É extremamente divertido para o estudante de literatura mágica que não é exatamente um tolo — e essa combinação é rara! — notar a crítica dirigida pelo filisteu à cidadela de sua ciência. Verdadeiramente, desde a nossa infância, é enraizada em nós não apenas a crença literal na Bíblia, mas também a crença substancial no Alf Laylah wa-Laylah[2], e só a adolescência pode nos curar, na pressa e energia da masculinidade vindoura estamos bastante suscetíveis a desdenhar grosseiramente e precipitadamente desses dois clássicos, a considerá-los no mesmo nível, como documentos interessantes do ponto de vista do folclore e da antropologia, e nada mais.
Mesmo quando aprendemos que a Bíblia, através de um estudo profundo e minucioso do texto, pode ser forçada a ceder arcanos cabalísticos de alcance e importância cósmica, muitas vezes demoramos a aplicar um revigorante semelhante ao volume que o acompanha, mesmo que fossemos os sortudos detentores da própria edição de Burton[3].
Para mim, então, resta colocar o Alf Laylah wa-Laylah mais uma vez em seu devido lugar.
Não estou preocupado em negar a realidade objetiva de todos os fenômenos “mágicos”; se são ilusões, são pelo menos tão reais quanto muitos fatos inquestionáveis da vida diária; e, se seguirmos Herbert Spencer, eles são pelo menos evidência de alguma causa[4].
Agora esse fato é a nossa base. Qual é a causa da minha ilusão de ver um espírito no triângulo da Arte?
Todo metido a psicólogo, bem como todo especialista em psicologia, responderá: “Essa causa jaz em seu cérebro.”
As crianças inglesas aprendem (de acordo com a Lei da Educação) que o Universo está no Espaço infinito; as crianças hindus aprendem que ele está no Ākāśa, que é a mesma coisa.
Os europeus que vão um pouco mais fundo aprendem com Fichte que o Universo fenomenal é criação do Ego; os hindus, ou europeus estudando sob a orientação de gurus hindus, são informados que por Ākāśa se entende o Chidākāsha. O Chidākāsha está situado no “Terceiro Olho”, ou seja, no cérebro. Ao assumir dimensões superiores do espaço, podemos assimilar esse fato ao Realismo; mas não precisamos nos preocupar tanto com isso.
Sendo isso verdade para o Universo comum, que todas as impressões sensoriais dependem de mudanças no cérebro[5], devemos incluir as ilusões, que são, afinal de contas, impressões sensoriais tanto quanto as “realidades”, na classe dos “fenômenos que dependem de mudanças cerebrais”.
Os fenômenos mágicos, entretanto, se encaixam em uma subclasse especial, uma vez que são intencionais, e sua causa é a série de fenômenos “reais” chamados de operações de Magia cerimonial.
Estas consistem em
(1) Visão. O círculo, quadrado, triângulo, receptáculos, lampiões, mantos, instrumentos, etc.
(2) Audição. As invocações.
(3) Olfato. Os perfumes.
(4) Paladar. Os Sacramentos.
(5) Tato. Conforme em (1).
(6) Mente. A combinação de todos estes e a reflexão sobre seu significado.
Essas impressões incomuns (1-5) produzem mudanças cerebrais incomuns; portanto, seu resultado (6) é de tipo incomum. Portanto, sua projeção de volta ao mundo aparentemente fenomenal é incomum.
Aqui, então, consiste a realidade das operações e efeitos da magia cerimonial[6], e eu entendo que a apologia é ampla, na medida em que os “efeitos” se referem apenas aos fenômenos que aparecem para o próprio magista, a aparição do espírito, sua conversação, possíveis choques de imprudência, e assim por diante, até o êxtase de um lado, e a morte ou loucura do outro.
Mas será que algum dos efeitos descritos neste nosso livro da Goetia pode realmente ser obtido, e se sim, você pode dar uma explicação racional das circunstâncias? Você diz isso?
Eu posso e o farei.
Os espíritos da Goetia são partes do cérebro humano.
Seus selos, portanto, representam (o cubo projetado do Sr. Spencer) métodos de estimular ou regular esses pontos específicos (através do olho).
Os nomes de Deus são vibrações calculadas para estabelecer:
Controle geral do cérebro. (Estabelecimento de funções relativas ao mundo sutil.)
Controle sobre o cérebro em detalhes. (Classe ou tipo do Espírito.)
Controle de uma porção especial. (Nome do Espírito.)
Os perfumes ajudam nisso por meio do olfato. Normalmente, o perfume só tende a controlar uma grande área; mas há uma atribuição de perfumes às letras do alfabeto que permite, por uma fórmula cabalística, soletrar o nome do Espírito.
Não preciso entrar em uma discussão mais detalhada desses pontos; o leitor inteligente pode facilmente preencher o que está faltando.
Então se eu digo, como Salomão:
“O Espírito Cimieries ensina lógica”, o que quero dizer é:
“Essas partes do meu cérebro que atendem à faculdade lógica podem ser estimuladas e desenvolvidas seguindo os processos chamados de ‘A invocação de Cimieries’.”
E esta é uma declaração racional puramente materialista; independe de qualquer hierarquia objetiva. A filosofia nada tem a dizer; e a Ciência somente pode suspender o julgamento, enquanto se aguarda uma investigação adequada e metódica dos fatos alegados.
Infelizmente, não podemos parar por aí. Salomão nos promete que podemos (1) obter informações; (2) destruir nossos inimigos; (3) compreender as vozes da natureza; (4) obter tesouros; (5) curar doenças, etc. Eu escolhi esses cinco poderes aleatoriamente; considerações de espaço me proíbem de explicar todos eles.
(1) Traz fatos do subconsciente à tona.
(2) Aqui chegamos a um fato interessante. É curioso notar o contraste entre os meios nobres e os fins aparentemente vis dos rituais mágicos. Os últimos são disfarces para verdades sublimes. “Destruir nossos inimigos” é perceber a ilusão da dualidade, despertar a compaixão.
(Ah! Sr. Waite[7], o mundo da Magia é um espelho, onde quem vê imundície está imundo.)
(3) Um naturalista cuidadoso entenderá muito das vozes dos animais que ele estudou por muito tempo. Até uma criança sabe a diferença entre o miado e o ronronar de um gato. Esta faculdade pode ser grandemente desenvolvida.
(4) A capacidade para negócios pode ser estimulada.
(5) Os estados anormais do corpo podem ser corrigidos e os tecidos envolvidos trazidos de volta à harmonia, em obediência às correntes iniciadas pelo cérebro.
E assim por diante para todos os outros fenômenos. Não há efeito verdadeiro e necessariamente miraculoso.
Nossa Magia Cerimonial se reduz, então, a uma série de minuciosos experimentos fisiológicos, embora, é claro, empíricos, e quem quer que os realize de maneira inteligente não precisa temer o resultado.
Tenho toda a saúde, tesouro e lógica de que preciso; não tenho tempo a perder. “Há um leão no caminho”[8]. Para mim, essas práticas são inúteis; mas para o benefício de outros menos afortunados eu as concedo ao mundo, junto com esta explicação e apologia delas.
Acredito que a explicação permitirá que muitos estudantes que até agora não obtiveram resultados devido a uma objetividade pueril em sua visão do assunto, tenham sucesso; que a apologia possa impressionar sobre nossos desdenhosos homens da ciência que o estudo do bacilo deve dar lugar ao do báculo, do pequeno ao grande — quão grande só se percebe quando se identifica a varinha com o Mahāliṅgā[9], acima como Brahmā voou a uma taxa de 84.000 yojanas[10] por segundo por 84.000 mahākalpas[11], abaixo como Viṣṇu voou a uma taxa de 84.000 crores[12] de yojanas por segundo por 84.000 crores de mahākalpas — mas nenhum dos dois chegou a um fim.
Mas eu chego a um fim.
Mansão Boleskine,
Foyers, N. B., julho de 1903.
«Nota na edição da Goetia:» Ensaio introdutório. Por Aleister Crowley. «Nota na edição de The Sword of Song:» Este ensaio constitui a introdução de uma edição da Goetia do Rei Salomão.
«Nota na edição de The Sword of Song:» “As Mil e Uma Noites”, também popularmente chamado de “Noites Árabes”.
«Sir Richard Francis Burton (1821-1890) foi o autor de uma das coletâneas completas de As Mil e Uma Noites, que não censurava as referências ao sexo da obra original, pelo contrário, incluía muitas notas sobre o assunto. Essa edição foi impressa privadamente devido às leis contra obscenidade. Esta obra só ganharia uma nova tradução completa em 2008.»
Aliás, este talvez seja o maior argumento que possuímos, levado ao extremo, contra as teorias Advaitistas. — A.C. «Consulte também Berashith em The Sword of Song.»
O pensamento é uma secreção do cérebro (Weissmann). A consciência é uma função do cérebro (Huxley). — A.C.
Além de seu valor na obtenção de unidirecionalidade. Sobre este assunto, consulte בראשית. — A.C.
«Nota na edição de The Sword of Song:» Um poeta de grande habilidade. Ele editou um livro chamado Of Black Magic and of Pacts, no qual difama a mesma. — A.C.
«Uma parábola bíblica: “O preguiçoso diz: ‘Lá está um leão no caminho, um leão feroz rugindo nas ruas!’ Como a porta gira em suas dobradiças, assim o preguiçoso se revira em sua cama. O preguiçoso coloca a mão no prato, mas acha difícil demais levá-la de volta à boca. O preguiçoso considera-se mais sábio do que sete homens que respondem com bom senso.” Provérbios 26:13-16, tradução: Bíblia Online.»
«Nota na edição de The Sword of Song:» O Falo de Śiva, o Destruidor. É realmente idêntico ao “Pilar do Meio” cabalístico da “Árvore da Vida”. — A.C.
«Yojana é uma medida de distância da Índia antiga, medindo algo entre 12 a 15 quilômetros.»
«Mahākalpa é uma medida de tempo usada no hinduísmo e no budismo. Não há definição exata, por exemplo, uma das medidas é 300 mil vezes o tempo necessário para exaurir as areias dos sete Ganges removendo-se um grão de areia a cada 100 anos. No budismo é chamado de um “grande período cósmico”.»
«Um crore equivale a dez milhões no sistema numérico hindu.»