quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A Magia Sexual de Kenneth Grant I



P A R T E  . I .

O sistema de magia sexual delineado neste ensaio foi formulado por Kenneth Grant (1924-2011) para sua própria versão da O.T.O., a qual ele mesmo denominou em 1980 como «O.T.O. Tifoniana», hoje «Ordem Tifoniana». Sua visão do sistema de magia sexual da O.T.O. é bem distinta da visão difundida por seu mestre, Aleister Crowley (1875-1947). Sobre sua interpretação, Grant escreveu:


Crowley também parece ter estado inconsciente que a função real do Qadeshim relacionava-se não a técnica homossexual, mas sim a fórmula aqui discutida. Gerald Massey, antes de Crowley, corretamente avaliou a natureza desta prática em sua elucidação monumental das fases ocultas do pensamento humano em The Natural Genesis, publicado em 1883. Parece portanto altamente provável que a fórmula do Qadeshim envolvia o uso do «vazo impronunciável» que Crowley mal interpretou como o ânus e ao qual ele se referia frequentemente, em conexão com as Operações Mágicas, como p.v.n.
Esta é uma fonte de erro que poderia levar a confusão sem fim se os ocultistas não tivessem em mente a etimologia mágica dos termos empregados. I.e., como sempre, uma chave infalível à natureza dos elementos envolvidos. Considere p.e. a palavra Qesheth, um arco, e Qadosh, aquele que é sagrado ou secreto, i.e. secreção. O arco é um símbolo de Nuit. Em O Livro de Thoth ele é atribuído ao Caminho de Gimel, que por sua vez é atribuída à lua. O título do atu é A Sacerdotisa da Estrela de Prata. Ela é descrita com o arco entre suas coxas. O arco é também o arco-íris, aquela mistura iridescente de kālas que anuncia o dilúvio. Esses são os secretos kālas que o Qadeshim ou as «Prostitutas do Templo» secretam durante as fases de manifestação cíclica. A fórmula era às vezes ideografada como o Olho de Set. Essa era a Estrela de Prata, Sothis, a Estrela da Anunciação. Sua aparição anunciava a inundação do Nilo, o rio cuja rica lama vermelha aluviana literalmente depositava, ou reificava, a terra de Khem (Egito).
Este simbolismo fora explicado em O Renascer da Magia; aqui é necessário somente enfatizar a conexão entre a fase lunar da fórmula e o Olho de Set, conhecido nesta fase como o Hórus «cego», i.e. Horus na escuridão do submundo (Amenta), Hórus em níveis astrais, o Deus que «se manifesta no glamour do transtorno fisiológico».
O antigo saber testemunha a supremacia do p.v.n., não em um sentido anal, mas naquele sentido no qual o Olho de Set é representado pelo kāla lunar de Nuit em suas fases materiais de manifestação como a Mulher Escarlate. Esta fórmula é à base do XIº O.T.O., distinta da prática sodomita com ambos os sexos que – em sua inversão de toda criatividade – relembra as práticas da bruxaria em suas formas mais recentes e degradadas. O genuíno Caminho da Mão Esquerda ou Caminho Retrógrado não envolve práticas não-naturais tais como aquelas que ocasionaram a degeneração dos Mistérios Gregos, mas a utilização da corrente estelar primordial: para consecução mística pela introversão dos sentidos; para consecução mágica pela materialização da vontade-botão formulada em níveis astrais e encarnada no plano de Assiah. Esta é a fórmula do Deus Oculto, Ra-Hoor-Khuit, a Criança Hórus cuja manifestação é tornada possível pela fórmula complementar de Hoor-paar-Kraat, o Horus «cego» cujo poder, ShT (Set), está oculto no veneno da serpente (•), e cujo acesso causa a morte instantânea.
É através da Mulher Escarlate (•), «N», Nun, cujo glifo é o peixe, que Set vibra sua palavra.
A correta interpretação do Rito do Arco-Íris (QShT) e do Rito de Qadosh (QDSh) – i.e. o Olho de Set conforme distinto do Olho de Hórus – deve ser buscada neste simbolismo. Existe uma Deusa Asiática chamada Katesh, Qatesh. Ela é representada de pé sobre uma leoa, carregando em sua mão direita um laço com flores, e em sua mão esquerda duas serpentes. A leoa é Sekhet, típica do calor sexual, representada pelas letras Shin e Teth (ShT); o laço ou anel, as flores e serpentes, são ideogramas da letra Qoph que significa literalmente «a parte de trás da cabeça», que é a sede das energias sexuais no homem. Qoph é atribuída a Chave do Tarot intitulada A Lua; é o aspecto lunar da energia sexual que é representada pelo QTSh ou Qatesh, a Deusa cujo nome retoma sua natureza mística.
Este simbolismo revela a fórmula do XI° O.T.O., que é o reverso e complemento do rito do IX°. Ela não envolve a utilização sodomita do sexo, conforme Crowley supôs, mas o uso da Corrente lunar como indicado em seus Diários Mágicos pela frase El. Rub. (Elixir Rubeus).
Os antigos Mistérios Draconianos do Egito sobre os quais o Culto de Shaitan-Aiwass é em última análise baseado mantêm silêncio em relação a qualquer fórmula sodomita exceto como uma perversão da prática mágica. Nesta Tradição – a mais antiga do mundo – Hórus e Set originalmente representavam o Norte e o Sul; o calor de Set era simbolizado pelo escurecimento ou o crepúsculo do poder do sol no sul, também por Sothis, a Estrela que anunciava a inundação periódica do Nilo, misticamente representado como um fenômeno dos Mistérios Femininos. A lama vermelha, a inundação, o Hórus «cego», o Osíris envolto em ataduras, o sol chorando ou eclipsado, todos eram igualmente simbólicos do ciclo periódico da natureza feminina. Set, como o assento, não simbolizava a fundação literal, mas a fundação no sentido lunar e yesódico do fluxo fisiológico que é a verdadeira base da manifestação e estabilidade. Similarmente, o simbolismo retrógrado da paródia medieval destes Mistérios antigos, com os assim chamados Sabbath das Bruxas e os obscaenum, eram uma referencia ainda possível de se interpretar a fórmula lunar. A má-interpretação destes Mistérios nos termos da sodomia é, para o iniciado, tanto uma perversão da doutrina (e como tal, uma blasfêmia sacramental) quanto o recitar de trás para frente o Pai Nosso e a violação ou profanação do sacramento do Cristianismo ortodoxo.

Para formular seu sistema de magia sexual, Kenneth Grant se baseou no Tantra, provendo um novo entendimento na formula mágica do Soberano Santuário da Gnose. A magia sexual de Aleister Crowley se baseava na tradição da Qabalah, nos Mitos do Santo Graal e na Alquimia operativa. Alinhando as ideias de Crowley com a visão do Tantra, Kenneth Grant desassociou a magia homossexual – magia sexual entre parceiros do mesmo sexo – das técnicas do Soberano Santuário da Gnose, dando ênfase ao papel da sacerdotisa nos rituais.

Para uma compreensão mais ampla da influência do Tantra na prática de magia sexual formulada por Kenneth Grant, é necessário tecer algumas palavras sobre suas ideias acerca da fecundação de uma nova prole ou raça de seres através do intercurso sexual com criaturas espirituais e suas ideias acerca daquilo que ele denominou em suas Trilogias Tifonianas como Círculo Kaula.

Thelemitas em geral estão familiarizados com o tema magia sexual e com o conceito de sexualidade sagrada ou sexialidade ritualizada. Neste caminho, eles não estão longe das ideias de algumas seitas gnósticas, escolas tântricas de mão esquerda (vāmācāra) e alguns seguimentos budistas do Nepal e Tibete. Para Kenneth Grant isso foi uma revelação na qual ele se apoiou para aplicar a filosofia thelêmica em um contexto mais amplo e heterodoxo. Esse conhecimento associado à Gnose do Necronomicon foi o combustível que alimentou as Operações Mágicas da Loja Nova-Ísis, que operou de 1955 a 1962.

Os conflitos que agora assolam o mundo são devido às dores do parto do Aeon de Hórus. Métodos sexuais de se estabelecer contatos com entidades mais evoluídas do que os homens serão aperfeiçoados e já existem sinais de seu desenvolvimento.

Como a Filosofia de Thelema, algumas seitas gnósticas também promulgavam uma visão positiva acerca da união sexual na intenção de reificar as emanações divinas no plano dos discos. Para eles, a união sexual era a representação física dos syzygies, pares macho-fêmea da primeira manifestação do Pai, o que eventualmente resultou na criação como a conhecemos. Essas seitas gnósticas eram descritas como difusoras de sexo licencioso como a imitação do ato de criação. Segundo o historiador April D. DeConick, os gnósticos possuíam uma visão bem distina da sexualidade:

Para os Gnósticos a união conjugal humana é critiva, no entanto, algumas uniões produzem uma prole de tipo superior. A união sexual de tipo superior envolve um tipo distinto de consciência durante o coito, o que garante que a criança produzida seja uma cópia de Deus. O coito não é dirigido ou impulsionado pela luxúria, mas uma questão de Vontade e Intensão.

Nas palavras do Culto Theriônico, amor sob vontade. DeConick continua:

O coito não segue o caminho da luxúria (epithumia), mas ao invés disso, os Gnósticos ensinavam que a Vontade deve ser dirigida a uma finalidade. As Crianças nascidas desse tipo de coito não eram filhas da luxúria, mas filhas da Vontade (thelematos).

Kenneth Grant acreditava veemente nessa visão e como os gnósticos do passado, seguindo os passos de seu mestre Aleister Crowley, ele não via finalidade na atividade sexual corriqueira. Para Grant o sexo casual produzia crianças defeituosas, abortos qliphóticos que drenam a energia humana. Ele se baseia na premissa de que nenhuma causa pode ser impedida de seu efeito. Qualquer descarga de energia, de qualquer natureza, tem um efeito em todos os planos. E se por algum motivo os resultados em um plano são impedidos, eles se manifestam em outro. A descarga de energia nunca é perdida e ela forma uma imagem astral da ideia dominante na mente no clímax da cópula. A expansão da consciência produzida por um orgasmo magicamente controlado projeta no astral a imagem produzida pela mente. Na mente ordinária, essa ideia é geralmente uma imagem luxuriosa. Isso cria uma tendência, um hábito «saṃskāra» que se fixa na mente. Consequentemente isso se torna cada vez mais difícil de controlar. Os membros da O.T.O. são treinados em erradicar essa tendência negativa antes de serem admitidos aoSoberano Santuário da Ordem, pois somente um adepto pode manipular com impunidade a corrente sexual e administrar com sabedoria as volições da Serpente de Fogo. Se o buscador despreparado se aventura nesse terreno perigoso, sua prole mágica será, sem sombra de dúvida, uma horda de obsessores dos mais variados tipos. O abuso e a execução deliberada desse Mistério engendra entidades qliphóticas, fantasmas compostos de matéria tênue que dominam a estrutura psíquica e se alimentam de fluídos nervosos.

A magia sexual, portanto, trata-se do processo de dar vida a uma criança mágica de tipo superior. O coito não é direcionado pelos impulsos volitivos da satisfação pessoal ou ímpeto luxurioso. Este é, por si só, um requerimento que evita a profanação do templo.

Essa ideia não está muito longe do conceito qabalista de se comemorar o Sabbath com o intercurso sexual na finalidade auxiliar os «cacos» - os destroços das Sephiroth como resultado da tentativa estranhamente fracassada da Criação – reunindo-os e redimindo-os em si mesmo e por extensão no mundo para que a Shekinah possa se reunir com seu Noivo. Esses cacos são o Reino dos Qliphoth e Crowley escreveu um estranho e enigmático documento sobre o tema, Liber 231. Esse documento chamou a atenção de Grant que empreendeu pesquisas experimentais sobre ele como pano de fundo para inúmeros rituais da Loja Nova Ísis. Liber 231 é um diagrama dos Túneis de Seth: os Caminhos da Árvore da Morte, o lado noturno da Árvore da Vida. Voltaremos ao Liber 231 ainda nessa introdução.
A fim de compreendermos os rituais de magia sexual executados na Loja Nova Ísis e seus afiliados é preciso desconstruir a atividade sexual, reduzindo-a a seus componentes psicobiológicos. O aspecto grosseiro do coito – os fluídos corporais mais especificamente – são entendidos como um talismã que carrega um poder de influência etérea e mais sutil.

No entanto, isso de nada adiantará se os participantes não estiverem preparados para o ritual. O Mestre Nodens – nome utilizado por Kenneth Grant como Alto-Sacerdote da Loja Nova Ísis – acreditava que todos os participantes deveriam ser bem treinados nas técnicas do kuṇḍalinī-yogacomo o uso adequado da respiração (prāṇāyāma), postura (āsana) e meditação yogī para dirigir o fluxo de prāṇa nas nāḍīs e a elevação da Serpente de Fogo. Este era um requerimento básico, do contrário os rituais seriam apenas um engodo, gestos vazios incapazes de transcender os padrões da mente ordinária. A habilidade em se manter a concentração da mente nas funções física e psicosexual é a chave do sucesso nesse tipo de abordagem ritual. Trata-se de um processo de equilíbrio entre as funções naturais do corpo e suas reações e o esforço no controle da mente sobre essas mesmas funções. O processo torna-se mais difícil pois é requerido que o parceiro ou parceira tenha o mesmo nível de controle e estabilidade da mente. Caso contrário, existe o perigo de que uma vampirização ocorra, sempre por parte daquele mais proficiente no controle das funções da mente.

Um dos requerimentos essenciais para o sucesso em operações de magia sexual é a habilidade de se controlar conscientemente as funções do sistema nervoso autônomo, representadas pelo cérebro reptiliano. Nos termos dokuṇḍalinī-yoga, esse processo trata-se do encontro de prāṇa e apāna na região de samāna-vāyu, no agni-maṇḍala, quando ocorre a explosão interna que libera a a kuṇḍalinī a subir do mūlādhāra ao sahasrāra-cakra. Esse processo é executado através da execução de certos bandhas – contrações musculares que retêm o prāṇa dentro da suṣumnā-nāḍī – e mudrās – posturas corporais – que dão direção a energia.

No sistema de magia sexual formulado por Kenneth Grant, o acróstico «O.T.O.» tem mais relevância como uma fórmula mágica do que uma tradição espiritual. Este acróstico deriva-se do nome Ordo Templi Orientis, organizão espiritual fundada no início do Séc. XX e cujo ensinamento central é a prática sexual ritualizada. Kenneth Grant foi admitido no IX° O.T.O. em 1946. Os Graus superiores da O.T.O. envolvem a prática da magia sexual. Popularmente – e errôneamente – o VIII° Grau lida com práticas autoeróticas, o IX° lida com o coito heretossexual e o XI° lida com o coito homossexual. Mas Grant modificou toda a estrutura. Em Gnose Tifoniana (Vol. III) eu delineei um quadro explicativo:


Grau
Divisão
Método
Descrição






























VIIIº

VIII°
Sacerdote (solitário)
Para Ritos que envolvem Consagração.





VIII°
VIII°(-)


Sacerdotisa (solitária)
Para Ritos que envolvem Consagração.
Para consagração de talismãs e materialização de novos parceiros (pela atração) como oposta à consagração de idéias ou projetos, a corrente lunar é empregada.

VIII°
Sacerdotisa pelo Sacerdote
Via língua para indução de Transe, Visão.

VIII°(2)
Sacerdotisa pelo Sacerdote
Via mãos para indução de Êxtase, Oráculos.

VIII°
Sacerdote pela Sacerdotisa
Via boca nutrição mágica e revigoramento sexual.

VIII°(2)
Sacerdote pela Sacerdotisa
Via mãos para energização do corpo, glamour mágico-sexual e atração.



VIII°(+)

Sacerdote (solitário)
(Besta Terrestre): com a utilização de máscaras animalescas para operações de licantropia e a reencarnação de atavismos.



VIII°(-)

Sacerdotisa (solitária)
(Feitiçaria Oceânica): com máscaras animalescas para operações de feitiçaria e o lançamento de ilusões.






IX°


IX°(+)
Sacerdote e Sacerdotisa
(Supernal de dia): congresso natural para Operações de Criação, Intuição e Inspiração.



IX°(-)

Sacerdote e Sacerdotisa
(Infernal à noite): congresso não-natural para Operações de Zumbeísmo, Postura da Morte e Controle Onírico.


XI°


XI°
Sacerdote e Sacerdotisa
Durante o eclipse da lua para Operações de materialização e reificação.


A criação de uma prole mágica, superior, reside nos Mistérios do IX° Grau, o Casamento Alquímico como sempre é referido. Grant diz:

A vergonha impingida aos Yezidis como adoradores do demônio nasceu da noção do congresso entre entidades humanas e não-humanas; Seres angélicos são a prole deste casamento medonho.

Mas isso não ocorre apenas entre os Yezides do deserto. Os rituais do Círculo Kaula que tanto inflamaram a imaginação de Grant tratam da união sexual entre deuses, não entre seres humanos. Ambos, sacerdote e sacerdotisa – imbuídos da consciência mágica promovida pela assunção das formas divinas – se unem em um casamento místico de proporções alquímicas. Neste estado – e não antes dele – sacerdote e sacerdotisa se abraçam em maithunā, o enlance de amor.

A prática ritualística sob a designação de tantra-vāmācāra envolve o intercurso com entidades prater-humanas, que dizer, que estão muito além da consciência humana, para a produação de uma criança mágica de tipo superior. Eu tenho falado bastante sobre a cultura tântrica. O presente espaço nos dá a oportunidade de avaliar o Tantra e seus conceitos como tratados por Grant em suas trilogias.

Em suas Trilogias Tifonianas, Kenneth Grant faz inúmeras observações acerca do Tantra de Mão Esquerda ou vāmācāra, aos fluídos corporais secretados por sacerdote e sacerdotisa na ocasião da Operação Mágica e a importância do ciclo mesntrual na execução dos rituais. Na sua visão, a Corrente Ofidiana canalizada através dos rituais de magia sexual é capaz de deslacrar portais ocultos para outras dimensões, outros caminhos por trás da Árvore da Vida.

O universo é o corpo da Deusa. Pensando nesse ditado tântrico Grant dava muita atenção ao ciclo lunar da sacerdotisa, mais adequado para as operações de magia sexual. Isso envolve um conhecimento profundo de astologia e astronomia. Quando ele executava rituais psicosexuais com a Gnose do Necronomicon, muita atenção era dada ao movimento das estrelas e posição das contelações. Compreender os movimentos dos astros é parte fundamental no sistema de magia sexual de Kenneth Grant pois o universo é somente a extensão macrocósmica do organismo e o movimento das estrelas são representados no corpo como a dança das secreções.

É portanto possível equacionar os campos de força (a kuṇḍalinī nos cakras) com as forças planetárias e estelares. [...] É possível canalizar a energia estelar ou trans-mundana usando o organismo humano como um condensador. Isso é alcançado explorando-se as zonas de poder apropriadas, após a kuṇḍalinī ter sido animada e magnetizada.

O Círculo Kaula, citado amplamente por Kenneth Grant em suas Trilogias Tifonianas, é famoso entre os entusiastas da cultura tântrica e principalmente entre os praticantes de neotantrismo. Na literatura ocultista vulgar, o Círculo Kaula é descrito como um culto exótico cujas práticas envolvem o conúbio sexual em grupo em crematórios e cemitérios. A palavra kaula deriva de kula, que significa grupo, família ou clã. O Tantra é uma tradição que nasceu no contexto de clãs organizados, famílias praticantes que trabalhavam em cima de escrituras (śāstra) próprias, quer dizer, grimórios de magia recebidos pela Alta-Sacerdotisa, geralmente a esposa do Guru ou as suvasinīs, ajudantes da Alta-Sacerdotisa, muitas vezes as filhas do casal ou mulheres de fora da família, as dūtīs, que desempenhavam o papel de sacerdotisas auxiliares. Nesse sistema, o Tantra cresceu e floresceu, ganhando linhas distintas de sucessão, criando assim uma grande rede de escolas de iniciação, muitas vezes com a psicologia, mitologia e filosofia distinta de outras escolas.



Magia Sexual Gnóstica



O nome Sacerdote de Aether diz respeito um grau de iniciação espiritual ligado aos Mistérios Sexuais da Ordem do Lotus Negro (O.L.N). Essa iniciação só pode ser conferida pelo próprio magista que, através de seus esforços, prova a si mesmo que atingiu o grau de consecução espiritual que o habilita a utilizar este título.
Este é o primeiro de uma série de artigos onde iremos explorar os segredos da Magia Sexual. Na Tradição dos Mistérios esse aspecto da Magia envolve o uso da energia sexual como fonte de poder que pode ser usado para atingir objetivos mágicos, místicos ou espirituais.
A Natureza nos oferece uma grande quantidade de energias e uma que combina a facilidade de acesso aliado a um grande poder é a energia sexual. Entretanto a facilidade de acesso não significa facilidade de uso, todo aprendizado requer sacrifício, perseverança e paciência.
A premissa fundamental da magia sexual é o conceito de que a energia sexual, ou libido, do organismo humano é a força mais poderosa que podemos manipular e que algumas práticas ocultas podem acumular, direcionar ou modificar esta energia de modo a atingir objetivos pré-determinados. Embora possa parecer obvio é importante lembrar que a Magia Sexual é o uso do sexo como uma ferramenta a favor da magia e não a magia como uma ferramenta a favor do sexo.

Fraternidade de Eulis

Os conhecimentos dos Sacerdotes de Aether sobre este tema derivam de fontes diferentes. Uma fonte de inspiração permanente é o trabalho de Paschal Beverly Randolph (1825-1875), um rosa-cruz e ocultista estadunidense iniciado nas seitas tântricas da Síria e da Birmânia.
Randolph era médico, mulato, político liberal e ficou conhecido como a primeira pessoa a revelar a doutrina sexual dos rosa cruzes na América do Norte. Apaixonado desde a infância por ilusionismo e magia, ele foi, numa das suas viagens à Síria, um dos primeiros ocidentais a serem iniciados nos ritos secretos dos ansariehs. Randolph faleceu precocemente à idade de 48 anos, ainda assim até hoje ele é fonte de inspiração para todos que se interessam pelo uso da energia sexual para fins magísticos e espirituais.
Randolph foi amigo pessoal de Eliphas Levi e de Abrahan Lincoln. Ele fundou em 1870 a Eulis Brotherhood (Fraternidade de Eulis) uma fraternidade rosacruz com base na doutrina esotérica da polaridade sexual.
Tendo viajado bastante Randolph estava ligado às correntes iniciáticas orientais, entretanto seu método de magia sexual era eclético e podemos observar influências sufis (esoterismo islâmico), misticismo tibetano, astrologia e espiritismo kardecista além de práticas mágicas gnósticas.
Randolph acreditava numa Presença Inteligente, no poder e na força que refletia no Universo através do Espelho (Akáshico) da Natureza onde passado, presente e futuro se fundem continuamente. Ele afirmava que existem inteligências incorpóreas que habitam outras dimensões do espaço infinito, além das três que conhecemos.
Randolph acreditava (assim como hoje alguns teóricos da física ) que existem mundos paralelos ao nosso Universo e que uma Presença Suprema e diversos seres espirituais habitam esses mundos, aos quais o homem ainda não encontrou meios de acessá-los. Estes mundos são esferas espaciais fluídicas, energéticas e mesmo semi-materiais ao qual apenas aos iniciados foi dada a felicidade de contemplação. Esses mundos, lembra ele, se estendem para o infinito, "povoados de belezas ofuscantes, ornados de nuvens e constelações insensatas, de paisagens sem limite."
Randolph dizia que o iniciado pode ter acesso às dimensões habitadas pelos seres invisíveis e confirmar suas existências através das técnicas cerimoniais e sexuais da Alta Magia.
Assim o contato com outras esferas de vida e consciência é possível, pois estes estão submetidos à certas leis naturais que regem o Universo invisível. A tradição ocultista assevera que existe um sistema de correspondências entre as esferas espaciais, os planetas de nosso sistema solar e os chakras, os centros de energia do corpo sutil. Os planetas trocam energia a todos os instantes com o nossos corpos sutis, aura e chakras. Não estamos fora do Universo, o Universo não está acima de nossas cabeças. Nós fazemos parte do Universo.
O homem é, por assim dizer, um reflexo em miniatura do Universo e até mesmo os seres que habitam os céus também são formados de matéria. Na verdade tudo que existe é matéria em diversos graus de densidade. Nada é puramente “espiritual” no sentido de imaterial. Até mesmo os anjos e demônios – que conceituamos como seres “espirituais” – também são formados de matéria em suas diversas formas. Muitos dos seres ditos “espirituais” possuem forma corpórea feita de uma matéria sutil e “invisível”.

Técnicas de Magia Sexual

Para Randolph apenas o transe mediúnico, ou os meios intelectuais normais, seriam insuficientes para elevar o homem aos planos superiores da Consciência Cósmica.
Um de seus métodos envolvia o uso de espelhos mágicos, magneticamente carregados nos ritos sexuais, para desenvolver a clarividência, lançar encantamentos e como um portal para o intercurso com entidades extradimensionais. 
Através das técnicas de sexo ritual, decretos mágicos, exaltação da consciência (método tibetano chamado sialam), e envultamentos o iniciado podia evocar as imagens desses seres poderosos no espelho negro e obter deles conhecimentos e poderes sobre-humanos.
Acredita-se que com o tempo e prática um iniciado podia contatar um ser de alta hierarquia espiritual e unir-se simbioticamente a Ele para aprender e evoluir. Os tibetanos chamam isso de Tulkuísmo. A consciência de um Ser dos planos interiores prolonga-se na mente de seus "Tulkus", seus mensageiros.

A Doutrina da Polaridade Sexual

Os fluidos sexuais do macho e da fêmea possuem nutrientes tanto físicos quanto para-físicos que, devidamente ativados dentro de um contexto ritualístico, transforma-se em uma poderosa substância que pode ser utilizada para diversos fins tais como ungir e carregar talismãs, amuletos e sigilos, assim como eligires sacramentados para a força e a saúde do magista. Podem ser usados também como oferenda de assentamento para diversas entidades astrais que utilizam esses fluidos para precipitarem efeitos no plano físico.
Os textos alquímico-herméticos do ocidente os fluidos sexuais femininos são chamados de “Leão Vermelho” (o Enxofre Alquímico) e as secreções masculinas como a “Águia Branca” (O Sal Alquímico). A resultante da combinação desses fluidos é simbolizada pelo Mercúrio Alquímico. Já segundo Aleister Crowley em seu livro “Magick in Theory & Practice”, estes fluidos, quando combinados formam uma substância conhecida como Amrita. Esta substância forma a base de muitos trabalhos mágikos, e é também conhecida como a “Pedra Filosofal“.
Os ritos sexuais de Alta Magia frequentemente envolvem a união física entre o sacerdote e a sacerdotisa. Em outro momentos essa união física é irrelevante e pode-se invocar os poderes superiores com a simples tensão polarizada entre os sexos, que por si mesma é o suficiente para abrir um portal dimensional através do qual forças e entidades são atraídas à manifestação.
Seja de uma forma ou de outra a base metafísica desses ritos baseiam-se na doutrina da polaridade sexual que é de perspectiva tântrica. Essa doutrina nos ensina que quando os dois sexos estão unidos eles canalizam as forças duais do Universo, que devem ser descritas como positivas e negativas; os pólos dos pares opostos entre os quais se teceu a urdidura do Universo. Uma regra básica dessa doutrina ensina que quando há polaridade de sexos num templo, a sacerdotisa traz o poder para dentro e o sacerdote o dirige. O sacerdote é a a corrente positiva-solar da Vontade e a sacerdotisa a corrente negativa-lunar da Imaginação. Ainda que no plano e no corpo físico, o homem canaliza as forças vitais positivas, e a mulher as negativas, a posição fica invertida no Plano Astral. Neste plano a mulher é positiva e o homem negativo.
A doutrina da polaridade sexual incorpora os Mistérios da “Serpente de Fogo" , a Kundalini dos hindus onde a sacerdotisa é investida dos poderes de Adi-Shakti (a Deusa Primordial), que é a fonte de tudo, o princípio universal de energia, poder ou criatividade.
A sacerdotisa é a Taça Gloriosa ou Graal que recebe o Poder Elemental do Terceiro Logos ou Espírito Santo (a Kundalini Cósmica). Ela é um receptáculo dos poderes da Deusa Mãe do Mundo conhecida nas culturas arcaicas como Ashera, Isís Urânia, Afrodite Celeste entre muitos outros nomes. E é assim que na condição um Espelho Mágico do Cosmos a sacerdotisa reflete as imagens dos Mundos Superiores, transmitindo visões e sons percebidos apenas por ela.

A Fórmula I.A.O

Esta é a fórmula que acompanha a doutrina da polaridade sexual. Sua origem atual tem roupagem egípcia mas sua aplicação é universal dentro dos ritos de polaridade sexual.
Aplicada na Magia Sexual a Fórmula IAO baseia-se no princípio que os dois sexos canalizam as forças duais da natureza, que devem ser descritas como positivas e negativas (Shiva e Shakty)
 Nos ritos de magia sexual quando se produz a união entre o masculino (solar-positivo) e o feminino (lunar-negativo), o casal abre um Portal espacial para que a energia gerada possa fluir através deles com tremendo poder. A energia assim canalizada pode ser direcionada para fins místicos ou mágicos. Quando místico significa que ela pode ser utilizada para fins iluminatórios ( canalizar ensinamentos, exploração astral etc) ao passo que mágico visa trabalhos de resultados materiais (saúde, prosperidade etc.)
A Fórmula IAO então simboliza as potências ativa e passiva – I e O – unidas por “A” (Apófis), a energia criativa e magnética que cria ao unir as coisas. Em termos egípcios a Corrente Negativa-Lunar simbolizada pela Deusa Ísis ( I ), cujas raízes encontram-se em Binah e a Corrente Positiva-Solar simbolizado por Osíris (O), cujas raízes encontram-se em Chokmah unem-se sexualmente fazendo surgir o êxtase criativo em Daath (Apófís ou Amenta). A energia sexual então é transferida para qualquer uma das sephiroth abaixo do abismo, causando mudança (magia) em conformidade com a Vontade. Em termos de mitologia egípcia Ísis e Osíris eram irmãos gêmeos, que mantinham relações sexuais ainda no ventre da mãe Nuit (a deusa da noite) desta união nasceu o Hórus-mais-velho, a Luz do Mundo.

Talismãs, Oferendas e Intercurso Sexual com Entidades Astrais

No organismo físico, o controle das correntes eletro-magnéticas do Sexo implicam a inibição dos usuais resultados do orgasmo. Ou seja: na Magia Sexual a libido não é atirada a terra, mas é magicamente dirigida para encarnar em uma forma especialmente preparada para a sua recepção, por exemplo: um talismã, um sigilo, um yantra, o selo de um espírito ou qualquer outro veículo para a força astral invocada.
A Magia Sexual é dividida em duas grandes partes: excitação para sublimação e excitação para o orgasmo. Com a sublimação você domina a energia da excitação e a faz girar para dentro e para cima, através dos níveis de densidade, até induzir o transe visionário.
Já na excitação para o orgasmo você obtém a energia da excitação, gira-a para fora e para baixo, em direção a Malkut, até manifestar sua Verdadeira Vontade, por meio da intenção da Obra específica que está executando. Além de sua própria potência, os fluidos sexuais trazem o poder dos chakras neles contidos, fornecendo uma soberba substância para ungir e carregar objetos mágicos como talismãs, amuletos e sigilos, assim como eligires sacramentados para a força e a saúde do magista.
Por isso a necessidade de talismãs, sigilos ou objetos que sirvam para estabelecer um Elo Mágico com o plano físico e “aterrar” o êxtase energético (mana-orenda). Aliás, o sucesso na criação de um Filho Mágico (resultado da magia sexual) vai depender muito de habilidade do iniciado (seja homem ou mulher) de concentrar-se mental, emocional e astralmente no seu símbolo, durante o desenvolvimento do ato sexual, seja este símbolo um sigilo, forma-deus ou imagem final do resultado pretendido.
Mesmo quando o ato sexual é realizado de forma solitária (sem a presença de um parceiro) a doutrina da polaridade sexual ainda está presente pois o iniciado sempre invoca uma força espiritual para efetivar o trabalho mágico. Assim é que o iniciado pode, por exemplo, se oferecer em prazer para uma divindade, anjo ou demônio que tenha relação com aquilo que deseja obter com sua magia. Neste método ele então invoca a entidade para dentro de seu corpo (assunção de formas astrais) e depois oferece a mesma a alegria de seu próprio prazer, permitindo que Ele/Ela o experimente na sua carne.
Na Magia sexual o sangue é muitas vezes substituído pelo sêmen masculino ou feminino como forma de oferenda as divindades e as entidades astrais. Isso remonta práticas antigas de origem pagã onde muitas vezes onde o sangue mestrual, chamado de sangue da Lua, era utilizado em cerimônias de iniciação, e rituais mágicos, que visavam atrair as almas dos antepassados de volta a seu clã.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

A Zona da Serpente de Fogo


Kenneth Grant
Aleister Crowley and the Hidden God, Capítulo 3. Skoob Books, 1992.


EXISTEM diversos métodos, místicos e mágicos, de despertar o Poder da Serpente ou Kundalini Shakti; eles podem ser estudados nos Tantras e em diversos livros e textos sobre yoga. Aqui nós trataremos de uma técnica que envolve a Vontade e a Imaginação dinamizadas pela energia psico-sexual.

O processo é mais fácil de realização na fêmea do que no macho, pois pela simples razão de que para ela o Poder da Serpente ou a Serpente de Fogo pode ser mais prontamente imaginada na forma fálica. A Sacerdotisa visualiza a imagem na zona sexual (muladhara-cakra) e inflama a si mesma ao ponto do orgasmo pelo poder da imaginação controlada ou “amor sob vontade”. Antes que o orgasmo seja alcançado, ela precisa movimentar a imagem pelo poder de sua mente e transferi-la para o centro da Vontade, oajna-cakra, representado pelo terceiro olho na região cerebral. Sendo a Sacerdotisa prontamente habilitada, ela terá transferido o poder primordial para este centro nos primeiros estágios do rito; se não, ela necessita fazer esta transferência imediatamente antes que o orgasmo ocorra e manter na mente a criança mágica ou “vontde-botão” até que a consumação ocorra.

Com o praticante masculino o processo é mais complicado e a ele é aconselhado proceder ao longo das linhas estabelecidas no Liber HHH, Seção SSS.2 No sistema, aKundalini deve ser identificada com Hadit, e o centro do cérebro com Nuit. Uma vez que Hadit seja despertado, ele força seu caminho para cima na coluna espinhal e, desta maneira, seu progresso é marcado por visões e aquisições de poderes latentes até este ponto, desde que os cakras intermédios tenham sido apropriadamente lacrados.

Se o despertar da Serpente de Fogo é prematuro, se o poder primordial ascende antes que tudo esteja equilibrado, uma descarga acontece em algum estágio impropriamente lacrado da subida; o poder é desviado ou toma a direção errada, o resultado é a obsessão. Isso ocorre, contudo, somente quando a Kundalini é realmente, i.e. fisicamente, desperta. É portanto mais seguro ao operador desempenhar estas práticas mentalmente ou astralmente de maneira que o poder, embora desperto, permaneça nomuladhara-cakra.i Existe assim uma menor quantidade de perigo e problemas ao longo do caminho da sushumna-nadi (coluna espinhal).

A mente (ajna-cakra) é o undécimo sentido; ela é o “nome dado ao pensamento gerado. Pensamentos surgem de uma região particular do cérebro chamada Ajna, ou Vontade.”3Quando a Kundalini ascende a este cakra, o praticante “se torna um Rei”.4 Ajna é o assento da Vontade, e o Homem Majestoso do Culto Theriônico trabalha neste nível e, pela corrente de pensamento magicamente imbuída, realmente cria novos mundos, novas condições. “Aqui está o objetivo da Kundalini, da qual se declara que na região da glândula pineal (i.e. Ajana) quando a atenção estiver completamente neste ponto, o mundo inteiro torna-se iluminado, em chamas [...]. Sempre que existe alegria no homem, a Kundalini está na região pineal.” Conforme o AL declara: “Eles deverão regozijar, nossos escolhidos: quem se entristece não é nosso.” Existem inúmeras outras referências no AL deste estado Real, essa condição majestosa da Vontade. Isso porque está escrito: “Vós sois contra as nações, Ó meus escolhidos”, pois, em um sentido místico, “as nações” representam a massa de pensamentos, os fragmentos desconexos da consciência que obstruem a realização da Unidade.ii

Adeptos do Caminho Kaula, i.e. aqueles que utilizam os kalas, as vibrações vaginais ou essências, invocam a Deusa na região do muladhara-cakra, a zona de poder cujo portal no exterior é a saída genital da fêmea.

O grande Hino para Kali, Karpuradistotra, provê o yantra da Deusa, o glifo linear do talismã supremo que a Deusa consagra por sua presença (veja figura 4). O triângulo invertido (yoni) apresentado centralmente é circundado por quatro triângulos invertidos; cinco ao todo. Estes cinco trikonas – uma forma de pentagrama – representam a Deusa Quinze.6 Os passos 3 x 5 ou graus simbolizam os 15 estágios da lua de nova a cheia. A semente invisível (bindu) no coração da yoni central representa o 16º Kala. Este é o Elixir da Vida Eterna que se manifesta na Alta Sacerdotisa no clímax do Ritual Sagrado. É aqui que a Deusa manifesta sua Luz, quando a Serpente de Fogo tiver alcançado a união com Pã no céu noturno iluminado pelas estrelas (kalas) de Nuit. Dessa maneira a Deusa obterá Hadit.

A Deusa Quinze, representada pelos cinco triângulos, é cercada por um triplo anel que representa os três estados de consciência – vigília, sonho e sono sem sonho. Da camada tripla do anel irradiam oito pétalas da flor de lótus, a fluidez simbólica do poder manifesto da Deusa; a essência gerativa da Yoni. As oito pétalas indicam as oito direções do espaço, Leste, Sul, Oeste, Norte, Sudeste, Sudoeste, Nordeste e Noroeste.

“Conceitos que ficam entre” os indicados pelas quatro últimas direções desempenham grande importância nos mistérios Africanos onde eles são interpretados em termos mântricos como os ritmos excêntricos dos tambores rituais; uma expressão mântrica deste grande yantra.

Os triângulos invertidos, os círculos e pétalas, cada um simbólico de várias fases do ciclo lunar da fêmea, são alocados dentro de um grande triângulo invertido que tipifica o órgão sexual da Sacerdotisa. Este por sua vez é circundado por uma fortaleza consistindo de quatro pilonos, os quatro portais do espaço exterior. O yantra da Deusa Kalika resume toda a doutrina do Vama Marga ou Caminho da Mão Esquerda.

Duas das dezesseis vibrações vaginais emitidas pela incorporação terrestre da Deusa são, até o presente, desconhecias pela ciência profana. Iniciados Orientais os têm usado desde tempos imemoriais. Elas podem ser localizadas e analisadas pelos métodos objetivos e científicos assim como a mente pode ser descoberta por uma cirurgia cerebral. Essas emanações misteriosas, de importância vital para o Adepto, existem em potencial somente no organismo humano ordinário e não-regenerado, assim como ossatcakras. A Deusa deve ser de forma definida e precisa para ser invocada. A mística de sua invocação é dada nos Tantras Vama Marga e, pelo que sei, em apenas um Grimórioocidental ou manual de procedimentos mágicos – Liber AL vel Legis.

Crowley incorporava aspectos vitais do Vama Marga na tradição mágica ocidental; essa foi uma de suas maiores contribuições para ciência oculta. Este caminho é equivalente a, e talvez o único exemplo vivo, do vastamente anterior Culto Draconiano, considerado antigo pelos Egípcios desde eras pré-monumentais anteriores a XXVI Dinastia quando Crowley – como o avatar Ankh-af-na-Khonsu – tentou de forma mal sucedida reviver o Culto. Como Mestre Therion ele tentou novamente; somente o tempo mostrará se seus esforços foram bem sucedidos.

Aproximadamente no mesmo tempo das pesquisas de Crowley, dois outros Adeptos estavam buscando aparentemente caminhos diferentes, mas em última análise, convergentes: Austin Osman Spare e Dion Fortune. Ambos fizeram importantes contribuições para o atual despertar mágico.

Fortune, particularmente, chamou a atenção para interação existente entre o sistema endócrino e o ramificado complexo de nervos e nadis na anatomia oculta do homem; Spare, em virtude de sua iniciação nos Mistérios Sabáticos, foi capaz de explicar a inter-relação de forças sexuais polarizadas operando em níveis de alta emotividade.

O ponto que necessita ênfase é que a Sacerdotisa ou Rainha-Bruxa foi “sempre virgem para Pã”. Esta frase, altamente técnica, é formulada por Iniciados de uma maneira quase impossível de se explicar para aqueles que não deixaram de interpretar o sexo em níveis meramente pessoais e humanos. Séculos de condicionamentos distorcidos engendraram noções erradas. Crowley, pelo que parece, falhou em obter o último elixir porque ele estava profundamente contaminado pelas más interpretações fundamentalistas engendradas pelo Cristianismo. Em consequência, ele identificava o bindu com a semente do macho e o confundia com o catalisador que faz a “virgem” brilhar e emanar o Supremo Kala, o amrita ou néctar que contém em sua fragrância a última essência, o elixir da vida.

O termo “virgem” conforme usado pelos Iniciados do Leste e Oeste denota a mulher sem-criança, i.e. em um sentido físico, pois a virgem mágica não é sem-criança nos planos sutis.

Thomas Lake Harris e seus seguidores possuíam uma vaga idéia da verdadeira fórmula; sua técnica de Karezza foi uma grosseira tentativa de aproximação da profunda abordagem dos Iniciados Tântricos que geravam “crianças” em virgens sem a intervenção física. A questão é virtualmente impossível de ser comunicada para aqueles que ainda continuam a interpretar o sexo em termos de interpenetração física, sendo a prole resultante similarmente física. Mas a polaridade sexual, em seu sentido mais profundo e mágico, não envolve a concepção física: gestação e nascimento. Crowley era consciente da possibilidade de abertura de portais espaciais e da admissão de uma Corrente Extraterrestre na vida humana. Em Moonchild a encarnação foi realizada através da fórmula sexual normal, e embora o completo impacto do advento da Filha-da-Lua não seja descrito, é deixada ao leitor uma impressão que ela era algum tipo de monstro na forma humana dotada de poderes super-humanos. Mas nenhuma entidade encarna através dos canais usuais do sexo, nenhuma intrusão física de outra dimensão no ambiente da humanidade poderia possivelmente exercer poder, a não ser em um sentido terrestre. Isso é porque o “poder” foi aterrado e encarnado. Lembro-me de que um Adepto tentou usar o veículo que, por puro terror daquilo que possa estar além dos pilonos espaciais, veementemente negou seu Mestre e foi prematuramente apagado da existência. Eu me refiro a Howard P. Lovecraft cujas experiências ocultas, disfarçadas como ficção, vividamente prenunciam uma possibilidade terrível a qual Crowley vagamente anuncia em Moonchild. Lovecraft enumerava Arthur Machen e Algernon Blackwood como seus comparsas; isso é uma confissão de contato com dimensões fora daquelas que Lovecraft aceitava como cientificamente permissíveis, pois ambos Mahen e Blackwood haviam sido membros da Golden Dawn. Mahen era um amigo próximo de Arthur Waite, cujas efusões são bastante conhecidas e não necessitam de comentários. Lovecraft deplorava o estilo de Mahen, assim, não era uma influência literária reconhecida por ele. O que ele realmente reconhecia era uma influência mágica que decorria via Golden Dawn e MacGregor Mathers, diretamente da Tradição Draconiana que em todas as suas manifestações externas Lovecraft categoricamente negava e rejeitava. Mas ele não podia ocultar, conforme fazia persistentemente em suas cartas, a verdadeira fonte de suas visões da intrusão de forças completamente de acordo com os arquétipos e símbolos que Crowley trouxe através do contato com uma entidade trans-mundana de poder supremo; eu me refiro a Aiwass.

O grau da maldade com que Lovecraft investe no seu Culto de Cthulu e outras mitoses é o resultado de uma distorção na lente subjetiva de sua própria consciência, e eu mostrei em outro lugar12 como estas imagens emergem quando não são deformadas, aproximando-se às vezes da identidade real com os Cultos de Crowley: Shaitan-Aiwass e O Livro da Lei. De uma maneira ou de outra, Lovecraft foi um ícone que transmitiu ao mundo pelos seus escritos à mensagem que algum Poder trans-infinito e super-humano tentava invadir e tomar posse do planeta.

Em seu preâmbulo do The Paris Working, Crowley escreveu em relação a uma operação mágica específica: “Essa invocação produziu uma mensagem de Júpiter em Enochiano, no sentido de que os deuses desejavam obter novamente seu domínio sobre a Terra, e que os dois irmãos O.S.V e L.T.13 foram ‘flechas de fogo’ atiradas por eles, os deuses, em sua guerra contra os ‘deuses escravos’.”

Isso lembra as negras referências de Charles Fort sobre uma sociedade secreta na terra já em contato com seres cósmicos e talvez preparando o caminho para o advento deles. Compare o seguinte verso do AL: “Deixai meus servos serem poucos & secretos: eles deverão ordenar os muitos & os conhecidos.” A Corrente 93 somente é destrutiva quando a humanidade a utiliza na direção errada. Ela busca corrigir isto e tem poder para fazê-lo. Talvez Aiwass esteja preparando o caminho para a grande tomada Daqueles que se encontram no Exterior, por uma fórmula de purificação através do Fogo.iii

Crowley insistia que o AL efetuará a total destruição da civilização tal como nós a conhecemos. A passagem acima do The Paris Working foi escrita em Janeiro de 1914. A guerra que seguiu esta data foi o primeiro passo em direção a ruptura de valores que dominou a humanidade no passado aeon.

Lovecraft não foi o primeiro a colorir suas visões com uma aura de pavor sem nome, nem foi ele o primeiro a utilizar a ficção como um veículo para a expressão delas. Ambos Machen e Blackwood haviam o precedido, e se o foco da hostilidade além da terra fosse o inferno ou os Qliphoth, não algum outro planeta ou estrela, ele apesar de tudo expressou a ameaça de invasão por forças alienígenas na corrente de vida humana. Crowley dissipa a aura de terror com o qual estes autores investem o fato; ele prefere interpretá-las em linhas thelêmicas, não como um ataque à consciência humana por uma entidade extraterrestre e alienígena15 mas como uma expansão interna da consciência, para abarcar outras estrelas e absorver suas energias em um sistema que é enriquecido e se tornado verdadeiramente cósmico pelo processo. Uma tal atitude é possível somente àquele que tenha cruzado o Abismo e dissolvido a ilusão da egocentricidade ou existência individual separada.

Lovecraft, pela evidência de sua poesia,16 recuou na beirada do Abismo. Incapaz de resolver seu conflito interno, ele fora assombrado pelas sombras dos poderes cuja existência ele tenazmente negava em suas cartas. Estas últimas revelam, infelizmente, um racista fanático e xenófobo, um racionalista irracional e um materialista auto-contraditório debatendo-se inutilmente na trama de suas próprias ilusões auto-engedradas que ele desesperadamente se esforçava para incutir em outras mentes – não sem certo sucesso, se considerarmos os comentários daqueles que professam ter compreendido tanto o homem quanto sua obra. Tal compreensão é, claramente, impossível para àqueles que ainda não atingiram a Esfera de Binah (Compreensão) com todas as suas implicações, a primeira sendo o Ordálio do Abismo que Lovecraft falhou em transcender.

É um fato bem conhecido que poucos artistas, mesmo entre os grandes, são capazes de compreender completamente a verdadeira natureza e valor de seus melhores trabalhos. A razão para este estado não é tão bem conhecida; o artista não é responsável por seu trabalho. O grau de seu progresso está em relação direta com o grau de sua ausência na hora em que o trabalho está sendo realizado. A ausência perfeita de ilusão (i.e. o ego) implica na presença perfeita da Verdade (o estado sem ego) e tal estado somente pode ser realizado quando a Tríade Superna18 for ativamente manifesta através do médium do Adepto. Esta Tríade é a expressão mais atenuada do triplo anel que circunda a Deusa Quinze no yantra de Kali. Eu interpretei este yantra de acordo com a minha compreensão da doutrina Vama. A invocação da Deusa é portanto uma invocação direta do poder cósmico e um destampar das Oito Direções19 com uma consequente e reverberante abertura dos Quatro Grandes Portais do Espaço Exterior através dos quais o poder flui. O poder que – conforme coloca o poeta, “está imbuído com a morte e dirigindo-se para o interior” – é morte, a existência individual limitada focada pelo ego. Lovecraft enfatizada os espaços entre elas. O conceito é formulado nos Mistérios do Vodu com a ênfase no excêntrico ritmo dos Ritos Petro.iv AL (I:52) avisa ao magista para que tome cuidado com os “símbolos-do-espaço”.

A Mulher Escarlate, como representante de Nuit, é um Portal para o Vazio. Ela é a incorporação mágica da Deusa Estelar cujo símbolo metafísico é o espaço infinito tipificado como o céu noturno costurado com estrelas. Ela é a “yoni salpicada com flores” imaginado no Hino a Kali, pois as estrelas de Nuit e as flores da virgem Deusa são idênticas. Babalon – literalmente o Portal do Sol ou energia fálico-solarv – é a fórmula terrestre de Nuit, e sua vulva é o pilono através do qual as forças cósmicas precipitam-se para manifestação quando os lacres mágicos (mudras) forem abertos.

O simbolismo de Set ou Sothis, como àquele que abre o ano ou ciclo periódico é um glifo cognato. É na forma-divina de Set que o Magus absorve o fogo-estelar emitido por Nuit. LAShTAL, ou Nuit-Set-Horus é a completa fórmula da magick-sexual polarizada conforme praticada por Crowley no Culto de Shaitan-Aiwass. Embora nós observamos que ele mal interpretou alguns simbolismos e, portanto utilizou equivocadamente algumas das antigas chaves do Mistério.

A semente secreta das estrelas é absorvida oralmente pelo magista após ela ter sido evocada para dentro do cakra. Nos Ritos Kaula isso é alcançado sem a penetração física ou contato por parte do Sacerdote, e as fragrâncias são capturadas em uma folha bhurjaespecialmente preparada para recebê-las. Isso porque a Sacerdotisa adota a postura (mudra) de Nuit arqueada sobre o Chefe Celebrante. No Culto de Crowley – conforme demonstrado na Estela da Revelação – este papel é assumido por Ankh-af-na-Khonsu, “o sacerdote-príncipe, a Besta”.

Em contradição a prática Kaula, Crowley penetrava a Mulher Escarlate sexualmente e evocava a manifestação física dos kalas. Os Tântricos, geralmente, não empregam este método, e há algumas seitas Hindus que a vêem com aversão. O contato físico de qualquer tipo entre o Sacerdote e a Sacerdotisa era proibido.

O ocultista Alemão Eugen Groshe (Frater Gregorius)21 utilizou uma fórmula análoga na qual nenhum ato sexual ocorria. Croshe dirigia as correntes de ojas ao longo do corpo da Sacerdotisa por meio de passes magnéticos feitos manualmente sobre os marmas ousandhis conforme os vários estágios do rito requeriam. É duvidoso que ele tenha alcançado comunicação com entidades extraterrestres, embora ele pareça ter utilizado fórmulas psico-sexuais semelhantes àquelas empregadas pelos Tântricos.

Crowley, com toda sua violação do código Tântrico, de fato obteve tal comunicação, conforme seus Diários Mágicos mostram. Não somente a verdadeira penetração e orgasmo ocorreram, mas ele também praticou o cuni-líncuo com o propósito de absorver o elixir. E, mais importante de tudo, ele considerava a substância física, o mênstruo do elixir, ser uma combinação dos fluídos sexuais masculinos e femininos. Ele se referia a eles em termos Alquímicos como o “sangue do leão” e o “glúten da águia”. Mas uma vez que ele reconhecia a eficácia daquilo que chamava de Caminho Secreto – que prescinde inteiramente da utilização física e da presença física de um assistente – é evidente que o mênstruo era de importância secundária, o principal sendo a qualidade e o poder da Vontade que formava a corrente de energia no momento de sua transformação.

De acordo com o Vama Marga, os Adeptos Tântricos consideram supremas as secreções da fêmea quando emitidas em um estado de transe magicamente induzido; esses, eles afirmam, constituem a verdadeira e real base do Elixir da Vida. A estes Adeptos, portanto, a façanha sexual do falo não teria significado em um contexto místico, uma vez que ele é somente considerado um estimulador da fêmea nos processos ordinários de inseminação e reprodução.

Os Tantras possuem analogia com os ritos Africanos vastamente mais antigos, descritos por Gerald Massey, no qual a serpente fora utilizada para induzir o transe:

A África é o lar primordial da Sabedoria da Serpente, e lá a serpente era utilizada para produzir a anormal condição nos sensitivos. Os Africanos descrevem mulheres possuídas e loucas por terem tido o contato com a serpente. O réptil, a partir do fascínio de seu olhar, o terror de seu toque, e o uso de sua língua, arremetia os médiuns Africanos a um estado de transe chamado o Estupor da Serpente, do qual eles viam com clarividência, adivinhavam e profetizavam, se tornando divinamente inspirados, conforme os fenômenos fossem interpretados. Nós ouvimos dizer que Cassandra e Helenus foram preparados para ver o futuro por meio de Serpentes que os lambiam, limpando assim as passagens de seus sentidos! Desta maneira os sensitivos eram testados e adentravam em um frenesi; a serpente então escolheu seu oráculo e porta-voz que se tornava o revelador do Conhecimento sobrenatural. O estupor causado pelo feitiço da serpente criava um tipo de temor religioso, e os efeitos extraordinários produzidos nos médiuns eram atribuídos a poderes sobrenaturais da serpente! Àquelas mulheres largamente afetadas pela serpente eram escolhidas para tornarem-se Mulheres-Fetiche, sacerdotisas e pitonisas. Este culto Obeah ainda sobrevive onde quer que a raça negra tenha migrado, e a raiz da questão, a qual os viajantes acham tão difícil de chegar, está desterrada por fim, como um tipo profundamente primitivo de espiritualismo no qual a serpente representava a parte do mesmerista ou magnetizador para os sonâmbulos naturais.

A língua da serpente é conhecida como um órgão muito peculiar de toque. Isso foi empregado nos Mistérios Mesméricos como aqueles de Samothrace no qual Olympia era uma Ofita inspirada; aquela que amava distrair-se com a minhoca crestada, afagar seu pescoço azul celeste, e receber a homenagem tremulante de sua língua em forma de flecha que era às vezes utilizada para produzir êxtase e transe.

O autor de Tsuni-Goam refere-se a uma serpente chamada Ganim-Gub pelos Hottentots a qual se afirma “ter genitais e buscava ter conexão com mulheres enquanto elas estão dormindo”.


Estas pitonisas eram a Mulher Escarlate da feitiçaria Africana; seu sono era um sono magnético ou transe induzido pela “fascinação” da serpente. O transe induzido pelo contato com a oscilante língua da serpente fazia com que as mulheres proferissem oráculos, se comunicassem com os espíritos dos mortos, elementais, daemons cósmicos, e – se fossem Iniciadas de uma alta ordem – com entidades cósmicas que existem fora do tempo e do espaço. Alfred Métraux, citando Moreau de Saint-Méry, revela a técnica:

Os encontros Vodu acontecem secretamente à noite em um “lugar recluso afastado dos olhos dos profanos”. O Sacerdote e a Sacerdotisa tomam suas posições próximos a um altar contendo uma serpente engaiolada. Após uma longa cerimônia e um largo discurso “do rei e rainha Vodu”, todos os iniciados se aproximam, em ordem hierárquica, suplicando ao Vodu, dizendo-lhe o que eles mais desejam. A “rainha” se aproxima da gaiola onde se encontra a serpente e – “modernas pitonisas – é penetrada pelo Deus; ela se contorce; todo seu corpo é convulsionado e o oráculo se expressa através de sua boca”. A serpente é novamente colocada no altar e todos os presentes lhe ofertam [...].

As práticas de Crowley são, até um certo grau, corroboradas e confirmadas por estes expoentes primitivos da magick sexual. Sendo o falo e a serpente símbolos cognatos, são intercambiáveis; a carícia magnética de ambos tem-se mostrado capaz de encantar o objeto de suas atenções.

Poderia se argumentar que o método de contato físico, não menos do que o de noli me tangere, é igualmente eficaz em produzir pelo menos um tipo de arrebatamento; mas isto não quer dizer que ele possa produzir o Supremo Elixir, a emanação exclusiva da Mulher Escarlate em sua máxima exaltação mágica celebrada nos mais altos Tantras.

Um dos problemas confrontados pelo probacionista de kala-vidya não é somente a da parceira mágica adequada, mas também os de coleta e absorção das emanações secretadas pela Sacerdotisa. Em primeiro lugar, para ser verdadeiramente efetivo, a parceira deveria ser de um Grau igual, senão mais elevado, de iniciação do que o Sacerdote. Crowley acreditava ser inadmissível iniciar a mulher além dos trabalhos de tipo mais materialista como a aquisição de força sexual e atração, riqueza, saúde e etc., mas isso não é uma visão genericamente aceita. Na carta a John W. Parsons citada no Capítulo Dois, Crowley estava presumivelmente se referindo a uma tradição oculta que ele não especifica e que eu tenho me visto incapaz de descobrir. Dion Fortune, ao contrário, talvez por ser uma mulher, defendia a iniciação das mulheres; seus romances são baseados quase inteiramente sobre este tema, e Austin Spare, sendo um Adepto, foi induzido aos Mistérios por uma mulher. Parece não haver razão, portanto de um ponto de vista mágico porque tal procedimento não deveria ser adotado, e o fato que os Tantras exaltam a Deusa mais do que o Deus é talvez o ponto mais forte em seu favor.

Nós aqui somos confrontados com um ponto que se refere a questões mais urgentes do que preferências doutrinárias. Eu me refiro ao antigo antagonismo que tem existido entre os Shivaistas e Shaktas, entre os adoradores do Deus e os devotos da Deusa; mais diretamente o conflito entre os Lingacaras e os Yonicaras. O AL resolve este problema exaltando a Criança, o produto de ambos. Tal era o condicionamento de Crowley, contudo, que com todos os seus esforços em promulgar a doutrina da Criança (as essências combinadas), ele se inclinava fortemente à condição Shivaísta ou lado patriarcal, pelo menos era essa sua abordagem pessoal em relação ao problema.

De acordo com as mais antigas tradições, o mênstruo mágico da manifestação pode ser encontrado somente nos kalas da Deusa, e a corrente informante da energia mágica – a Vontade – pode ser aplicada efetivamente sem qualquer intervenção física por parte do Sacerdote. A “criança” ou produto das essências combinadas e polarizadas pode, portanto ser engendrada em ambos os casos, sendo que a natureza da criança diferirá adequadamente. No sentido Tântrico, é aqui que a Deusa é considerada Suprema, porque a resultante ou criança, é mística; ela se manifesta internamente como estado sem forma de consciência que é a suprema meta Advaita. Aqui, Kali é Nuit em sua forma mais pura, i.e. Nada (nada que possa ser concebido pelo pensamento).

Compare AL II:23, onde Hadit – a Partícula de Consciência exclama: “Eu sou sozinho: não existe Deus onde Eu sou.” Com a intervenção da Vontade, o desejo pode culminar em um estado de liberdade ou ausência de desejo, mas somente após ele ter descarregado sua energia potencial na forma de sua própria imagem. Daí a “vontde-botão” projetada ou refletida no momento da descarga seminal no reino da forma:mágica conforme distinta de mística, luz ou percepção conforme oposta a escuridão ou imperceptividade.

Considerando qabalisticamente a suprema fórmula de Nuit (Nada), Kali = 61 = Ain = Nada (Nuit ou Não). Esta é a equação mais elevada e mais transcendental que é possível se projetar no reino da mente pelo simbolismo qabalístico-matemático. É evidente que a concepção Shivaísta funciona completamente em um nível diferente. A criança, Ra-Hoor-Khuit, projeta ou da forma a Luz-Sem-Limite (Ain Soph Aur) de Kali/Nuit comoescuridão que, por sua aparente opacidade, aparece como Set, aquele que Absorve a Luz. Set toma forma das sombras emitidas pelo vórtice mágico criado pela interpenetração de Hadit e Nuit (ou Shiva e Shakti), cuja união explosiva é tão cegante em seu brilho que ela aparece como coma invertido após a “escuridão profunda” ou “morte súbita”. A escuridão de Set é o útero da Deusa do qual parece emanar uma fascinante rede na forma do Mundo-Todo; não outro senão aquele “Maya encantador do mundo” que se revelou como a Suprema Mãe, Kali, no êxtase de Shri Ramakrishna em sua contemplação interna. Isso é o jogo da sombra ou “leela” celebrado no mahavakyaque proclama a última verdade: Sarvam Khalvidam Brahma. Thakur Haranath, o Santo Bengala Ocidental (1865-1927), se refere a este divino jogo da consciência como o jogo de esconde-esconde que Krishna (a Consciência Pura) perpetuamente joga com sua consorte Radha, sendo ela uma forma de Maya.

O Culto de Crowley da Criança envolve o aterramento da Corrente Mágica. É neste sentido apenas que Thelema pode ser considerada como um Culto Mágico, oposto ao Culto Tântrico dos kalas no qual a Mulher Escarlate permanece sempre virgem. Como tal, ela é a única fonte do Supremo Elixir, a virgem prostituta do paraíso que derrama sua luz-estelar sem contato sexual direto com o Sacerdote ou qualquer outro macho membro do Círculo.

A meta de tais rituais é mística, significando que eles são direcionados a fins espirituais e cósmicos ou microcosmicos. A Mulher Escarlate no Culto Theriônico abarca tanto a corrente dirigida para o interior ou mística quanto a corrente mágica ou dirigida para fora. Ao passo que a utilização mística da mulher opera em sushupti (transe profundo), sua utilização mágica opera em swapna (estado de sonho), o nível no qual os arquétipos astrais podem ser modificados com o propósito de influenciar os fenômenos objetivos conforme experienciados em jagrat, estado de vigília da consciência mundana.