sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

A Zona da Serpente de Fogo


Kenneth Grant
Aleister Crowley and the Hidden God, Capítulo 3. Skoob Books, 1992.


EXISTEM diversos métodos, místicos e mágicos, de despertar o Poder da Serpente ou Kundalini Shakti; eles podem ser estudados nos Tantras e em diversos livros e textos sobre yoga. Aqui nós trataremos de uma técnica que envolve a Vontade e a Imaginação dinamizadas pela energia psico-sexual.

O processo é mais fácil de realização na fêmea do que no macho, pois pela simples razão de que para ela o Poder da Serpente ou a Serpente de Fogo pode ser mais prontamente imaginada na forma fálica. A Sacerdotisa visualiza a imagem na zona sexual (muladhara-cakra) e inflama a si mesma ao ponto do orgasmo pelo poder da imaginação controlada ou “amor sob vontade”. Antes que o orgasmo seja alcançado, ela precisa movimentar a imagem pelo poder de sua mente e transferi-la para o centro da Vontade, oajna-cakra, representado pelo terceiro olho na região cerebral. Sendo a Sacerdotisa prontamente habilitada, ela terá transferido o poder primordial para este centro nos primeiros estágios do rito; se não, ela necessita fazer esta transferência imediatamente antes que o orgasmo ocorra e manter na mente a criança mágica ou “vontde-botão” até que a consumação ocorra.

Com o praticante masculino o processo é mais complicado e a ele é aconselhado proceder ao longo das linhas estabelecidas no Liber HHH, Seção SSS.2 No sistema, aKundalini deve ser identificada com Hadit, e o centro do cérebro com Nuit. Uma vez que Hadit seja despertado, ele força seu caminho para cima na coluna espinhal e, desta maneira, seu progresso é marcado por visões e aquisições de poderes latentes até este ponto, desde que os cakras intermédios tenham sido apropriadamente lacrados.

Se o despertar da Serpente de Fogo é prematuro, se o poder primordial ascende antes que tudo esteja equilibrado, uma descarga acontece em algum estágio impropriamente lacrado da subida; o poder é desviado ou toma a direção errada, o resultado é a obsessão. Isso ocorre, contudo, somente quando a Kundalini é realmente, i.e. fisicamente, desperta. É portanto mais seguro ao operador desempenhar estas práticas mentalmente ou astralmente de maneira que o poder, embora desperto, permaneça nomuladhara-cakra.i Existe assim uma menor quantidade de perigo e problemas ao longo do caminho da sushumna-nadi (coluna espinhal).

A mente (ajna-cakra) é o undécimo sentido; ela é o “nome dado ao pensamento gerado. Pensamentos surgem de uma região particular do cérebro chamada Ajna, ou Vontade.”3Quando a Kundalini ascende a este cakra, o praticante “se torna um Rei”.4 Ajna é o assento da Vontade, e o Homem Majestoso do Culto Theriônico trabalha neste nível e, pela corrente de pensamento magicamente imbuída, realmente cria novos mundos, novas condições. “Aqui está o objetivo da Kundalini, da qual se declara que na região da glândula pineal (i.e. Ajana) quando a atenção estiver completamente neste ponto, o mundo inteiro torna-se iluminado, em chamas [...]. Sempre que existe alegria no homem, a Kundalini está na região pineal.” Conforme o AL declara: “Eles deverão regozijar, nossos escolhidos: quem se entristece não é nosso.” Existem inúmeras outras referências no AL deste estado Real, essa condição majestosa da Vontade. Isso porque está escrito: “Vós sois contra as nações, Ó meus escolhidos”, pois, em um sentido místico, “as nações” representam a massa de pensamentos, os fragmentos desconexos da consciência que obstruem a realização da Unidade.ii

Adeptos do Caminho Kaula, i.e. aqueles que utilizam os kalas, as vibrações vaginais ou essências, invocam a Deusa na região do muladhara-cakra, a zona de poder cujo portal no exterior é a saída genital da fêmea.

O grande Hino para Kali, Karpuradistotra, provê o yantra da Deusa, o glifo linear do talismã supremo que a Deusa consagra por sua presença (veja figura 4). O triângulo invertido (yoni) apresentado centralmente é circundado por quatro triângulos invertidos; cinco ao todo. Estes cinco trikonas – uma forma de pentagrama – representam a Deusa Quinze.6 Os passos 3 x 5 ou graus simbolizam os 15 estágios da lua de nova a cheia. A semente invisível (bindu) no coração da yoni central representa o 16º Kala. Este é o Elixir da Vida Eterna que se manifesta na Alta Sacerdotisa no clímax do Ritual Sagrado. É aqui que a Deusa manifesta sua Luz, quando a Serpente de Fogo tiver alcançado a união com Pã no céu noturno iluminado pelas estrelas (kalas) de Nuit. Dessa maneira a Deusa obterá Hadit.

A Deusa Quinze, representada pelos cinco triângulos, é cercada por um triplo anel que representa os três estados de consciência – vigília, sonho e sono sem sonho. Da camada tripla do anel irradiam oito pétalas da flor de lótus, a fluidez simbólica do poder manifesto da Deusa; a essência gerativa da Yoni. As oito pétalas indicam as oito direções do espaço, Leste, Sul, Oeste, Norte, Sudeste, Sudoeste, Nordeste e Noroeste.

“Conceitos que ficam entre” os indicados pelas quatro últimas direções desempenham grande importância nos mistérios Africanos onde eles são interpretados em termos mântricos como os ritmos excêntricos dos tambores rituais; uma expressão mântrica deste grande yantra.

Os triângulos invertidos, os círculos e pétalas, cada um simbólico de várias fases do ciclo lunar da fêmea, são alocados dentro de um grande triângulo invertido que tipifica o órgão sexual da Sacerdotisa. Este por sua vez é circundado por uma fortaleza consistindo de quatro pilonos, os quatro portais do espaço exterior. O yantra da Deusa Kalika resume toda a doutrina do Vama Marga ou Caminho da Mão Esquerda.

Duas das dezesseis vibrações vaginais emitidas pela incorporação terrestre da Deusa são, até o presente, desconhecias pela ciência profana. Iniciados Orientais os têm usado desde tempos imemoriais. Elas podem ser localizadas e analisadas pelos métodos objetivos e científicos assim como a mente pode ser descoberta por uma cirurgia cerebral. Essas emanações misteriosas, de importância vital para o Adepto, existem em potencial somente no organismo humano ordinário e não-regenerado, assim como ossatcakras. A Deusa deve ser de forma definida e precisa para ser invocada. A mística de sua invocação é dada nos Tantras Vama Marga e, pelo que sei, em apenas um Grimórioocidental ou manual de procedimentos mágicos – Liber AL vel Legis.

Crowley incorporava aspectos vitais do Vama Marga na tradição mágica ocidental; essa foi uma de suas maiores contribuições para ciência oculta. Este caminho é equivalente a, e talvez o único exemplo vivo, do vastamente anterior Culto Draconiano, considerado antigo pelos Egípcios desde eras pré-monumentais anteriores a XXVI Dinastia quando Crowley – como o avatar Ankh-af-na-Khonsu – tentou de forma mal sucedida reviver o Culto. Como Mestre Therion ele tentou novamente; somente o tempo mostrará se seus esforços foram bem sucedidos.

Aproximadamente no mesmo tempo das pesquisas de Crowley, dois outros Adeptos estavam buscando aparentemente caminhos diferentes, mas em última análise, convergentes: Austin Osman Spare e Dion Fortune. Ambos fizeram importantes contribuições para o atual despertar mágico.

Fortune, particularmente, chamou a atenção para interação existente entre o sistema endócrino e o ramificado complexo de nervos e nadis na anatomia oculta do homem; Spare, em virtude de sua iniciação nos Mistérios Sabáticos, foi capaz de explicar a inter-relação de forças sexuais polarizadas operando em níveis de alta emotividade.

O ponto que necessita ênfase é que a Sacerdotisa ou Rainha-Bruxa foi “sempre virgem para Pã”. Esta frase, altamente técnica, é formulada por Iniciados de uma maneira quase impossível de se explicar para aqueles que não deixaram de interpretar o sexo em níveis meramente pessoais e humanos. Séculos de condicionamentos distorcidos engendraram noções erradas. Crowley, pelo que parece, falhou em obter o último elixir porque ele estava profundamente contaminado pelas más interpretações fundamentalistas engendradas pelo Cristianismo. Em consequência, ele identificava o bindu com a semente do macho e o confundia com o catalisador que faz a “virgem” brilhar e emanar o Supremo Kala, o amrita ou néctar que contém em sua fragrância a última essência, o elixir da vida.

O termo “virgem” conforme usado pelos Iniciados do Leste e Oeste denota a mulher sem-criança, i.e. em um sentido físico, pois a virgem mágica não é sem-criança nos planos sutis.

Thomas Lake Harris e seus seguidores possuíam uma vaga idéia da verdadeira fórmula; sua técnica de Karezza foi uma grosseira tentativa de aproximação da profunda abordagem dos Iniciados Tântricos que geravam “crianças” em virgens sem a intervenção física. A questão é virtualmente impossível de ser comunicada para aqueles que ainda continuam a interpretar o sexo em termos de interpenetração física, sendo a prole resultante similarmente física. Mas a polaridade sexual, em seu sentido mais profundo e mágico, não envolve a concepção física: gestação e nascimento. Crowley era consciente da possibilidade de abertura de portais espaciais e da admissão de uma Corrente Extraterrestre na vida humana. Em Moonchild a encarnação foi realizada através da fórmula sexual normal, e embora o completo impacto do advento da Filha-da-Lua não seja descrito, é deixada ao leitor uma impressão que ela era algum tipo de monstro na forma humana dotada de poderes super-humanos. Mas nenhuma entidade encarna através dos canais usuais do sexo, nenhuma intrusão física de outra dimensão no ambiente da humanidade poderia possivelmente exercer poder, a não ser em um sentido terrestre. Isso é porque o “poder” foi aterrado e encarnado. Lembro-me de que um Adepto tentou usar o veículo que, por puro terror daquilo que possa estar além dos pilonos espaciais, veementemente negou seu Mestre e foi prematuramente apagado da existência. Eu me refiro a Howard P. Lovecraft cujas experiências ocultas, disfarçadas como ficção, vividamente prenunciam uma possibilidade terrível a qual Crowley vagamente anuncia em Moonchild. Lovecraft enumerava Arthur Machen e Algernon Blackwood como seus comparsas; isso é uma confissão de contato com dimensões fora daquelas que Lovecraft aceitava como cientificamente permissíveis, pois ambos Mahen e Blackwood haviam sido membros da Golden Dawn. Mahen era um amigo próximo de Arthur Waite, cujas efusões são bastante conhecidas e não necessitam de comentários. Lovecraft deplorava o estilo de Mahen, assim, não era uma influência literária reconhecida por ele. O que ele realmente reconhecia era uma influência mágica que decorria via Golden Dawn e MacGregor Mathers, diretamente da Tradição Draconiana que em todas as suas manifestações externas Lovecraft categoricamente negava e rejeitava. Mas ele não podia ocultar, conforme fazia persistentemente em suas cartas, a verdadeira fonte de suas visões da intrusão de forças completamente de acordo com os arquétipos e símbolos que Crowley trouxe através do contato com uma entidade trans-mundana de poder supremo; eu me refiro a Aiwass.

O grau da maldade com que Lovecraft investe no seu Culto de Cthulu e outras mitoses é o resultado de uma distorção na lente subjetiva de sua própria consciência, e eu mostrei em outro lugar12 como estas imagens emergem quando não são deformadas, aproximando-se às vezes da identidade real com os Cultos de Crowley: Shaitan-Aiwass e O Livro da Lei. De uma maneira ou de outra, Lovecraft foi um ícone que transmitiu ao mundo pelos seus escritos à mensagem que algum Poder trans-infinito e super-humano tentava invadir e tomar posse do planeta.

Em seu preâmbulo do The Paris Working, Crowley escreveu em relação a uma operação mágica específica: “Essa invocação produziu uma mensagem de Júpiter em Enochiano, no sentido de que os deuses desejavam obter novamente seu domínio sobre a Terra, e que os dois irmãos O.S.V e L.T.13 foram ‘flechas de fogo’ atiradas por eles, os deuses, em sua guerra contra os ‘deuses escravos’.”

Isso lembra as negras referências de Charles Fort sobre uma sociedade secreta na terra já em contato com seres cósmicos e talvez preparando o caminho para o advento deles. Compare o seguinte verso do AL: “Deixai meus servos serem poucos & secretos: eles deverão ordenar os muitos & os conhecidos.” A Corrente 93 somente é destrutiva quando a humanidade a utiliza na direção errada. Ela busca corrigir isto e tem poder para fazê-lo. Talvez Aiwass esteja preparando o caminho para a grande tomada Daqueles que se encontram no Exterior, por uma fórmula de purificação através do Fogo.iii

Crowley insistia que o AL efetuará a total destruição da civilização tal como nós a conhecemos. A passagem acima do The Paris Working foi escrita em Janeiro de 1914. A guerra que seguiu esta data foi o primeiro passo em direção a ruptura de valores que dominou a humanidade no passado aeon.

Lovecraft não foi o primeiro a colorir suas visões com uma aura de pavor sem nome, nem foi ele o primeiro a utilizar a ficção como um veículo para a expressão delas. Ambos Machen e Blackwood haviam o precedido, e se o foco da hostilidade além da terra fosse o inferno ou os Qliphoth, não algum outro planeta ou estrela, ele apesar de tudo expressou a ameaça de invasão por forças alienígenas na corrente de vida humana. Crowley dissipa a aura de terror com o qual estes autores investem o fato; ele prefere interpretá-las em linhas thelêmicas, não como um ataque à consciência humana por uma entidade extraterrestre e alienígena15 mas como uma expansão interna da consciência, para abarcar outras estrelas e absorver suas energias em um sistema que é enriquecido e se tornado verdadeiramente cósmico pelo processo. Uma tal atitude é possível somente àquele que tenha cruzado o Abismo e dissolvido a ilusão da egocentricidade ou existência individual separada.

Lovecraft, pela evidência de sua poesia,16 recuou na beirada do Abismo. Incapaz de resolver seu conflito interno, ele fora assombrado pelas sombras dos poderes cuja existência ele tenazmente negava em suas cartas. Estas últimas revelam, infelizmente, um racista fanático e xenófobo, um racionalista irracional e um materialista auto-contraditório debatendo-se inutilmente na trama de suas próprias ilusões auto-engedradas que ele desesperadamente se esforçava para incutir em outras mentes – não sem certo sucesso, se considerarmos os comentários daqueles que professam ter compreendido tanto o homem quanto sua obra. Tal compreensão é, claramente, impossível para àqueles que ainda não atingiram a Esfera de Binah (Compreensão) com todas as suas implicações, a primeira sendo o Ordálio do Abismo que Lovecraft falhou em transcender.

É um fato bem conhecido que poucos artistas, mesmo entre os grandes, são capazes de compreender completamente a verdadeira natureza e valor de seus melhores trabalhos. A razão para este estado não é tão bem conhecida; o artista não é responsável por seu trabalho. O grau de seu progresso está em relação direta com o grau de sua ausência na hora em que o trabalho está sendo realizado. A ausência perfeita de ilusão (i.e. o ego) implica na presença perfeita da Verdade (o estado sem ego) e tal estado somente pode ser realizado quando a Tríade Superna18 for ativamente manifesta através do médium do Adepto. Esta Tríade é a expressão mais atenuada do triplo anel que circunda a Deusa Quinze no yantra de Kali. Eu interpretei este yantra de acordo com a minha compreensão da doutrina Vama. A invocação da Deusa é portanto uma invocação direta do poder cósmico e um destampar das Oito Direções19 com uma consequente e reverberante abertura dos Quatro Grandes Portais do Espaço Exterior através dos quais o poder flui. O poder que – conforme coloca o poeta, “está imbuído com a morte e dirigindo-se para o interior” – é morte, a existência individual limitada focada pelo ego. Lovecraft enfatizada os espaços entre elas. O conceito é formulado nos Mistérios do Vodu com a ênfase no excêntrico ritmo dos Ritos Petro.iv AL (I:52) avisa ao magista para que tome cuidado com os “símbolos-do-espaço”.

A Mulher Escarlate, como representante de Nuit, é um Portal para o Vazio. Ela é a incorporação mágica da Deusa Estelar cujo símbolo metafísico é o espaço infinito tipificado como o céu noturno costurado com estrelas. Ela é a “yoni salpicada com flores” imaginado no Hino a Kali, pois as estrelas de Nuit e as flores da virgem Deusa são idênticas. Babalon – literalmente o Portal do Sol ou energia fálico-solarv – é a fórmula terrestre de Nuit, e sua vulva é o pilono através do qual as forças cósmicas precipitam-se para manifestação quando os lacres mágicos (mudras) forem abertos.

O simbolismo de Set ou Sothis, como àquele que abre o ano ou ciclo periódico é um glifo cognato. É na forma-divina de Set que o Magus absorve o fogo-estelar emitido por Nuit. LAShTAL, ou Nuit-Set-Horus é a completa fórmula da magick-sexual polarizada conforme praticada por Crowley no Culto de Shaitan-Aiwass. Embora nós observamos que ele mal interpretou alguns simbolismos e, portanto utilizou equivocadamente algumas das antigas chaves do Mistério.

A semente secreta das estrelas é absorvida oralmente pelo magista após ela ter sido evocada para dentro do cakra. Nos Ritos Kaula isso é alcançado sem a penetração física ou contato por parte do Sacerdote, e as fragrâncias são capturadas em uma folha bhurjaespecialmente preparada para recebê-las. Isso porque a Sacerdotisa adota a postura (mudra) de Nuit arqueada sobre o Chefe Celebrante. No Culto de Crowley – conforme demonstrado na Estela da Revelação – este papel é assumido por Ankh-af-na-Khonsu, “o sacerdote-príncipe, a Besta”.

Em contradição a prática Kaula, Crowley penetrava a Mulher Escarlate sexualmente e evocava a manifestação física dos kalas. Os Tântricos, geralmente, não empregam este método, e há algumas seitas Hindus que a vêem com aversão. O contato físico de qualquer tipo entre o Sacerdote e a Sacerdotisa era proibido.

O ocultista Alemão Eugen Groshe (Frater Gregorius)21 utilizou uma fórmula análoga na qual nenhum ato sexual ocorria. Croshe dirigia as correntes de ojas ao longo do corpo da Sacerdotisa por meio de passes magnéticos feitos manualmente sobre os marmas ousandhis conforme os vários estágios do rito requeriam. É duvidoso que ele tenha alcançado comunicação com entidades extraterrestres, embora ele pareça ter utilizado fórmulas psico-sexuais semelhantes àquelas empregadas pelos Tântricos.

Crowley, com toda sua violação do código Tântrico, de fato obteve tal comunicação, conforme seus Diários Mágicos mostram. Não somente a verdadeira penetração e orgasmo ocorreram, mas ele também praticou o cuni-líncuo com o propósito de absorver o elixir. E, mais importante de tudo, ele considerava a substância física, o mênstruo do elixir, ser uma combinação dos fluídos sexuais masculinos e femininos. Ele se referia a eles em termos Alquímicos como o “sangue do leão” e o “glúten da águia”. Mas uma vez que ele reconhecia a eficácia daquilo que chamava de Caminho Secreto – que prescinde inteiramente da utilização física e da presença física de um assistente – é evidente que o mênstruo era de importância secundária, o principal sendo a qualidade e o poder da Vontade que formava a corrente de energia no momento de sua transformação.

De acordo com o Vama Marga, os Adeptos Tântricos consideram supremas as secreções da fêmea quando emitidas em um estado de transe magicamente induzido; esses, eles afirmam, constituem a verdadeira e real base do Elixir da Vida. A estes Adeptos, portanto, a façanha sexual do falo não teria significado em um contexto místico, uma vez que ele é somente considerado um estimulador da fêmea nos processos ordinários de inseminação e reprodução.

Os Tantras possuem analogia com os ritos Africanos vastamente mais antigos, descritos por Gerald Massey, no qual a serpente fora utilizada para induzir o transe:

A África é o lar primordial da Sabedoria da Serpente, e lá a serpente era utilizada para produzir a anormal condição nos sensitivos. Os Africanos descrevem mulheres possuídas e loucas por terem tido o contato com a serpente. O réptil, a partir do fascínio de seu olhar, o terror de seu toque, e o uso de sua língua, arremetia os médiuns Africanos a um estado de transe chamado o Estupor da Serpente, do qual eles viam com clarividência, adivinhavam e profetizavam, se tornando divinamente inspirados, conforme os fenômenos fossem interpretados. Nós ouvimos dizer que Cassandra e Helenus foram preparados para ver o futuro por meio de Serpentes que os lambiam, limpando assim as passagens de seus sentidos! Desta maneira os sensitivos eram testados e adentravam em um frenesi; a serpente então escolheu seu oráculo e porta-voz que se tornava o revelador do Conhecimento sobrenatural. O estupor causado pelo feitiço da serpente criava um tipo de temor religioso, e os efeitos extraordinários produzidos nos médiuns eram atribuídos a poderes sobrenaturais da serpente! Àquelas mulheres largamente afetadas pela serpente eram escolhidas para tornarem-se Mulheres-Fetiche, sacerdotisas e pitonisas. Este culto Obeah ainda sobrevive onde quer que a raça negra tenha migrado, e a raiz da questão, a qual os viajantes acham tão difícil de chegar, está desterrada por fim, como um tipo profundamente primitivo de espiritualismo no qual a serpente representava a parte do mesmerista ou magnetizador para os sonâmbulos naturais.

A língua da serpente é conhecida como um órgão muito peculiar de toque. Isso foi empregado nos Mistérios Mesméricos como aqueles de Samothrace no qual Olympia era uma Ofita inspirada; aquela que amava distrair-se com a minhoca crestada, afagar seu pescoço azul celeste, e receber a homenagem tremulante de sua língua em forma de flecha que era às vezes utilizada para produzir êxtase e transe.

O autor de Tsuni-Goam refere-se a uma serpente chamada Ganim-Gub pelos Hottentots a qual se afirma “ter genitais e buscava ter conexão com mulheres enquanto elas estão dormindo”.


Estas pitonisas eram a Mulher Escarlate da feitiçaria Africana; seu sono era um sono magnético ou transe induzido pela “fascinação” da serpente. O transe induzido pelo contato com a oscilante língua da serpente fazia com que as mulheres proferissem oráculos, se comunicassem com os espíritos dos mortos, elementais, daemons cósmicos, e – se fossem Iniciadas de uma alta ordem – com entidades cósmicas que existem fora do tempo e do espaço. Alfred Métraux, citando Moreau de Saint-Méry, revela a técnica:

Os encontros Vodu acontecem secretamente à noite em um “lugar recluso afastado dos olhos dos profanos”. O Sacerdote e a Sacerdotisa tomam suas posições próximos a um altar contendo uma serpente engaiolada. Após uma longa cerimônia e um largo discurso “do rei e rainha Vodu”, todos os iniciados se aproximam, em ordem hierárquica, suplicando ao Vodu, dizendo-lhe o que eles mais desejam. A “rainha” se aproxima da gaiola onde se encontra a serpente e – “modernas pitonisas – é penetrada pelo Deus; ela se contorce; todo seu corpo é convulsionado e o oráculo se expressa através de sua boca”. A serpente é novamente colocada no altar e todos os presentes lhe ofertam [...].

As práticas de Crowley são, até um certo grau, corroboradas e confirmadas por estes expoentes primitivos da magick sexual. Sendo o falo e a serpente símbolos cognatos, são intercambiáveis; a carícia magnética de ambos tem-se mostrado capaz de encantar o objeto de suas atenções.

Poderia se argumentar que o método de contato físico, não menos do que o de noli me tangere, é igualmente eficaz em produzir pelo menos um tipo de arrebatamento; mas isto não quer dizer que ele possa produzir o Supremo Elixir, a emanação exclusiva da Mulher Escarlate em sua máxima exaltação mágica celebrada nos mais altos Tantras.

Um dos problemas confrontados pelo probacionista de kala-vidya não é somente a da parceira mágica adequada, mas também os de coleta e absorção das emanações secretadas pela Sacerdotisa. Em primeiro lugar, para ser verdadeiramente efetivo, a parceira deveria ser de um Grau igual, senão mais elevado, de iniciação do que o Sacerdote. Crowley acreditava ser inadmissível iniciar a mulher além dos trabalhos de tipo mais materialista como a aquisição de força sexual e atração, riqueza, saúde e etc., mas isso não é uma visão genericamente aceita. Na carta a John W. Parsons citada no Capítulo Dois, Crowley estava presumivelmente se referindo a uma tradição oculta que ele não especifica e que eu tenho me visto incapaz de descobrir. Dion Fortune, ao contrário, talvez por ser uma mulher, defendia a iniciação das mulheres; seus romances são baseados quase inteiramente sobre este tema, e Austin Spare, sendo um Adepto, foi induzido aos Mistérios por uma mulher. Parece não haver razão, portanto de um ponto de vista mágico porque tal procedimento não deveria ser adotado, e o fato que os Tantras exaltam a Deusa mais do que o Deus é talvez o ponto mais forte em seu favor.

Nós aqui somos confrontados com um ponto que se refere a questões mais urgentes do que preferências doutrinárias. Eu me refiro ao antigo antagonismo que tem existido entre os Shivaistas e Shaktas, entre os adoradores do Deus e os devotos da Deusa; mais diretamente o conflito entre os Lingacaras e os Yonicaras. O AL resolve este problema exaltando a Criança, o produto de ambos. Tal era o condicionamento de Crowley, contudo, que com todos os seus esforços em promulgar a doutrina da Criança (as essências combinadas), ele se inclinava fortemente à condição Shivaísta ou lado patriarcal, pelo menos era essa sua abordagem pessoal em relação ao problema.

De acordo com as mais antigas tradições, o mênstruo mágico da manifestação pode ser encontrado somente nos kalas da Deusa, e a corrente informante da energia mágica – a Vontade – pode ser aplicada efetivamente sem qualquer intervenção física por parte do Sacerdote. A “criança” ou produto das essências combinadas e polarizadas pode, portanto ser engendrada em ambos os casos, sendo que a natureza da criança diferirá adequadamente. No sentido Tântrico, é aqui que a Deusa é considerada Suprema, porque a resultante ou criança, é mística; ela se manifesta internamente como estado sem forma de consciência que é a suprema meta Advaita. Aqui, Kali é Nuit em sua forma mais pura, i.e. Nada (nada que possa ser concebido pelo pensamento).

Compare AL II:23, onde Hadit – a Partícula de Consciência exclama: “Eu sou sozinho: não existe Deus onde Eu sou.” Com a intervenção da Vontade, o desejo pode culminar em um estado de liberdade ou ausência de desejo, mas somente após ele ter descarregado sua energia potencial na forma de sua própria imagem. Daí a “vontde-botão” projetada ou refletida no momento da descarga seminal no reino da forma:mágica conforme distinta de mística, luz ou percepção conforme oposta a escuridão ou imperceptividade.

Considerando qabalisticamente a suprema fórmula de Nuit (Nada), Kali = 61 = Ain = Nada (Nuit ou Não). Esta é a equação mais elevada e mais transcendental que é possível se projetar no reino da mente pelo simbolismo qabalístico-matemático. É evidente que a concepção Shivaísta funciona completamente em um nível diferente. A criança, Ra-Hoor-Khuit, projeta ou da forma a Luz-Sem-Limite (Ain Soph Aur) de Kali/Nuit comoescuridão que, por sua aparente opacidade, aparece como Set, aquele que Absorve a Luz. Set toma forma das sombras emitidas pelo vórtice mágico criado pela interpenetração de Hadit e Nuit (ou Shiva e Shakti), cuja união explosiva é tão cegante em seu brilho que ela aparece como coma invertido após a “escuridão profunda” ou “morte súbita”. A escuridão de Set é o útero da Deusa do qual parece emanar uma fascinante rede na forma do Mundo-Todo; não outro senão aquele “Maya encantador do mundo” que se revelou como a Suprema Mãe, Kali, no êxtase de Shri Ramakrishna em sua contemplação interna. Isso é o jogo da sombra ou “leela” celebrado no mahavakyaque proclama a última verdade: Sarvam Khalvidam Brahma. Thakur Haranath, o Santo Bengala Ocidental (1865-1927), se refere a este divino jogo da consciência como o jogo de esconde-esconde que Krishna (a Consciência Pura) perpetuamente joga com sua consorte Radha, sendo ela uma forma de Maya.

O Culto de Crowley da Criança envolve o aterramento da Corrente Mágica. É neste sentido apenas que Thelema pode ser considerada como um Culto Mágico, oposto ao Culto Tântrico dos kalas no qual a Mulher Escarlate permanece sempre virgem. Como tal, ela é a única fonte do Supremo Elixir, a virgem prostituta do paraíso que derrama sua luz-estelar sem contato sexual direto com o Sacerdote ou qualquer outro macho membro do Círculo.

A meta de tais rituais é mística, significando que eles são direcionados a fins espirituais e cósmicos ou microcosmicos. A Mulher Escarlate no Culto Theriônico abarca tanto a corrente dirigida para o interior ou mística quanto a corrente mágica ou dirigida para fora. Ao passo que a utilização mística da mulher opera em sushupti (transe profundo), sua utilização mágica opera em swapna (estado de sonho), o nível no qual os arquétipos astrais podem ser modificados com o propósito de influenciar os fenômenos objetivos conforme experienciados em jagrat, estado de vigília da consciência mundana.