segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O Um além do Dez Kenneth Grant


Kenneth Grant
Aleister Crowley and the Hidden God, Capítulo 1, Skoob Books, 1992.

Em 1893, com a idade de dezoito anos, Aleister Crowley decidiu definir a Magick sobre uma base sólida e científica. Ele explica[1] que adotou a arcaica forma Inglesa de se escrever – magick – “a fim de distinguir a Ciência dos Magi de todas as suas deturpações”; através desta ortografia ele também pretendia indicar a natureza peculiar de seus ensinamentos, que possuem uma afinidade especial com o número onze, o Um além do Dez.

“K” (a última letra de Magick) é a undécima letra de vários alfabetos importantes;[2] é atribuída ao deus Júpiter, cujo veículo (a águia) é o símbolo do poder mágico em seu aspecto feminino; ela é o “símbolo daquele gigantesco Poder cuja cor é escarlate; e que possui afinidade com Capricórnio ou Babalon”.[3] A importância especial de Capricórnio (o Bode) é revelada por sua atribuição, na Tradição Indiana, a deusa Kali, cujo veículo é o sangue.

“K” é também Khn, Khou ou Queue simbolizado pelo ‘rabo’ ou a ‘vagina’, venerado no antigo Egito como a Fonte do Grande Poder Mágico. Magick, soletrada com o “K” portanto indica a natureza precisa da Corrente que Therion (Crowley) incorporou e transmitiu.

O número dez foi visto pelos qabalistas tradicionais como um número estável no sistema de Emanações divinas ou Sephiroth. O número onze foi considerado maldito, pois ele se encontrava fora do sistema de equilíbrio proposto pelos qabalistas. Therion, portanto adotou o número onze como sua fórmula.

N’O Livro da Lei, a deusa Nuit exclama: “Meu número é 11, conforme todos seus números que são nossos”, o que é uma alusão direta a A\A\, ou Ordem da Estrela de Prata – Argenteum Astrum – e seu Sistema de Graus.[4] Nuit é o Grande Exterior, representada fisicamente como “Infinite Space, and the Infinite Stars” (i.e. I s i s). Nuit e Isis são assim identificadas n’O Livro da Lei. Isis é o espaço terrestre iluminado pelas estrelas; Nuit é o exterior ou espaço infinito, a imortal escuridão que é a fonte oculta da Luz. Ela é também em um sentido místico o Espaço Interior ou o Grande Interior.

Crowley tomou conhecimento da existência de uma hierarquia de poder espiritual em 1898, ocasião em que ele leu A Nuvem sob o Santuário, por Karl von Eckartshausen. Ele tinha vinte e dois anos naquela época e cursava o terceiro ano do curso de artes em Cambridge. Em uma análise do livro A Nuvem sob o Santuário publicado em um artigo seu em sua revista The Equinox[5] (vol. I, no. 3), Crowley diz: “Foi este livro que me tornou pela primeira vez consciente da existência de uma assembléia mística e secreta de santos, o que determinou a minha dedicação por toda a minha vida [...] em me fazer digno de participar desta assembléia.”

Embora A Nuvem sob o Santuário tenha sido escrita na linguagem do Misticismo Cristão a idéia de uma hierarquia espiritual a qual ele sugere não está confinada a Cristandade. Ela pode ser encontrada no sistema Budista, na linhagem dos gurus do Hinduísmo Místico que precederam o presente Shankaracharya de Kanchi Kamakoti Peethan, no sampradaya ou linhagem de Ghoraknath, os Nath Siddhas e hierarquias similares.

Se a teoria da sucessão apostólica Cristã é verdadeira ou não e se o Dalai Lama representa uma linhagem sutil de Adeptos invisíveis, isso é um ponto discutível. Alguma forma de Ordem oculta indubitavelmente controla os movimentos de estrelas e planetas, e se as estrelas e planetas são governados nas infinitudes do espaço porque não também homens e mulheres nas finitudes da terra, pois, conforme expressa O Livro da Lei: “Cada homem e cada mulher é uma estrela.”

Depois que Crowley leu A Nuvem sob o Santuário ele aspirou contatar a Ordem oculta que o livro descrevia. Como resultado de seus esforços ele conheceu George Cecil Jones (Frater D.D.S.), um membro da Ordem Hermética conhecida mundialmente como Golden Dawn, cujo líder naquela época era Samuel Liddell MacGregor Mathers. Fora através de D.D.S. que Crowley tivera sido iniciado na Golden Dawn em 18 de Novembro de 1898. Ele assumira nesta ocasião o nome mágico Perdurabo (Eu Perdurarei), um mote indubitavelmente baseado em seu saber bíblico (herdado de seu pai, um fanático Irmão Plymouth[6]) de Mateus 24:13. Crowley ampliou o significado: “Eu Perdurarei até o fim, mas no fim não há nada para perdurar” – Perdurab-O. Isso não era um mero joguete de palavras mas um prenúncio da total aniquilação da personalidade que deveria ser conquistada se ele quisesse alcançar a total realização espiritual, a ‘abolição suprema’ conhecida espiritualmente como o Ordálio do Abismo.[7]

A Golden Dawn atraia pessoas que estavam insatisfeitas com as técnicas Maçônicas Cristianizadas ou não desejosas em aceitar os conceitos orientais filtrados através do brilhante, embora nem sempre sem falha, prisma da Sociedade Teosófica de Madame Blavatsky.

Um dos mais destacados membros da Ordem, a partir do ponto de vista de Crowley, era Allan Bennett (Frater Iehi Aour). Foi ele quem deu a Crowley seu embasamento no misticismo oriental. Foi Bennett também que mais tarde se tornou um monge Budista em Burma e que ao invés de introduzir Thelema no Oriente, como Crowley esperava que ele assim o fizesse, reverteu o processo e trouxe o Budismo para o Ocidente! Bennett foi um dos membros fundadores originais do Sangha Budista na Inglaterra.

Dentro de um ano em sucessivas iniciações, o avanço de Crowley na Golden Dawn havia sido tão rápido que ele atingiu o Grau mais elevado que Mathers poderia conferir[8] e, de acordo com uma nota autobiográfica não publicada datada de 1924, até o ano de 1903 Crowley foi o mais avançado Adepto (distinto de um Mestre) no mundo. Mas assim como em Cambridge, ocasião em que ele passou pelo Arrebatamento Budista da Dor tendo percebido a futilidade da conquista e ambição terrestre, agora, quase no pico da conquista espiritual ele fora tomado por um sentido similar de futilidade. Isso fora tão fundo em seu âmago que ele abandonara a Grande Obra.[9]

Em Agosto de 1903 ele se casou com Rose Edith Kelly quem, em um ano de casamento, fora a responsável e agente que o colocou em contato com uma Inteligência Oculta de Poder incalculável, uma Inteligência que permanecera ao seu lado até o fim de sua vida. Através desta Inteligência chamada Aiwass, Crowley recebeu O Livro da Lei em 1904.

Entre outras coisas, a Golden Dawn lhe ensinou uma técnica para adquirir a maestria do plano astral durante o qual o corpo astral do magista projetado é identificado com a forma divina de um Deus Egípcio. Quando praticava a assunção da forma divina, Perdurabo escolhera a forma de Horus, uma das mais velhas deidades conhecidas pelo homem. Ele selou a estrutura protoplasmática de seu corpo astral na imagem mentalmente formulada do falcão dourado (o veículo de Horus) e, naquela forma, ele explorou os aethyrs sutis do universo.[10]

A técnica para a assunção da forma divina nos rituais de evocação e banimento astral de entidades elementais e planetárias forma o extrato dos ensinamentos mágicos contidos em Liber O vel Manus et Sagittae, uma instrução da Golden Dawn que Crowley posteriormente publicou em The Equinox, vol. I, no. 2. (Veja também Magick, por Aleister Crowley, Routledge, 1973.)

A Golden Dawn passou por inúmeras mudanças devido às falhas de Mathers em manter uma ligação mágica com a Corrente oculta que formava a A\A\ (Ordem da Estrela de Prata) e a dissolução subseqüente de seus contatos com os Planos Internos através dos Chefes Secretos da Ordem. Em um manifesto dirigido aos membros da Segunda Ordem (R.R. et A.C.), Mathers deu mais do que uma simples sugestão do que este contato implicava:

Em relação aos Chefes Secretos com quem eu estou em contato e de quem eu tenho recebido a sabedoria da Segunda Ordem que eu lhe comuniquei, eu não posso dizer-lhes nada. Eu nem mesmo sei seus nomes Terrestres e eu os tenho visto com muita raridade em seus corpos físicos [...].
Eles costumavam me encontrar fisicamente em uma época e lugar fixados com antecedência. De minha parte eu creio que eles sejam seres humanos vivendo na Terra, mas imbuídos de poderes terríveis e super-humanos [...].
Meus encontros físicos com Eles têm mostrado-me quão difícil é para um mortal, ainda que “avançado”, suportar a presença deles [...].
Eu não quero dizer que durante meus raros encontros com Eles eu experimentei o mesmo sentimento de depressão física intensa que acompanha a perda do magnetismo. Ao contrário, eu senti que estava em contato com uma força tão terrível que eu somente a comparo ao choque que alguém receberia de um relâmpago durante uma grande tempestade, experimentando ao mesmo tempo grande dificuldade de respirar [...].
A prostração nervosa da qual eu falei foi acompanhada por suores frios e um intenso sangramento no nariz, boca e às vezes nos ouvidos.

Isso pode sugerir charlatanismo ou mesmo Teosofia, mas o fato que permanece foi que Perdurabo sucedeu Mathers e corrigiu suas falhas. Através da aplicação apropriada de seus métodos mágicos ensinados por Mathers, Perdurabo foi capaz de fixar sua consciência na harmonia recíproca com o que provou ser uma Inteligência indubitavelmente poderosa.

Através de repetidas assunções divinas na forma de Horus Crowley sintonizou sua consciência com as vibrações emanadas daquela esfera de complexo poder cósmico. Dessa maneira ele se preparou para a recepção d’O Livro da Lei, tecnicamente intitulado Liber AL vel Legis. Ele será referido daqui a diante simplesmente como AL.
AL é uma palavra Caldéia que significa entre outras coisas Deus ou Great Old One. Ele possui atributos elementais e planetários: Ar para letra ‘A’; e Vênus para letra ‘L’. ‘A’ significa o Espírito Criativo (prana), e ‘L’ significa a Mulher Satisfeita ou preenchida com energia criativa. As Chaves Taróticas relevantes são intituladas O Louco e O Ajustamento, Atus 0 e VIII respectivamente. O significado interno destas chaves emergirá durante o curso deste livro.

AL fora transmitido a Crowley por uma Inteligência desencarnada chamada Aiwass em 1904. Precisamente por uma hora, de 12:00 as 13:00 p.m. nos dias 8, 9 e 10 de Abril, enquanto Crowley se encontrava no Cairo, Aiwass ditou a substância do livro que forma o documento mágico mais importante do Novo Aeon. Um relato completo deste acontecimento é dado por Crowley em suas Confissões, e em detalhes mais técnicos em O Equinócio dos Deuses.

Os Chefes Secretos não somente autorizaram Perdurabo a suplantar Mathers como Chefe da Golden Dawn, Eles tornaram claro que ele havia sido escolhido para estabelecer uma nova época na evolução da consciência planetária sobre a qual o “deus” Horus presidirá nos próximos dois mil anos.

Mudanças de aeon ocorrem periodicamente em intervalos aproximadamente de dois mil anos, a mais recente tendo ocorrido em 1904 quando Horus suplantou Osíris como o veículo típico da Corrente Mágica que agora infunde a aura do planeta.

Aiwass ou Aiwaz como é às vezes soletrado,[11] declara ser o “ministro de Hoor-paar-Kraat”, uma forma de Horus genericamente conhecida como Seth ou Shaitan.[12]

Os três capítulos do AL são a manifestação em Discurso do Deus do Silêncio, Hoor-paar-Kraat.[13] AL se aproxima em alguns importantes aspectos dos Tantras do Extremo Oriente pelo fato dele ser transmitido na forma de ensinamentos conferidos por um “deus” a sua sakti (veículo de poder); neste caso particular, Aiwass a Perdurabo, que é descrito no AL como o “sacerdote escolhido & apóstolo do infinito espaço é o príncipe-sacerdote a Besta”.

Essa descrição do “sacerdote escolhido” deve ter assustado Crowley forçosamente, pois em sua adolescência ele havia passado por uma experiência interior vívida que ele descreveu como “um sentimento apaixonado de identificação com a Besta 666”.

A Besta 666 é o Dragão com sete cabeças mencionado na Revelação. Seu significado oculto mostra de que maneira o número 666 é “o número do homem”, pois as sete cabeças representam as sete estações da Estrela Polar, cada uma da qual “caía” ou afundava em vastos intervalos periódicos que duravam um período de vinte e seis mil anos para se completar o processo inteiro. Isso constitui um Grande Ano no Ciclo de Precessão. O simbolismo é astronômico bem como místico. As sete cabeças da besta foram tipificadas por várias imagens que possuíam seus protótipos terrestres como símbolos de poder mágico. A queda e desaparecimento final da sexta cabeça abriu caminho para o homem, i.e. a estrela representada pela primeira imagem humana que havia sido constelada nos céus, o sinal de Heru, Horus, o herói ou Hércules de uma astro-mitologia Grega posterior.[14]

A imagem da Besta, Dragão ou Serpente de sete cabeças formava o desenho no Piso da Cripta dos Adeptos[i] na Golden Dawn. Para cada uma das cabeças fora designado um nome de uma força demoníaca ou qliphótica, o número o qual é onze.

Uma outra afinidade entre o AL e os Tantras é que os Tantras são aceitos, não somente por sua antiguidade, mas porque eles provêm de uma autoridade supra-humana que comprova suas origens. Existem outras similaridades aos Tantras, mas também uma grande dissimilaridade no fato de que os tântricos (especialmente aqueles da Divisão Sakta) evitam o uso do número onze porque ele é considerado nefasto. Este número, que desempenha um fator fundamental no Culto de Crowley, foi comentado de maneira adversa por Dion Fortune:

Magick de Crowley é valioso para o estudante, mas somente o avançado poderá usá-lo com proveito. A fórmula com que Crowley trabalha seria considerada adversa e maligna pelos ocultistas acostumados à tradição qabalistica, já que usa o 11 no lugar de 10 como base para a bateria de golpes nas suas cerimônias mágicas, sendo o 11 o número dos Qliphoth. Nenhum aviso como este é dado em seus textos e é uma brincadeira de muito mau gosto para o estudante desprevenido.[15]

Onze é o número dos Qliphoth, o resíduo desequilibrado, descartado e, portanto exterior, aos dez Sephiroth, mas o homem deve triunfar sobre estas forças desequilibradas em sua própria natureza antes que ele se transforme em um mestre magista. A fim de fazê-lo ele primeiro deve evocar os Qliphoth, o que ele faz no traçar o Pentagrama invertido (a Estrela de Seth) após ele ter estabelecido sua supremacia mágica equilibrando em si mesmo os cinco elementos representados pelo Pentagrama com a ponta para cima (a Estrela de Nuit). O magista é em si o onze porque ele está para sempre fora e além da operação dos dez, i.e. os dois Pentagramas.

Similarmente, a Besta com Sete Cabeças alcança sua apoteose no poder óctuplo chamado Baphomet, o glifo do andrógeno que oculta o segredo da fórmula secreta de Mudança através da polaridade sexual na forma humana. Esta é a fórmula da magick sexual baseada na Resurgência Atávica (veja Capítulo 8).

Crowley sempre manteve uma atitude positiva considerando o fato importante que onze implica o Caminho de Aleph na Árvore da Vida, o Caminho que transmite a Luz de Kether, o Pai, para Tiphereth, o Filho. Esse Caminho simboliza a transmissão da Luz Superna para o Magus (Chokmah) através da fórmula da Loucura Divina. O Caminho de Aleph é o Caminho da Sabedoria ou da Loucura. Aleph é soletrada – [la – totalizando 111; onze na grande escala.

No Livro de Thoth a letra ‘A’ é atribuída a Primeira Chave, O Louco, e o número desta Chave é Zero. Nós assim alcançamos a raiz da fórmula chave de Crowley: 0=2, que é uma antiga fórmula Chinesa.[16]

A soma da Unidade (1) e seu reflexo (também 1) simbolizado pelo número 11 é a Díada, o número Místico da Mulher, o divisor em dois (i.e. como mãe e criança). Para mulher é atribuída a letra Beth, que significa ‘casa’ ou ‘ventre’ e 2 é o seu número. Então onze, a forma dinâmica de dois, é o número da magick que utiliza as forças sexuais e a mulher para recriar a ilusão do universo.

O Selo Secreto da A\A\ é uma Estrela de onze partes; novamente, o Um além do Dez. A Palavra da Lei anunciada por Aiwass é Thelema (Vontade) e é expressa no AL na frase de onze palavras “Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei!”

Existem onze linhas no lado oposto da Estela da Revelação que é o talismã mágico do presente Aeon de Horus; Crowley se tornou um Magus 9°=2 A\A\ com o mote To Mega Therion – A Grande Besta – onze anos após a recepção do AL por Aiwass.

A magick do Aeon de Horus consiste na realização da identidade de Kether (Nuit) e Malkuth (Hadit); os números destes Sephiroth são 1 e 10 respectivamente. Sua união na consciência do magista produz Tiphereth, o Filho-Sol, Horus, Senhor do Aeon.

A fórmula mágica da Grande Obra que é o processo de unir ambos na consciência é Abrahadabra, a Palavra de Poder de onze letras. Na Operação Cephaloedium Crowley descreve “O Forte” ou Casa de Horus (a “Casa de Deus” mencionada no AL) como o “Aeon de onze torres”. Em vista as referências de Crowley em relação à adoração de Shaitan como sendo equivalente a adoração de Had ou Hadit, é interessante comparar os onze templos conectados a seita dos devotos de Shaitan que ainda existem no deserto Sírio nas vizinhanças de Bagdá.

O nome mágico de Crowley na O.T.O. foi Baphomet, o nome óctuplo, Octinomos, o Mestre Magista. Baphomet também possui onze partes, conforme representado pela Cruz Baphomética. Ele simboliza não somente os onze Sephiroth, mas também o Um além do Dez que penetra no sistema a partir de Fora (Nuit).

“A Fórmula da Força é Onze-em-Um e Um-em-Onze, que é 418.”[17] Isso significa que Abrahadabra que possui a numeração de 418 (número da Grande Obra) é Uma Palavra consistindo de Onze letras – portanto Onze-em-Um. Achad, o centro ou coração de Abrahadabra é Hadit ou Shaitan; ele é também a palavra Caldeia que significa Um (Unidade): assim, Um-em-Onze.

As teorias mágicas que sustentam as fórmulas da assunção de formas divinas são de uma importância vital para compreensão de seu refinamento e de sua posterior revitalização feita por Crowley. O mascarar-se com deidades com cabeça de animais, o uso de pelos, chifres, peles, órgãos bestiais e etc. eram atitudes tomadas com a finalidade de assimilar os poderes super-humanos possuídos por certos animais.

Essa fórmula que era muito utilizada pelos feiticeiros do mundo antigo causava um efeito profundo sobre a psicologia do operador. Isso porque o homem evoluiu das bestas, ele possui – profundamente aterrado em seu subconsciente – as memórias de poderes super-humanos de que uma vez possuiu. Cada animal tipifica um ou mais poderes: força e sutileza para o leopardo; visão noturna para o gato, coruja e morcego; poder de lidar rapidamente com a morte para serpente; o poder de transformação para hiena e assim por diante. Qualquer atavismo requerido poderia ser evocado pela assunção da forma divina apropriada.[18]

O processo era conhecido a Iniciados como a fórmula do Macaco Divino, sendo o macaco uma imagem da ligação primitiva entre o homem e a besta. Ele fora também um símbolo do corpo astral e da qualidade reflexiva da luz astral que imitava as imagens impressas nela através da vontade do magista. A assunção da forma divina é, portanto uma imitação do poder super-humano que é desejado evocar.

Em um trabalho sobre Clarividência, MacGregor Mathers observou que as formas específicas de animais são significativas, mesmo no plano mundano, e no plano astral uma ênfase maior é dada ao caso. No caso do macaco a fórmula foi realmente representada em um rito sexual a que Crowley se refere em seus comentários sobre Liber 418.

A Mitologia Clássica é repleta de exemplos da assunção sexual de formas divinas. Zeus se unia a Europa como um touro, Leda como um cisne, Asterie como uma águia e Deois como uma serpente pintada. Poseidon, como um touro, seduziu Arne; como um carneiro, Teofane. Cronos como um cavalo, cobriu Filyra gerando o centauro Chiron e etc. Existe também o mistério bíblico de Maria e a Pomba.

Crowley interpreta esta fórmula como uma unificação mágica de consciência larval, característica das fases pré-humanas de vida, como o produto último de uma vontade humana exaltada e iluminada: a exaltação dos atavismos pré-evais[ii] para a consciência cósmica através da magick psico-sexual. A Esfinge é a mais celebrada imagem deste conceito. Crowley a descreve como a “deificação do bestial, portanto um hieróglifo apto para Magnum Opus”.[19] Em outras palavras, ela simboliza a fórmula que une e causa pela força cósmica o encontro da besta e deus através do intermédio do homem.

O uso ritual de máscaras, particularmente aquelas dos deuses do antigo Egito – um falcão para Horus, um chacal ou raposa para Anúbis, uma íbis ou macaco para Thoth, um crocodilo, dragão ou asno para Seth, um hipopótamo para Ta-Urt – é um meio de identificação com os estratos subconscientes correspondentes aos atavismos remotos.

O subconsciente responde a Theurgia Mágica apropriadamente aplicada, em alguns casos, mesmo para cirurgias cerebrais. O trabalho de Wilder Penfield “tem demonstrado isso durante as operações cerebrais [...] o estimulo do lóbulo temporal do cérebro pode realmente reproduzir um sentido de experiência plena de vidas passadas como se as lembranças ocorressem há poucos dias. Isso fora descoberto quando pacientes epiléticos foram tratados cirurgicamente.”[20]

Está claro a partir da natureza de algumas instruções da Golden Dawn que seus Chefes eram completamente conscientes da significação oculta dos animais em tradições arcanas antigas. Em um resumo de tais instruções Perdurabo observa que, macacos p.e. são “o resultado adulterado de antigos esforços mágicos para se formar uma ligação direta com animais”, i.e. com estratos pré-humanos de consciência, aqueles estratos que continham energias super-humanas em forma latente.

Em Magick without Tears,[21] Crowley observa que “em certos tipos de animais parece, se a tradição tiver algum peso, haver uma curiosa qualidade [...] que os capacita a assumir às vezes a forma humana. [...] Lobos, hienas, grandes cães de caça e ocasionalmente leopardos. Contos de gatos e serpentes são usualmente invertidos; é o humano (quase sempre feminino) que adota estas formas através da bruxaria. Mas no antigo Egito [...] os papiros estavam repletos de fórmulas para se operar tais transformações.”

Os magistas da antiguidade eram profundamente versados nesta técnica e formas aliadas. Através da assunção da forma e natureza da deidade, eles se transformavam em veículos da energia elemental tipificada pela deidade. Foi a freqüente assunção de Crowley da forma divina de Horus, como o falcão dourado, que o capacitou a invocar as energias mágicas do Novo Aeon que estavam latentes no subconsciente racial na forma de atavismos animais.

Os animais foram às primeiras formas sensientes da corrente primitiva de consciência que procedeu de uma fonte extraterrestre. Eles eram na verdade as formas primitivas das energias cósmicas ou “deuses”, suas formas divinas literais, e posteriormente à assunção destas formas pelo homem foi um método mágico de contatar a corrente de consciência que primeiro penetrou neste planeta através de “fora”.

Aiwass é a ligação, o corredor através do qual o Impulso foi transmitido da fonte de consciência extraterrestre, i.e. Aiwass foi um “mensageiro das forças que regulavam a terra no presente”.[22] A locação daquela fonte e a natureza daquelas forças ou “deuses” são mistérios ocultos no AL.

Antes que se originasse com Crowley, este Impulso o incluiu e expandiu seu alcance. Aiwass é tanto um conceito subjetivo e individualizado e uma entidade objetiva e cósmica. Isso explica como Aiwass é uma parte da consciência subliminar de Crowley e uma entidade independente identificada com a energia cósmica.

A partir da época em que Crowley adentrou a Golden Dawn em 1898 até a recepção do AL em 1904 e por diversos anos após, o sexo não havia tido para ele nenhuma significação oculta, ele o usava no curso normal das eventualidades de sua vida. Sua utilização casual, contudo, durante o seu período de treinamento mágico explica seu progresso rápido na Ordem. Os efeitos da fórmula do Macaco Divino, aumentados pelo uso do sexo em sua vida pessoal, misteriosamente libertaram sua Serpente de Poder (Kundalini). Entretanto foram muitos os anos antes que Crowley reconhecesse Aiwass como um ser idêntico a seu Daemon, seu Gênio ou Sagrado Anjo Guardião.

Aiwass, o “ministro de Hoor-paar-Kraat”, portanto equipara-se com o “Lúcifer solar-fálico-hermético; O Demônio, Satã ou Hadit de nossa unidade particular do Universo Estrelado. Esta serpente, Satã, não é inimigo do Homem, foi Ele quem fez os Deuses de nossa raça, conhecendo o Bem e o Mal, Ele declarou ‘Conhece-te a ti Mesmo!’ e ensinou a Iniciação.”[23]

Crowley tipifica a Verdadeira Natureza em todo homem e mulher, a Verdadeira Vontade, por um Sátiro,[24] uma forma de Sat-An ou Seth, Shaitan-Aiwass, o Deus Oculto.

Notas do tradutor

[1] Em Livro Quatro, parte II. Incorporado em Magick em Teoria & Prática.
[2] P.e. o alfabeto Caldeu, Grego e Latim.
[3] Babalon, a Mulher Escarlate, o veículo ou sakti da Besta 666. Veja Capítulo 2.
[4] Veja o Sistema de Graus atribuído à Árvore da Vida, Figura 1.
[5] The Equinox, o órgão ‘oficial’ de divulgação da A\A\, ou Estrela de Prata, aparecia semestralmente nos equinócios de primavera e outono. O conteúdo da revista era composto em grande parte de escritos do próprio Crowley. O primeiro volume consistiu de dez números publicados entre 1909 e 1913.
[6] Irmandade fanático-religiosa Calvinista originada em 1830 em Plymouth.
[7] Veja Glossário.
[8] Mathers era um Adepto Exempto, 7°=4, da Ordem Interna, o Grau imediatamente abaixo do Abismo, o Véu que separa a A\A\ das outras Ordens, Rosa Cruz e Golden Dawn. (Veja Árvore da Vida, Figura 1.)
[9] Veja Glossário.
[10] Os aethyrs são dimensões extraterrestres e transfinitas. Eles formam a base do sistema Enochiano do Dr. Dee. Algumas das visões de Crowley em suas explorações dos aethyrs são descritas em Liber 418. Veja também a invocação que começa “Eu subi! Eu subi! Como um poderoso falcão de ouro...” Orpheus, um poema de Crowley, 1905.
[11] Veja glossário.
[12] Para um relato deste aspecto de Horus veja O Renascer da Magia, Kenneth Grant, Madras 1999.
[13] Uma forma Egípcia do Deus Grego Harpocrates.
[14] Veja Egito Antigo, Gerald Massey, Capítulo 9, onde este assunto é tratado em detalhes.
[15] Magia Aplicada (Fortune).
[16] (+1)+(-1), ou 2, quando unidos, anulam um ao outro se tornando o Nada. Esta é a expressão matemática da polaridade que está por trás da união dos opostos, as cargas ativas e passivas ou positivas e negativas de energia elétrica. É, portanto uma fórmula mística da magick sexual. Os antigos Chineses inventaram-na para explicar a emergência da manifestação (ou dualidade) do vazio (zero) e seu retorno a este estado após o ato de criação ter sido realizado.
[17] Veja The Magical Record of Beast 666.
[18] Patanjali, que formulou um grande sistema de Filosofia Yogi, declara que “através do samyama sobre a força de um elefante ou um tigre, o estudante adquire aquela força”. (Citado por Crowley em Magick em Teoria & Prática).
[19] Veja The Bagh-i-Muattar, por Aleister Crowley, cap. 40.
[20] Veja Mecanismos da Memória, Wilder Penfield.
[21] Uma coleção de cartas escritas por Mestre Therion a membros da O.T.O.
[22] Crowley, introdução do AL de uma edição limitada de 1938.
[23] Magick em Teoria & Prática. Compare com a Doutrina Secreta de Blavatsky, vol. II, onde será visto que os ensinamentos de Blavatsky influenciaram Crowley profundamente.
[24] Veja The Equinox vol. III, no. 1, a descrição do frontispício.

[i] Veja O Renascer da Magia de Kenneth Grant. Madras, 1999. Veja o desenho no frontispício da capa. Veja também Hidden Lore, Capítulo 10.
[ii] Grant utiliza o termo para definir formas de consciência primitiva profundamente aterradas no subconsciente.