamente, considerando Kimbanda como “magia negra” e Umbanda “magia branca”.


“No Brasil ocorre uma separação da arte do Kimbanda, de sua pessoa de sacerdote-feiticeiro; o Kimbanda é expulso para a região da Quimbanda enquanto parte de seu saber, a Umbanda, é reinterpretado segundo os valores da sociedade brasileira. Uma curiosa inversão se opera: a Umbanda transformar-se em magia branca em oposição à Quimbanda, magia negra.”6


Para BANDEIRA (p. 34) a palavra Kimbanda, oriunda da língua Quimbundo, não pode ser confundida com feiticeiro, pois designa funções diferentes: “o curandeiro é o Kimbanda, o feiticeiro é o Muloji”. Para afirmar isso, vale-se das palavras do Padre Antônio Miranda de Magalhães, que viveu muitos anos em Angola e publicou o livro Alma Negra, editado em Lisboa, em 1936, no qual afirma que o “mezinheiro, preparador de ervas, não deve ser confundido com o feiticeiro”7. Ilustra isso com uma expressão, em quimbundo, que define muito bem a diversidade funcional entre os dois: “O KIMBAND ‘EKI KI MULOJI É” (Este curandeiro não é feiticeiro); e outra frase: “NGEJIAMI UMBANDA” (Conheci a arte de curar).


BANDEIRA (P. 34) nos lembra que em 1894 Heli de Chatelain, em seu livro Folktales of Angola, registrava o termo Umbanda e Kimbanda e mostrava a sua derivação gramatical e significado, como é encontrado em qualquer dicionário Quimbundo, assim, nada há de mais claro e positivo. Isso vai de encontro aos inúmeros livros umbandistas que afirmam que o termo foi utilizado pela primeira vez no Brasil, quando do evento conhecido como a segunda manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Ora, sabe-se que quando do início da Umbanda havia uma luta para dar um nome adequando àquele movimento. Primeiramente se pensava em usar o termo Embanda (uma corruptela clara de Imbanda, plural de Kimbanda, que será explicado ao longo deste artigo), porém não soava bem. Houve também, a proposta de se utilizar Alabanda, pois segundo alguns autores um dos espíritos incorporados por Zélio de Moraes era um malaio muçulmano (conhecido como Orixá Malet), portanto Alabanda seria traduzido como da “banda de Alá”. Entretanto, a melhor opção encontrada foi o uso do termo já grafado (desde o séc. XVII) e conhecido entre os descendentes angolanos, ou seja, o termo Umbanda.


Etimologicamente o substantivo KIMBANDA (que significa, em Angola, curandeiro, médico ocultista), sendo que ao se substituir o prefixo KI por U, forma-se um nome abstrato, o qual designa arte ou ofício. UMBANDA, então, é a arte de curar, ofício de ocultista.


BANDEIRA (p. 34) afirma, em sintética análise de obras que consultou (as quais foram referenciadas por este articulista para que o leitor possa, ele mesmo, aumentar suas pesquisas) que Umbanda teria os seguintes significados:


“Termo da língua quimbundo, comum a várias tribos e línguas africanas especialmente entre os Umbundos e, segundo o etnólogo Carlos Estermann é bastante usado entre os Nhaneka-Umbi e igualmente conhecido pelos Cunhamas, embora nestes com menos frequência em seus cultos; entretanto não se restringe a Angola, pois, é encontrado na Guiné nos cânticos de invocação espiritual. Abrange alguns significados semelhantes: arte de curar, magia, segundo o Padre Domingos V. Balão e J. Cordeiro da Mata.”8


“[…] bruxaria, magia, arte ou magia de encantar.”9

“[…] ciência médica ou ciências médicas; originando-se de KIMBANDA, médico.”10

“[….] arte de curar originando-se do verbo KUBANDA, subir, de onde deriva o vocábulo KIMBANDA, curandeiro, do qual resulta o substantivo UMBANDA.”11

BATSTONE, por sua vez, traz definições ao vocábulo Umbanda:


“A palavra Umbanda vem originalmente da língua Kimbundo (uma das línguas falada em Angola) sendo usada para descrever objetos religiosos e o líder religioso, também chamado de Kimbanda. No Brasil a palavra Umbanda foi aplicada, a partir dos anos 1930 (gn), para designar um novo sistema religioso de grande apelo para a classe média, que sintetizou elementos nativos brasileiros, bem como elementos africanos e europeus. Da cultura indígena se apropriou do herbalismo e da imagem heroica do Caboclo; dos africanos se apropriou de elementos rituais do Candomblé, da Europa absorveu o catolicismo popular e o espiritismo de Allan Kardec.”12


O etnólogo e historiador Oscar Ribas, define a Umbanda como ciência de Quimbanda13, referindo-se sobre a origem quanto ao termo “Kubanda”. BANDEIRA supõe que Kubanda se trata do verbo “subir”, pois o espírito “segundo a concepção bantu, vem de baixo (da terra) para cima, e não de cima para baixo, como os espíritas acreditam”.14


BANDEIRA (p.35) cita a etnologista Ana de Sousa Santos, do Instituto de Investigação Científica de Angola, que faz um estudo detalhado sobre o vocábulo Kimbanda e sua relação com o termo Kubanda:


“Se na combinação de regras gramaticais se pode aceitar o modo como se articula o prefixo e radical de “Kubanda” para resultar “KIMBANDA”, e a relação desses vocábulos com Umbanda tal como apresenta Cavalcante Bandeira, de acordo com o que preceitua José L. Quintão , a verdade é que em razão funcional e etimológica do termo ‘Kubanda’ tal ligação deve ser rejeitada. Por isso, diz muito bem o autor: “Não podemos entender a modificação de sentido por falta de relação direta ou indireta da palavra ‘banda’ que hoje na concepção usada não tem qualquer relação com o Quimbanda. De fato, o termo “quimbanda” (quimbanda), a nosso ver não derivou de “Kubanda”, subir, galgar, mas certamente de “kubanda” (note-se que há variações e pronúncia) consertar, remendar. Ora, visto uma das funções do curandeiro ser exatamente a de consertar os males físicos dos mortais, é muito natural que dali proviesse sua origem, ou então de “Kubanda”, sinônimo de prescrever, visto que receita, aconselha, prescreve, etc (…) mas há mais, também ao verbo “kubanda” é atribuído o significado de desvendar. Outorgando-se à missão do “kimbanda” cuidar do mistério das enfermidades psíquicas que, como se sabe, para isso, esse agente recorre às cerimônias de adivinhação, assim se estabelece mais uma relação entre “Kubanda” e “Kimbanda”. Quanto à “kubanda” (ou banda) com o significado de subir, só aparece em toda a atividade de “quimbanda” e em práticas religiosas ou mágicas religiosas, pelo menos dentro do que temos conhecimento durante as sessões dos “ilundu” (espíritos), quando o médium começa a entrar em transe, mas só no sentido de incitamento e aplauso. Com respeito ao vocábulo Umbanda, se ele não pode servir para rotular um culto africano, como muito bem salienta Cavalvanti Bandeira, pode-se admitir que entre os bantos ele seja como que uma convergência de elementos culturais religiosos. Em Luanda, tem a Umbanda ainda hoje uma feição característica apreciável como expressão de um processo ritualista orientado por uma entidade – a mãe de umbanda – (Mamy ia umbanda) – ou pai de umbanda (Pai ia umbanda), conforme for o sexo feminino ou masculino. Modernamente há nesta sociedade quem traduza essa expressão por madrinha ou padrinho.”15


JAMES e BROADHEAD na obra Historical dictionary of Angola dão o seguinte significado à palavra Kimbanda: “Adivinho que herdou ou adquiriu as habilidades necessárias para se comunicar com o mundo espiritual”.16 Acrescentam que “o Kimbanda pode manter contato com os espíritos dos antepassados para saber se eles foram ofendidos por alguém e, em caso afirmativo, como resolver a questão”17.


O escritor, músico e compositor Nei Lopes, em seu famoso Novo Dicionário banto do Brasil, dá para o vocábulo Quimbanda um dos seguintes significados:


“Sacerdote de cultos de origem banta. Do quimbundo kimbanda, sacerdote e médico ritual correspondente ao quicongo nganga. O termo se distingue de outro como o quimbundo muloji e o quicongo ndoki, que designam o feiticeiro, agente de práticas que objetivam malefícios.”18


Assim, o Kimbanda é um médico, que utiliza a Umbanda, ciência(s) médica(s). No Candomblé de tradição banto, ou conhecido como Candomblé Angola, Kimbanda é o nome do Rito praticado, sendo o Sacerdote chamado de Táta Kimbanda (Pai de Quimbanda), assim como é chamado, também, no culto de Kimbanda, o Sacerdote.


Para RIBAS o Kimbanda desempenha as funções de adivinho e de médico, ambas necessárias para a cura de doenças. Cita outros agentes religiosos angolanos tais como muloji (feiticeiro), o kilamba (ministro do culto de espíritos ctónicos designados por yanda19), ou múkua-mbamba (homem-do-chicote que persegue os feiticeiros). Para o autor “os dois primeiros agentes, o kimbanda e o mulôji, distinguem-se na sua prática e ciência, respectivamente umbanda, como arte de curar e uanga, como feitiço, malefício”20.


Continua RIBAS:


“O adivinho que promove a ligação entre vivos e mortos pode acumular o papel do Kimbanda, o que detém poderes para curar doenças do corpo ou da alma, mediante rituais de invocação dos espíritos dos antepassados, oferendas e “limpeza” dos elementos atingidos pelo malefício.”21


TENGUNA diz que:


“Os sacerdotes encarregados de chamar os espíritos do passado, do funeral do rei e da investidura de um novo rei, dos rituais de iniciação na idade adulta das moças e rapazes eram chamados de kimbandas, pessoas de ambos os sexos, especialmente preparados para exercer essas funções e era entre eles que se encontravam os ‘artistas’: os contadores de histórias, os músicos, os dançarinos e os artistas plásticos, os escultores e os pintores de estatuetas e das máscaras. Chamavam os espíritos benéficos e tinham, evidentemente, competência de curar doenças e resolver conflitos sociais. Faziam-no frequentemente por adivinhação, ou seja, consultando os espíritos. […] Também havia espíritos do mal. Estes não eram chamados pelo Kimbanda e sim pelo Muloji (o feiticeiro ou bruxo) e eram pagos para causar desgraças a alguém.”22


O etnólogo Arthur Ramos em seu livro “O Negro brasileiro” nos informa:


“O grão-sacerdote chama-se quimbanda (ki-mbanda), ao mesmo tempo médico, adivinho e feiticeiro. Em Angola, fazem os negros a distinção entre o “Kimbanda Kia Dihamba”, o verdadeiro chamador ou invocados dos espíritos e o “Kimbanda Kia Kusaka” ou feiticeiro que cura doenças. Costumam, ainda, em algumas regiões de Angola, fazer a distinção entre o “Nganga” ou “Ganga” (derivado do “nganga”, senhor) que seria o cirurgião principal, o verdadeiro sacerdote e o Quimbanda o curandeiro. No Brasil o mesmo Embanda (Imbanda) cumpre as duas funções.”23


Em Angola a palavra Imbanda24 (Embanda) é o plural de Kimbanda. Já ‘Mbanda (Umbanda) é a arte de curar desenvolvida e praticada pelos Imbanda”25 banto, de Angola, passada por tradição oral de geração em geração com bastante zelo. Esta arte ainda é praticada em toda Angola como parte do sistema religioso tradicional. Muitas gerações angolanas foram salvas de pestes, epidemias, doenças incuráveis, doenças espirituais e emocionais, por meio desta arte milenar de curar. Desde tempos mais remotos Angola foi sempre terra de muitas artes curativas, praticadas pelos Imbanda, também conhecidos como Otyimbanda (curandeiros).


O poeta português Tomaz Vieira da Cruz, que viveu muitos anos em Angola, nos brinda com um belo poema, chamado “Buzi”. Em uma das estrofes desse poema lemos:


“Buzi, ó flor do Songo [cidade angolana],

para males da muxima [coração],

Kimbanda não tem milongo!” [cura].26


O Vocabulário Kimbundo-Português de Alberto Oliveira Pinto nos traz a palavra Kimbanda com o seguinte significado: “Kimbanda (plur. Imbanda) – Especialista de magia Mbundu e Imbangala, havendo vários tipos, consoante o espírito que tratavam e os meios que utilizavam (t. kimbundu).”27


O Kimbanda também lança mão de métodos de adivinhação e vatícinio, sendo os mais conhecidos o transe, o muxacato, jimbamba (búzios), ngombo ya cisuka (tipo de adivinhação), o trabalho com os Inkice (divindades semelhantes aos Orixás), etc. Por meio desses vários métodos o kimbanda desvenda as origens das doenças, indica às pessoas as causas ambientais, espirituais ou mágicas das doenças e as aconselha com receitas da mesma ordem, não deixando, nunca, de recorrer à farmácia da natureza. Faz, também, o diagnóstico tradicional e já utilizava, no passado, antes da colonização, p.ex., o cordão umbilical para tratar doenças da infância. A zooterapia foi também muito usada, para tratar doenças mentais. A massagem tradicional angolana foi e ainda é muito usada pelos Imbanda.


O Jornal de Angola, edição de 24/09/2010 traz uma reportagem sobre o Kimbanda (Sacerdote) Xanene, personagem importante da região de Lobito, uma cidade do Estado de Benguela, Angola:


“Xanene é um kimbanda bastante conhecido na cidade do Lobito pelo tratamento que faz com raízes, pós, fumaças e banhos. A sua acção curativa tem maior incidência nas pessoas com problemas psíquicos. São vários os pacientes que depois de passarem por hospitais, clínicas, centros de medicina natural e ervanárias, o procuram. A maior parte dos doentes que passa pelas suas mãos regista melhorias, por isso vai tratar doentes a todas as regiões do país, inclusive a Luanda. Fruto do seu trabalho, é um dos poucos kimbandas reconhecido pelas autoridades provinciais, podendo tratar os pacientes em sua casa, no bairro do Alto Esperança, na cidade do Lobito, onde tem quartos para internamentos.”28


Na província do Bengo estão situados os dois principais centros de devoções de Angola, onde o sincretismo entre as tradições angolanas e católicas, andam de mãos dadas: Igreja da Santa Ana, em Caxito na capital do Bengo e Senhora da Muxima, no município de Muxima, província do Bengo. Desde o século XVI, nas Igrejas da Santa Ana e da Senhora da Muxima, durante os 365 dias do ano, ora-se com a fé que move montanhas. Pela intercessão dessas duas poderosas “intercessoras divinas”, milagres sem conta, aconteceram no passado e continuam a acontecer na vida dos angolanos. Lamentável a falta de divulgação desses milagres. Os rios Bengo, kwanza, Ndanji, lagoa da Ibendua e outros cursos de água, fazem parte do grande misticismo do Bengo, pela crença popular na kianda (singular de yanda) a divindade feminina da mitologia Banto, que vive nas aguas do planeta. Rituais da Sagrada Tradição angolana, são realizados, desde os tempos mais remotos, nos rios e lagoa aqui mencionados. Artes curativas tradicionais são mais uma evidência do misticismo do Bengo. Umbanda é uma das artes de curar desenvolvida e praticada pelos povos banto, e continuada pelos seus descendentes, os angolanos. A Umbanda é praticada em toda Angola e na diáspora banto, como parte dos sistemas religiosos dos povos banto e angolano.


Ignorantes, que desconhecem tudo aquilo que escrevemos anteriormente, falam as piores sandices que se podem imaginar, citando, por exemplo, a chamada “kimbanda malei”, sendo esta oriunda da “má lei” para alguns idiotas ou do termo malê (do yorùbá Ìmàlè), que designa o seguidor da religião islâmica, dizendo que a Kimbanda seria a reunião das práticas dos feiticeiros muçulmanos.


Um “autor” de historinhas “para boi dormir”, escreveu o seguinte absurdo:


“Malei é uma palavra que realmente deriva do povo Malê – portanto encontramos uma forte presença de magia árabe/sufi e Marabô realmente é o chefe dessa linha, por causa de sua conexão com os feiticeiros muçulmanos do norte da África Ocidental, chamados de Marabos [Marabouts]”.


É difícil de entendermos como alguém pode se dizer kimbandeiro e escrever essa idiotice, que não possui nenhuma base. Vamos esclarecer, então:


Malei vem do Orixá Mallet que Zélio Fernandino de Moraes, o precursor da Umbanda, incorporava. Zélio dizia que o Orixá Mallet era um “tipo de Ogum” e que o protegia;

Malê não era um povo, mas era como os yorùbá (grupo etnolinguístico que está distribuído em vários países da África Ocidental) não muçulmanos chamavam os negros muçulmanos, conforme citei anteriormente. A palavra yorùbá que dá origem ao termo é Ìmàlè;

O Exu Marabô, ao qual o “autor” se refere, cujo nome não tem nenhuma ligação com o termo Marabout, pois este é o professor de Alcorão, conselheiro político e religioso; alguns Marabout praticam a medicina tradicional africana, sendo que na linguagem berbere é sinônimo de santo, enquanto que o nome Marabô, dado ao Exu (Orixá), vem da seguinte cantiga, feita em língua Yorùbá (portanto não tem nada a ver com a língua Kimbundu):

“A jí kí Barabo ẹ mo jùbá, àwa kò ṣé

A jí ki Barabo e mo jùbá,

e ọmọdé kọ èkọ́ kí Barabo ẹ mo juba

Ẹlẹ́gbára Èṣù l’ọ̀nà”


Tradução:

Acordamos e cumprimentamos (saudamos) Barabo,


que vós não nos façais mal


Acordamos e cumprimentamos (saudamos) Barabo,


A criança aprende na escola que deve saudar Barabo,


Senhor da Força, Èṣù dos caminhos.


Portanto, vê-se, claramente que Barabo é um Oriki, uma louvação, a Èṣù, que pelo uso lingüístico acabou se tornando Marabô.


CONCLUSÃO

As práticas dos Imbanda (plural de Kimbanda), provenientes de crendices ou não, são artes que existem realmente e as terapêuticas tradicionais dão e sempre deram muito bom resultado. Sem terem apoio da ciência moderna, ou da medicina ocidental, os Kimbanda (Imbanda), prestam um serviço à comunidade, sendo capazes de diagnosticar, prevenir, tratar e curar as doenças próprias da época, hereditárias ou não. Com os seus conhecimentos e experiência em terapêuticas obtidas a partir dos seus conhecimentos da natureza e dos recursos naturais agrícolas, florestais, hídricos, e minerais os kimbanda asseguraram, no passado, a saúde pública em Angola. Presentemente, apesar de continuarem com as suas práticas de medicina tradicional, são mais procurados pelas suas capacidades como xamâs.


Desde a antiguidade, Angola foi sempre terra de muitas artes curativas, praticadas pelos imbanda. Homens e mulheres, verdadeiros artesãos da cura, abençoados por Nzambi (Deus) com o dom de curar, conhecedores e bastante experientes em terapias sobrenaturais e naturais. Os grandes mestres Kimbanda, da região dos Ambundu, eram e são da província do Bengo, nomeadamente do Dande. Eles asseguraram, durante muitos séculos, a saúde publica em todas as tribos de Angola, sem necessitar de fundos internacionais ou apoios de governo e/ou da OMS (Organização Mundial da Saúde). Para promover e salvar esse grande carisma de curar, oferecido por Nzambi (Deus) aos angolanos, está-se, hoje, a organizar na diáspora, a revista M’banda, de medicina natural angolana, onde as terapêuticas são organizadas a partir de recursos naturais, agrícolas, florestais, marinhos, hídricos e minerais de Angola. No passado, famílias portuguesas, aderiam a esta arte, para resolver situações que a medicina não conseguia debelar. A terapêutica tradicional angolana comporta duas partes distintas: parte sobrenatural e a parte farmacológica.


O Kimbanda, aquele que está apto a oferecer a cura física e espiritual das pessoas, sempre trabalhou a fim de restaurar a ordem moral da comunidade em que estava inserido. O universo moral banto, oferecido pelas artes do Kimbanda, foi explicitamente usado como um escudo psicológico, que deu à população grande nível de autoconfiança e lhes permitiu enfrentar a dominação e exploração levada à cabo pela colonização portuguesa. Era o que lhes dava alento para continuarem a sobreviver.


Durante a cruenta guerra civil em Angola, acontecida depois da independência desse país, os Imbanda tiveram papel preponderante, pois eram eles que ofereciam auxílio psicológico às vítimas da guerra (vítimas de estupro, soldados em crise, órfãos, viúvas etc). Como é possível uma arte tão bela e maravilhosa ter recebido a pecha, em nossa pátria, de coisa do mal, do demônio, da ignorância? Ora, poupem-me!!!!


A diferenciação que muito se faz entre Umbanda e Quimbanda, infelizmente, se dá pelo projeto iniciado nos anos 1940 de embranquecimento da Umbanda, fruto do racismo e do eurocentrismo que grassava na classe média daquela época. O 1º Congresso de Espiritismo de Umbanda foi o carro-chefe desse entendimento, quando se concluiu que era necessário tirar da Umbanda “as práticas primitivas dos negros africanos”. Dessa forma, a Quimbanda seria o contraponto da Umbanda, esta dos brancos e evoluídos, aquela dos negros e atrasados. Uma dicotomia que se observa na sociedade em geral. Não podemos mais admitir isso! É chegada a hora de haver seriedade naquilo que se faz e pratica.


Para encerrar, quero dizer que o simples fato de inúmeras pessoas que se auto-intitulam “Pais de Santo” ou “Mães de Santo”, dizerem que praticam a Quimbanda, que trabalham com Exus e Pombagiras, que são aptos a fazer malefícios, feitiços e amarrações, prometendo trazer “a pessoa amada em sete dias ou seu dinheiro de volta”, não faz com que a Quimbanda se resuma ao que falam. São um bando de safados e sem-vergonha, que exploram as crendices dos incautos. Mais uma vez, poupem-me!!!


REPERCUSSÕES

Depois da publicação deste texto na “Internet” pela primeira vez, recebi muitas mensagens de felicitações e agradecimento, em que pese algumas opiniões contrárias que foram escritas. Uma delas me chamou atenção e pelo respeito que tenho pelo interlocutor que ma escreveu, colo-a abaixo e tentarei respondê-la em seguida:


“Desculpe Mário. Não vou entrar em detalhes, mas o texto está incorreto. A Kimbanda é um culto feiticeiro, e a Umbanda é um culto religioso. São coisas diferentes. O praticante e iniciado em Kimbanda é o Kihuendê, termo que significa, feiticeiro, necromante, comunicador dos mortos. Falam muita bobagem por aí de fato. Várias delas, por exemplo, ao dizer que um Exu (ou Mavambo) seria um ser de luz, um escravo de Orixá ou, um espírito em evolução. Muito pelo contrário. São seres noturnos e contraproducentes. Um Kihuendê é um feiticeiro, não um curandeiro. Todas as visões que ocorrem na Umbanda são visões externas à Kimbanda, que é um culto totalmente diferente, separado e independente da Umbanda. Seres da Kimbanda manifestam-se na Umbanda. O oposto não ocorre”.


Bom, como disse antes, em respeito ao autor dessas afirmações, pessoa que conheço há anos, passo a me debruçar sobre suas palavras. Em primeiro lugar temos que lembrar que a palavra Kimbanda vem do idioma Kimbundu, portanto é sobre essa língua que a discussão deve andar.


1º. A Kimbanda não é um culto feiticeiro, conforme apontei em todo o texto. A etimologia da palavra, escrita em vários dicionários que citei, bem como outras fontes que empregam a palavra, são unânimes em afirmar que Kimbanda se refere ao curandeiro, adivinho, mago, erveiro, raizeiro etc. A palavra também se confunde com a própria prática, reconhecida como o nome da religião praticada em partes de Angola;

2º. A palabra Kihuende, que é sinônima de Kihénde, segundo o Dicionário Kimbundu-Português (ASSIS JÚNIOR, 1947, p. 119) quer dizer: “Presidente, dirigente. Chefe de uma assembléia, reunião, junta, tribunal ou congresso. Pessoa mais importante pela sua hierarquia ou mérito.”29 Não quer dizer aquilo que o interlocutor afirma, então.

3º. Mavambo não é uma palavra da língua Kimbundu, mas do léxico Shona, língua falada por um dos subgrupos (os Shona) dos povos banto que não falavam Kimbundu, cujo significado é “começo, início”, ou seja, refere-se ao culto que se deve fazer a Mavile, um dos nomes de Mpambu Nzila, ou seja, deve-se cultuar Mavile primeiro, antes dos demais Mukixi (divindades). Podemos ver as misturas lingüísticas em rituais dos povos banto da diáspora.

4º. Exus (ou Mavambos como diz o interlocutor) são seres noturnos? Talvez! Entretanto, dizer que são contraproducentes há uma distância muito grande. Segundo o dicionário Aurélio contraproducente quer dizer: “que prova o contrário do que se pretendia; que tem resultado contrário ao que se pretende”. Com essa definição da palavra, não posso entender que Exu ou Mavambo seja contraproducente, pois ele não é uma prova ou o contrário do que se queria provar.

5º. O interlocutor tem razão quando afirma que Kimbanda e Umbanda são cultos diferentes e independentes, mas discordo que seres que se manifestam na Umbanda não podem se manifestar na Kimbanda. Ora, afirmarmos isso é dizer que o mundo espiritual é cartesiano, formado por categorias que não se misturam. Sabemos, há muito tempo, que isso não é verdade. O mundo espiritual é permeado de trocas e ações dos agentes espirituais são intercambiáveis todo o tempo.

REFERÊNCIAS

[1] Itaoman, Mestre. Pemba: a grafia sagrada dos Orixás. Brasília: Thesaurus, p. 137, 1990.


[2] MAES, Ercílio. A Missão do Espiritismo. Rio de Janeiro: Ed. Do Conhecimento, 1967, pp. 165-166.


[3] Constitui um grupo etnolinguístico localizado especialmente na África subsaariana, que engloba aproximadamente de 400 subgrupos étnicos diferentes.


[4] BOXER, C.R. A idade de ouro do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1969, p. 29.


[5] PINTO, Tiago de Oliveira. Crossed Rhythms: african structures, brazilian practices, and afro-brazilian meanings. In: PHAF-RHEINBERGER, Ineke & PINTO, Tiago de Oliveira (orgs.). AfricAmerica: itineraries, dialogues and sounds. Frankfurt: Vervuert Verlag, 2008, PP. 161-162.


[6] ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 133.


[7] MAGALHÃES, António Miranda. A alma negra. In: Cadernos Coloniais, nº 40. Lisboa: Editorial Cosmos, p. 07, 1938.


[8] Apud BAIÃO, Domingos Vieira. O Kimbundu sem Mestre. Porto: Imprensa Moderna, 1946, p. 22 e MATTA, J. D. Cordeiro da. Ensaio de diccionario Kimbundu-Portuguez. Lisboa : Typographia e Stereotypia Moderna da Casa Editora Maria Pereira, 1893, p. 43.


[9] Apud ASSIS JÚNIOR, António de. Dicionário Kimbundu-Português. Luanda: Santos e Cia, 1884, p. 17.


[10] MAIA, Antônio da Silva. Lições de gramática de quimbundo (português e banto – dialecto omumbuim, língua indígena), apud GABELA, Amboim. Quanza Sul, Angola e Africa Ocidental Portuguesa. Luanda: Edição do Autor, 1964.


[11] Apud ESTERMANN, Carlos. Etnografia do Sudoeste de Angola: Os Povos não-Bantos e o Grupo Étnico dos Ambós. Lisboa: JIU, Vol. I, 1960a [29 canções; 23 adivinhas; 19 provérbios; 12 orações (e várias); 40 narrativas da Comunidade Ovambo]


[12] BATSTONE, David B. et alli. Lieberation theologies, postmoderity and the Américas. New York: Routledge, 1997, p. 108.


[13] RIBAS, Oscar. Ilundu: espíritos e ritos angolanos. Porto: Edições ASA, 1989, p. 27.


[14] Cf. Id., pp. 24-32.


[15] SANTOS, Ana de Sousa. Subsídio etnográfico do povo da ilha de Luanda. In: Memórias e trabalhos do Instituto de Investigação Científica de Angola: estudos etnográficos: Luanda: Instituto de Investigação Científica de Angola, Nº. 2, p. 129, 1960.


[16] JAMES, W. Martin & BROADHEAD, Susan Herlin. Historical dictionary of Angola. Oxford: Scarecrow Press, p. 79, 2004.


[17] Idem.


[18] LOPES, Nei. Novo Dicionário Banto do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.


[19] Divindades do mar.


[20] RIBAS. Op. Cit, p. 28.


[21] Id., p. 24 e 52.


[22] TENGUNA, Ribeiro. Quanto vale a vida do Africano: uma narrativa fiel de como a ganância dos países ricos, a ineficiência da ONU e a corrupção de governos do continente afro destruíram a África e os africanos. São Paulo: Biblioteca 24×7, 2008, p. 156.


[23] RAMOS, Arthur. O negro brasileiro. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1951, p. 101.


[24] Para um melhor entendimento da palavra Imbanda veja o site “Ritos de Angola”, disponível em: http://www.ritosdeangola.com.br/page.php?132 , um excelente site de informações sobre os bantus e sua religiosidade.


[25] LIBBY, Douglas Cole & FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Annablume, p. 297, 2006.


[26] CRUZ, Tomás Vieira da. Buzi. Lisboa: Secretaria Geral do Ministério do Ultramar e da Junta de Investigações do Ultramar, Estudos Ultramarinos: literatura e Arte, nº 3, 1959, p. 244.


[27] Disponível em: http://www.multiculturas.com/angolanos/alberto_pinto_kimb_port_vocab.htm, Acesso em 10/02/2010.


[28] SILVA, Jesus. Medicina natural só em último caso. Luanda: Jornal de Angola, 24/09/2010.


[29] ASSIS JÚNIOR, A. de. Diccionário Kimbundu-Português. Luanda: Argente, Santos & Cia, 1947, p. 119.