sábado, 3 de fevereiro de 2018

THELEMA DO AEON DE HÓRUS OU DO LOGOS SOLAR



Primeiramente, devemos entender que a maioria das escolas esotéricas buscam fortalecer a Força de Vontade de seus membros. Mas a Vontade da Thelema não é o mesmo que Força de Vontade. Essa é uma característica psicológica do homem, não se compara a Thelema, que transcendente o mundo humano.

Percebemos que o Dr. Krumm-Heller também individualizou a Vontade Divina como ensinado pela Lei da Thelema. A busca por Cristo não é o mesmo que pregado nas Igrejas. A Fórmula da Thelema para o Aeon de Hórus é "Faze o que tu queres, há de ser o todo da Lei" (AL I:41) e foi modificada por Dr. Krumm-Heller para “Haz lo que quieras. Esta es la única Ley; pero piensa que de todos tus actos tienes que dar cuenta. Fíjate en esto, que lo que emana de esta Ley, arranca de estas 5 fuentes; ¡Luz! ¡Amor! ¡Vida! ¡Libertad! ¡Triunfo!” (tradução nossa: Faze o que tu queres. Está é a única Lei; porém pensa que tereis de dar conta de todos os seus atos. Atenta nisto, que a emanação desta lei brota destas cinco fontes: Luz, Amor, Vida, Liberdade e Triunfo!). Ou seja, mesmo que a fonte da Vontade seja externa ao homem, na figura do Crestos Solar, seu cumprimento depende de como o homem expressa isso, como é dito na advertência kármica do Mestre Huiracocha, tereis de dar conta do seus atos.

Por suas raízes no Teosofismo, vemos que a identificação com a divindade se faz no Eu Superior. A Thelema não brotaria nos corpos inferiores, pois como é dito por Crowley: “'fazer sua Vontade' não é o mesmo que 'fazer o que se deseja'. A Lei é a apoteose da liberdade; mas é também a mais estrita das injunções” (Liber II). Vivendo a Lei da Thelema, o Eu Superior atuaria sobre os corpos inferiores. Rudolf Steiner explica que o corpo astral, assim espiritualizado por um trabalho consciente do homem, será transformado naquilo que ele denominou de Personalidade Espiritual. Essa atuação será do Manas sobre o Corpo Astral, posteriormente, o Espírito Vital (budhi) será o Corpo Vital transformado e, por fim, o Homem Espirito (atmã), o Corpo Físico transformado. Vemos nisso grande proximidade  do conceito de Personalidade Espiritual com a Verdadeira Vontade.

Cristo é a Luz do Logos Solar e essa Luz modifica nosso Corpo Astral, tornando um Corpo Astral Cristificado. O Crestos Mediador. Com esse veículo chegamos ao Pai Solar. Crowley alude sobre isso:

“Tu deves (1) Descobrir qual é a tua Vontade. (2) Fazer aquela Vontade (a) de modo unidirecional, (b) desapego, (c) paz. Então, e somente então, tu estarás em harmonia com o Movimento das Coisas, tua vontade será parte de, e portanto igual, à Vontade de Deus. E já que a vontade é nada mais que o aspecto dinâmico do ser, e já que dois seres diferentes não podem possuir vontades idênticas; então, se a tua vontade for a vontade de Deus, Tu és Aquele”.

Concluímos, que a consciência Cristônica do Logos Solar não é a ética moralista pregada nas igrejas. Mas também não surge como revela Crowley. Seria como a experiência mística de Pentecostes ou de Paulo de Tarso. Nesse último, o próprio Cristo em espírito encontrou com Paulo nas portas de Damasco, ou seja, Cristo veio até ele. Nesse estado de União Mística com a Vontade Divina, muitos anos transcorreram até que Paulo se harmoniza completamente com a Divindade. Se Cristo pode expressar-se individualmente, então, há uma Verdadeira Vontade para cada ser humano.

ADENDO: AMOR E ÊXTASE

Os atos de Thelema são atos de amor. Crowley explica que a Vontade é a Lei e a natureza daquela Vontade é o Amor. Como dito no axioma: “Amor é a lei, amor sob vontade”. Mas este Amor é como se fosse um subproduto daquela Vontade; ela não contradiz nem substitui aquela Vontade (Liber II).

Explica São Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, que o Amor produz o êxtase. Ora, sendo todo amor semelhante ao amor divino, resulta que todo amor causa o êxtase que faz meditar no ser amado e faz abstrair dos outros, levado para fora de si mesmo. Aqui lembramos do conceito Rosa-Cruz de Crowley, a união dos opostos, dos amantes em um amor orgástico. No livro Logos Mantram Magia, o Dr. Krum-Heller escreve: “Deus se manifesta sempre como Deus, mediante a linguagem e a escrita. O que no estado físico é o som ou tom, é o Êxtase no plano espiritual. O mais sublime é compreensão extática, como resultado ou síntese dela, é a ascensão à Deus” (tradução nossa).

No entanto, esse amor para o Dr. Krumm-Heller é o Amor Consciente. Como advertido por ele (“tereis de dar conta do seus atos”). Assim, como há uma busca para descobrir a Vontade Divina, há uma busca para descobrir o ritmo perfeito do Amor em cada ser. Finalizamos com um trecho do livro Biorritmo:

“Amem uns aos outros. Essa é a Lei Suprema, a Lei que tudo rege, que a tudo harmoniza (...). Mas é preciso não perder o nosso lema: Faz o que tu queres. Ou seja, faça tua vontade. Cumpra como entendas. Procede como quiser. Mas... sempre dentro desse grandioso mandamento do Amor. Nosso próprio Mestre, nosso Ego Interno, quer AMAR constantemente. Constantemente quer harmonia. Luta a todo o momento para encontrar sua nota (...). Até que um dia, uma delas, a mais preciosa, a única, vibrará em toda a sua extensão o ritmo do Amor” (tradução nossa).



IAO, o Nome Secreto de Deus

Texto de Acauã Silva. Os leitores do blog podem solicitar que seus textos sejam publicados no Alvorecer. Para isto, basta enviar email para contato@oalvorecer.com.br com seu artigo e iremos analisá-lo para, se aprovado, posterior publicação.

IAO é a pronunciação sagrada do “nome inefável” do sagrado Tetragramaton que é o Ancião dos Tempos, nosso Pai Celestial, o Antigo dos Antigos, o Único Deus Verdadeiro.

O papiro encontrado entre os Manuscritos Essênios de Qumrán do Mar Morto tem escrito o nome de Deus em letras gregas “IAW” (IAO), de um dos textos do Levítico 3:12 e 4:27. Este antigo texto grego do Levítico, o nome de Deus está escrito IAW, a leitura de IAW é mais original que a Kurios ou Kyrios (Senhor), que não é a palavra hebraica “YHWH”, que só é encontrada no Tanakh (Antigo Testamento).

Esse papiro representa uma antiga versão da escritura grega que contem a transliteração do sagrado Tetragrama hebraico em forma do sagrado Trigrama grego IAW. Yahweh é o nome do deus oficial de Israel, tanto no reino do norte e Judá. Desde o período Aquemênida, religiosos criaram o costume de não pronunciar o nome do Senhor; na liturgia, bem como na vida cotidiana. Para os judeus do século V a.C, estabelecidos no Egito, o Deus Supremo do Céu era chamado com o nome de “Ya'u” (Yahu), cuja pronunciação secreta é “IAHO”, “IAO”. A forma como “YAU”, que ao ser transliterado ao grego toma a forma “IAW”.


A Fórmula Mágica IAO

“IAO” é um poderoso mantra (palavra de poder, ou o poder) ligada a ritos de iniciação, a magia sexual e alquimia de práticas sexuais.

Se entendemos que o “IAO” gnóstico corresponde “AUM”, o som da criação na tradição védica, e também corresponde ao “AMEN”, da tradição cristã, não podemos deixar de ficar aterrorizado diante do poder imaginativo e evocativo inerente a ela, e os efeitos que isso pode resultar na mente, corpo e alma do iniciado.

Aleister Crowley e IAO

Vou começar a falar sobre o valor que Crowley deu esse “mantra”. Crowley exorta o advento do novo Aeon presidido por Hórus (filho de Ísis e Osíris), dos quais nos lembramos que “IAO” é um dos muitos nomes.

Esta fórmula é a principal e mais característica de Osíris, da redenção da humanidade. “I” é Ísis – Natureza – despedaçada pelo “A”, Apophis – o Destruidor – e restaurada à vida pelo redentor “O”, Osíris. Existe uma fórmula bem diferente onde “I” é o Pai, “O” a Mãe e “A” a criança. A mesma ideia é expressa na Fórmula Rosa Cruz da Trindade: “Ex Deo nascimur; In Jesus morimur; Per Spiritum Sanctum reviviscimus” (Por Deus nascemos; Em Jesus morremos; Pelo Espírito Santo renascemos).

Ísis é a natureza idílica e perfeita, estuprada por Apophis e glorificado por Osíris: a doutrina da morte e ressurreição. Enquanto no nível microcosmo do homem, Ísis é a condição do status quo do próprio homem; Apophis, o devorador do Sol, é o poder mágico que é desencadeada com a Iniciação, e Osíris é o novo homem, e reintegrado na sua função divina.

Ela também é idêntica a palavra Lux, “L.X.V”., formada pelos braços de uma cruz. Esta Fórmula se relaciona com aqueles antigos e modernos monumentos em que o “fallus” é adorado como salvador do mundo.

A doutrina da ressurreição tal como vulgarmente compreendida é falsa e absurda. Não está sequer nas “Escrituras”. São Paulo não identifica o corpo glorificado que se ergue com o corpo mortal que perece. Pelo contrário ele repetidamente insiste na diferença. O mesmo se passa numa cerimônia mágica. O Magista é realmente destruído por absorção Divina. O miserável autômato, mortal, permanece no Círculo.

Mas antes de entrarmos nos detalhes de “IAO” como Fórmula Mágica, deve ser observado que é essencialmente a fórmula da Yoga ou meditação, de fato, o misticismo elementar em todos os seus ramos.

Ao iniciarmos uma prática de meditação, existe sempre um prazer sereno, um gentil crescimento natural; nós nos interessamos vivamente no trabalho, parece fácil, estamos muito contentes de termos começado. Este estágio representa Ísis. Mais cedo ou mais tarde ele é sucedido por depressão – a Noite Obscura da Alma, um infinito cansaço e desagrado pelo trabalho. Os atos mais simples e mais fáceis se tornam quase impossíveis de serem executados. Essa impotência é tão forte que a mente se enche de desespero. A intensidade deste desgosto dificilmente poderia ser compreendida por qualquer pessoa que não o experimentando em si mesma. Este é o período de Apophis.

É seguido pelo surgimento não de Ísis, mas de Osíris. O antigo estado não é restaurado, mas um novo e superior surge, um que só tornou-se possível através do processo da morte.

Os Alquimistas ensinaram esta mesma verdade. A primeira matéria da obra era grosseira e primitiva, se bem que “natural”. Após passar por vários estágios, o “dragão negro” aparecia, mas dele surgia o ouro puro e perfeito.

Mesmo na lenda de Prometeu encontramos uma fórmula idêntica e uma observação semelhante se aplica as fórmulas de “Jesus Cristo” e de muitos outros místicos homens deus adorados em diversas nações.

Uma cerimônia Mágica baseada nesta Fórmula está em harmonia essencial com o processo místico natural. Nós a encontramos como base de muitas iniciações importantes, notavelmente no Terceiro Grau da Maçonaria. Crowley diz com base nessa fórmula uma auto-iniciação cerimonial pode ser construída. A essência dela consiste em nos vestimos como um Rei, depois nos despirmos, nos sacrificarmos e nos erguendo daquela morte em direção ao Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Esta fórmula, se bem que agora sucedida pela de “HÓRUS”, a Criança Coroada e Conquistadora, permanece válida para aqueles que ainda não assimilaram a Lei de Thelema.

A Fórmula de “IAO” é uma Fórmula de Tiphareth. O valor cabalístico da fórmula “IAO”, como expresso por Crowley era 666, o número do arauto da besta. Ele corresponde ao elemento caótico e destrutivo da manifestação divina, na qual simboliza o nascimento de um novo equilíbrio. O Magista que a utiliza está cônscio de si mesmo como um homem capaz de sofrer e ansioso para transcender este estado, unindo-se a Deus. Isto lhe parecerá ser o supremo Ritual, o Último Passo; mas, como já foi mencionado é apenas uma preparação.

O Mantra IAO e Arnold Krum-Heller

A Fraternitas Rosicruciana Antiqua tem como coração a magia sacerdotal representada pelos rituais e a liturgia gnóstica, que tem o objetivo de Reintegração com Crestos Solar; também a Regeneração dos corpos através dos cursos secretos e a Reconciliação pela filosofia da Thelema.

O Mestre Huiracocha disse na “Igreja Gnóstica”: sabei que entre todos os deuses o mais elevado é “IAO”. Aides é o Inverno, Zeus principia na Primavera, Hélios no Verão, e no Outono torna à atividade “IAO”, que trabalha constantemente. “IAO” é Jovis Pater, é Júpiter, que os judeus, sem direito, chamam de Javé. “IAO” oferece o substancioso vinho da vida, enquanto Júpiter é um escravo do Sol".

“I” – Ignis (fogo, alma).

“A” – Aqua (água, substância).

“O” – Origo (causa, ar, origem).

Huiracocha disse: ““IAO” é o nome Deus entre os Gnósticos”. O Espírito Divino está simbolizado pela vogal “O” que é o círculo eterno. A letra “I” simboliza o ser interno de cada homem, porém ambos se misturam com a letra “A”, que serve de ponto de apoio.

Em seu livro Logos, Mantram e Magia escreve: “entre os antigos gregos, as procissões religiosas eram chamadas de Theorías que, etimologicamente, vem de Theos, Deus. Uma dessas procissões é verificada entre Atenas e Elêusis onde eram venerados os mistérios sexuais sagrados. Desde tempos remotos, esse caminho é chamado de Ícaro, resultando ser esta divindade outra representação de Eros. Mas vale ressaltar que nenhuma outra palavra são as vogais “IAO”; expoentes de uma forma tão marcante da divindade, em conexão com a parte sexual, como este Ícaro, acontecendo o mesmo com as divindades da Colômbia e Iucatã.



IAO e Gnosticismo

No Askew Codex – Pistis Sophia de G.R.S. Mead, 5° Livro, Capítulo 136 – encontramos a fórmula “IAO” em uma passagem: “E Jesus fez invocação, virando-se para os quatro cantos do mundo com os seus discípulos, vestidos com roupas de linho, dizendo: Iao, Iao, Iao”. Esta é a sua interpretação: “Iota” porque o universo foi brotado; “Alfa” porque voltará para si; “Omega” porque a conclusão de toda à completude terá lugar”.

A obra The Gnostics and Their Remains, de Charles William King (1887), declara ter em sua posse uma joia de Abraxas escrito: Jesus Cristo, Deus dos Deus, “IAW”.

Também há no Livro de Jeú, Jesus declara que: O verdadeiro Deus será chamado Jeú. Em Pistis Sophia chama Jeú (YEW) de “Pai de meu Pai”, cuja a pronuncia sagrada é IAW (IAO). No livro do Apocalipse (22:13) também há referência a “IAO”: “I” = Iesus; “A” = Alpha; “O” = Omega.

O nome “IAO” tornou-se comum entre os escritores pagãos, sendo um termo utilizado pelos gnósticos do séc. II., como “Iao, Sabaoth, Adonai, e Eloe”. Mas, mesmo quando usado pelos gnósticos, “IAO” nem sempre é equacionado com “YHWH”, mas com várias outras divindades o solar Helios, Mithas e também Dionísio ou “Euoe Bacchus”.

IAO e Vocalização

A prática da vocalização associa cada vogal com o corpo humano: a vogal “I” envolve a vibração da cabeça tem ação direta sobre as glândulas pituitária e pineal e estimula o desenvolvimento da clarividência. A vogal “A” coloca o veículo físico em vibração pelo pulmão, transformando-a em uma enorme caixa de ressonância. A vogal “O” vibra a área ligada ao coração e fortalece a intuição. Atrai forças cósmicas de altíssimas frequências, que purificam e harmonizam aquele que prática o experimento.

Rudolf Steiner, nas posturas da euritmia destaca que o homem atingido a faculdade de sentir-se fora do corpo físico como uma luz, é preenchido com os sons cósmicos das três vogais: o segredo do ego no “I” (em inglês Eu), que começa nos pensamentos; do “Eu” (“I”) superior, na qual despertar na esfera do sentimento; e, finalmente, o verdadeiro “Eu” ilumina a consciência na esfera da Vontade. O segredo do corpo astral no “O” e o segredo do corpo etérico na vogal “A”. Essa prática dos três sons formam na entidade humana um fluxo em direção ao Sol. Steiner, afirma que “IAO” é o nome do Cristo, conectado com o segredo de como Cristo trabalha no homem.


Referências Bibliográficas:

“Los Enigmas y Profundidades de la Verdad em la Biblia, por Gamaliel Rodriguez”
“Igreja Gnóstica – Tradição Huiracocha, por A. Krumm-heller”
“Liber IV – O Livro Quatro. Liber ABA, por Aleister Crowley”
“IAO – Es el Dios verdadero, por Luis Bernardo Palacio Acosta, retirado: www.testimonios-de-un-discipulo.com/IAO-Es-Nuestro-Dios-Verdadero”

Thelema e Rosacrucianismo


No início do século XX, a Lei da Thelema, sistema de filosofia e magia desenvolvido por Aleister Crowley (1875-1947) – To Mega Therion – teve grande influência filosófica na cultura esotérica, na cultura pop e também foi precursora do pensamento pós-moderno. No meio esotérico, a Lei da Thelema também influenciou outras ordens que não estavam ligadas diretamente a Crowley, ordens ligadas pelo fenômeno da O.T.O. (Ordo Templi Orientis), como a  FRA (Fraternitas Rosicruciana Antiqua) do Dr. Krumm-Heller (1876-1949) – Mestre Huiracocha – foco do nosso estudo.

Muitos argumentam que os ensinamentos do Dr. Krumm-Heller eram antagônicos com do Aleister Crowley, e que não possuíam nenhuma ligação esotérica, principalmente na questão da magia sexual. Mestre Huiracocha revela que uma das chaves da Magia Sexual é a não ejaculação durante o ato mágico. Em seu livro, Logos Mantram Magia, ele afirma: “declaro que, para mim, a vocalização, o uso dos mantras e a oração, mediante o despertar das secreções sexuais, é o único caminho de chegar a meta, e o resto é, infelizmente, uma perda de tempo”. Diante disso, Peter Koenig, classifica o ensinamento do Dr. Krumm-Heller como Gnosticismo Homeopático; e Gnosticismo Ascético do Samael Aun Weor – aonde evita-se ejaculações, mesmo com a sua esposa – e classifica de Gnosticismo Libertino do Crowley, na qual não há qualquer tipo de proibição quanto ao sexo.

Aparentemente, essas duas ordens não parecem ter nenhum ponto em comum. No entanto, Crowley recomenda o estudo da Fórmula da Rosa-Cruz. O que leva muitos a considerar uma alegoria somente à magia sexual. Como ele mesmo escreve: “não precisamos nos sentir surpresos se a Unidade de Sujeito e Objeto na Consciência que é Samadhi, a unificação da Noiva e do Carneiro que é o Céu (...), a união do Lingam e da Yoni, a Cruz e a Rosa”. No entanto, James Eshelman escreve, que isso, na verdade, seria o trabalho mágico da união dos opostos em sua Natureza, que muitos místicos cristãos descrevem como no aniquilamento de si mesmo no Amado.

O Dr. Krumm-Heller era membro da O.T.O., apesar que recebeu seu grau, em 1908, de Theodor Reuss, antes da reformulação da ordem por Crowley. Mas após 1930, o Dr. Krumm-Heller e Crowley se encontram pessoalmente em Berlim e trocam uma extensa correspondência. O Mestre Huiracocha não foi discípulo do Mestre Therion, na verdade, Crowley em uma correspondência, considera o Dr. Krumm-Heller um maçom igual a ele, na qual tinha muito a ver com a realização da “Grande Obra”, a divulgação da Lei da Thelema. E o Dr. Krumm-Heller escreve:

“Meus mestres foram Eliphas Levi e Papus, e graças a eles eu poderia decifrar os segredos da Magia. Dr. Hartman tem nos ensinado na Alemanha, a parte esotérica da Bíblia e da Igreja Cristã. Outro mestre que teve maior influência sobre mim foi o Mestre Therion, ele me deu a sua obra "Liber Aleph Vel CXI (O Livro da Sabedoria ou da Tolice)”.

E após esse encontro, o Dr. Krumm-Heller aceitou a Lei da Thelema, sendo que nos rituais de congregação da FRA (baseados no Liber CCXX e Liber XV) é dito: "A nossa divisa é Thelema". Apesar das muitas influências, o Dr. Krumm-Heller não integrou nenhum curso ou prática operativa da Astrum Argentum (ordem esotérica desenvolvida por Aleister Crowley e George Cecil Jones), nem há algum estudo aprofundado da doutrina thelêmica no currículo da FRA.

Diante disso, surge uma questão, como a Lei da Thelema se adequou ao ensinamento das ordens não thelemitas, como a FRA - uma ordem de tradição rosacruciana.

THELEMA E CRISTO

Para os seguidores de Crowley, a Lei da Thelema possui o objetivo de descobrir sua Verdadeira Vontade, através da Conversação com o Sagrado Anjo Guardião e, após isso, dedicar sua vida inteira ao seu cumprimento. A necessidade do cumprimento da Vontade se demonstra através daquele que é considerado o único mandamento em Thelema: “Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei. O amor é a lei, amor sob vontade”. A Lei da Thelema prega uma ética individual, na qual nenhuma regra externa pode interferir, ou seja, o cultivo e satisfação plena das próprias vontades. Mas qual é a visão do Dr. Krumm-Heller acerca da Lei da Thelema.

Para entender essa visão, peguemos o artigo do Dr. Krumm-Heller: CHRISTO-ABRAXAS-BAPHOMET-THELEMA, na qual é dito que há quatro forças – Cristo, Abraxas, Bafomet e Thelema – são uma só coisa: LUZ.

“Eis aqui quatro palavras e no fundo uma só. Eis aqui quatro forças e, contudo, em essência uma força única: a  LUZ. (...) Disto temos uma prova magnífica. Uma das coisas que mais me impressionou em minha viagem ao Oriente, foi a mesquita HAGUIA SOPHIA de Constantinopla (...). Ao serem executados certos trabalhos, no referido templo, descobriram que o mosaico antigo era a representação de um grande quadro em cujo centro se distinguia o Cristo, em que se lia a seguinte legenda: “EU SOU A LUZ”.

Para o Dr. Krumm-Heller, o cristianismo adotou a ideia gnóstica de que o Cristo simboliza o Sol, conforme a Cristologia Gnóstica. E a Luz Solar atua de diversos modos. Ela é o Cristo, aspecto derivado do Pai, como parte do Sol Oculto. Para os gnóstico seria Abraxas. Outro aspecto desta Luz seria Baphomet, um aspecto mais grosseiro, porque é a força astral. E por fim, outro aspecto desta Luz é Thelema que significa a Vontade atuante na Luz. Todos essas diferentes variações da Luz são denominados pelos Gnósticos como Força Cristônica.

“(...) Outro aspecto desta força é  Thelema que significa a vontade atuante na Luz. O discípulo não deve esquecer que todos esses nomes e símbolos representam forças e nos Mistérios usavam-se símbolos para objetivar essas forças.

(...) Assim, pois a força de Abraxas manifesta-se de modo distinto da força de Baphomet; porém, todas derivadas da força espiritual da Luz, que os Gnósticos chamam FORÇA CRISTÔNICA. O discípulo precisa aprender o manejo de todas essas forças”.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A Magia Sexual de Kenneth Grant III


P A R T E  . I I I .

Mas qual a finalidade deste tipo de ritual? A resposta é, quem sabe, tipicamente lovercraftiana:

No devido curso uma entidade nascerá e estará adaptada perfeitamente a viver em uma estrela escolhida.

Trata-se de uma operação extremamente delicada. Se o sacerdote ou a sacerdotisa se perderem nos caminhos dos desejos apenas, a lúxuria sem restrições leva ao caminho da satisfação orgástica. Mas se ambos mantêm um fluxo contínuo de foco unidirecionado da mente, então a Vontade é cravada na matéria protoplasmática do plano astral. A Criança Mágica se manifestará encarnada com sucesso. No sexo casual, a mente devaneia por lacunas sombrias sob o domínio de entidades qliphóticas alimentadas pelo desejo lascivo desorientado. O resultado desse processo é o aterramento dos kālas e seu desperdício no lençol sujo, na privada ou no ralo do chuveiro. Se os kālas não forem energizados pelo poder do ojas, sua contra parte física, o sêmen e as secreções vaginais não têm finalidades mágicas positivas, pois ao invés de produzirem a Criança Mágica, dão nascimento a toda sorte de vampiros e zombeteiros que sobrevivem da matéria sutil do corpo de luz de seus pais. Mas quando carregados com ojas, os kālas dão nascimento a Criança Mágica.

Esse tipo de magia já era amplamente conhecido entre os gnósticos da primeira era. Durante o coitus, eles vibravam palavras mágicas e encantamentos no aethyr na intenção de encarnarem os Old Ones na terra. A novela mais famosa de Crowley, Moonchild, trata desse tema. Magia é a Criação de Formas e Novas Realidades. No xamanismo tibetano, esse tipo de prática mágica dá nascimento aos tulpas, homúnculos criados para realização de propósitos específicos. O judaísmo também apresenta um sistema de magia cognato, a criação de golens.

Não se trata de duas pessoas sexualmente ativas em coito cercadas por imagens, diagramas e fumaça de incenso, como propõem os livros modernos de magia sexual. Ao contrário, o que se requer é dois magistas dedicados, dispostos a transcender as paixões sensuais e apetites do Ego enquanto emulam a Criação Primordial. Não é apenas a realização de uma metáfora, mas um ato mágico carregado de poder que, se executado em níveis de consciência além do estado de mente usual, é capaz de criar vida em todos os planos da existência.

Isso nos traz uma questão importante: a iniciação. Nas tradições śāktas do tantrismo, a mulher tem uma posição de destaque, seja na vida ou no ritual. No cerimonial vāmācāraque lida com os processo do maithuna (cópula sexual orientada), grande importância é dada as secreções vaginais da sacerdotisa. Em seu aspecto geral, o tantra é uma cultura que envolve filosofia e estilo de vida ao redor da adoração da Śakti ou Princípio Feminino Primordial. E a despeito das opiniões de Crowley acerca da posição mulher na iniciação, são as sacerdotisas emponderadas da Grande Deusa que conferem aos homens o dīkṣā«iniciação/consagração». Essa inclinação de Crowley em subestimar a capacidade da mulher na jornada pela Grande Obra o levou a uma busca frenética pela perfeita Soror Mystica «irmã nos mistérios», sem se ater a capacidade ou talento daquelas que com ele exerceram a função de Mulher Escarlate. Diferente de Crowley, portanto, Grant deu mais atenção a mulher no seu sistema de magia sexual, uma inclinação tântrica em ver a yoni– vagina – como um santuário de adoração e suas secreções como a substância viva da Deusa.

Os śaivas, mesmo adoradores do Princípio Masculino Primordial, não invertem essa equação. No sistema de magia sexual śaiva, o homem ou o poder transmitito através do falo tem uma posição maior de destaque, mas da mesma maneira os kālas da Deusa têm um papel importante. Seja como for, Grant dá mais importância a Criança Mágica que contém em si a essência primordial de Śiva e Śakti ou Therion e Babalon como estandarte do Novo Aeon da Criança anunciado por Crowley em 1904. A Criança, portanto, representa um novo paradigma de amplitude não somente mágica, mas de ordem social também.

Nesse caminho, não apenas os kālas, portanto, são importantes no processo, mas o sêmen do homem também é altamente valioso, sem o qual a Criança Mágica torna-se impossível. Para que o magista possa carregar os kālas apropriadamente, precisa empreender um processo de retenção, sublimação, transmutação e circulação da energia seminal. Juntos, sacerdote e sacerdotisa evitam o disparo orgástico até que ambas as essências, o sêmen e as secreções vaginais sejam devidamente carregados com ojaspara então serem aterrados. Isso envolve muitas técnicas yogīs como a contração dos fechos musculares «bandhas» para contenção da energia e mudrā para direciona-la dentro das nāḍīs iḍā e piṅgalā para depois entrar na suṣumnā, a partir da qual a kuṇḍalinīsobe e desce inundando e selando os cakras. Trata-se de um processo altamente meticuloso e é requerido alto poder de concentração e visualização.

Na maioria das tradições tântricas vāmācāra, a ejaculação seminal é evitada. Diferente da mulher, o homem perde grande concentração de ojas ao expelir o sêmen. Na ejaculação a mulher não perde ojas, fato que acontece somente no período de catamênio, que é inevitável. Por isso o eclipse fisiológico feminino deve ser acompanhado de boa nutrição e os exercícios psico-fisiológicos do kuṇḍalinī-yoga. A contenção da energia seminal mantém o homem sempre excitado e apto a manter a ereção durante toda a cópula. Se a descarga de energia é expelida do corpo, tanto o sacerdote quanto a sacerdotisa falharam em suas funções.

Assim como no tantrismo há apenas algumas operações onde existe a necessidade da ejaculação masculina, Grant fez uma distinção em seu sistema de magia sexual. Operações onde o material seminal é requerido junto às secreções vaginais da sacerdotisa foram estruturadas através do IX° Grau. Operações que não requeriam o material seminal, mas somente os kālas da Deusa foram estruturadas através do XI° Grau.

O sêmen é o material cru e o combustível para qualquer transformação psico-química do yogī, alquimista ou tântrico, através do qual ocorre a transformação do corpo físico em uma nova e imortal estrutura super-humana, a partir da carcaça mortal biológica e condicionada, o corpo.

No sistema de magia sexual de Crowley, o sêmen é fundamental para formação do Elixir, o amṛta ou néctar da imortalidade, junto aos kālas da sacerdotisa. É a união de ambos que produz a substância sagrada da imortalidade, o que está muito mais alinhado com as tradições alquímicas da Europa. Contrariando Crowley nesse ponto, ambos homem e mulher ocupam papeis importantes, pois é a contribuição dos dois que dá nascimento a Criança Mágica, seja ela aterrada na matéria ou lançada no aethyr, se manifestando no plano astral e além.

Uma vez que o Novo Aeon transcende as polaridades dos aeos precedentes, pois a Criança Hórus contém a essência de seus Pais, Ísis e Osíris – Śiva e Śakti – os métodos para sua formulação devem ser consultados em novos grimórios como o Liber AL vel Legis recebido por Crowley e o Liber OKBISh recebido por Grant.

Para o magista, a sacerdotisa não é mais a sacerdotisa. No ofício de Muler Escarlate, empoderada pelo princípio feminino – a Śakti –, ela encarna a própria Deusa. Da mesma maneira, para a magista o sacerdote não é mais o sacerdote. No ofício de Therion, emponderado pelo princípio masculino – Śiva –, ele encarna o próprio Deus. Na sua conjunção reside o poder se fazer manifestar o ato da criação, a mesma vibração «spanda» que deu nascimento ao universo como o conhecemos, o Big Bang.

No curso da operação mágica, seus corpos iniciam um processo alquímico de transformação que começa com um aumento na produção hormonal, secretando na corrente sanguínea as secreções gandulares que enriquecem a saliva, suor, urina, semêm e fluídos vaginais com vida e poder, transmutando-os em substâncias mágicas de grande potência.

A gnose requerida para que este procedimento tenha sucesso também produz visões na sacerdotisa engajada na operação. Através da intensa concentração e unidirecionamento das energias da mente durante a etapa da excitação sexual, cria-se um estresse poderoso na psique e é a função do corpo liberar esse estresse através da ejaculação seminal ou orgasmo feminino. No entanto, se o sacerdote impede a perda da energia através de seu selamento «bandha» dentro do corpo, então o próprio corpo reage procurando ourros caminhos para liberar o estresse psíquico, abrindo dessa maneiracanais ou portais que normalmente estão fechados. Maestria no kuṇḍalinī-yoga é requerida nesse processo. A mente deve conduzir a energia pelos canais apropriados, caso o contrário a energia não direcionada pode alimentar larvas e entidades qliphóticas que por ventura possam estar se alimentando da substância nervosa armazenada.

A obstrução mais tênue no curso da vontade pode mudar a precisão das visões obtidas. Se o objetivo de ambos é a abertura de portais ocultos na consciência, então esses portais serão efetivamente abertos se mantiverem o mesmo fluxo de dhāraṇā. O poder da energia sexual contida abre os portais e os kālas produzidos a partir desse processo são carregados pelas vibrações das forças e potências espirituais com as quais a sacerdotisa trava comunicação.

O objetivo desse tipo de prática é encontrar a câmara oculta que contém o segredo da imortalidade. Nos diversos mitos que tratam dessa jornada espiritual, a câmara oculta é sempre descrita como um templo ou santuário que abriga o Absoluto sob todas as formas, a morada de Deus. Em Beyond the Mauve Zone Kenneth Grant diz que a Gnose Tifoniana foi melhor preservada até os dias de hoje na tradição tântrica. A tradição Kaula do tantrismo insiste que os mistérios da iniciação são fisiológicos e isso é compartilhado pela cosmovisão tifoniana como exposta nas obras de Grant. Os verdadeiros mistérios da iniciação estão no corpo. Estrelas, sóis, planetas e dimensões paralelas podem ser acessados dentro do corpo, na jornada da kuṇḍalinī através dos cakras. Dessa maneira, essa câmara oculta descrita nos mitos e fábulas possui sua contraparte fisiológica também.

Dentro do cérebro há um espaço conhecido como câmara nupcial. Esse espaço fica na região do hipotálamo, localizado entre e além dos olhos. Nas purāṇas costuma-se dizer que o deus Śiva habita uma caverna no topo de uma montanha; no Tarot, por outro lado, o eremita se encontra em uma caverna ou câmara oculta, também no topo de uma montanha. Śiva na caverna permanece recluso em meditação, a espera de sua esposa. Na ocasião de seu encontro, começa o enlace de amor entre os dois, quer dizer, akuṇḍalinī começa a subir pelos seis primeiros cakras para se encontra com Śiva no abraço amoroso que abre o portal do sétimo cakra. Trata-se do casamento alquímico que produz o décimo sexto kāla ou elixir vitae.

É o trabalho da sacerdotisa, através da constância no fluxo das energias da mente sobre as respostas psico-biológicas de seu corpo, controlar o resultado do ritual. Na medida em que o sacerdote lhe excita sexualmente, ela é capaz de visualizar a kuṇḍalinīperpassando cada um dos cakras através de um caminho seguro, manipulando suas respostas. Isso é acompanhado por bandhas e mudrās que contêm e dão direção a energia. Quando a união entre Śiva e Śakti ocorre, a Criança Mágica é concebida. O termo criança mágica é aqui utilizado como referência ao resultado da operação.

A passagem que segue é uma declaração eloquente de Grant acerca dos parâmetros da operação sexual ao ponto de introduzir a possibilidade da encarnação de monstros com poderes super-humanos através da magia sexual. Ele acrescenta dizendo que os canais usuais da atividade sexual corriqueira não são capazes de aterrar uma inteligência extraterrestre nessa dimensão. O controle das respostas psico-biológicas do corpo começa com uma influência e posterior domínio das funções reptilianas – serpentinas – do cérebro até que todo o organismo se torne um instrumento de poder nas mãos do magista habilidoso. Uma vez que isso ocorra, Grant sustenta que portais ocultos são abertos e o reino além daquilo que é visível, tangível e ilusório pode ser explorado. Essa abertura possibilita o trafico com as poderosas entidades da Zona Malva.

Eu adentrei o pôr-do-sol com Seu sinal, e dentro da noite cruzei lugares amaldiçoados e desolados e ruínas ciclópicas, e então cheguei por fim à Cidade de Chorazin. E lá uma grande torre de Basalto Negro estava construída, que fazia parte de um castelo cujas mais distantes ameias viravam sobre o golfo das estrelas.

Então da terra cega atrás da montanha vem um gemido pesado, o som de uma queda, feito pela risada vil de um tilintar maligno.
Seguem-se gemidos macabros.
O mistério, as trevas perversas daqueles berros incoerentes cerram meus dentes com pavor na boca. E ainda que eu não possa abrir mão da esperança, me emocionei ao ouvir àquela voz. Mas tão penetrante, tão desolante, tão mortal é a dor de meu espírito que a escuridão me domina por completo.

Então significa que àqueles de Fora irão se manifestar aparentemente sobre a terra? Se assim for, os ritos secretos sugeridos em grimórios como o Necronomicon e os livros de Thoth,Dzyan e Enoch contêm as chaves para seu chamado e nós estamos por longos aeons cegos de sua utilidade.

Nos últimos volumes das Trilogias Tifonianas Grant se preocupou em demonstrar como a magia sexual pode ser utilizada para penetrar nos véus profundos do e além do espaço-tempo. Para validar suas teorias, ele cita outros magistas que, segundo ele, conseguiram penetrar estes véus, abrindo fissuras no ambiente astral da terra que possibilitou a intrusão dos Old Ones. Em outras palavras, abriram portais que possibilitava o ingresso e egresso de inteligências praeter-humanas na consciência.

Essa abertura de portais se iniciou com Crowley e foi seguida por outros magistas como Jack Parsons (1914-1952). Grant afirma que as explosões atômicas durante a Segunda Guerra Mundial romperam uma membrana psíquica muito sutil que existe ao redor da terra, o que possibilitou desde então que massissas forças extraterrestres penetrassem na consciência humana. Foi o início da Era UFO que Grant conecta as operações de magia sexual iniciadas por Crowley e seguidas por seus alunos. E este nos parece um cenário adequado ao mundo de Lovecraft, principalmente O Chamado de Cthulhu.

De acordo com a tradição oculta, eventos que ocorrem no mundo real são espelhos de eventos que ocorrem nos mundos invisíveis e é verdade que ambos os mundos influenciam um ao outro de maneira que somente os Adeptos podem conceber. Grant chamou esses mundos invisíveis de Zona Malva. Na mitologia de Lovecraft, trata-se de R’lyeh, a cidade secreta abaixo das moradas oceânicas onde Cthulhu espera morto, mas sonhando.

O Śrī Cakra abrange mais em seu simbolismo do que a possibilidade de contato alienígena, ele provê as chaves para as portas de Fora.

Ao longo das Trilogias Tifonianas, Grant dá muita ênfase a cultura tântrica conhecida como Śrī Vidyā e seu maior símbolo, o Śrī Yantra ou Śrī Cakra, como é mais conhecido. Ele afirma que existe um antigo e sobrevivente culto tântrico depositário da Gnose Tifoniana Primordial conhecido como Ānuttara Āmnāya que, por incrível que pareça, tem as mesmas iniciais de Astrum Argentum «A∴A∴» e ocasionalmente ele se refere a ambas como uma e a mesma tradição. Segundo Grant a Ānuttara Āmnāya é a mais fiel tradição que concervou os mistérios do Śrī Vidyā, contendo assim os segredos há muito esquecidos dos Old Ones.

Em um ensaio anterior, Gnose Tifoniana (Vol. I), eu falei que Kenneth Grant fez alguma confusão e as práticas que ele atribui a Ānuttara Āmnāya muito provavelmente referem-se a tradição Uttarāmnāya ou como é conhecida, Escola Krama do Śaivismo da Caxemira, no Norte e não no Sul da Índia, como ele faz referência. Novas informações me levam a acreditar que quando Grant cita o Círculo Kaula, está se referindo a um período anterior ao Séc. XI, quando Abhinavagupta fez uma reforma na tradição. Ele refrere-se ao Círculo Kaula em algumas trilogias, descrevendo suas práticas:

Cakra Mágico ou zona de poder formado pelos devotos de Kālī para produção de energia mágica com propósitos ocultos. O Círculo Kaula ou Kāla é, mais especificamente, a yoni de Kālī, morada das flores, perfumes ou essências vitais utilizadas nas cerimônias mágicas.

Trata-se de uma típica descrição de procedimentos encontrados na Tradição Krama ouUttarāmnāya. As práticas psico-sexuais e a manipilação das secreções como talismãs de poder extraordinariamente demonstradas nos kaula-tantras foram preservadas posteriormente por Abhinavagupta na Tradição Kālī-Krama. Por esse motivo associei os métodos de Grant a essa tradição anteriormente. Mas Ele descreve a Tradição Kaula em um período anterior, quando ela ainda mantinha conexão com o Śrī Vidyā, como na seguinte passagem:

O Śri Cakra é a Lua em sua completude, o lótus em pleno desenvolvimento, o fluir e a flor que, nas graduadas fases de seu ciclo, emana quatorze raios (um para cada dia da quinzena) que culminam no círculo completo dos quinze.
Um círculo possui 360 graus e o Śri Cakra é tal círculo. Ele tem sido equiparado por alguns comentadores como o círculo do ano de 365 dias, sendo os cinco dias restantes desconsiderados porque são inexplicáveis para o não-iniciado. Mas quando a fórmula fisiológica da Mulher Escarlate é compreendida, vê-se que estes cinco dias representam os cinco dias negativos de sua ocultação em cada «Lua» ou mês, que é o círculo periódico ou completo da fêmea humana.
Os quinze graus ou passos desta progressão do novo a completude, da virgindade a maternidade, estavam diretamente relacionados ao pulso mensal da mulher escolhida para os ritos secretos do Círculo Kaula (ou Kāla) que é o genuíno Vāma Mārga ou o Caminho da Suprema Deusa. Deidades particulares foram atribuídas aos dias e noites das quinzenas negras e brilhantes que constituem o mês ou Lua completa. A quinzena negra constitui o período da Lua Cheia a Lua Nova; a quinzena brilhante da Lua Nova a Lua Cheia. Estes quinze graus foram concebidos como raios ou dígitos da Lua: eles não somente se relacionavam a Lua celestial e sua influencia oculta mas também, mais significativamente, a Lua física das mulheres selecionadas para o trabalho mágico.
Do décimo sexto raio ou dígito da Lua flui o néctar da excelência suprema. De acordo com o Lalitasahasranama, a lua mostra quinze fases ao se tornar cheia e minguante. A décima sexta parte, quando o Tempo pára, é quando e onde a Divindade encarna. Tempo é Kālī, a Deusa Quinze, e o kāla que transcende o tempo é conhecido como o décimo sexto dígito ou raio.
Quatorze secreções genitais femininas são conhecidas pela ciência ocidental, o décimo quinto e décimo sexto ainda permanecem sem serem descobertos, embora eles sejam conhecidos e usados pelos Iniciados orientais de tempos imemoriais. Eles se manifestam somente nas emanações vaginais da suvasini completamente treinada.
Os escritos dos Siddhas (Adeptos) de Tâmil contêm vários avisos em relação aos perigos de se evocar estes kālas em um cakra que ainda não fora propriamente preparado para recebê-lo. No AL II:26-27 Hadit exclama: Eu sou a secreta Serpente enrolada pronta para saltar: em meu enrolar está o prazer. Se Eu ascendo completamente minha cabeça, Eu e minha Nuit somos um. Se Eu inclino para baixo minha cabeça, e verto veneno, em seguida é arrebatado da terra, e Eu e a terra somos um. Existe grande perigo em mim.
As forças dirigidas para baixo são carregadas com vibrações venenosas. Elas podem ser utilizadas para trabalhos de materialização e dissolução, e – com efeito mortal – em trabalhos de magia negra.
A absorção dos kālas carregados com a corrente dirigida para cima transforma a consciência humana e torna possível o contato e comunicação com entidades transcendentais. Inversamente, a absorção do veneno coloca o homem em contato com os mundos demoníacos e com os elementais mais inferiores. Somente um Adepto treinado pode usar esta corrente com impunidade.

A palavra vidyā vem da mesma raiz que veda e significa conhecimento. A palavra śrīsignifica sagrado ou santo. Assim, Śrī Vidyā significa conhecimento sagrado. Para alguns estudiosos, trata-se da forma mais antiga do culto tântrico e Grant sustenta ser uma repositória fiel da Gnose Tifoniana Primordial.

O Śrī Vidyā trata da adoração de Śrī Devī, a Deusa Suprema que se manifesta como Lalita Tripurāsundarī, a Bela das Três Cidades. Embora os śāstras ou escrituras dizerem que estas três cidades sejam referência a sat-cit-ānanda «existência-consciência-bem-aventurança», Grant atribui o simbolismo aos três estados de consciência: vigília, sonho e sono sem sonhos. Lalita Tripurāsundarī é descrita como uma Deusa Vermelha e jovem de dezesseis anos, sentada sobre um lótus vermelho e circundada por um kāla ou dígito lunar. Os dezesseis anos são uma clara referência relevante pois representam os dezesseis kālas da Deusa Suprema. O seu poder é o próprio poder da consciência «cit-śakti» e seu emblema é o Śrī Cakra.

A Ānuttara Āmnāya é uma das seis vidyās ou escolas do Śrī Vidyā. Āmnāya são um grupo de śāstras ou escrituras de uma mesma tradição. Mas a palavra também é utilizada para diferenciar tradições espirituais. Ānuttara é um termo que significa mais elevado, superior ou absoluto. Portanto, Ānuttara Āmnāya se trata da Suprema Tradição tântrica. Não é uma referência a um grupo de devotos ou seita, mas um nome utilizado para especificar os vidyās do Śrī Vidyā, cada um com seu próprio yantra e conjunto de técnicas. Os devotos e adoradores da Deusa no Śrī Vidyā podem se afiliar a qualquer uma das seis escolas ou āmnāyas. A Ānuttara Āmnāya é um vidyā descrito como oAssento da Deusa e portanto, um caminho mais sutil e superior a todos os outros vidyāse demais tradições da Índia.

Como não pode ser diferente na Gnose Tifoniana, todo esse simbolismo superior do Śrī Vidyā tem uma contraparte obscura e sombria; ela envolve o aspecto sinistro de Śiva, Hatakeśvāra, como regente de um dos sete infernos «pātāla» da tradição hindu, o vitāla. Estes reinos infernais são habitados pelos nagas «deuses serpente» e toda sorte de demônios. Estranho como possa parecer, é este aspecto sinistro e sombrio de Śiva, Hatakeśvāra, o patrono da Ānuttara Āmnāya. A Hatakeśvāra-stotra diz que os Senhores do Inferno derramaram-se da boca de Hatakeśvāra. Trata-se da face sombria de Śiva como Senhor das Trevas, Seth ou Shaitan. Este era o patrono da Ānuttara Āmnāya no sistema de magia sexual de Grant e a Deusa Suprema do Śrī Vidyā a Mulher Escarlate.

Grant comparou o Śrī Cakra a Árvore da Vida, um mapa não apenas macrocósmico, mas microcósmico, mais precisamente, psico-fisiológico. O yantra consiste de nove triângulos grandes apontados para baixo e cinco apontados para cima. Sua intersessão forma quarenta e três triângulos menores. Cada junção das linhas do yantra é considerada ummarma ou um sandhi. Um marma é um ponto onde três linhas se cruzam no Śrī Cakra, somando vinte e oito marmas, mas alguns estudiosos da Āyurveda chegam a mapear de trinta e oito a quarenta e três marmas. Os sandhis são os pontos onde duas linhas se juntam, formando vinte e quatro sandhis no Śrī Cakra. A soma de todos os marmas esandhis (28+24) resulta ou forma a cinquenta e duas letras do alfabeto sânscrito. O Śrī Cakra representa todo o cosmos e o corpo da Deusa.

Cada um dos marmas no Śrī Cakra são mapeados no corpo da sacerdotisa. Através depasses ou mudrās aplicados sobre os marmas da sacerdotisa, como demonstrado anteriormente, os cakras são estimulados e Grant sustenta que através dessa técnica oskālas secretados da vagina da sacerdotisa são canalizados diretamente da Zona Malva. Dessa maneira a kuṇḍalinī é encorajada a subir através dos cakras.

Grant fala ainda de um tantra místico. Era a sua intenção estabelecer uma conexão entre o monismo do advaita-vedānta e o tantra, uma reinvenção da roda para os ocidentais. Neste tantra místico a kuṇḍalinī sobe do mūlādhāra ao sahasrāra-cakra quando Śiva e Śakti se unem, produzindo um nível de consciência não-dualista «advaita». No entanto, o tantrismo tem uma visão mais refinada e um pouco distinta do monismo do advaita-vedānta. Os vedantins afirmam que há um Poder Absoluto que cria e rege todas essas multiplicidades de nomes e formas. Esse Espírito Supremo é conhecido como Brahman, que é sem-atributos «nirguṇa», sem-forma «nirākāra», sem-características «nirviśeṣa» e não-agente «akarta». Para os vedantins somente Brahman é real, e todas as diferenças e pluralidades são ilusórias: brahma satya jagan mithyā jīvo brahmaiva nāparaḥ, quer dizer,Brahman é real, o universo é irreal, a alma individual é idêntica a Brahman. Os vedantinstambém ensinam que a Criação é apenas relativamente real «vyāvahārika-sattā», sendo uma superimposição sobre Brahman tal qual uma miragem de água é vista sobre um monte de areia no deserto: a água não existe realmente, mas apenas na mente de quem a vê. Brahman é eterno e imóvel e é impossível que possa se transformar em alguma outra coisa. Eles explicam que a origem de tudo o que existe é māyā, a ilusão, o seu Poder Lúdico, que é tanto real quanto irreal, e é este Poder que faz com que uma Criação passe a existir. Contudo, ainda assim, māyā é diferente do Brahman. Portanto, baseando-se nesses argumentos, os mestres da cultura tântrica no Norte da Índia afirmam que há ainda uma leve dualidade no advaita-vedānta.

A tradição tântrica da Caxemira constrói, por outro lado, um não-dualismo puro que assume uma singular Realidade chamada de Paramaśiva «Śiva Transcendental» que apresenta-se com dois aspectos, que são prakāśa «luz, o princípio de auto-iluminação, também chamado de Śiva» e vimārśa «experiência, o princípio de auto-percepção, também chamado de Śakti». Ambos são reais porque não pode haver algo separado e diferente uma vez que Deus é o Todo Absoluto. O Efeito não pode ser diferente da Causa. Desta maneira, o tantrismo śaiva da Caxemira, do qual derivam a Escola Kaula e Krama, reconcilia o dualismo do Sāṃkhya de Kapila com o não-dualismo do advaita-vedānta de Śaṅkarācārya.

Como eu disse no ensaio anterior, A Conexão Curwen, por volta de 1950 Grant era muito influenciado pelo mestre vedantin Śrī Rāmāna Mahāṛṣ, que ensinava um não-dualismo muito próximo do Śrī Vidyā. Isso explica sua expressão tanta místico.

No entanto, no Círculo Kaula – que podemos entender que inclui as tradições Kaula e Krama – o sādhanā principal constitui em retornar – ou voltar atrás – a kuṇḍalinī aomūlādhāra-cakra. Trata-se de uma abordagem mágica ao invés de mística. O objetivo deste sādhanā é o desenvolvimento de capacidades psíquicas «siddhis».

Grant trata essas duas abordagens – o tantra místico e o sādhanā kaula como descrito acima – como o elixir vitae dos alquimistas «amṛta» e a Pedra Filosofal. Mas a abordagem de Grant é distinta da abordagem tradicional encontrada nos śāstras do tantrismo. Por exemplo, os tantras não ensinam a coleta oral dos kālas diretamente nayoni «vagina» e muito raramente, salvo nos kaula-tantras, é indicado a mistura das secreções masculinas e femininas para se produzir o sacramento – ou até os bolos de luz na Missa Gnóstica. Mas da maneira como sustenta o tema, Grant está em perfeito acordo com a Tradição Ocidental de Mistérios e mais especificamente com um grupo de alquimistas conhecidos por sopradores, que exploravam os mistériuos do corpo e mente na intenção de materializar através das secreções do corpo correntes-pensamento ou, mais precisamente, correntes-vontade.

Ainda, de acordo com Tradição Mágica do Ocidente, é perfeitamente possível utilizar a sexualidade do tantra como técnica de magia apenas, o que causa susto e pânico entre os acadêmicos e gurus da Índia. Quando o ocultista ocidental vê o tantra, não lhe interessa os aspectos filosóficos ou o estilo de vida da cultura tântrica. O que ele quer é fazer uso da tecnologia psico-sexual contida nas escolas tântricas vāmācāra em seus experimentos mágicos. Do ponto de vista do Magi, um mestre na magia, não há nada de errado nisso.
Kenneth Grant ainda sustena que se os kālas são canalizados ou aterrados no corpo provindos da Zona Malva e além, significa que o processo bioquímico que ocorre através dessa tecnologia psico-sexual é saturado de energia estelar. Quando todos os detalhes do ritual são considerados, o que inclui a observação das fases lunares e influências astrológicas, os kālas saturados com energia estelar e carregados com ojas tornam-se talismãs que podem ser utilizados em qualquer circunstância, capazes de criar a vida ou iluminar a consciência.

Mas essa é uma regra na magia cerimonial e pode ser rastreada aos gimórios mais antigos. A eficiência dos rituais mágicos depende de fatores astrológicos, preparação dos implementos a serem utilizados etc. Isso reflete a ideia presente em inúmeras tradições de que o macrocosmo possui relação direta com o microcosmo, uma lei universal sustentada não só pela tradição hermética.

Nesse caminho chegamos num outro ponto no sistema de Grant. Ele sustenta que osmarmas são pontos de entrada para Zona Malva e da mesma maneira que existem no corpo humano, também existem no espaço e, portanto, na Terra. Zonas de poder no corpo do planeta exploradas por cultos sombrios e adeptos, iniciados nos mistérios sensíveis a estas zonas de poder. Estes marmas representam:

Uma rede mais complexa do que se pode imaginar: uma rede nada distinta da visão sombria de H.P. Lovecraft sobre forças sinistras a espreita nas fronteiras do universo.

O Śrī Cakra, como qualquer sistema cosmológico, tem um lado oculto e desconhecido que o não-iniciado chama de mal. Alguns dos marmas e sandhis da constituição humana dão acesso a regiões sombrias, inimigas e hostis a consciência humana ordinária: o reino dos demônios e dos nagas. Essa é a região que mais chamou atenção de Kenneth Grant. Ao ocultista ocidental, Aleister Crowley apresentou um sistema de entrada nessas regiões sinistras contido na instrução conhecida como Liber 231, que trata das Qliphoth, a qual Kenneth Grant explorou nas operações mágicas da Loja Nova Ísis.

De acordo com o sistema de Qabalah da Ordem Hermética da Aurora Dourada, existe umespaço entre as sete Sephiroth inferiores e as três superiores. Esse espaço é conhecido como o Abismo. A este Abismo atribui-se uma falsa sephirah, chamada Daath. Nos diagramas da Árvore da Vida ela aparece – e às vezes nem está presente – pontilhada ao invés de uma linha consistente como as outras Sephiroth, portanto, ema esfera sombria.

Nos Sécs. XVIII e XIX, Daath foi assunto de muita especulação e Jacob Frank (1726-1791), uma figura messiânica que combinava conceitos cristãos, judaicos e islâmicos no seu sistema, enfatizou a ideia de Daath como um portal. No sistema de Gant, Daath tornou-se o Portal Exterior, uma anti-esfera que possibilita acesso a Zona Malva.

Ele ainda uniu em seu sistema o conceito de Zona Malva com as Qliphot, destroços de uma esfera despedaçada ou detritos da primeira Criação – de acordo com uma tradição apenas – que contem vinte e dois anti-caminhos. Os marmas e sandhis do corpo humano representam pontos de acesso no Śrī Cakra para essas regiões sombrias, da mesma maneira que dão acesso os Túneis de Seth no reino das Qliphoth.

Como será demonstrado no ensaio A Besta na Cavena, mais adiante nessa obra, Liber 231 é uma instrução contida nos Livros Sagrados de Thelema, escritos inspirados de Crowley da mesma maneira que H.P. Lovecraft concebeu seus Ritos de Cthulhu. Mas Crowley não deixou nenhuma instrução em como utilizar a escala dos vinte e dois gênios qliphóticos. Somente nas operações mágicas da Loja Nova Ísis, através do ocultismo experimental de Kenneth Grant, que os gênios qliphóticos tabulados por Crowley emLiber 231 foram utilizados como agentes de entrada na Zona Malva. No sistema de Grant, esses vinte dois gênios ou Túneis de Seth se encontram na região entre o estado de sonho e sono sem sonhos, análogo ao estado de não-dualidade dos vedantins. Estes túneis são sombras dos Caminhos na Árvore da Vida, cujo portal de acesso é Daath.

Além de comparar a Árvore da Vida e o Śrī Cakra como símbolos cognatos, Grant também compara os vinte e dois gênios qliphóticos ou túneis com um número de vinte e dois kālas, no entanto, suas atribuições são dúbias, o que torna esse tipo de arranjo inconsistente, da mesma maneira que Crowley fez ao tentar inserir os trigramas do I Ching na Árvore da Vida. De todo modo, em seu sistema considera-se que os kālas são o combustível que possibilita o magista jornar através dos Túneis de Seth ou a chave que dá acesso a eles.

Grant emprega os sistemas da Qabalah e do Tantra para acesso a Zona Malva, o reino das sombras ou morada dos Old Ones e é através de rituais onde a kuṇḍalinī sobe e é aterrada que estes portais são abertos. Utilizando o sistema da Qabalah, o magista projeta-se por Daath para iniciar suas incursões astrais no lado notrno, como será muito bem explicado na segunda parte deste livro. Utilizando técnicas tântricas de magia ofidiana, o magista irá operar sobre os marmas e sandhis do Śrī Cakra – ou o corpo da sacerdotisa – em combinação com as secreções vaginais carregadas com ojas. Em ambos os casos, técnicas psico-sexuais são empregadas. Dessa forma, Kenneth Grant foi capaz de unir o sistema de magia sexual da O.T.O., uma clara herança da Fraternidade Hermética da Luz com os rituais tântricos do Círculo Kaula ou Ānuttara Āmnāya em seu próprio sistema de magia, inaugurando técnicas de Teurgia Ofidiana completamente novas dentro de sua O.T.O. Tifoniana.

A sexualidade, portanto, é o Portal que dá acesso a Zona Malva. Mas isso não significa que o sexo, dentro que qualquer contexto ritualístico, seja a única maneira que cruzar este portal. Outros métodos que despertam a Serpente de Fogo são empregados, como meditações, purificações, respirações e visualizações, bem como a utilização de plantas de poder, música e dança. Nas Trilogias Tifonianas o foco é a magia sexual, pelo qual o magista terá acesso aos reinos sombrios do lado noturno e além.

A Boca da Yoginī

Reverenciai-me com fogo & sangue. Reverenciai-me com espadas & com lanças. Deixai a mulher estar cingida com a espada adiante de mim: deixai sangue fluir em meu nome. Calcai abaixo o Gentio; esteja sobre eles, ó guerreiro, Eu vos darei a carne deles para comer. O melhor sangue é da lua, mensalmente: em seguida o sangue fresco de uma criança, ou destilando da hoste do céu.

Antes de suas reformas no Sul e Norte da Índia e do renascimento medieval da Tradição Kaula, os primeiros clãs «kula» envolviam a adoração de terríveis yoginīs, lideradas pelo temeroso Śiva na forma de Bhairava e sua esposa, a Deusa sob inúmeros aspectos: Aghoreśvarī, Umā, Caṇdī, Śakti etc. Essas yoginīs eram herdeiras ou avatāres da Mãe «matṛkā» na forma de Yakṣiṇīs e Grahaṇīs, uma miríade de bruxas praeter-humanas na forma híbrida entre humanos e plantas, animais e minerais. Essas yoginīs viviam no limiar entre o divino e o demoníaco e possuíam sua contra parte feminina, a sacerdotisa engajada no rito, que orava sobre suas vítimas «paśu», consumindo seus fluídos vitais. Esse tipo de adoração foi pervertida e as yoginīs começaram a receber oferendas na forma de sangue sacrificado e alimentos. Mas na gnose primordial, o sacrifício no altar da Deusa eram as secreções depositadas em sua vulva, a boca da yoginī. Uma vez gratificadas pelo sacrifício do sêmen, as yoginīs se manifestavam na forma humana como uma jovem donzela, concedendo a seus devotos poderes psíquicos «siddhis», principalmente o poder de voar, quer dizer, projetar-se astralmente.

Através desse procedimento, a possessão ou incorporação das yognīs através da sacerdotisa, produzia-se o kulajñāna, a gnose kaula através do kulamṛta, o néctar ou sangue da Deusa. Este conferia a seus adeptos poderes psíquicos, liberação espiritual «jīvamukti» vivendo e gozando do mundo «bhoga». Os kaula-tantras trazem relatos dessas yoginīs sendo adoradas por seus devotos «paśu», que são devorados por elas, devido a fúria de sua manifestação e a ignorância de si mesmo. No entanto, o vīra, por mérito próprio, o adestramento de sua Verdadeira Vontade, é capaz de travar contado sexual com estas terríveis e poderosas bruxas, doando-lhes energia vital «vīrya», carregada de ojas, dentro da yoni ou Boca da Deusa. Por intermédio delas ele se torna no siddha «perfeito», senhor de si mesmo. Ao invés de devorá-lo, como no caso do paśu, elas oferecem então sua essência, os kālas da Deusa.
Nesse papel, a sacerdotisa do rito se torna a kulagocāra, o canal de acesso ao clã ekulāgamā, àquela cujo sangue dá vida ao clã. Neste caso, o sangue é a menstruação. A Deusa atua no corpo da sacerdotisa e através de sua vulva e emissões vaginais, secreções e menstruação, transmite o poder de todo o cosmos, contido na própria sacerdotisa.

Somente através dessa abordagem o kulamārgi acessa a essência da Deusa. Ele é entãoinseminado pela Deusa ou, mais apropriadamente, ensanguentado pela Deusa, a descarga menstrual da sacerdotisa. A vulva da sacerdotisa, a boca da yoginī, portanto, é o portal de acesso ao clã «kula». Ao consumir o rajāpana, descarga menstrual carregada com ojas, o kulamārgi tem acesso à linhagem espiritual da Deusa, quando recebe seusobrenome de iniciação. Ele se torna no Consorte da yoginī, voando com ela através dos aeons. A Grã-Sacerdotisa, dessa forma, é a śukradevī, a deusa do sêmen ou abindupuṣpā, àquela que mensura o sêmen de Śiva-bhairava na forma do kulamārgi.




A Magia Sexual de Kenneth Grant II


P A R T E  . I I .

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.


O Círculo Kaula, citado amplamente por Kenneth Grant em suas Trilogias Tifonianas, é famoso entre os entusiastas da cultura tântrica e principalmente entre os praticantes de neotantrismo. Na literatura ocultista vulgar, o Círculo Kaula é descrito como um culto exótico cujas práticas envolvem o conúbio sexual em grupo em crematórios e cemitérios. A palavra kaula deriva de kula, que significa grupo, família ou clã. O Tantra é uma tradição que nasceu no contexto de clãs organizados, famílias praticantes que trabalhavam em cima de escrituras (śāstra) próprias, quer dizer, grimórios de magia recebidos pela Alta-Sacerdotisa, geralmente a esposa do Guru ou as suvasinīs, ajudantes da Alta-Sacerdotisa, muitas vezes as filhas do casal ou mulheres de fora da família, as dūtīs, que desempenhavam o papel de sacerdotisas auxiliares. Nesse sistema, o Tantra cresceu e floresceu, ganhando linhas distintas de sucessão, criando assim uma grande rede de escolas de iniciação, muitas vezes com a psicologia, mitologia e filosofia distinta de outras escolas.

A abordagem Kaula – e de outros grupos vāmācāra como os nātha-siddhas,kāpālikas e aghorīs – em relação ao corpo, sexualidade e secreções corporais de todos os tipos é positiva: para o kaula-tāntrika nada é repugnante, nojento ou obsceno. É a mente, comportando-se de maneira bipolar entre desejo (rāga) e aversão (dveṣa) que categoriza o que é imprório e o que não é, o que é bonito e o que é feio etc. Através da prática de uma filosofia não-dualista (advaita) – característica das escolas que compõem o Śaivismo da Caxemira(trika) – nada pode ser considerado impróprio, sujo, feio ou degradante. São os estados de dualidade (dvaita) que produzem esse tipo de categorização. Nesse caminho, o kaula-margī cultiva uma atitude diferente em relação ao mundo e a vida. Trata-se de um novo entendimento acerca do universo: a visão da insubstancialidade de todas as coisas.

Abhinavagupta (950-1020 d.C.), considerado o homem mais santo que pisou em solo indiano, fez uma reformulação completa no sistema de iniciação da tradição Kaula por volta do Séc. X. Em seu Tantrāloka, considerado a maior escritura tântrica de todos os tempos, ele afirma que o sexo é o fim do caminho. Por essa declaração ele pretendia orientar que, embora a abordagem Kaula em relação ao sexo seja positiva, não significa que a tradição promova o hedonismo. Ao ser iniciado, o chela (aprendiz) tem de passar por um treinamento que pode durar anos antes de ser instruído pelo guru nas técnicas sexuais de manipulação da kuṇḍalinī-śakti. E dependendo do nível de mente e natureza do aprendiz, o guru pode decidir não lhe orientar em técnicas sexuais. Existem três níveis de adeptos tântricos: i. o paśu (boi), aquele que é dominado por sua natureza instintiva; ii. o vīra (herói), aquele que dominou sua natureza instintiva e é senhor de si mesmo e de sua vontade; iii. o divya (puro/divino), aquele que transcendeu a si mesmo e ao plano da existência. Segundo a tradição tântrica, adeptos de natureza paśujamais podem ser instruídos em técnicas sexuais de iluminação, pois devido a sua natureza instintiva, não utilizarão de forma adequada esta ferramenta. Para estes adeptos, a meditação (yoga) e os rituais de magia são mais adequados. O vīra, por outro lado, é o adepto mais adequado a ser orienado nas técnicas de magia sexual, pois ele transcendeu seus vícios e desejos e empunhol a espada da vontade. O divya, por conta de sua natureza sutil, está além da prática sexualmente orientada e não precisa dela para acessar os segredos da Natureza e do Cosmos.

Um dos aspectos mais famosos do Círculo Kaula e de outras tradiçõesvāmācāra trata-se de uma prática espiritual conhecida como pañca-tattva ou o Ritual dos 5Ms. Esse ritual envolve o consumo de carne, quimiognose, e cópula orientada pelo guru. A abordagem equivocada do neotantrismo popularizou esse ritual, que ficou famoso entre os ocultistas e entusiastas do tantrismo. No entanto, a lógica por trás de uma prática como essa transcende seus elementos físicos, além de ser uma afirmação positiva da vida contra as regras estabelecidas pela tradição védica.

A mulher desempenha o papel mais importante no ritual Kaula. Ela é a incorporação da Śakti e é sua função estabelecer seu poder durante a prática, seja como oráculo, cura ou iluminação espiritual. Dependendo da orientação do guru e do nível de consciência/iniciação de cada discípulo, o ritual pode ter mais participantes, quando ganha o nome de kaula-cakra (Círculo Kaula).

A função do ritual é estabelecer a união entre a Deusa Śakti e seu consorte, o Deus Śiva. Isso ocorre quando a kuṇḍalinī desperta de seu sono nomūlādhāra-cakra e sobe fulminante por cada cakra até atingir o sahasrāra, o lótus de mil pétalas. Trata-se da versão tântrica do Casamento Alquímico dos sacerdotes gnósticos egípcios. O conceito qabalístico equivalente é a Shekinah que saindo de Malkuth e buscando a união com o divino em Kether redime toda a criação.

No seu percurso, a kuṇḍalinī penetra nos cakras, os sete portais da alma. E na medida em que penetra cada um dos cakras a Serpente de Fogo os ativa em toda sua plenitude, proporcionando inúmeras experiências espirituais por quem paça pela experiência. Os cakras regem toda gama de complexidade na personalidade humana e a eles são atribuídos determinados siddhis, poderes paranormais que se manifestam na psique do tāntrika na medida em que ele aprende a manipular as volições da kuṇḍalinī.

Toda a doutrina que envolve os cakras é central nos rituais descritos por Grant. Ele dá muita ênfase a necessidade de manipular o prāṇa através dos cakras da sacerdotisa engajada no rito e dependendo da finalidade do ritual, o prāṇa é manipulado somente dentro de um cakra específico, na intenção dela manifestar sua essência ou vibração através dos kālas secretados pela vagina.

No entendimento de Grant, quando os cakras da sacerdotisa são ativados através da manipulação da Serpente de Fogo com mudrās e passes mágicos, todo o seu corpo passa por uma transformação. O estímulo nos cakras irá liberar na corrente sanguínea um conjunto de hormônios. Isso afetará a qualidade das secreções ou kālas precipitados para fora da vagina. Essas secreções serão então coletadas pelo magista e podem ser utilizadas para variados fins.

Grant incorporou o Tantra e seus conceitos ao sistema de magia cerimonial da Tradição Ocidental de Mistérios. Ele nunca alegou ser um adepto tântrico. Através dos ensinamentos que recebeu de David Curwen (1893-1984) e da literatura que teve acesso na época, Grant incorporava a sua maneira as técnicas tântricas que havia estudado. E na medida em que o grupo da Loja Nova Ísis evoluía nos trabalhos mágicos, ele foi incorporando a mitologia do Necronomicon. Esse conjunto de influências formava o pano de fundo de suas operações de magia. Assim, da mesma maneira que Crowley não pode ser considerado uma autoridade em egiptologia, Grant não pode ser considerado uma autoridade em Tantra. No entanto, sua contribuição a Tradição Ocidental é inestimável. Grant continua sendo o autor que mais falou de Tantra em relação à prática da magia cerimonial. Ele nos proporcionou o Tantra no contexto de Thelema com a autoridade de um acadêmico.

A doutrina dos cakras da tradição tântrica tem seu análogo equivalente em outras culturas. Os egípcios, sumerianos e babilônios com seu sistema de mitologia baseados em suas observações astronômicas; os mitos do misticismo judeu como a Escada de Jacó; a viagem aos céus do xamanismo; a gnose do Necronomicon e o mito chinês do caminhante das sete estrelas da Contelação da Ursa Maior. Todas essas ideias, retornando a cultura arcaica, representam uma condição humana primordial onde à evolução espiritual e a busca pela imortalidade se encontram. Então, o que a doutrina dos cakras e da kuṇḍalinī – e o sistema de magia criado por Grant aliado a ela – nos oferece? A habilidade em reinterpretar os sistemas místicos, mágicos, filosóficos e religiosos da Antiguidade nos termos da psicofisiologia humana.

Dessa maneira, as Sete Estrelas da Constelação da Ursa Maior, os sete planetas da Astrologia babilônica e sumeriana, as sete carruagens damerkavah no misticismo judeu etc. são representados pelos sete cakras do tantrismo. A genialidade de Grant – e antes dele Crowley – em indentificar e fazer analogias como essa as percebendo como algo tangível e real o capacitou a descobrir o Grande Arcano desse mistério, o provendo cominsights para codificar um sistema de magia operativo. O que Kenneth Grant fez foi externalizar os processos internos do kuṇḍalinī-yoga em um sistema de magia cerimonial, possibilitando que um grupo de pessoas pudesse trabalhar dentro de um templo equipado ou que adeptos espalhados pelo mundo pudessem operar sozinhos como zonas de poder ou células ocultas, como oscakras no corpo da sacerdotisa.

Em Aleister Crowley and the Hidden God, Grant delineia um plano geral para um ritual de magia sexual em um capítulo intitulado Controle Onírico pela Magia Sexual. Ele começa introduzindo os três estados de consciência: o estado de vigília, o estado de sonho e o estado de sono sem sonhos. Em seguida ele compara a Zona Malva ao estado de sonho: uma zona de poder intermediária entre o estado de vigília e o sono profundo, sem sonhos. Grant alega que toda atividade se orinina no estado de sonho, seja ela consciente, dirigida pela vontade ou reativa, dirigida pelos instintos. O estado de sonho é o plano onte tanto a atividade astral quanto a atividade mental ocorrem. Este é – também é bom lembrar – o estado que, segundo Lovecraft, o Alto-Sacerdote do Culto de Cthulhu se comunica com seus devotos. No sistema de magia sexual de Kenneth Grant isso não se trata de uma história fictícia.

Grant dá crédito ao ocultista alemão Eugen Grosche (1888-1964) por ter descoberto parte da fórmula mágica. Em suas pesquisas, Grosche utilizou técnicas sexuais de magia para produzir estados de gnose e transe que possibilitavam a experiência onírica consciente. O que Grosche fazia era aplicar a terapia do magnetismo animal de Franz Mesmer (1734-1815). Com um ímã na mão direita e uma barra de ferro na mão esquerda (às vezes água), Grosche excitava a sacerdotisa e em seguida aplicava passes mágicos – que Michael Bertiaux (1935) chamou de passes do transe ofidiano – em seu corpo. Sua finalidade era coletar suas secreções vaginais magnetizadas.Grant utilizou essa técnica em um contexto mais amplo, adicionando exercícios tântricos, formando um método base de trabalho para as operações de magia sexual da Loja Nova Ísis.

Grant utiliza enfaticamente a palavra kāla em suas trilogias, associando a ela as secreções vaginais da sacerdotisa. Especificamente, ele se refere ao período de catamênio onde as essências são secretadas diariamente. Cada dia do ciclo menstrual possui seu kāla peculiar e cada kāla é distintos de outros de certa maneira. Existem quatorze ou quinze kālas, dependend de como são definidos ou divididos. Considera-se que o décimo quinto kāla seja secretado no primeiro dia da menstruação ou o dia em que o fluxo é mais intenso. A associação do calendário lunar e o ciclo menstrual deu origem ao conceito de Deusa Quinze, uma referência direta a deusa Kālī, considerada a forma mais auspiciosa da Śakti. Nesse processo, Deusa Quinze também é o nome dado a Mulher Escarlate, por razões óbvias.

Em um contexto mais apropriado, Grant utiliza a palavra kāla para se referir ao décimo sexto kāla, que ele considera ser o Grande Arcano da magia sexual: a soma total dos valores associados aos outros quinze kālas. Como Grant utiliza o termo kala como um sinônimo geral para as secreções, é possível fazer alguma confusão com essas informações. Isso ocorre porque ele não utilizava a grafia sânscrita correta, que define: kāla como negro ou morto; kalā como descarga menstrual e kala como sêmen. Kalā ainda é um dezesseis avos do diâmetro lunar, e kāla está associado ao conceito de tempo e o planeta Saturno, o que dá uma ideia melhor do entendimento que Grant possuía sobre os kālas. Assim, a palavra kāla no contexto das Trilogias Tifonianas pode ser um sinônimo para negro, morte, descarga menstrual, sêmen, unidade de tempo. A ideia de tempo conecta a palavra kāla ao conceito grego de Cronos ou cronologia.

Existe uma ciência muito sutil por trás da doutrina dos kālas ou secreções vaginais. Dependendo do dia e ciclo lunar que a sacerdotisa se apresenta para o trabalho, o magnetismo e qualidade dos kālas serão afetados. Os hormônios secretados na corrente sanguínea durante o ritual influenciará todo o processo de produção dos kālas. O corpo da sacerdotisa é um laboratório e na medida em que ela conquista níveis avançados em sua iniciação, sensibilidade e discernimento, o laboratório se converte em um templo: suas funções biológicas passam a ter um análogo psicoespiritual que está sob o seu controle – consciente ou inconsciente – durante a operação, quer dizer, ela pode estar em estado de gnose, ocasião em que se tornará oracular, no entanto, por seu treinamento e proficiência em manipular a kuṇḍalinī noscakras, estará apta a responder apropriadamente – mesmo que instintivamente – ao sacerdote.

Outro termo que frequentemente encontramos nas trilogias de Grant e que têm confundido muitos leitores é ojas, que no sânscrito quer dizer vigor, força,poder, energia, luz e ideias cognatas. David Gordon White, eminente estudiosa de religiões comparadas, traduz o termo como fluído vital em sua obra The Alchemical Body: Siddha Traditions in Medieval India. Eu escrevi sobre ojas em Gnose Tifoniana (Vol. I) e Cakra Sādhanā, onde um estudo profundo sobre o termo foi empreendido. Grant utiliza o termo como sinônimo para energia mágica, sendo o resultado natural dos kālas apropriadamente magnetizados. Em outras palavras, os kālas da sacerdotisa em si são considerados magicamente inertes até serem magnetizados pelo sacerdote, quando eles tornam-se saturados por ojas ou energia mágica. O ciclo menstrual – quer dizer, os kālas em seu aspecto físico normal – está conectado aos processos fisiológicos de reprodução. No entanto, quando saturados com energia mágica, os kālas tornam-se ideias para a reprodução da criança mágica, ou seja, um veículo de poder sobrenatural.

A grande mudrā do sistema de magia sexual de Kenneth Grant é a Estela da Revelação onde a deusa Nuit é retratada arqueada sobre a terra. Ele via Nuit arqueada como a contraparte thelêmica de uma postura tântrica para o coito sexual chamada viparita-rati, onde a sacerdotisa senta com a vagina sobre o pênis do sacerdote. Ele chamava essa mudrā de Posição 718. Essa é amudrā simbolicamente retratada nas imagens de Kālī sobre Śiva. Além de ser essa a posição mais ideal para o maithunā, também é a mais adequada para a coleta dos kālas.

No que concerne ao Tantra, Grant estava mais interessado em seu aspecto mágico. E embora ele tenha devotado atenção aos aspectos filosóficos de escolas inidianas como o advaita-vedānta, que influenciou profundamente sua obra – e a de Crowley –, ele ainda menteve o foco na aplicação objetiva do aspecto ritualístico do Tantra. Esse apelo e inclinação a execução cerimonial da magia é o aspecto thelemita de Grant. A cultuta tântrica envove textos sagrados (śāstra), sādhanā (pratica espiritual) e um modo distinto de ver o mundo. O culto thelêmico, por outro lado, pretente ser um movimento espiritual de envergadura global. A abordagem do Tantra é individual, mesmo envolvendo um grupo de pessoas. Thelema, de outra maneira, requer uma abordagem mais ampla, social. Como falei acima, Grant nunca se colocou como uma autoridade em Tantra. Ele utilizou elementos do Tantra dentro da estrutura de Thelema, interpretando muitas passagens do cânone thelêmico nos termos da cultura tântrica e por esse motivo ele via Thelema como o Tantra do Ocidente. Em suas trilogias ele explica inúmeros mitos tântricos no contexto de Thelema. Da mesma maneira, ele interpreta Thelema sob o prisma do Tantra. Na sua visão, Thelema e Tantra são aspectos de uma mesma tradição, a qual ele chama de Tifoniana. Grant declara que o Tantra é o relicário Tifoniano para humanidade.

O que Grant propõe na verdade é uma reiterpretação do Tantra nos termos da Tradição Ocidental de Mistérios, o que seria uma heresia a qualquer tāntrikada Índia. Nesse intuito Grant abraçou a tecnologia espiritual dos Tantras, aplicando a ritualística tântrica nos rituais da Loja Nova Ísis. Seu legado, portanto, é um sistema de magia de aplicação universal com uma linguagem thelêmica.

Trabalhando com o sistema de magia sexual de Kenneth Grant, eu fui capaz de estabelecer um ritual do IX° Grau baseado na Missa Gnóstica de Crowley, o qual denominei O Ritual da Serpente de Fogo. O objetivo deste ritual é a coleta bem sucedida dos kālas da sacerdotisa, secreções vaginais magicamente carregadas com ojas ou energia mágica. O requisito primordial para que este ritual seja bem sucedido é que a sacerdotisa deve ser bem treinada nas técnicas de kuṇḍalinī-yoga, as quais me referi acima. Anexo uma passagem de Gnose Tifoniana (Vol. I) onde esse ritual foi descrito.

Um objetivo do ritual, como mencionei acima, era a produção e coleta bem sucedida dos kālas, as secreções vaginais magicamente carregadas com ojas. O ritual era uma operação altamente complexa, pois os kālas da sacerdotisa estão associados às fases lunares «tithis» e a deidades específicas associadas a cada fase, chamadas de nityas. Um processo altamente meticuloso para alinhar a célula qliphótica, cakra, sandhi e marma, a fase lunar e deidade regente se iniciava para que o processo alquímico do ritual pudesse ser estabelecido com sucesso. Antes de cada ritual Frater Asvk preparava a carta astrológica da operação, quando ele definia a deidade associada à fase lunar e específica ao kāla que a Sacerdotisa Oficiante deveria emitir.
O requisito primordial era que a Sacerdotisa Oficiante pudesse ser uma iniciada capaz de elevar a kuṇḍalinī. Mas nem todas as pessoas estão preparadas a este nível. Como medida paliativa, Frater Asvk insistia que, mesmo que a sacerdotisa não pudesse elevar a kuṇḍalinī por todos os cakras, ela deveria pelo menos ser capaz de liberar o prāṇotthana, a força prânica que desencadeia o despertar real da kuṇḍalinī. Para essa finalidade, a Ordem oferecia um treinamento sistemático em kuṇḍalinī-yoga, sempre direcionado as necessidades e dificuldades pessoais de cada um. Um treinamento tântrico fundamental se iniciava no VII°, o Grau do Mestre do Templo, onde todos recebíamos o Śrī Devī Khaḍgamālā Sādhanā. Esta é uma prática de adoração a Mãe Divina «Śrī Devī» desenvolvida por Frater Asvk para os membros do Círculo Kaula. A palavra khaḍga significa espada e mālā significa guirlanda. A execução deste sādhanā cria uma aura protetora ou guirlanda de espadas sobre o magista. Trata-se de uma jornada através do Śrī Cakra pela recitação dos nomes das 98 yoginīs ou aspectos de devī que «guardam» os pontos de energia do cakra ao longo do caminho.
Qualquer descuido durante a realização da operação poderia resultar em uma prática espiritual predatória, quer dizer, vampirismo. Para evitar isso, todos nós estávamos sempre cientes da proposta e objetivo do ritual, todos em uma mesma corrente de vibração, cientes de todas as implicações mágicas e kármicas.
Às vezes o ritual tinha um contexto todo thelêmico, às vezes era completamente tântrico. Nós executávamos versões diferentes dos rituais thelêmicos tradicionais como o Ritual da Marca da Besta, o Ritual Safira Estrela e o Ritual da Estrela de Sangue. Às vezes o ritual era feito sobre as bases da Bruxaria Therionica e a corrente lunar de Hécate.
Esse ritual sempre era executado por volta da meia noite na primeira noite de Lua Cheia. Em qualquer uma dessas configurações o trono da Sacerdotisa Oficiante ficava no Norte. Isso ocorria porque nesse dia a Lua ficava no quadrante oposto, o Sul, onde ficava o Sacerdote Oficiante. O Sol ficava sobre a sacerdotisa, no Norte. Isso era feito dessa maneira porque o sacerdote assumia a forma divina do deus Candra, transmissor do «néctar da imortalidade», representado astrologicamente pela Lua Cheia. A Sacerdotisa assumia a forma de Sekhmet, a deusa do calor e furor sexual, associada ao Fogo e ao dinamismo da Śakti.
O ápice do ritual ocorria quando o sacerdote precipitava a kuṇḍalinī no corpo da sacerdotisa. O Sacerdote Oficiante executava determinadas mudrās sobre o corpo da sacerdotisa, sem necessariamente tocá-la, fazendo passes magnéticos sobre certas zonas erógenas, às vezes com a Baqueta Mágica e às vezes com as mãos. Nesse momento a sacerdotisa não era sexualmente excitada, evitando o aterramento da energia mágica enquanto mantinha contrações fisiológicas «bandhas» selando e contendo o prāṇa no interior do corpo. Esse estímulo continuava até que a sacerdotisa literalmente tivesse febre. O objetivo desse processo era o despertar da Serpente de Fogo, elevando-a por todos os cakras ao ponto de «queimá-los» a fim de se estimular a produção e secreção de hormônios associados na corrente sanguínea da sacerdotisa. Nesse processo, o sacerdote trazia a sacerdotisa ao ponto do orgasmo, parando momentos antes do clímax. A excitação sexual somente ocorria, através dos procedimentos do VIII° ou IX° Graus, quando a sacerdotisa encontrava-se em dificuldade para atingir o estado de consciência associado ao kāla que deveria produzir. Nesse caso, quando o procedimento era com as técnicas do VIII°, eu e outros acólitos ajudávamos no processo de excitação. Outras vezes, quando o procedimento era através do IX°, então o Sacerdote Oficiante se encarregava de excitar a sacerdotisa. Em qualquer um dos casos, o orgasmo era evitado, pois a energia gerada deve chegar ao ponto de ser carregada magicamente antes de ser liberada na forma de kāla. No momento exato, quando a sacerdotisa chegava ao limite de sua excitação e ao nível de consciência desejado, então o orgasmo era liberado, produzindo o kāla correto associado. O kāla secretado na vulva da sacerdotisa era então coletado pelo sacerdote, às vezes oralmente, na intenção de aumentar seus poderes ocultos ou produzir o contato com forças supramundanas. Às vezes o kāla era coletado sobre talismãs preparados para o objetivo da operação ou em discos de metal alocados sobre os cakras da sacerdotisa durante o ritual. Nas operações, Frater Asvk carregava o ājñā-cakra da sacerdotisa a fim de atrair magneticamente a kuṇḍalinī para sua zona de poder. No último caso, os discos de metal, agora carregados com ojas, eram guardados em um recipiente para serem utilizados depois, em outras operações. Nessas condições os kālas da sacerdotisa eram carregados com a força mágica do ojas, determinando sua eficácia.
Embora a produção dos kālas exigisse uma atenção especial, o objetivo do ritual sempre era a produção da criança mágica. Para isso, a energia masculina é essencial. O fluido seminal do sacerdote é um agente fundamental para o «nascimento mágico». Da mesma maneira que ocorre com os kālas da sacerdotisa, o fluido seminal do sacerdote deve também ser carregado com ojas. O sacerdote deve elevar a kuṇḍalinī por todos os cakras e evitar o orgasmo para não aterrar a energia antes que ela possa ser carregada energeticamente.
Esse é um poderoso ritual de Alquimia Sexual. Na medida em que o executamos, nosso corpo passa por profundas mudanças fisiológicas que se inicia com a secreção de hormônios na corrente sanguínea. Isso altera a respiração, o metabolismo, a qualidade da saliva, do suor, do sêmen e das secreções vaginais. Nessas condições, visões podem ser obtidas. A concentração mantida durante a excitação sexual, seja através do VIII° ou IX° Graus, cria um poderoso estresse psíquico. Em outras palavras, a concentração e o foco mantidos para evitar o orgasmo cria uma reação em cadeia no corpo, fazendo com que suas funções se alterem, abrindo Portais que normalmente estão fechados. Como consequência, o transe é induzido. O resultado do ritual, quer dizer, a Criança Mágica, é visualizado na câmara do ājñā-cakra para que possa ser concebido com estrita economia de meios.


Notas 

[1] Para uma descrição da Tradição Kaula, veja o ensaio Kaula Sādhanā: Uma Doutrina de Mão Esquerda & Sublimação Sexual.
[2] Veja o ensaio Thelema: A Redescoberta da Tradição Sumeriana.
[3] Eu fiz uma tradução desse livro e disponibilizei gratuitamente na internet sob o nome de Aleister Crowley & o Deus Oculto.
[4] Grosche se distanciou da O.T.O. para formar seu próprio grupo também basead nos mesmos mistérios sexuais da O.T.O., a Fraternitas Saturni. Ele e Karl Germer (1885-1962), sucessor direto de Crowley na O.T.O., tiveram alguns problemnas pessoais. O apoio de Grant a Grosche em seuManifesto da Loja Nova Ísis, levou Germer a expulsá-lo da Ordem. Essa expulsão eliminava qualquer possibilidade de Grant reivindicar a liderança da Ordem, por conta de uma carta emergencial lhe conferida por Crowley. Isso levou Grant a fundar sua própria versão da O.T.O. Sobre a história da O.T.O. veja Rituais, Documentos & a Magia Sexual da O.T.O. (Vol. I). Sobre Grant e a Loja Nova Ísis, veja o ensaio A Conexão Curwen.
[5] Veja o livro Cakra Sādhanā: O Despertar da Serpente de Fogo.