segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Yoga,Shakti e Tantra


A palavra yoga vem da raiz sânscrita yuj que significa atrelar, unir, juntar. É um ensinamento prático e científico que inclui um sistema de exercícios que visam o controle físico e mental, além de proporcionar bem-estar, com o objetivo de realizar a união do espírito humano com o Espírito Universal. Seria então a união do ser individual  (jivatman) ao Ser Supremo (paratman).

"Yoga chitta vritti nirodha" (Yoga-Sutra I.2) 
"Yoga é a cessação (nirodha) dos vórtices (vrittis) da substância mental (chitta)".

O Yoga tem por objetivo promover condições mentais indispensáveis para que chitta (a substância mental) cesse todos os seus movimentos, os quais impedem o Eu Supremo (Purusha) de alcançar sua verdadeira natureza. A mente oscilante é o grande obstáculo à percepção do Eu Real. Segundo o Vedanta, este Eu é a base de tudo o que existe e sem esse Eu, que é consciência, a mente não seria possível, mas a mente não é real e encobre o Eu. Por essa razão o Yoga tem por objetivo interromper esse fluxo de pensamento e a identificação com a mente, percebendo assim a base da mente que é a consciência e alcançar o Samadhi (união, êxtase, superconsciência).

O Yoga foi codificado por Patanjali no texto conhecido como Yoga Sutra, que ensina o Ashtanga Yoga (Yoga dos oito - ashta - membros - anga) ou Raja Yoga (Yoga Real). 

Patañjali expõe o conhecimento nos quatro capítulos de seu Yoga Sutra. Eles são: 

1) Samadhi-pada, que estuda o conceito e as técnicas mais elevadas do Yoga; 
2) Sadhana-pada, que expõe o caminho geral que deve ser seguido pelo yogue, apresentando o conhecimento dos kleshas (obstáculos que sujeitam a mente e geram o sofrimento), e propõe as etapas iniciais (bahiranga) do método;           .  
3) Vibhuti-pada, que ensina as etapas últimas (antaranga) do método, e sobre as perfeições (siddhis) ou poderes extraordinários que daí resultam; 
4) Kaivalya-pada, que trata dos problemas essenciais da filosofia, da natureza da mente e da libertação espiritual do yogue.

O Yoga Sutra explica também os 8 membros (angas) do Yoga de Patanjali que são: 
• Yamas (regras de conduta do homem com a sociedade)  
• Niyamas (regras de conduta interna do homem com ele mesmo)  
• Asanas (exercícios físicos)  
• Pranayama (exercícios respiratórios)  
• Pratyahara (abstração e interiorização dos sentidos)  
• Dharana (concentração da mente)  
• Dhyana (meditação)  
• Samadhi (estado em que se destruiu a ignorância sobre nossa verdadeira natureza). 

Yoga é um estado mental de supra-consciência onde o seu eu individual é dissolvido na "consciência cósmica". O individuo passa a ser o observador, o objeto observado e a consciência sobre a observação. Tudo passa a ser uma coisa só. A mudança não ocorre de um dia para o outro, requer desenvolvimento, aprimoramento, prática regular e constante.  
Há vários caminhos no Yoga, adequados ao temperamento de cada praticante: Karma-Yoga, Bhakti-Yoga, Jñana-Yoga, Hatha-Yoga, Kriya-Yoga, Laya-Yoga, Kundalini-Yoga, Raja-Yoga e muitos outros caminhos e derivações. 
  
Hatha Yoga 

É o tipo de Yoga mais conhecido e difundido no ocidente por ser um Yoga vigoroso, de natureza principalmente física, que tem como base principal o uso de asanas, mudras e bandhas, bem como exercícios de respiração (pranayama) para preparar o corpo e desobstruir o sistema nervoso. Seus objetivos estão relacionados com o bem-estar físico e a saúde, beneficiando todo o sistema biológico, visando um desenvolvimento harmônico do corpo-mente e alma.

A palavra Hatha significa a união entre “Ha” e “Tha”, isto é, o Sol e a Lua. Uma das forças vitais, o prana, é conhecido pelo nome do Sol, e outra das forças vitais, apana pelo nome da Lua. Em tal sentido, Hatha-Yoga expressa a união do Prana com o Apana. Isso possibilita adquirir um controle sobre si mesmo, perfeita concentração mental e desenvolvimento das potencialidades físicas e psíquicos. Numa etapa avançada, a prática de Hatha Yoga leva ao Raja-Yoga e ajuda o praticante a entrar em comunhão consciente com o divino, mediante o Samadhi, a desligar-se do domínio das forças da natureza (gunas), e alcançar Kaivalya, ou liberação. 

Kriya Yoga 

Kriya-Yoga é uma ciência antiqüíssima. Os antigos iogues descobriram que o segredo da consciência cósmica se liga intimamente ao domínio da respiração. Esta é uma contribuição sem par, e imortal, da Índia, ao tesouro de conhecimento do mundo.

Nesse yoga o praticante executa uma seqüência definida de técnicas fornecida por um guru. São praticas (kriyas) muito potentes. É o Yoga para quem realmente quer "transcender". O sistema consiste em técnicas yóguicas que aceleram o desenvolvimento espiritual e ajudam a alcançar um profundo estado de tranquilidade e comunicação com o divino. Kriya Yoga é um método simples, psicofisiológico, pelo qual o sangue humano se descarboniza e volta a oxigenar-se. Os átomos deste extra-oxigênio transmutam-se em corrente vital para rejuvenescer o cérebro e os centros da espinha. 

O Kriya Yogi dirige mentalmente sua energia vital para cima e para baixo, a fim de fazê-la girar em torno dos seis centros espinhais (plexos medular, cervical, dorsal, lombar, sacro e coccígeo) purificando todos os nadis e chakras. Esta antiga técnica iogue converte a respiração em substância espiritual. 

Bhakti Yoga  

É o caminho do Yoga Devocional, do amor à divindade. A palavra Bhakti origina-se da raiz “bhaj”, tendo a intenção de “ligar a Deus”. Bhajan, adoração, Bhakti, Anurag, Prema, Priti, Suddha Prema, são considerados sinônimos. Bhakti é o amor divino (prema), sem pedir nada, sem nenhum desejo de recompensa.  
Através de Bhakti Yoga, do caminho de Prema ou Amor, através de sua devoção, sentimento, emoção, oração, fé, adoração, o praticante conecta seu coração a Deus. Bhakti é o supremo amor por Deus. É uma chuva espontânea de Prem em direção ao Amado. É uma ação pura, livre de egoísmo, plena de amor divino, e não há nenhum tipo de negociação ou expectativa de qualquer coisa e tampouco medo.

Na tradição indiana, o praticante do Bhakti Yoga se dedica à divindade com a qual tem maior afinidade, que pode ser masculina ou feminina.  
Bhakti está geralmente associado ao Karma-Yoga (ver abaixo), que se desenvolve o amor ao próximo, a caridade e a reconciliação através da prestação de serviços altruísticos. A vivência destes elevados propósitos conduz o praticante à libertação.

Karma Yoga 

Karma Yoga, ou Yoga da Ação é a Yoga do reto agir, é a consagração de todas ações e de seus resultados, de todas as suas atividades diárias para o divino. É a execução destas ações de forma consciente e enfatizando a união com o Divino em tudo, removendo o apego, permanecendo sempre equilibrado, no sucesso ou no insucesso. Esse processo purifica o coração e prepara o Antakharana (o coração e a mente) para a recepção da Divina Luz, ou obtenção do conhecimento do Ser. O ponto importante é este: serviço para a humanidade sem qualquer apego ou egoísmo. Os praticantes desse tipo de Yoga procuram atuar corretamente no mundo, tanto nas coisas materiais como espirituais, são pessoas de natureza altruísta. 

Kundalini Yoga  

Segundo Swami Sivananda, Kundalini yoga é o yoga com ênfase em asanas e canto de mantras para elevar Kundaliní do primeiro para o sétimo chakra, situado no alto da cabeça.  
É praticado pelos estudantes com a finalidade de despertar a Kundalini, ou energia primordial da Shakti, que se encontra numa cavidade triangular chamada "triângulo celestial" (trikona) no Chakra básico (Muladhara), em estado potencial ou adormecido  e conduzi-la pelo canal principal (sushumna) até o Sahasrara Chakra, e assim a Shakti  se une com o Senhor Shiva no topo da cabeça.

O Yogi abre a boca de sushumna mediante o Pranayama, os Bhandas e os Mudras, e desperta a Kundalini adormecida. A Kundalini não permanece muito tempo no Saharara, pois sua permanência depende do grau de pureza do Sadhana, da fortaleza espiritual e introspectiva do praticante de Yoga. Muitos estudantes não passam além dos Chakras inferiores e, por tal razão, não prosseguem em seus intentos de alcançar o Sahasrara.  

Swami Sivananda diz que a mente, o Prana, o Jiva e a Kundalini se movem em conjunto até o alto. Em suma, o praticante demandará ajuda introspectiva, quando se move de Chakra em Chakra; em tal estado uma voz misteriosa, um força mais misteriosa ainda, o guiarão em cada passo. Será necessário em cada caso possuir uma fé perfeita e equilibrada na Divina Mãe. Ela é quem guia o Sadhaka. É ela que conduz seu filho de Chakra em Chakra. Sintamos seu caloroso abraço. Sintamos sua Graça em cada passo. Falemos como se fôssemos crianças. Abramos-lhe plenamente nossos corações. Sejamos simples e cândidos. Digamos-lhe fervorosamente: “Mãe Divina, eu sou Teu; Tu és meu único refúgio e sustentação. Protege-me; Tem piedade de mim”. 
Todas nossas dúvidas se dissiparão com o conjuro de nossas preces. Sem a Sua graça nos resultará impossível avançar, ainda que seja uma polegada, no sendeiro do Shushumna, até o Sahasrara que quando ascende, inunda os Chakras com o néctar da refulgência. 
A intrepidez, o imperturbável estado mental, a ausência de paixão e desejos, a constante introspecção, a concentração, a felicidade espiritual, paz, íntima fortaleza, discriminação, o equilíbrio e ajuste da mente, a inquebrantável fé na existência do Senhor Supremo (Ishvara), devoção, firmeza mental, domínio dos Asanas, pureza, as ânsias infinitas de liberação, misericórdia, doce voz, brilho nos olhos, serão os sinais indicadores do despertar de Kundalini, e que o Sushumna perfurou o Chakra Muladhara. Quanto mais ascende esta força, tanto mais forte será a experiência espiritual, e a evidência das qualidades e dos sinais de tão sublime despertar.

A Kundalini, em última instância, se une com seu Senhor Parama Shiva e é então quando o Nirvikalpa Samadhi tem lugar. É neste momento quando o Yogi alcança a Liberação e o mais elevado conhecimento e felicidade.

Jñana Yoga 

É um sistema de yoga que busca a comunhão com o divino pela via do conhecimento da Verdade e da Sabedoria. Jñana é obtido pelo intermédio do Conhecimento do Ser. 

Após adquirir instrução teórica, o praticante busca conhecer a verdade diretamente por meio da experiência intuitiva, cortando o véu da ignorância pela meditação no Ser. Seus métodos, através de questionamento (vichara), discernimento (viveka), reflexão, análise, investigação, austeridades, ética de conduta, estudos e da meditação, tem como meta a compreensão da Divindade, da Sua manifestação cósmica. Então o praticante irá brilhar em sua pureza e Divindade.

Tantra Yoga 

É um caminho ligado ao domínio das energias latentes do ser humano, que também desperta o chamado "fogo sagrado" (a kundalini), ou a "serpente que jaz adormecida" no cóccix. O Tantra Yoga coloca ênfase especial no desenvolvimento dos poderes latentes nos seis Chakras, do Muladhara ao Ajña. O Kundalini Yoga pertence ao Sadhana Tântrico, o qual fornece uma detalhada descrição sobre o poder serpentino e os Chakras (plexos). O Sadhana Tântrico desperta Kundalini, e faz com que ela se una com o Senhor Sadashiva, no Sahasrara Chakra. O método adotado para alcançar este fim no Sadhana Tântrico é a repetição (japa) de mantras como o Nome da Grande Deusa e vários rituais. 

O Tantra, em alguns dos seus aspectos, é uma doutrina secreta, é um Gupta Vidya. Você não poderá aprender sobre esses aspectos do estudo de livros. Você precisará adquirir o conhecimento e a prática de um Tantrika prático, o mestre Tântrico, e de Gurus que possuem a chave para isto. O estudante tântrico deve doar-se com pureza, fé, devoção, dedicação ao Guru, com ausência de paixão, humildade, coragem, amor cósmico, honestidade, contentamento, e sem cobiça. A ausência destas qualidades no praticante significa um grosso e mau uso do Shaktismo. 

Laya Yoga 

O Laya Yoga, segundo Swami Sivananda, é também um tipo de Kundalini Yoga. "É o processo de transmutar a energia física em luz (ojas). A consciência humana é levada através de graus diferentes de percepção até que se una ao Absoluto". Trata-se de uma modalidade de controle da natureza mental, partindo do pressuposto que se podem dominar as funções físicas e psíquicas e, assim, eliminar todos os bloqueios e barreiras no caminho espiritual.

A sua prática implica em pranayamas e bhandhas. Apenas o praticante pode sentir seus efeitos. O praticante desta técnica geralmente encontra-se sentado. Isso levou muitos livros a sugerirem que a postura sentada seja a melhor maneira de se praticar Yoga - imagem que se transformou no estereótipo ocidental do praticante de Yoga. Essa técnica consiste em práticas de respiração para eliminar as desarmonias físico-psíquicas, dominar o corpo físico, permitir ao Espírito Divino, que está eternamente unido ao ser, manifestar-se.

Raja Yoga 

O Raja Yoga, Dhyana Yoga,  "Yoga real" ou "união real", é um dos caminhos do yoga que se utiliza do domínio interno das atividades mentais, portanto é voltada para pessoas que tenham uma tendência à meditação. Através do Raja Yoga, pela reta-ação da mente, tornando-a introvertida, controlando e superando sua natureza e tornando-a estável, concentrando-a e meditando, o praticante atravessa o véu da ignorância e atinge a iluminação.

É considerada a síntese dos Yogas. Seu objetivo é a comunhão com o Divino, através da prática da meditação, conduta ética, serviço impessoal no mundo e veracidade. Nela estão incluídos os sistemas Karma (reta ação), Jñana (sabedoria) e Bhakti (amor). A prática do Raja Yoga consiste em pranayamas (controle do alento), irradiação de amor universal, namaskara (rendição total e irrestrita a Deus) e a compreensão do bhavana (conceito da Unidade Divina). A meditação proporciona ao praticante o despertar das potencialidades latentes e divinas do ser.

A Grande Deusa (Maha Devi)

No pensamento indiano existem muitos seres divinos (Devas), masculinos e femininos; e um Ser Absoluto (neutro), que é Brahman. Todas as divindades, como Brahma, Vishnu e Shiva, são manifestações de Brahman, não são independentes dele. Brahman está além da compreensão conceitual e racional, mas é descrito como tendo a essência da existência (Sat), da consciência (Cit) e da completude ou não-dualidade, que se manifesta como uma felicidade plena (Ananda). 

De acordo com a tradição indiana, todo o universo e todos os seres são também uma manifestação de Brahman. Existem períodos em que o universo é criado, se mantém durante um certo tempo, depois é destruído – e todos os Devas também desaparecem. Quando isso ocorre, resta apenas Brahman, indiferenciado, e nada acontece. É como se tudo estivesse adormecido – é a noite cósmica, ou noite de Brahman. Depois, Brahman se manifesta, o universo começa a surgir novamente, iniciando-se um novo ciclo cósmico. Brahma (um Deva masculino) é quem atua criando o universo, depois Vishnu é quem o mantém ou sustenta, e Shiva o destruirá. 

Segundo uma das tradições indianas (no Tantra), existe uma Deusa (Devi) que está acima de todos os Deuses. Ela é chamada de Maha Devi (a Grande Deusa), ou Shakti (a Poderosa). Sua característica principal, como o seu próprio nome diz, é o Poder. Ela é ativa, dinâmica, é considerada como a energia que move todo o universo (inclusive os Devas). Em comparação com ela, os Devas são inertes, inativos, passivos. Nessa visão, temos um conceito exatamente oposto ao que se desenvolveu no ocidente (e em outros lugares, como a China), segundo o qual a energia ou atividade seria uma característica masculina e a receptividade ou passividade seria uma característica feminina. 

Podemos encontrar alguns aspectos dessa concepção básica indiana na filosofia Sankhya, por exemplo. De acordo com o Sankhya, existem dois princípios cósmicos fundamentais. Um deles é a consciência (Purusha), que é um princípio masculino; o outro é o poder da natureza (Prakriti), que é um princípio feminino. Purusha é passivo, Prakriti é ativa. Todo o desenvolvimento do universo ocorre apenas por causa dos poderes da Natureza. Esses poderes (gunas) são três: tamas, rajas e sattva. Tamas é o poder da inércia, da tristeza, das trevas, da morte; rajas é o poder da vitalidade, do ego, da força, do prazer e da violência; sattva é o poder da luz, da felicidade e da sabedoria. Os três Devas principais do hinduísmo (Shiva, Brahma e Vishnu) estão associados respectivamente a esses três poderes (tamas, rajas, sattva). Esses Devas são seres que só podem atuar no universo porque a Grande Deusa lhe empresta uma parte de seu Poder. Nenhum deles tem todo o poder da Shakti. 

A mitologia indiana tem também muitas histórias que mostram que os Devas não são tão poderosos quanto a Shakti. Em alguns mitos, um demônio (Asura) muito poderoso vence todos os Devas (masculinos) e eles vão então pedir ajuda à Grande Deusa, que assume uma de suas formas mais terríveis (como Durga ou Kali) e destrói todos os demônios. 

A Shakti, ou Maha Devi, é o poder feminino absoluto. Há, no entanto, muitas deusas (Devis) diferentes. Cada um dos Devas, por exemplo, tem sua companheira (sua Shakti), sem a qual ele é incompleto. A Shakti de Brahma é Sarasvati, a de Vishnu é Lakshmi, a de Shiva é Parvati. Essas Devis são manifestações ou aspectos parciais, limitados, da Grande Deusa. No entanto, muitas vezes se identifica Parvati com a própria Shakti. 

Embora Shiva seja um Deva muito poderoso, ele não é nada, comparado com a Shakti. Ela é ativa, ela tem todos os poderes, ele não tem nenhum poder sem ela. Por isso, muitas vezes ele é representado como um cadáver acima do qual Shakti dança, ou com o qual ela tem relações sexuais. 

Enquanto Shiva e Shakti estão separados, o universo é dinâmico, ele se transforma, está ativo. Quando Shiva e Shakti se unem e se fundem em uma unidade, toda multiplicidade desaparece, o tempo pára. 

Shakti, o poder feminino, está presente, de acordo com o Tantra, em todas as coisas e todos os seres do universo – mas de forma muito mais forte e significativa nas mulheres. Da mesma forma, Shiva, seu complemento masculino, está presente também em todos os seres, mas especialmente nos homens. 

Manifestações da Shakti 

Vamos apresentar a seguir algumas das principais Devis, ou manifestações da Grande Deusa:

Sarasvati é a Deusa associada ao conhecimento, à música e às artes. Ela é a companheira de Brahma, o Deva responsável pela criação do universo. Juntamente com Lakshmi e Parvati, formam a trindade de Deusas (Tridevi). É geralmente representada com roupas brancas (às vezes amarelas), sendo associada a um cisne ou a um pavão. É identificada, muitas vezes, com deusas que aparecem nos textos indianos mais antigos (Vedas): Vak (a Palavra), Savitri ou Gayatri (nome da oração mais sagrada dos Vedas). É a Deusa asssciada à sabedoria sagrada, e por isso se diz que os Vedas são seus filhos. Seu nome quer dizer, literalmente, "aquela que flui", e estava associada a um rio, na mitologia antiga. Muitas imagens de Sarasvati a representam com quatro braços, em um dos quais segura um livro (os Vedas), em outra um rosário indiano (mala) com contas de cristal, representando meditação e espiritualidade, em outro um pote com água sagrada, representando purificação, e por fim um instrumento musical de cordas (Vina) que representa a perfeição nas artes. 

O nome Gayatri representa um tipo especial de métrica utilizada nos Vedas. Muitos hinos dos Vedas utilizam essa métrica, mas há um hino em especial que é chamado Gayatri Mantra. A deusa Gayatri é uma forma de Sarasvati, associada aos Vedas, uma representação feminina de Brahma. Ela costuma ser representada sentada sobre um lótus vermelho, com cinco cabeças. 

Lakshmi é uma deusa associada à riqueza, à prosperidade e à generosidade, protegendo seus devotos de problemas financeiros. Também está associada à beleza e encanto. É também chamada de Shri. Ela é a companheira de Vishnu, e tem diferentes nomes quando se casa com as diferentes encarnações (avataras) de Vishnu. Assim, ela é Sita, companheira de Rama, e Rukmini, esposa de Krishna. Com o nome de Mahalakshmi, ela é identificada à Shakti, ou Grande Deusa. Dois de seus aspectos são Bhudevi (a Deusa da Terra) e Shridevi (a Deusa luminosa), que são os aspectos complementares das forças da Natureza (Prakriti). Ela é representada em imagens que mostram uma linda mulher, com quatro braços, sobre um lótus, com bonitas roupas e jóias, distribuindo moedas (significando prosperidade) e acompanhada por elefantes que indicam seu poder real. O lótus representa perfeição espiritual e pureza. 

Radha é a principal companheira de Krishna, em muitos textos tradicionais. Ela é considerada a Shakti de Krishna e, algumas vezes, é identificada com a Grande Deusa. Assim como Shiva e Parvati, juntos, constituem o Absoluto, há uma tradição que considera que Radha e Krishna juntos constituem a Realidade Absoluta. Às vezes se descreve Radha como tendo se tornado uma esposa de Krishna, às vezes sua relação é descrita como um "amor eterno" (parakiya-rasa). O amor entre Radha e Krishna tem um significado esotérico, representando um amor divino e não mundano. 

Parvati é a deusa associada a Shiva. Ela é considerada uma representação da Shakti, ou Grande Deusa, especialmente nos seus aspectos de Mãe divina. As outras Devis são consideradas como suas filhas ou manifestações. Os devotos da Shakti a consideram como a Shakti suprema, incorporando toda a energia do universo. Embora seja apresentada como uma divindade benigna, Parvati também tem aspectos terríveis, como Durga, Kali, Chandi. Ela também tem dez aspectos complementares, as Mahavidyas. Suas formas benevolentes são Mahagauri, Shailputri e Lalita. O nome Parvati significa "a das montanhas", pois é considerada filha do Senhor das Montanhas (Himavan). Ela tem muitos outros nomes, como Gauri (a dourada), Ambika (a mãe), Bhairavi (a terrível), Kali (a negra), Uma, Lalita, etc. Na mitologia, Parvati tem dois filhos, Ganesha e Skanda, mas na tradição Shakta ela é a mãe de todos os Devas e Devis. O veículo (vahana) de Parvati é um leão ou tigre. A união de Shiva com Parvati é considerada como equivalente ao Absoluto, ou Brahman. 

O nome Durga significa "a invencível" ou "a inatingível". Ela é uma forma da Shakti invocada para superar situações de dificuldade e sofrimento. É uma forma guerreira de Parvati. É representada com dez braços, e seu veículo é um tigre ou um leão. Ela é considerada um poder auto-suficiente (svatantrya). Pode ser considerada como uma forma de Kali, embora suas aparências sejam distintas: Kali é negra, Durga é branca e radiante. Kali tem uma aparência horrível e é representada com símbolos associados à morte, Durga é linda e tem belos ornamentos de ouro, pérolas e pedras preciosas. Durga é uma representação da Shakti, e por isso é descrita como possuindo todos os poderes de todos os Devas. Na mitologia, ela surge para combater um demônio invencível, Mahishasura. 

Kali, também conhecida como Kalika, é uma Devi associada à morte e à destruição. Seu nome significa "a Negra", mas também está associado à palavra Tempo (Kala), podendo ser interpretada como o Poder do Tempo. Ela é uma forma terrível, guerreira e destruidora de Parvati, e é também a principal das Mahavidyas, as dez formas tântricas da Grande Deusa. Está associada a cadáveres, ao sangue, aos chacais e aos terreiros de cremação de corpos. Seus adornos são de cabeças humanas decepadas. Na literatura tântrica, Kali tem um papel central nos textos, nos rituais e na iconografia, sendo considerada como uma representação da Grande Deusa (Maha Devi) ou Shakti. Embora geralmente seja representada sob uma forma terrível, às vezes assume uma forma jovem e bela e seus aspectos positivos são indicados, por exemplo, na expressão Kali Ma (Mãe Kali). 

Chamunda é o nome de uma forma terrível da Grande Deusa, sendo uma das sete Deusas Mães e uma das principais Yoginis (um grupo de deusas do Tantra, que acompanham Durga). O nome Chamunda é uma combinação dos nomes dos demônios Chanda e Munda, que ela destruiu numa batalha. Muitas vezes, Chamunda é identificada com Kali. Ela é cultuada com sacrifícios de animais e oferecimento de vinho. Ela é representada com uma cor negra ou vermelha, com uma guirlanda de cabeças decepadas (como Kali). 

Lalita, "Aquela que Brinca", é o nome de uma forma benigna de Parvati. Ela é também chamada de Tripura Sundari, Shodashi e Rajarajeshvari. Pertence ao grupo das dez Mahavidyas. O nome Shodashi significa uma jovem com dezesseis anos, e representa dezesseis tipos de desejos. Lalita, ou Tripura Sundari, está associada ao Shri Yantra e ao Shri Mantra. O nome Tripura significa "Os Três Mundos" (Terra, Atmosfera, Céu) e Sundari significa "A Mais Atraente", ou "A Mais Bela". Assim, Tripura Sundari é a Deusa mais bela dos três mundos. Na iconografia, é sempre representada como uma linda jovem, geralmente com roupas vermelhas. O hino Lalita Sahasranama (os mil nomes de Lalita) descreve todos os seus atributos. 

O nome Mahavidya vem das palavras Maha (grande) e Vidya (sabedoria, revelação, conhecimento). É um grupo de dez deusas conhecidas como Deusas da Sabedoria por revelarem aspectos auspiciosos do conhecimento da Grande Deusa. Elas são: Kali, Tara, Tripura Sundari (ou Lalita), Bhuvaneshvari, Bhairavi, Chhinnamasta, Dhumavati, Bagalamukhi, Matangi, Kamalatmika. Cada um dos nomes da Deusa possui uma vibração especial. Eles são Mantras, e entonação correta, sob a orientação de um Guru, confere realização espiritual. A forma feminina confere bênçãos ao devoto, liberando-o do mundo material e da roda de reencarnações. 

A palavra Tantra significa teia (como a teia de aranha), tecido, rede. Indica a idéia de fios entrelaçados, unidos e formando um todo. Representa a idéia de que todas as coisas do universo estão conectadas, entrelaçadas, unidas entre si, através de uma espécie de fio invisível que forma essa união íntima de todas as coisas. 

Aquilo que une tudo, que está dentro de tudo, é o Poder divino (Shakti). Esse Poder está dentro de cada um de nós, e está também fora de nós. Penetrando em tudo, o Poder torna todas as coisas divinas. Porém, nosso modo comum de ver o universo e de vermos a nós mesmos não permite que enxerguemos essa perfeição de tudo. O Tantra, como prática, leva a uma transformação da pessoa, permitindo-lhe ver além das aparências e perceber a realidade divina em tudo. 

Uma parte da base do Tantra vem do pensamento indiano tradicional, podendo ser encontrada nas Upanishads, por exemplo, que enfatizam o conhecimento do Absoluto, Brahman, que está presente em todas as coisas, em todos os seres do universo. Outra parte, no entanto, é diferente. Pois o Tantra é essencialmente não-dualista, ele rompe com todo tipo de limitações impostas pelo pensamento racional, conceitual. E isso se reflete também nas práticas do Tantra, que não respeitam regras morais e éticas. Tudo aquilo que existe pode ser utilizado como um veículo para entrar em contato com a Divindade, nada é errado ou impuro. Desde que tenha desenvolvido a atitude espiritual correta, o praticante do Tantra pode vivenciar a perfeição em tudo. 

“Não existe nada que não se possa fazer e nada que não se possa comer. Não há nada que não se possa pensar ou falar, seja agradável ou desagradável. O Eu supremo existe dentro dele assim como nos outros seres. Assim considerando, o Yogi deve se aproximar da comida e da bebida e das outras coisas.” 

No ocidente, o nome Tantra está fortemente associado ao sexo. É utilizado às vezes como uma simples desculpa teórica para práticas sexuais sem objetivo espiritual. O Tantra indiano tem, é verdade, práticas de natureza sexual, mas isso é apenas um dos seus múltiplos aspectos. Fazer sexo e ter prazer não é nem o objetivo, nem o principal instrumento do Tantra. 

A tradição indiana nunca considerou o sexo como algo errado: os objetivos humanos listados nos textos clássicos indicam que as pessoas podem buscar a libertação espiritual (moksha), a ação correta no mundo (dharma), riquezas (artha) e prazer (kama). O famoso manual indiano sobre práticas sexuais, Kama Sutra, é um texto que fala sobre os modos de obter prazer – mas não é um texto tântrico. O que o Tantra adicionou foi o uso do sexo como um dos muitos modos de obter desenvolvimento espiritual através daquilo que nos atrai – pela união de moksha e kama.  

No entanto, sexo não é o centro do Tantra. O ponto central é obter uma transformação de nosso modo de ver a realidade, através de práticas que podem utilizar aquilo que desperta em nós emoções e sensações muito fortes. Através dessas práticas, o modo comum de funcionamento de nossa mente é ultrapassado, e surgem vivências espirituais completamente diferentes. Gradualmente, abre-se um canal de comunicação com a realidade divina, e por fim se estabelece um contato constante com esse estado de consciência. 

TEORIA DO TANTRA 

A filosofia tântrica é ensinada em muitos textos antigos, como os Puranas, e também em textos específicos, que se chamam também Tantras. Apenas no início do século XX alguns textos tântricos começaram a ser traduzidos para idiomas ocidentais, especialmente através do trabalho de John Woodroffe (mais conhecido por seu pseudônimo Arthur Avalon). As obras deste autor são o resultado de uma pesquisa muito profunda e séria sobre o Tantra. Atualmente, no entanto, há muitos livros sobre Tantra que são equivocados e que distorcem sua doutrina. 

Dentro do Tantra há diversas linhas ou correntes de pensamento e de prática. Pode-se dizer que os dois maiores grupos de pensamento tântrico são o Shivaísta (no qual Shiva é considerado a principal divindade) e o Shakta (no qual Shakti, a Grande Deusa, é considerada a principal divindade). Vamos apresentar aqui um esboço da doutrina tântrica Shakta.

Segundo essa doutrina, tudo o que se manifesta no universo como matéria, vida e consciência é o Poder Divino (Shakti). O Poder é feminino. É a Grande Deusa (Maha Devi), a Mãe de todos os seres e dos próprios Devas. Tudo o que existe brota dos órgãos genitais (Yoni) da Grande Mãe. 

Aquele que possui o poder é Shiva. Não existe Shiva sem Shakti, nem Shakti sem Shiva (Na shivah shaktirahito na shaktih shivavarjita). Shiva, sozinho, é semelhante a um cadáver (shava), pois ele próprio não tem poder. Apenas quando está unido à sua Shakti, Shiva se torna o Deva poderoso. Shiva é, essencialmente, a consciência inativa, é aquele que testemunha a ação da Shakti. 

A fusão íntima entre Shakti e Shiva é representada pela união sexual entre eles, ou por uma figura com os dois sexos (Ardhanarishvara), um lado sendo masculino, e o outro feminino. 

Shiva e Shakti, unidos, formam o Absoluto não-manifesto, ou Brahman, que pode ser descrito por Sat, Cit, Ananda. Quando estão unidos em um só, Parashiva e Parashakti são inativos e invisíveis. 

Esse estado corresponde à noite de Brahman, em outras tradições. Nessa união, Shiva pode ser pensado como um ponto, e Shakti como uma linha enrolada em torno deste ponto. Como a linha não tem espessura, é impossível distinguir o ponto e a linha. São uma única coisa. A criação do universo se dá quando Shiva e Shakti se separam, ou seja, com o surgimento da dualidade. Quando a linha (Shakti) se desenrola do ponto central (Shiva), surgem a meia-lua (Candra) e o ponto (Bindu) que aparecem na parte superior do símbolo OM.

À medida que se desenrola, a Shakti se manifesta sob a forma de um som primordial (Nada), e através do som ela começa a criar o universo. O som é um dos principais instrumentos do Poder, no Tantra. Através de algumas práticas, o Tantrika pode ouvir os sons primordiais produzidos pela Grande Deusa.  

Os seres do universo são descritos por nome (nama) e possuem uma forma (rupa). O som (shabda) e a palavra (vac) são manifestações da Shakti, que dão forma aos seres. 

A Shakti não apenas cria todos os seres, ela permanece dentro deles. A Shakti imagina o universo, por sua própria vontade, pelo prazer de criar, e se incorpora nele. O universo não tem essência própria, é vazio, mas ao mesmo tempo contém o absoluto. 

Em todos os seres do universo se manifesta o poder de Shakti e a consciência de Shiva. O Absoluto está presente em todas as manifestações do universo. Portanto, tudo o que existe é sagrado. No centro de cada coisa estão Shiva e Shakti, que contêm tudo o que existe. Por isso o Tantra afirma: “Aquilo que está aqui está em toda parte. Aquilo que não está aqui não está em lugar nenhum” (yad ihasti tad anyatra, yannehasti na tat kvacit). Tudo o que existe no universo é perfeito, divino, e Eu sou tudo isso, e tudo isso existe em mim. 
Toda a realidade e toda pessoa é, essencialmente, Shiva-Shakti, mas de forma específica todo homem é Shiva e toda mulher é Shakti. Perceber a realidade mais profunda disso é um dos caminhos para a libertação espiritual.

Embora nossa natureza seja divina, e tudo o que nos cerca também seja, nossa percepção usual da realidade é limitada, dualista, pobre. É a própria magia (maya) da Shakti que dá a aparência de finito ao infinito, de múltiplo àquilo que é uno, de específico (dotado de nome e forma) àquilo que não tem nome nem forma, de destrutível ao que é eterno. Ela envolve toda a criação divina, perfeita e ilimitada com um véu mágico, mas ela própria cria por toda parte as portas através das quais podemos atravessar a ilusão e chegar à percepção clara da realidade divina. Penetrando através de Maya-Shakti é possível atingir o absoluto, ultrapassando as limitações e dualidades.

A compreensão e o contato direto (vivência) da Shakti é um dos aspectos centrais do Tantra. A Shakti pode ser vista sob seus aspectos bondosos, como a Mãe (Ma) ou como a esposa / amante de Shiva, extremamente bela e sábia. No entanto, ela pode também ser vista sob seu aspecto destruidor, horrível, como Kali, que destrói as ilusões, aniquila as forças do egoísmo e leva as pessoas a verem a realidade divina. 

A pessoa em um corpo (jiva) conhece apenas os níveis mais baixos da realidade e se confunde com eles. No entanto, é possível se transformar, atingindo uma compreensão diferente da realidade. Às vezes se descreve essa transformação como uma libertação (kaivalya) ou como a união ao Eu Supremo (Paramatma). No entanto, o Tantra descreve esses processos de uma forma diferente. A pessoa viva (jiva) e o Eu Supremo possuem a mesma natureza, por isso eles não podem se unir. O Jiva não se liberta, ele pode apenas perceber que nunca esteve preso. Para isso, ele precisa penetrar através dos véus de Maya, a magia da Shakti, através da sabedoria (jñana) obtida através da vivência (vijñana), conhecendo diretamente a Shakti e tornando-se um jivanmukta e mantendo-se no mundo.

O objetivo não consiste em se afastar do universo criado por Shakti, e sim percebê-lo como ele é: infinito, absoluto, eterno, sem dualidades. Através do Shakti-Tantra, o adepto atinge a libertação voltando-se para fora e não para dentro. Adotando uma visão não-dualista (advaita), a doutrina do Tantra admite que tudo é igualmente puro e perfeito. Por isso, o Tantra permite obter a iluminação (moksha) desfrutando do mundo (bhoga).

PRÁTICA DO TANTRA 

Sob o ponto de vista prático, o Tantra desenvolve uma série de atividades que induzem estados alterados de consciência, transformam o praticante e o levam a uma percepção diferente da realidade. Essas vivências precisam ser compreendidas, para serem integradas à sua vida, e por isso o estudo teórico também é importante. Pela prática constante, a transformação do Tantrika vai se fortalecendo, levando a um contato contínuo com a Shakti. 

O Tantra utiliza muitos recursos empregados nas diferentes linhas do Yoga, como posturas (asanas), práticas de respiração (pranayama), meditação (dhyana), etc. A parte ética do Yoga de Patañjali (yama e niyama) não faz parte do Tantra propriamente dito; mas apenas pessoas que já tenham obtido um grande desenvolvimento ético podem ser admitidas no Tantra. 

Algumas das características centrais do Tantra são a utilização de rituais, o uso das coisas do mundo profano para atingir a realidade divina, e a identificação entre o microcosmo (o ser humano) com o macrocosmo. Um dos aspectos importantes das práticas tânticas é o controle da energia interna, que é um reflexo do Poder Cósmico (Shakti). 

Dentro do corpo, essa energia é representada por Kundalini, a energia em forma de uma serpente enrolada, que fica normalmente adormecida no chakra inferior (Muladhara). Através de práticas envolvendo respiração, posturas, meditação, mantras e outros elementos, o Tantrika desperta Kundalini e faz com que essa energia ative sucessivamente os vários chakras corporais, transformando o corpo energético  do yogi (a estrutura sutil, constituída pelos chakras e pelos canais – nadis – onde circulam os diversos tipos de prana). Este aspecto do Tantra está também presente no Hatha Yoga tradicional indiano, já que o Hatha Yoga surgiu como um ramo especial dentro do Tantra. 

São muito importantes no Tantra a recitação de mantras, o uso de imagens de devas e especialmente da Shakti, o uso de diagramas (yantras) para meditação, purificação (nyasa) do corpo, e muitos rituais especiais utilizando mantras e gestos com as mãos (mudras), geralmente feitos dentro de círculos especiais (mandalas). O culto e adoração (puja) da Grande Deusa é também essencial, no Tantra. 

Há rituais e práticas extremamente complexos, dentro do Tantra, e outras práticas que parecem simples. Todas devem ser aprendidas através dos ensinamentos diretos de um mestre (guru) que já tenha praticado e dominado essas técnicas. A união entre o discípulo e o mestre é fundamental, pois através dessa união o Guru consegue induzir estados alterados de consciência no discípulo e fazê-lo vivenciar coisas que ele não teria condições de conseguir sozinho, por seu próprio esforço. Práticas em grupo também são consideradas muito importantes, pois a união espiritual de várias pessoas, no Tantra, multiplica os resultados obtidos. 

Não existe Tantra sem vivências diretas dos aspectos sagrados do universo e de si próprio. E isso ocorre através de estados alterados de consciência, especialmente através de experiências de samadhi. Deve-se compreender que o samadhi não é o objetivo do Tantra (nem de nenhuma outra linha de Yoga), e sim uma prática especial, acompanhada por um estado alterado de consciência, que deve ser atingido repetidas vezes, produzindo aos poucos importantes efeitos no praticante.

A devoção à Grande Deusa (ou a Shiva, no caso da linha tântrica shivaísta) é também essencial, no Tantra. O praticante desenvolve um enorme respeito, admiração, amor e adoração pela Grande Deusa, e Ela se torna um foco central de sua vida. Sem essa devoção (bhakti) e sem a ajuda direta da própria Deusa, o Tantrika não atinge seu objetivo.  
Embora não se possa aprender as práticas do Tantra através da leitura de livros, é muito útil estudar os textos tântricos tradicionais para obter uma compreensão teórica daquilo que essa linha espiritual significa. 

Algumas linhas do Yoga possuem práticas “leves”, destinadas a melhorar a saúde física e psíquica da pessoa. O Tantra, no entanto, não está voltado para a obtenção de resultados desse tipo. É uma linha de trabalho mais radical, destinada a mudar toda a consciência do praticante. Por isso, não se deve iniciar práticas tântricas a menos que a pessoa queira deixar para trás seus valores, suas crenças e sua vida antiga, iniciando uma nova. É um caminho poderoso, mas que tem também riscos e um custo alto – ele exige uma morte do ego, para levar a uma transformação espiritual completa.