domingo, 16 de janeiro de 2022

Hékate a “Peregrina”

 


“Estradas unidas por braços distantes, Vontade divina proclamada à distância,

Seus caminhos são tudo que nossos pés tocam;

Nossa carne é lenha de seus rituais;

Nosso sangue, sua receita infernal..."


O nome “Hécate” não possui uma etimologia certa. Portanto, alguns “caminhos” serão analisados e ponderados para tentarmos elucidar a grandiosidade dessa deusa. É sabido que o nome não possui origens gregas e, mesmo que alguns escritores encontrem subterfúgios lingüísticos, como por exemplo; “Hekataboulos” (o mais comum nome de Apollo) que permite a correlação com a essência da palavra raiz: “ekat”- “Eκάτη” (aquela que atira ao longe), tudo indica que imigrou da Ásia para a Grécia e, consequentemente, para Roma.

Homero foi um dos lendários poetas épicos da Grécia antiga. Em seus textos, nenhuma referência à Hécate foi encontrada, ou seja, as primeiras referências gregas à deusa encontram-se na Teogonia de Homero.​

Estudos acerca dos nomes teóforos (que contém elementos alusivos à deidade) apontam sua origem para a região do Egito. A deusa egípcia “Heqet” (Deusa cabeça-de-rã, ligada ao parto, fertilidade e a ressurreição) pode ser uma das fontes fonéticas mais prováveis do mito.

Em antigas sociedades matriarcais, “Heq”, uma palavra que tem similaridade com xamã ou feiticeira, designava as mulheres que conduziam seus grupos sociais, através de regras de conduta e espiritualidade. Tais “bruxas” eram consideradas as “avatares” da própria Heqet. O culto de Heqet chegou a Grécia através de uma migração iniciada na costa oriental do Mar Morto, mais precisamente na Trácia e no Reino da Cólquida. A partir desse exato momento ocorre a transmutação, pois a forma zoomórfica foi abandonada e uma nova amplitude acerca da deusa iniciou-se.

Importante salientar que existem diferenças entre seu culto ao longo dos séculos. Antes do período helenístico (séc. V), co culto de Hécate não era tríplice, tampouco a mesma possuía tantos atributos. Porém, no final do século V, o culto de Hécate expandiu e a deusa recebeu a denominação de tríplice. Após as transições políticas que elevaram o domínio de Roma, assumiu outras características, tornando-se uma deusa greco-romana com muitos nomes relativos às suas personalidades.

Teogonia e a Formação


Segundo os gregos, o mundo se formou a partir do Caos. Assim como nas demais teogonias, deuses foram formados e guerrearam pelo poder.

As visões acerca dessas formações podem ter uma pluralidade de interpretações, entre as quais que Hécate era filha de Deméter, porém, sob a luz de Hesíodo, Hécate nasce da união de Perses (deus da luxuria e destruição, filho de Crio e Euríbia) e Astéria (deusa estelar, filha de Céos e Febe). Muitas dúvidas surgem com relação à Teogonia, afinal. Hécate, uma deusa estrangeira e “menor”, assumiu um papel “central” e recebeu atributos relativos a outros deuses e deusas gregos como os da própria Ártemis.

Existem especulações de que Hesíodo era de uma região em que ocorria o culto de Hécate e, através de sua Teogonia, popularizou, elevou os poderes e expandiu o culto. Em certas regiões trouxe confusão.

Outro aspecto interessante são os atributos lunares de Hécate. Segundo Hesíodo, Hécate era a própria faceta de Febe que reapareceu na escuridão da Lua.

No hino de Hécate (Teogonia) é confirma essa filiação.


(Tradução adaptada pelo autor)

“... Gerou Astéria de propício nome que Perses
conduziu um dia a seu palácio e desposou
e, fecundada, pariu Hécate...”


Mesmo sendo descendente de Titãs e completamente independente dos deuses do Olimpo, Zeus (o Sumo Regente Cósmico) presenteou-a com três dons, tornado-a tríplice:

Ter parte na terra (estrutura);

Domínio sobre o Mar infecundo;

Domínio sob o Céu salpicado de estrelas.


Isso a fez muito honrada por todos os deuses imortais, afinal, possui a essência primordial.

No mesmo hino, os homens recebem a “ritualística básica” para o contato com a deusa:

“... Hoje ainda, se algum homem sobre a terra
com belos sacrifícios e orações, segundo os costumes,
 invoca Hécate, muita honra receberá da Deusa e seus poderes residirão nele...”

A face da Justiça:

“... A quem quer, com grandeza dá auxílio e ajuda.
No tribunal, senta-se junto aos reis em decisão e
na assembléia, entre o povo distingue a quem quer...”


O poder sob a Guerra:

“... e quando os homens se armam para o a batalha que destrói os homens, a Deusa estende as mãos para dar vitória e glória a quem quer  que vença...”

A influência nos jogos:

...Boa ela é aos homens lutam nos jogos,
nessas ocasiões a Deusa também lhes dá auxílio e ajuda
e , vencendo pela força e vigor, leva  o belo prêmio
facilmente, com alegria, e aos pais dá a glória...”

O poder para beneficiar ou prejudicar nas pescas:

“acalentando ou enfurecendo os mares”:

“... Diligente entre os cavaleiros, assiste a quem quer,
e aos que trabalham no cinzento e desconfortável mar  que suplicam a Hécate e ao troante Treme-terra,
a gloriosa Deusa concede grande captura
ou surge e arranca-a, segundo sua vontade...”

O poder de favorecer ou não os nos rebanhos:

“... Ela é boa no estábulo com Hermes para aumentar
o rebanho de bois e a larga tropa de cabras
e a de ovelhas lanosas, segundo sua vontade,
de pouco avoluma-os e de muitos faz menores...”


O poder da juventude:

“... O Cronida a fez nutriz de jovens que depois dela
com os olhos viram a luz da multividente Aurora.
Assim dês o começo é nutriz de jovens e estas as honras.”

Dentre muitos mitos que explicam a transição de Hécate, destaca-se essa corrente:

Relata-se que Hécate era uma sacerdotisa mortal chamada Ifigênia. Após insultos à deusa Ártemis, por motivos desconhecidos se suicidou. Ártemis se compadeceu, adornou seu corpo com jóias e sussurrou em seu ouvido fazendo-a renascer como a deusa Hécate. A deusa renascida deveria agir como Nêmesis (Νέμεσις- a ceifeira), porém, seria a vingadora das mulheres injuriadas. Por tal motivo surge a associação de que Hécate seria filha de “Nix” (a escuridão). Inclusive a designação dela como “Senhora dos Destinos” provêem da associação com Nêmesis, afinal, a deusa foi educada pelas Moiras.

 “Hécate de muitos caminhos, originalmente cultuada em tempos pré-olimpicos, foi uma Deusa muito importante na antiga Tracia, era considerada naquele tempo como a senhora dos partos e da puberdade , guardiã das virgens imaculadas e das jovens em período menstrual. Afirmações totalmente contrárias ao que vemos hoje em dia, uma Hécate de aspecto sombrio, considerada uma Deusa da morte, senhora dos espíritos que provoca temores a todos que ouviam o seu nome , o mesmo era considerado perigoso de se pronunciar e se caso fosse usado com leviandade, esse ser teria o pior dos fins , a morte física e o sofrimento espiritual eterno. Ela, em seu aspecto divino ctônico, teria o pleno controle sobre os espíritos e  como Deusa do destino, poderia dar o fim que quisesse aos profanadores de seu nome e honra.” Carlos Rabelo ,“Hécate Lucifera”.

Em muitas culturas, ocorreram novos mitos para integrar deuses estrangeiros aos panteões locais. Até a passagem que Hécate teria sido uma das parteiras que escondeu o bebê Zeus de seu algoz Crônos pode ter explicação na transição e na pluralidade de entendimentos sobre a deusa.


Hécate e o “Submundo”

Qualificada com atributos de “vingadora” e tendo ligações com o “Submundo”, a deusa tornou-se um arquétipo de proteção, feitiçaria e necromancia. Assim como alguns totens e “fetiches” de Hermes ( possivelmente foi um de seus amantes), que também era um deus ligado à “condução das almas”, estavam nas estradas, estátuas de Hécate começaram a ser espalhadas em tais pontos também, como nas encruzilhadas e entrada de certas cidades. Devemos sempre lembrar que a Grécia era uma “colcha de retalhos” culturais das cidades-estado, portanto, não foi difícil a associação dela com outros deuses de panteões estrangeiros.

“Eu me chamo Enódia Hécate, dama amável,

Da estrutura terrestre, aquática e celeste

Sepulcral, vestida num véu de açafrão,

Satisfeita com os fantasmas sóbrios que vagueiam dentro das sombras

Salve a invensível caçadora persa!...”

(Trecho do hino Ofídico à Hécate – Tradução do autor)


O tempo e as interpretações regionais fizeram com que a deusa tomasse forma de uma “governanta” das almas e dentre suas atribuições, estava a de conduzi-las aos reinos subterrâneos.

A ligação de Hécate com os cachorros encontra vestígios em papiros egípcios da época de 305 a.C, em que o governo romano estabeleceu-se por lá. Em tais documentos, Hécate é relacionada às “cadelas”, sendo chamada de “mulher cachorro”.

Em fragmentos mitológicos raros, Hécate é mãe de Scylla, que através das fusões culturais, também assumiu a guarda para a entrada do submundo corroborando com o julgamento de sua mãe e “morfava-se” num cão de três cabeças com olhos em chamas. A relação de Hécate com Cérberus possivelmente “nasceu” da fusão dos mitos e sua associação com o próprio Hades. Nas gravuras mais antigas (por volta de 560 a.C), Cérberus aparece com três cabeças, recobertas de serpentes (assim como a Medusa) e um rabo de Serpente.

“... Hécate foi considerada a Deusa dos feitiços e magias, senhora dos magos e feiticeiras, fantasmas, no período de Ptolomeu em Alexandria, ela era representada com as chaves do mundo inferior em sua cintura e com Cerberus ao seu lado.” Carlos Rabelo, “Hécate Lucifera”

A associação tríplice com as encruzilhadas ocorre no sincretismo com o panteão romano. Trivia era a deusa romana ligada às encruzilhadas e que carregava todo arquétipo da bruxaria noturna, assim como das ligações com os mistérios tidos como “macabros”.

A associação da deusa Hécate com as encruzilhadas também encontra referências no “Hino Homérico a Deméter” onde a deusa, que é a “ponte de conexão” entre o mundo dos vivos e dos mortos, anuncia à Demeter o paradeiro de sua filha Perséfone. As encruzilhadas são os locais onde ocorre o entroncamento e direcionamento energético encaminhando as almas ao destino prescrito, ou seja, os “espíritos” encontram rumo correto no reino dos mortos. Vinda de qualquer direção, uma energia flui apenas por três caminhos distintos nas encruzilhadas.

Algumas vertentes dissertam que Hécate é a “Rainha dos Daimons” e até que ela governa os espíritos rebeldes e sedentos de vinganças, presos “entre os mundos”. A encruzilhada em forma de “Y” é a forma mais antiga de “encontro energético.

As encruzilhadas também são pontos de referencia nos caminhos. Hécate direciona as pessoas perdidas e como “Senhora do Archote” ilumina as vias escuras tanto no plano das formas como no subconsciente. As encruzilhadas ocorrem nos três reinos (terra, água e ar). Em certos povoados, as crianças recém-nascidas eram levadas numa encruzilhada para serem abençoadas por Hécate em sua forma “Kurotrophos” (Ama da Criança e Protetora da humanidade).

“Com o tempo Hécate foi envelhecendo nos mitos e contos e, de uma esplêndida Deusa da vida, foi considerada eras depois, uma Deusa da morte a quem sempre se deve temer. Animais normalmente considerados de outros deuses, tais como lobos, serpentes e cavalos, foram interados ao seu culto e acabam se transformando em símbolos representativos de sua força e dons, a roda de tear, normalmente ligada as Moiras, também é seu símbolo, representando o controle sobre o destino do universo.” Carlos Rabelo, “Hécate Lucifera”.


​Hécate a Deusa da magia

Depois de centenas de anos de transições e fusões, Hécate foi coroada como “Rainha da Magia”. Carregando o archote, o athame, a corda, frascos de poções, a chave ou frutas (maçã ou romã). Muitas vezes com os olhos resplandecentes, indica que ela possuí o dom da intuição, afinal, nos caminhos além de orientações visuais é necessário “sentir”, intuir o que cada via carrega.

A roda de Hécate aparece nos manuscritos denominados “Oráculos Caldeus” é um símbolo que retrata o “labirinto de Hécate” em três vias, a vida, morte e o renascimento sempre em contínuo movimento e equilíbrio, visto que dentro há uma imagem semelhante à seis foices ( alfanjes) simbolicamente retratam isso. Alguns acreditam que é algo correspondente com sua associação com a deusa “Diana Lucifera” de origem romana.

Dentre tais símbolos, destaco o significado magístico e ritualístico deles.

O archote ou tocha ressalta sua qualidade como Lucifera. Símbolo supremo da sabedoria e sua ligação tanto com o matutino quanto com o vespertino ou os fluxos energéticos que são o conhecimento através do qual Hecate pode levar a humanidade para a chama da própria vida;

O athame é a arma mágica que delimita espaço, emana fogo e consume as ilusões. Hécate usa-o para o “corte”, a separação entre o material e o imaterial. Está associado ao encurtamento das distâncias, a guerra, vitória e liderança da deusa. Pode ser um símbolo que corta o “cordão umbilical” (representado pela corda).

Os frascos de poções representam o fruto produzido no caldeirão de Hécate. Medéia, feiticeira grega que cultuava Hécate (ou até mesmo filha dela), dominava as artes mágicas com ervas de tal maneira que poderia curar ou matar aplicando-as. Isso demonstra o lado alquimista de Hécate, da transformação e da busca dos resultados através dos mistérios da terra. Entre as ervas mais conhecidas, vale ressaltar o Yew (Teixo), cipreste, a aveleira negra, o salgueiro, o cedro, alho, lavanda, tomilho, Artemísia, hortelã entre outras;

A chave é o símbolo de confiança e supremacia nas vias;

A maçã representa a imortalidade dada pela Deusa;

A Romã é a fruta do submundo, mesmo que alguns a nomeiem como fruto do amor. Artemis of the cros
 
Seus pontos de força estão localizados em matas fechadas, estradas, encruzilhadas e cemitérios, além de templos com ofícios dedicados a Ela. Festejada pelos romanos todo dia 29 do ano e pelos gregos no dia 13 de agosto e 30 de novembro.

Epítetos

Hecate: Aquela que trabalha segundo sua vontade, vinda do poder ou que permanece indiferente.

Kleidouchos ou Kleidophoros: Guardiã das chaves ou portadora da chave.

Kurotrophos: Protetora das crianças

Monogenes: Apenas para crianças.

Soteira: A Salvadora.

Trevia: Dos três caminhos/Senhora das encruzilhadas.

Atalos: A delicada

Dadophoros: portadora da tocha

Despoina: Lady/senhora

Epiphanestate Thea: A maior manifestação da deusa.

Koure mounogenes: Donzela Unigenita.

Megiste: Grande.

Propolos: Aquela que gia e mostra o caminho.

Liparokrêdemnos: Aquela que possui uma tiara/faixa luminosa que prende seus cabelos brilhantes.

Trimorphis: Das três formas ou três corpos.

Trioditis: Das encruzilhadas.

Enodia: Das estradas.

 

Relação de Hécate com as vassouras

A vassoura era um objeto relacionado a Hécate “romana” onde sob alguns aspectos era denominada boa parteira e casamenteira.

O Ritual de “ Oxythumia”Women's household purification ceremonies 'oxythumia,' using broom, incense, and water were always carried out in her name. era praticado pelas sacerdotisas de Hécate ou mulheres que desejassem purificar seus ambientes, buscar soluções mais sólidas e não deixar emoções descontroladas tomarem frente às decisões usando a vassoura, água e incensos enquanto invocavam o poder da Deusa.

Hécate na Magia “Proibida”


Na magia catalogada como “proibida”, comemora-se Hécate no dia 31 de Outubro ou em qualquer outra data apropriada para os rituais. Hécate é a personificação da “Rainha da Bruxaria Ctônica”.Hécate possui um papel de emissora de energias sinistras e ctônicas que possibilita o contato com os obscuros espíritos da ira e vingança. Suas características como modeladora da realidade, vampíricas e destruidora das ilusões, são incitadas e veneradas.


Os nomes aos quais a Deusa é chamada são acrescidos de outras figuras mitológicas que são associadas a ela, tais como:


Gorgo: Figura masculina da mitologia Greco-romana, vampírico, considerado por algumas correntes como “filho” ou “amante” de Hécate.

Mormo: Outra figura da mitologia grega vampírica ligada à Deusa, considerada também como sua “cria” infernal.

Empusa: Filha de Hécate (provavelmente de uma união de Hécate e Mormo), que aparece como uma bela jovem vagando nas estradas e encruzilhadas com cachorros infernais em busca de vítimas. Sua forma espectral também é associada com “súcubos”, porém, diferenciava-se pelo fato de literalmente devorar suas vítimas.

Lemures: São as correntes dos mortos sombrios que vagam sobre a Terra. Também associados ás larvas astrais. Sua festividade ocorre em Maio, justamente para apaziguar a emissão maléfica dessas almas. O mito foi expandido pelos Romanos.

Lâmia (lamiae- Latim): Nascida nos oceanos, a bela Rainha da Líbia foi transformada numa criatura zoomórfica serpentina pelo ciúme de uma deusa. Alguns a associam à própria Lilith. Condenada injustamente tornou-se devoradora, sinistra e obcecada pelo sangue inocente.É considerada uma das crias de Hécate.

Medusa: Mesmo diante questionamentos acerca dessa ligação com Hécate, vale ressaltar alguns aspectos interessantes. Relatos antigos apontam Medusa como uma de três irmãs cretenses que possuíam dons místicos aprimorados, além de uma habilidade incrível com o arco. Provavelmente, o arco tenha sido apontado como sua relação com a Lua Crescente (assim como Ártemis) e consequentemente com os mistérios de Hécate. Foi amaldiçoada pela deusa Athena e recebeu traços zoomórficos serpentinos. Porém, Medusa era uma grande feiticeira e conhecedora dos mais profundos mistérios ctônicos. Talvez tenha sido nesse momento que ela recebeu o título de Górgona. Outro aspecto interessante é a ligação marinha, afinal, outra vertente mitológica imputa sua origem aos deuses ctônicos Forcis e Ceto. Medusa representa a face guerreira de Hécate, assim como sua ligação com espíritos zoomórficos amaldiçoados.

A partir desses nomes, existe uma fórmula de bruxaria sabática de invocação da armada ctônica de Hécate.

“Gorgo, Mormo, Empusa, Lemures,Lamiae, Medusa!”

Epítetos utilizados nas evocações e invocações de Hécate nas magias proibidas.


Antania: Inimiga da Humanidade.

Khthonia: Governanta do mundo subterrâneo.

Krataiis/Crataeis: A forte

Antaia: A única da fronteira.

Brimo: A faminta- Mistério ctônico do reino dos mortos.

Anassa eneroi: Rainha dos que estão “abaixo”.

Aidônaia: Senhora do submundo.

Tricephalus: A de três cabeças.

Nyktipolos: Vagante noturna.

Perseis: A destruidora.

Skylakagetis: Líder dos cães, Senhora dos cães do inferno.

Lykania: Mulher lobo mãe de todos os lobisomens. Esse epíteto é usado exclusivamente pelos adeptos da M.L.O.

Abnukta: Usado para a correspondência entre os aspectos de Lilith e Hécate. Significa em tese: “aquela que é a noite”.

Noctícula: Senhora da Lua.

Agriope: Face selvagem.

Pandeina: O nome mais terrível e temido.

Aphrattos: A inominável.

Epipyrgidia: Vigilante da torre.


Hécate é invocada através desses “nomes” para os rituais que envolvem a manifestação das forças do abismo através das encruzilhadas. Nos rituais de necromancia, Hécate é invocada para conduzir os “mortos” e as forças sinistras para fora de suas dimensões, promovendo a vinda dos seres “condenados” para a realidade mais próxima que o manipulador desejar.

Existem rituais de imolação nesses cultos. O princípio vital existente no sangue é insubstituível! Os rituais de imolação são tradição desde a época dos viajantes que faziam suas ofertas à deusa nas estradas e encruzilhadas para serem protegidos. Entre os animais sacrificados citamos o cachorro negro, aves escuras, serpentes e animais de rebanho.

Hékate a “Peregrina”

“Hécate, através dos mitos e entendimentos é uma Deusa evolutiva e perseverante. Como senhora dos caminhos, não é detentora da posse sobre as estradas do destino, também é uma importante peregrina e isso é muito representado através do comportamento das antigas sacerdotisas dela, que eram nômades e nunca paravam, sempre estavam dispostas a descobrir novos mundos, sensações e conhecimentos, não são presas a nada nem a ninguém, parece que o universo é seu destino e nem a escuridão era seus limites. Hecate é a peregrina de todos os caminhos, sejam terrenos ou divinos.” Carlos Rabelo, “Hécate Lucifera”.
As sacerdotisas de Hécate eram consideradas como rainhas e o declínio só ocorreu depois da “queda de Tróia”. Acredita-se que uma mulher cujo nome mágico era “Hekabe (movimenta-se para longe do mar) ou Hekaba (que movimenta-se para muito longe)”, ocupava uma posição de governo bem extensa. As sacerdotisas já carregavam em seus nomes a peregrinação e a distância, além de determinadas características da própria deusa.
Ao longo das eras, Hécate deu uma verdadeira lição de peregrinação, transformação polifórmica e força. O culto expandiu-se criando um grande arquétipo que possuí características e associações quase infinitas. O magista enxerga nela muitas faces e muitas maravilhas. Mesmo sob as formas mais sombrias, a deusa é parte da evolução e consequentemente, da verdade. Mitos e lendas são apenas parâmetros para entender a concepção do conceito, todavia, apenas o contato pessoal com a deusa nos proporciona o real entendimento dela e da história dos povos. Hécate é um dos inúmeros pilares que representam o declínio da fé verdadeira e a imposição sangrenta, afinal, demonizaram algo lindo e significativo na história dos povos. Hécate resistiu às tempestades cristãs e até hoje é invocada como a “Grande Mãe da Bruxaria”.


Os Sacrifícios de Animais

Outro ponto polêmico entre os Umbandistas é o sacrifício de animais. Não há consenso e as Tendas que não o praticam negam às que o fazem o status de religião chamando-as, pejorativamente de seitas; acusam-nas de ignorância com o mesmo dedo preconceituoso com que foram apontadas em passado recente e ainda são, pelos evangélicos, por exemplo. Os umbandistas derramadores de sangue de aves e quadrúpedes apelam para a Bíblia, citando Abraão, Moisés e até a crucificação para justificar as oferendas hemorrágicas. É o caso do culto Omolokô, descrito em livros como O Sacrifício de Animais nos Cultos Afro-Brasileiros e na Umbanda, de Caio de Omolu.

Aquele autor, argumenta sobre a validade do sacrifício de animais alegando a antiguidade destes rituais recorrendo a exemplos bíblicos, extraídos do Antigo Testamento e dos Evangelhos: “…a santidade do sangue foi enfatizada com vigor… no Novo Testamento, com a imolação do Cordeiro Divino Nosso Senhor Jesus Cristo que derramou o seu sangue para lavar os pecados da face da Terra”

Os que defendem o sacrifício de animais com finalidades mágico-ritualísticas alegando a ancestralidade destas práticas esquecem que magia também evolui. Seguindo o raciocínio de que tudo o que antigo é válido, estaríamos defendendo também o canibalismo! Afinal, os antropófagos não comiam prisioneiros porque “era gostoso meu francês”, mas por acreditarem que tal refeição lhes permitiria absorver as qualidades da vítima.

Argumentam, ainda, os umbandistas que sacrificam bichos, que os animais não possuem uma alma individual, mas apenas, alma-grupo. Uma vez mortos, suas almas seriam absorvidas nesta alma coletiva. A questão, porém, contra o sacrifício de animais em cultos religiosos, não é se o animal tem ou não um espírito individualizado mas o “porquê” do sangue ser tão necessário…

Segundo magistas mais bem informados, cujas obras serviram, e muito, para a configuração dos rituais da Umbanda, o sangue alimenta entidades astrais inferiores, cascões, larvas… Espíritos atormentados, apegados à vida física, vampiros! O sacrifício ou derramamento de sangue de animais nesses ritos atrai estas entidades, que precisam do fluido vital para se manter na esfera terrena, à qual estão apegadas, e servem, pelo interesse no sangue, e também no fumo, no álcool, no sexo promíscuo àqueles que se dizem magos.

Estes “sacerdotes” precisam de intermediários da mais ignóbil extirpe existencial simplesmente porquê não sabem como utilizar, sem tais recursos, o instrumento maior da magia: Pensamento! Não sabem criar formas-pensamento, não sabem condensar nem irradiar a própria energia sem apelar para uma enorme parafernália ritualística, sem evocar tais entidades, habitantes do verdadeiro baixo-astral, que os ajude a manter a mente concentrada e/ou agir sobre a Natureza.

O próprio Caio de Omolu, que escreveu o livrinho destinado a defender o sacrifício de animais, reconhece, no fim do texto: “…acredito que chegará época não muito distante que tanto o sacrifício de animais, como outras práticas ditas ultrapassadas ou primitivas, deixem de existir. Quando este tempo chegar elas serão substituídas por métodos mais avançados ou evoluídos espiritualmente”.

Como último comentário sobre sacrifício de animais, pode-se mencionar o ensinamento de H.P. Blavatsky, a ocultista da Doutrina Secreta, obra à qual os umbandistas sabem muito bem recorrer… quando lhes convém:

“Paracelso escreve que com os vapores do sangue, pode-se evocar qualquer espírito que se deseje ver, posto que, com suas emanações, formar-se-á uma aparição, um corpo visível − mas isso é perfeita feitiçaria e necromancia. Os hierofantes de Baal produziam profundas incisões em seus corpos e, com o próprio sangue, produziam aparições objetivas e tangíveis. …Antigamente as feiticeiras da Tessália, acrescentavam, algumas vezes, ao sangue do célebre cordeiro negro o de um menino, para melhor evocar  as sombras.

…Durante os sacrifícios de sangue, que sempre se verificam à noite, os yakuts [da Sibéria] evocam as sombras escuras, ou malvadas, para delas saberem como como hão de conter sua malignidade. O sangue lhes é necessário para isso, porque sem seus vapores, não poderiam aquelas se fazerem visíveis e também seriam, acreditam mais perigosas, pois o sangue, extrairiam das pessoas vivas, por meio da transpiração. Quanto às sombras boas ou luminosas, estas não precisam ser evocadas assim, porque isso desagrada-lhes e porque, quando querem, podem fazer sentir sua presença, sem necessidade de nada”. [BLAVATSKY, Ísis Sem Véu, p162/161]

Cruenta Matris

 

“Ó sentimento reprimido, sussurre em meus ouvidos, envolva-me na escarlate chama da morte conduzindo-me aos labirintos sombrios onde poderei envenenar e macular as águas da vida!


Ergo a cabeça decepada em direção ao firmamento, assim como a Soberana “Cruenta Matris” o faz ao sol enegrecido pelo ódio que invoco nesta hora!


Dissolva meus sentimentos entranhados e pulse nas vísceras da minha Alma! Que os portais mortais sejam abertos elevando-me aos impulsos do Caos furioso!


Ó Ódio, are meu solo e regue-o com sangue inimigo!


A guerra se faz necessária para reavivar meu sangue primitivo, as fagulhas caóticas que apenas os escolhidos possuem! Coroe-me como filho da Batalha cujas armas aniquilam a misericórdia e a covardia!


Declaro desperta minha ira que abalará o fino véu harmônico que rege o ordenamento demiúrgico.  Transcenderei os planos cósmicos e embrutecerei meu “Diamante Negro”! Sou a chave de Satanás para a destruição do cosmos que inicia em meu “Eu”!


Ó Ódio, em nome de Leviathan, afogue a alma do mundo! Erga-se em mim Dragão Negro da Morte e Destruição e que minha ira seja como Vossas unhas envenenadas dilacerando meus inimigos!


Ó Ódio, are meu solo e regue-o com sangue inimigo!


Impulsos vindos da chama de V.S Maioral , em nome do Vingador Satanás, que as armas de Belial estejam em minhas palavras, cristalizando o poder destrutivo dos meus desejos!


Que as árvores secas me deem o fruto da gnose proibida capacitando-me com o poder dos sete reinos infernais!


Ó Ódio, are meu solo e regue-o com sangue inimigo!


Em nome dos Imperadores do Lado Sinistro, Satanás e a grande Ama pecaminosa Lilith, invoco os Deuses e Deusas Obscuros, para que ouçam minha litania diante o Altar Negro!


Que as sete chaves flamejantes infernais abram os portais mortíferos e inundem-me de forças a fim de que minhas veias carreguem o ódio dos deuses sombrios que se manifestarão através dos meus impulsos destrutivos aniquilando todas as barreiras que meus inimigos colocam em minha ascensão!


Legiões Sombrias, macabros deuses irados, ouçam meu chamado e carreguem-me de energias demoníacas para guerrear com força, determinação, verdade e sabedoria!


Ó Ódio, are meu solo e regue-o com sangue inimigo!


Que o Dragão Negro seja atraído pelas minhas palavras e desperte novamente para ser coroado e glorificado no topo da Montanha da Morte!


Que as forças do Inferno Sinistro estejam comigo, afinal, só os fortes recebem as forças Satânicas! A própria ira de Lilith se encarregará de aniquilar os que não possuem o brilho mortífero nos olhos!


Salve a Ira! Salve o Vingador Satanás!


Ó Ódio, are meu solo e regue-o com sangue inimigo!


Sentimento temido pelos “anjos” inflame minhas veias como lava de vulcão e despertem o poder Azothico para abrir os portais da agressiva ascensão Satânica!


Que meu ódio liberte agora as bestas aniquiladoras e que a verdadeira essência demoníaca do meu próprio espírito permita o holocausto do lado profano fazendo-me forte, temido e eternamente vitorioso! Deuses Sinistros da Guerra e Batalha, em nome da Torre Mortífera que meu ódio possa despertá-los!


Que tal emanação capacite a expansão do meu ego e resplandeça minha vontade soberana tornando-me um estorvador da obra cósmica. Ó Beelzebuth faça de mim uma emanação caótica que irá decompor a árvore das mentiras!


Ó Ódio, are meu solo e regue-o com sangue inimigo! (7x)


Bellum Vindicta!  (7x)


Odium Aeternum! (7x)

Possessão Ritualística

O fenômeno conhecido como possessão tem sido, até pouco tempo, um fenômeno comparativamente raro na prática mágica ocidental. Isso possivelmente se deve a associação feita no século dezenove da prática com alguns elementos grosseiros da mediunidade e desentendimentos gerais da aproximação ocultista africana como o Vodu e o Candomblé. De fatom até a recente popularização do conceito como  magia étnica e xamãnismo moderno a possessão foi desprezada como simples práticas religiosas primitivas. A situação só começou a se inverter em meados de 1950, quando o teosofista Michael Bertinaux ganhou fama no meio ocultista por sua obsessão com o vodu, inspirados pelos filmes de zombie que assistiu quando criança nas décadas anteriores.

Também é verdade que a experiência de possessão é difícil para muitas pessoas, particularmente as condicionadas pelo arcabouço europeu. Possessão requer desinibição, habilidade de entrega e desprendimento, coisas que via regra geral, por muito tempo foram socialmente negadas ou davam a pessoa a auto-imagem negativa de “estar fora de controle.”

Nos últimos anos do século XX, entretanto a situação se inverteu e a prática tanto ocultista como religiosa ganhou uma grande abertura para a possessão, na qual o objetivo dos rituais é sempre fazer dos seres humanos veículos de manifestação para entidades com propósitos de encantamento, iluminação ou oracular. O uso de trabalhos de possessão é particularmente forte nas tradições Africanas, mas também está presente hoje na Wicca, nas tradições nórdicas e entre magistas do caos. Uma vez que tive muitas oportunidades de participar inúmeras vezes de trabalhos deste nível, tanto como veículo como celebrante, faço agora uma análise e abro discussão quanto as experiências de possessão.

Possessão é um fenômeno genérico e uma das mais populares formas de união com divindades na história humana.

Rituais de possessão já eram comuns no antigo Egito e tem sido registrado como uma das praticas cabalistas mais antigas da história sempre que o estudo intelectual foi acompanhado por experiências confirmatórias. Na Grécia antiga a prática também era comum, como no conhecido exemplo do Oráculo de Delfos e na prática teurgica em geral. Nos cultos afro-americanos a possessão possui um papel central, seja no Vodu, na Santeria, na Umbanda ou no Candomblé assim como nos cultos ameríndios e no xamanismo na América e na Australásia.

Apesar da ligação atual da palavra possessão, com manifestações diabólicas, no inicio do cristianismo ela era também uma manifestação bastante comum da fé, particularmente como expressão do espírito santo no “falar línguas” que permanece popular até hoje nos cultos pentecostais. No livro de Atos, Paulo de Tarso relata sua dramática experiência no caminho até Damasco na qual é subitamente tomado por possessão divina. Preocupado com a popularidade do fenômeno, Paulo acreditou ser necessária cautela entre os cristãos estas experiências em I Corintians, 14,23:

“Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos?” e “Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas.” Mas faça-se tudo decentemente e com ordem.”

Em geral, existem duas rotas para o êxtase da possessão. A primeira é solitária e a segundo baseada em grupos. Possessão solitária é o resultado de isolamento, meditação, orações e rituais, no qual o celebrante consegue unir-se a entidade escolhida. A base deste processo é eloquentemente descrita por Steve Wilson em seu artigo Results Mysticism em C.I 15. Esse é o caminho do misticismo solitário tal qual o de São João da Cruz. Dentro do contexto monoteista esta prática não é livre de perigos. O místico Sufi, Al’hallaj, anunciou que era “Deus” e consequentemente foi executado por seus irmãos de Fé. Os místicos cristãos da Idade Média, frequentemente andavam na corda banba da heresia ao dedicar-se ao misticismo solitário. Da mesma forma a possessão solitária é uma prática bem conhecida e desejável na Bhakti Yoga indiana.

Os elementos chaves desta experiência são facilmente identificados. Inicialmente trata-se do simples isolamento das demais pessoas. Isolamento, em diversos graus contribuem para a perda do sentido do Ego e causa grande stress na mente humana. Em segundo lugar, o efeito é potencializado por diversos graus de abstinência, jejum, vigílias, castidade sexual, auto flagelação, etc… hábitos comuns não apenas entre monges cristãos, mas também entre xamãas e algumas vertentes do tantrismo. Em terceiro lugar, a constante concentração no objetivo do isolamento preenche a mente do operador com todo o cenário mental necessário a possessão. O místico incessantemente direciona sua atenção a união com a divindade por meio de orações meditações e rituais. O Liber Astarte, de Crowley é um ótimo exemplo deste tipo de trabalho. Outro exemplo clássico é o popular sistema de Abra-Melin, o mago; caso sua criação o teha levado a adoração única de Jehovah. O diário de Abra-Melin, publicado por William Bloom é uma fascinante instrução de ‘diminuição perante deus’, na qual ao final, o magista some e tudo o que resta é a divindade. Crowley, por sua vez estava muito mais inclinado a deixar “deus” entrar pela porta dos fundos, como demonstra os rituais de sodomia passiva do livro acima citado.

Mas é ao ritual de possessão orientado para grupos que dedicarei minha atenção maior neste artigo, uma vez que esta e a modalidade mais comum e freqüente, tanto entre ocultistas como entre religiosos. Nas religiões, em geral trata-se de um extremanente efetivo validador de crenças. E esta era precisamente a preocupação de Paulo quanto ao fenômeno de ‘falar em línguas’. Sendo ele próprio um intelectual convertido, muito o preocupava o fato da possessão produzir uma fervorosa, emocional e acritica forma de crença.


Desinibição

A habilidade de perder o controle é decisiva para a experiência de possessão. Tenho visto pessoas que ao participar de uma primeira manifestação, claramente abandona, o transe quando suas inibições o alertam quanto a comportamentos da entidade que entrem em conflito com sua personalidade. Expectativas sobre como devemos nos comportar, mesmo em espaço ritual devidamente consagrado muitas vezes criam uma barreira difícil de transpor para muitas pessoas. Por outro lado, indivíduos que carecem de carisma e confiança muitas vezes entram em transe rapidamente, talvez porque a experiência de possessão dê aos participantes “permissão” para agirem de modo não convencional. Como disse, um importante mestre Vodu, S.E. Simpsons  no livro Religious Cults of Caribbean: Trinidad, Jamaica & Haiti, 1970: Aquilo que uma pessoa tem medo de fazer, ela faz quando possessa.”

Permissão para agir de maneira apropriada a Deus, é sancionada e oficializada no contexto do ritual de possessão, tanto pelos celebrantes como pela audiência. Entretanto em rituais modernos, os limites do que é ou não permitido nem sempre estão bem definidos.  Antropologicamente, uma pessoa que passe por possessão de uma entidade está “fora de jogo”, e alguns atos de violência e lascívia são aceitos, e algumas vezes esperado. Ao ensinar o “truque” dos rituais de possessão, a mensagem principal a ser passada é que o individuo nunca é responsável pelo comportamento do espírito. Uma vez que isso seja entendido por todos os participantes a insegurança e a inibição desaparecem por completo.


Efeitos Coletivos na Possessão

Deve ser entendido que possessão não é uma simples questão de entidade e veículo, mas uma experiência que emerge da total interação dos presentes. De certa maneira, possessão é uma forma de teatro. Certamente o leitor já se deparou com atores descrevendo suas experiências em termos de serem possuídos pelo personagem. Segundo o artigo sobre possessões cerimoniais de Deren e Seabrok, qualquer apresentação que envolva a interação entre atores (possuídos), audiência, equipe de apoio e Mestre de Cerimônias recria com perfeição uma experiência de possessão. De particular interesse é o papel de Mestre de Cerimônias ou Sacerdote.

Kheith Johnstone (Impro, 1981) observou que e, um ritual Vodu, o mestre de cerimônias possui um alto status e tratado indulgentemente pelos participantes possuídos, que frequentemente exibem comportamento jocoso e infantil. Outra analogia poderosa é a idéia do Mestre de Cerimônias como ‘apresentador’ levando o possesso ao êxtase da gnosis e prendendo a atenção da audiência. Não existe distensão quanto a isso entre uma capela vodu e uma seção do descarrego neo-pentecostal.

Quase sempre tenho visto a ‘audiência’ de um processo de possessão, parada estática ao redor do possuído e ocasionalmente sendo repreendida pelo espírito por sua falta de entusiasmo e participação. Ritos de evocação e invocação são muito semelhantes em relação a este quesito. Em minha experiência, o sucesso na materialização de espíritos goéticos dependem principalmente do espaço ritual, do cenário montado e da parafernália utilizada. Da mesma maneira uma boa possessão exigirá um contexto óbvio de possessão familiar a todos os participantes. Expectativas conflitantes frequentemente resultam em resultados que também variam com a intenção dos expectadores.Um bom exemplo de minha própria experiência foi um trabalho no qual uma sacerdote foi claramente designada para uma abertura ritual de uma cerimônia orgástica. A personagem escolhida foi Iustina, uma derivação de uma personagem dos trabalhos do Marquês de Sade. A entidade, diferente da personagem deliberadamente desejava quebrar qualquer aura de virtuosidade vitoriana. Durante o trabalho, a possessa se comportou como a justine do livro, apesar de não ser o que a sacerdote tinha em mente no começo.

Isto, obviamente, não é um problema em cerimônias nas quais toda a assembléia sabe o que esperar da entidade em manifestação. William, Sargant conta um caso de um ritual vodu do qual foi testemunha no Haiti, onde duas garotas foram simultaneamente possuídas por Ghede, um loa conhecido por ser sexualmente ávido” O rito terminou com um colapso emocional das duas participantes caídas no chão. Sargant prossegue e comenta sobre um grupo que ficou de tal forma entusiasmados com o episódio e as duas garotas e que antes estavam tão quietos e tímidos que ele não tinha na memória qualquer participação anterior dos mesmos. Ele notou que as únicas pessoas que ficaram irritadas com o episódio foram os namorados das garotas, mas que eles não podiam dizer nada, pois se tratava de uma manifestação de Ghede. Este é um ponto importante. Em muitos cultos voltados a possessão, existe um entendimento tácito de que o que quer que o possuído faça, é uma conseqüência da entidade que a possui, e ela portanto está isenta de responsabilidade. Não apenas isso, mas depois de sair do transe, muitas vezes sequer é comentado com a pessoa como ela se comportou.

Uma coisa que me intriga é como o tamanho de um grupo influência no trabalho de possessão. O tamanho da assembléia sempre influencia na profundidade do transe por parte dos possuídos. Um pequeno trabalho, em um grupo fechado permite uma maior atmosfera de confiança e relaxamento na qual a possessão acontece. Entretanto, grandes grupos, particularmente os de trabalho frenético com luzes estroboscópicas e danças e gritos em massa, permite os celebrantes atingir níveis profundos de possessão de forma relativamente rápida. Também pelo fato do veículo da possessão não ser o foco das atenções e estar relativamente anônimo a excitação causada é mais elevada.


Inibição Transmarginal

No livro ‘A Mente Possuída” William Sargant examina a experiência dos trabalhos de possessão. Ele acredita que a chave para se entender o fenômeno está nas respostas anormais ao stress extremo identificado por Pavlov como Inibição Transmarginal Sargant descreve a reação como tendo três estágios: O Equivalente, o Paradoxial e o Ultraparadoxal.

O Estágio Equivalente se caracteriza pela resposta na qual a reação do indivíduo, enfraquece e fortalece o estímulo ao mesmo tempo. Em outras palavras, uma pessoa sofrendo de depressão pode reagir a experiências significantes ou triviais de uma mesma maneira.

A fase Paradoxal ocorre quando o estímulo produz respostas positivas mais fortes do que o estímulo. Por exemplo quando uma pessoa em depressão não reage quando verbalmente agredida mas pode ser irritada por uma ordem gentil.

A terceira fase, a Ultraparadoxal é caracterizada pelo aparecimento de respostas diametralmente opostas as previamente condicionadas pelo hábito, quando então novas crenças e comportamentos são implantados. Sargant também nota outro fenômeno relacionado a esse estado. Segundo ele, a fase ultraparadoxal aumenta a sugestionabilidade a crenças e estimula o que normalmente não seria notado. O isolamento e inibição de certos pensamentos e comportamentos guardados na memória vêem a tona, e o ‘colapso da inibição’ toma conta do comportamento habitual.

Sargant encara a possessão em termos antropológicos. Ele aponta que a possessão é uma experiência catártica de ligação com o sobrenatural e nota que em algumas sociedades possessão quando provocada por danças, percussão e cantos usualmente serve como válvula de encape a tensão acumulada dos participantes citando para isso seu próprio trabalho com pacientes sofrendo de choque pós traumático. Sargant e seus colegas deliberadamente colocam seus clientes em situações de êxtase onde revivem o episódio traumático e o alteram no momento do colapso. Posteriormente o próprio trauma é superado por meio desta dinâmica.

O que isso tem haver com possessão? De minha própria experiência eu posso confirmar que possessão é certamente  uma experiência catártica. Intensa atividade psicológica, espasmos musculares, hiperventilação. etc… seguido de grande alívio, frequentemente mais intenso do que as técnicas usuais de relaxamento. Outro ponto interessante é a perda de memória que segue o estado de possessão. Como foi dito acima isso tudo já está amplamente documentado, de sessões de hipnose a cultos de vodu. Existem indícios entretanto que a perda de memória é diretamente proporcional a expectativa do grupo. Em alguns cultos, é um artigo de fé que quando o deus se manifesta, toma completamente o lugar da “alma” humana. Em geral podemos dizer que a possessão se dá de certa forma gradualmente, o que resulta em perdas parciais e totais de memória a medida que a entidade toma lugar do indivíduo.

Sargant também reconhece a importância da atmosfera do grupo em criar um espaço onde a possessão possa ocorrer.Ele observa que o efeito de uma cerimônia de possessão possui sucesso na medida em que leva seus celebrantes a um estado crescente de sugestionabilidade. Batidas rítmicas, danças frenética e cantoria são os três meios mais populares na realização de uma experiência deste tipo, para a qual os magistas modernos adicionaram luzes estroboscópicas e efeitos sonoros.


O uso mágico de máscaras

O uso de máscaras e outras indumentárias é um importante recurso para possessões. Em alguns cultos, quando o celebrante começa a demonstrar sintomas de possessão, a entidade encarnada é reconhecida pelos sacerdotes por meio de certas indumentárias que caracterizam certas deusas ou deuses. Na abordagem ocidental as vezes é necessário que o veículo humano reconheça a si mesmo como canal de manifestação antes que a possessão ocorra, recorrendo-se assim por meio de vestimentas e acessórios adequados. Na magia contemporânea o veículo de possessão dos deuses tende a ser selecionado previamente ao ritual ao invés das encarnações espontâneas que ocorrem por exemplo nas cerimônias vodus pelos loas ou nos cultos pentecostais pelo Espírito Santo. Máscaras são úteis também pois conferem ao usuário um grau a mais de anonimato.

As máscaras africanas por exemplo são usadas em diversos cultos e seus usuários automaticamente apresentam o comportamento dos deuses e entidades por elas representadas. Outro ponto positivo para as máscaras é o de não permitir indefinições ambigüidades a respeito da entidade, como foi apontado acima, pois um deus pode ser muito bem definido por uma máscara específica conhecida pelo grupo. Esse pode entretanto mão ser o caso quando os deuses não são conhecidos, não foram reforçados por qualquer tradição da qual os celebrantes façam parte, ou mesmo quando nunca foram devidamente rotulados, como no caso de Baphomet.


Efeitos Colaterais da Possessão

Em um contexto religioso a experiência da possessão é freqüentemente usada para validar o sistema de crenças de onde nasceu a entidade em questão. Isso pode ser bastante problemático do ponto de vista mágico onde certas crenças inabaláveis não são vistas sob a mesma luz e têm bem menos utilidade e valor. Enquanto no espaço ritual é importante ter fé absoluta na experiência, mas a continuidade de uma crença tão forte fora da câmara ritual pode ser extremamente prejudicial. Isto se torna especialmente importante no caso de rituais de possessão realizados por magos caóticos.  Com freqüência ouço sobre experiências de possessão espontâneas em trabalhos oráculares ou de iluminação, por magos que não realizaram o banimento adequado posteriormente. Em um contexto de crença única, é assumido que o resultado de uma possessão confirma as crenças dos participantes na entidade. No caso da magia caótica, onde a crença é contextual a fé e consequentemente a entidade devem ser abandonadas tão cedo a cerimônia termine.

O segundo problema relativo a possessão é sobre o conhecimento e habilidades advindo da entidade. Pode acontecer de uma entidade se manifestar em um veículo mal preparado. Por mal preparado, eu quero dizer tanto quanto a conhecimentos mitológicos, simbólicos como comportamentais. Isso é particularmente relevante quando consideramos entidades com conhecimentos em áreas específicas. Em culturas orientadas a possessão, como os índios latino-americanos, é comum que entidades curadoras se apossem apenas de curandeiros. Tornar-se-ia muito difícil para alguém sem conhecimentos em áreas específicas comportar-se coerentemente com o espírito de tal entidade. Um problema semelhante acontece em indivíduos sem experiência em possessão que não possuirão a habilidade necessária para entregar a mensagem da entidade, novamente, a habilidade de desinibição, como já discutido mostra-se muito importante.

Em terceiro lugar, existe um problema de fixação. Alguns magos tornam-se viciados em manifestar certos personagens, especialmente em se tratando do comportamento e trejeitos de alguma entidade. Quando isso acontece podemos dizer que deixa de se tratar de um caso de possessão e passa a ser um reforço do próprio ego frente uma audiência. Isso pode resultar em manias obsessivas, com um mesmo estilo de entidade dominando todo o repertório do mago até o ponto em que se torna muito difícil outras entidades se manifestarem. O sinal mais claro de que isso está acontecendo é quando as crenças e  comportamentos do possuído parecem não variar muito mesmo com entidades bem diferentes. Em geral trata-se de uma grande insegurança por parte do veículo de “perder o controle” e deixar as coisas acontecerem livremente.

Um quarto problema trata-se da persistência da entidade em permanecer no veículo mesmo após o final do ritual. Não é difícil que indivíduos continuem sob influência mesmo depois de um bom tempo transcorrido. Alguns veículos mantêm a possessão por horas, ou mesmo dias. Em um contexto religioso este processo culmina em algum tipo de conversão. No seu modelo de possessão Sargant relata que isso freqüentemente ocorre quando a possessão não é finalizada com o extravasas da tensão acumulada e assim nada marca psicologicamente o final do ritual.

Todos os que quiserem trabalhar com rituais de possessão devem ter estes conselhos em mente. E todos os riscos apontados podem ser perfeitamente evitados seguindo a salutar prática ocultistas de iniciar e terminar todas as cerimônias com alguma espécie de ritual de banimento.


Treinamento para Possessão

Como muitos outros tipos de práticas mágicas, a possessão é um processo a ser aprendido. Quando um individuo experimenta a possessão pela primeira vez, isso pode ter algumas conseqüências significativas em sua forma de ver o mundo. A mudança pode ocorrer gradualmente ou de uma hora para outra ou em algum momento especifico do ritual. Dependendo da resistência psicológica, pode ser um processo um tanto sofrível. Sargant nota que quanto mais uma pessoa resiste a se entregar a possessão, mais intensa a experiência final acontece. Da mesma forma eu percebi em minhas próprias experiências que sempre que, conscientemente ou não, e u tentei limitar o estado de possessão, ele paradoxalmente acaba sendo muito mais intenso do que eu esperava. Com prática é possível atingir o estado desejado de maneira relativamente rápida.

É importante lembrar alguns elementos chaves da comuns a qualquer ritual de possessão. Um aquecimento com algum ritual de banimento pé sempre benéfico ao evento principal pois ajuda os celebrantes a focarem a atenção na entidade a ser manifestada. O uso de técnicas gnosis sensórias, como dança, música, cheiros permite que a percepção seja inflamada com a imagens relacionadas a entidade. A possessão pode ser espontânea ou programada, mas não deve ser encorajada a manifestação de entidades que não foram chamadas, nas palavras de Sargant, “Cristãos Pentecostais nunca serão possuídos pela Deusa Kali”. Como dissemos, o comportamento de uma pessoa possuída é sempre um retrato fiel do que Sargant chamou de Inibição Transmarginal.  Em outras palavras deuses são deuses e não gostam de receber ordens ou serem controlados. Por este motivo Keith Johnstone notou uma certa indulgência dos sacerdotes com relação e entidades que não querem partir. Isso pode ser resolvido ao colocar o veículo em um nível tão grande de excitação que culmina em exaustão e abandono do corpo por parte da entidade.


Conclusão

Possessão provou para mim ser uma poderosa ferramenta par ao trabalho mágico. Pode ser usado com fins de oráculo, como faziam os gregos e tibetanos, como consagração de ambientes e instrumentos mágicos, para conseguir alguma ajuda ou propriedade da entidade via contato direto, para alguma transformação psicológica em particular, ou simplesmente para experimentar realidades alternativas. Na construção de trabalhos de possessão pode ser útil examinar inicialmente o paradigma mágico, religioso e cultural onde a possessão ocorrerá. A experiência por si só pode ser relacionada a conversões religiosas, hipnose ou terapia.  Assim como todos os outros tipos de técnicas ocultistas, a possessão requer uma cuidados análise e avaliação de nossos próprios hábitos, crenças e limitações. E, geral, a possessão mágica igualmente útil e divertida, e as vezes é simplesmente assustadora.

Templo de Quimbanda

Pioneirismo é certamente o nome que descreve o Templo de Quimbanda Maioral Beelzebuth e Pantera Negra.

Eles trouxeram outra visão da Quimbanda, mais sofisticada, longe do marketing barato e ideias profundamente entrelaçadas com o cristianismo, ao qual, grande parte das religiões afro possuem. Por tal, a equipe da Morte Súbita In., buscou o Templo e obtendo uma resposta positiva demos início a uma conversa no mínimo curiosa, carregada de novos princípios, sagacidade e acima de tudo, legitimidade com a energia da Quimbanda.


PERGUNTAS


Em primeiro lugar, conte-nos um pouco sobre a história do Templo.

R.: O Templo de Quimbanda Maioral Beelzebuth e Exu Pantera Negra iniciou seus trabalhos esotéricos em Novembro de 2012 na cidade de São Bernardo do Campo-SP.

Não tínhamos pretensão alguma de expandir ou tornar público nosso trabalho, haja vista que nossa compreensão acerca do Culto difere-se do costumeiro entendimento acerca da Quimbanda. Isso ocorreu principalmente pelo fato de que os integrantes do ‘núcleo raiz’ tiveram experiências (e iniciações) com outras Tradições Sinistras além da Quimbanda. Naturalmente que tais práticas acabaram influenciando a forma do grupo enxergar os ‘tabus’ existentes dentro do Culto.


Em Março de 2013 resolvemos tornar pública nossa opinião e, de forma despretensiosa, montamos um site contendo uma série de textos. Tínhamos ciência que os reflexos seriam extremamente negativos, entretanto, desejávamos observar os impactos de nossas conclusões pessoais. Em poucas semanas fomos surpreendidos com índices positivos de receptividade que eram consideravelmente superiores às barreiras dos Tradicionalistas.


Como todo grupo esotérico, enfrentamos certas dificuldades até ‘afinarmos’ um grupo realmente comprometido. Mas todo esse processo nos fez amadurecer espiritualmente para que pudéssemos pensar de forma expansiva.


Quem é o Maioral a que se referem ?


R: Maioral é um conceito muito amplo e deveras esotérico. Em primeiro lugar entendemos que todo sistema magístico necessita de uma fonte alimentadora. Como um dínamo que constantemente gera uma corrente contínua e é alimentado pelas forças exteriores e naturais. Maioral é uma síntese elementar formada para suprir e direcionar as energias que formam os Sete Reinos da Quimbanda. Sua corrente primal, sob nossa compreensão, encontra-se no ‘Além-Cosmos’.


Dessa forma, Vossa Santidade Maioral é uma composição de Fogo, Ar, Água e Terra. Observando através de correspondências, analogias e sincretismos, temos a certeza que essa Fonte possui atributos das Quatro Grandes Torres do Caos que regulam diversos aspectos internos e externos do despertar interior. Apesar de regular um plano astral e cósmico, V.S Maioral emana as energias primordiais aos nexions que buscam um avivamento do verdadeiro poder divino (que se encontra além da Criação).


Transcreveremos uma passagem do nosso livro que explica detalhadamente essa situação:


A “Quimbanda Brasileira” é uma forma de culto diferenciada. Primeiramente, essa classificação demoníaca baseada em grimórios medievais não é base doutrinária adequada para nosso culto de Exu. Sob nosso entendimento, Maioral é um grande Portal composto por forças que estão além da compreensão profana. Maioral é a expressão máxima da unificação de todas as culturas e de todos os Reinos, Legiões e Povos da Quimbanda. Maioral, ou o Grande Dragão Negro, é a antítese de todas as religiões que acorrentam e submetem os seres humanos aos dogmas comportamentais, ou seja, tudo que é tido como tabu ou pecado não faz parte dessa energia. Maioral é o buraco negro que suga as lágrimas do medo e transforma-as em energia e vitalidade. Maioral é o grande trono que está na escuridão de nossos subconscientes, habitando nas nossas “feridas” e traumas. Maioral acorrenta e  liberta segundo nossa força de buscar o que está além dos nossos sentidos, Maioral é o Reino dos antigos deuses demonizados e vencidos pela cegueira humana, cuja principal função é iluminar a jornada daqueles que se atrevem ajoelhar-se diante sua Luz. Maioral é a força que se rebelou quando o homem foi preso nos invólucros materiais (corpo físico), aquele que deu ao homem o direito de aprender e apreciar as artes, literatura, ciência, dança, como também, a guerra e a destruição. Maioral é a quintessência de muitos seres unificados que lutam para extinguir as formas de aprisionamento da psique humana dos que o buscam, como o ódio, a paixão, a ilusão, a soberba material, a cobiça desenfreada e a luxúria, todavia, alimenta as fornalhas qliphóticas que incendeiam a alma dos moribundos cegos e limitados. De tal forma, não podemos limitar Maioral apenas a Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth como fazem os profanos. Maioral são todos os antigos deuses fundidos na chama de Lúcifer! (Quimbanda- O Culto da Chama Vermelha e Preta- Editora Capelobo – SP – 2015)


V.S Maioral x “Exu Maioral”


Outro ponto de muita relevância é desmistificar a ideia de que é possível um corpo humano suportar esse dínamo. Fica evidente que V.S Maioral não possui ‘eleitos’ no plano material (ou em qualquer plano cósmico) capazes de suportar sua pressão. Na Quimbanda Tradicional vemos muitas pessoas alegarem que incorporam Maioral ou Exu Sombra (resultado do sincretismo umbandista). Essas pessoas são reflexos da falta de estudo e compreensão que edificou a Quimbanda durante muitos anos.


Entendemos que a Quimbanda é um sistema eclético que absorveu determinados conceitos. Assim, percebemos que algumas palavras sejam ‘máscaras’ ou uma espécie de títulos que os espíritos ostentam. Em algum ponto do processo formador desse complexo sistema alguns espíritos manifestados através de incorporação se nomearam como ‘Maiorais’. Esses espíritos estavam a serviço de uma força maior que desejava ser conhecida e cultuada e por tal motivo, usava os Exus “Chefes de Chão ou Governantes de determinado Terreiro” como expoentes da mesma. Não que fossem Maiorais, mas como dirigentes espirituais de um local eram os ‘maiores’ (aplicadores de regras e doutrinas) de seus terreiros/templos. Mas o ego de alguns dirigentes fizeram-nos acreditar que incorporavam o próprio Maioral e mitos, lendas e mentiras foram se espalhando em todo mundo. Exu Maioral não existe! O que existe são Exus que se nomeiam como Maiorais a fim de demonstrarem sua força de dirigentes/gestores de trabalhos espirituais.


 


Vocês estão lançando um livro agora, “Quimbanda – o Culto da Chama Vermelha e Preta”. Do que esse livro irá tratar? Será uma abordagem teórica ou terá praticas para um praticante solitário?  


R.: O livro é um conjunto de estudos feitos ao longo de mais de 15 anos. Nele estão nossas principais crenças e descobertas acerca desse Culto. Não fizemos algo para agradar a classe “A” ou “B” dos cultos afro-brasileiros, pois sabemos que existe uma parcela que se considera ‘proprietária’ de certos ritos e mistérios e usa dessa maquiagem para autopromoção. Uivamos pela LIBERDADE! São 563 páginas de guerra pura.


Dentro das nossas experiências relatamos teoria e prática. A teoria visa formar livre pensadores que poderão desdobrar ainda mais o potencial desse Culto. Mostra abertamente realidades que são consideradas ‘mistérios de religião’, retrata os Exus sem contos ou fábulas e apoia o praticante solitário. Obviamente que nem todos os ritos da Quimbanda são isentos de trabalho em grupo, entretanto, a base para escalar satanicamente qualquer trilha sinistra deve ser solitária e os grandes conhecimentos e gnoses vem aos adeptos através dos próprios espíritos. Nosso Templo e nosso livro apoiam o adepto que entende a energia que está evocando ou invocando, que sabe as respostas básicas acerca dos fundamentos dessa expressão religiosa e que deseja evoluir dentro da nossa corrente. Para eles é que esse livro foi escrito.



Os sacrifícios animais são práticas comuns dentro dos sistemas afro-brasileiros. Também foram os pioneiros da Kimbanda nacional em separar exu e demônio, já que grande parte dos quimbandeiros acreditam que um demônio é um exu que se apresenta com outra forma e nome. Como foi que, conseguiram distinguir os dois, foi baseado em experiência/contato direto ou historicamente?


R.: Prezado amigo, quando citamos a palavra Kimbanda, temos um especial cuidado, pois apesar da sonoridade (Kimbanda/Quimbanda) ser a mesma hoje representam caminhos muito distintos.


“Entendemos perfeitamente que os portugueses transliteraram a palavra africana e trocaram o ‘K’ por ‘Qu’, mas a Kimbanda possui um panteão próprio e, apesar de ser uma fonte primordial da Quimbanda Brasileira, não é a mesma via. A troca do ‘K’ pelo ‘Qu’ simbolizou a marcação de uma série de influências que modificaram o sentido original. Foi um marco que dividiu, corrompendo a Tradição original e dando início ao Culto que aterrorizou e aterroriza as mentes fracas até a atualidade. A ideia da Quimbanda como sendo uma via de Magia Negra não está completamente errada, pois se partirmos do pressuposto que a Magia Negra é o conjunto de práticas imersas na ciência da corrupção, os entendimentos se alinham. Porém, a Magia da Quimbanda não consiste em apenas praticar atos nocivos, pois para nós o ato de destruir estruturas que atrapalham o desenvolvimento e a evolução dos adeptos e de todos os que procuram os feiticeiros dessa arte é fundamental.” (Quimbanda- O Culto da Chama Vermelha e Preta- Editora Capelobo – SP – 2015)


Quanto a separação Exu/Demônio é algo natural sob nossa visão. Se Exu é um espírito que, dentro da crença na reencarnação, esteve em corpos materiais, como pode ter sido um demônio? Existem nomes dentro da demonologia que ao estudarmos percebemos que se tratam de adjetivos que se tornaram substantivos (ex.: Lúcifer) e, em raríssimos casos, os espíritos podem receber esse título. Porém, isso não significa que o espírito seja uma deidade! Dizer que o Exu “X” é o Demônio da Goecia “Y” é no mínimo não saber sobre a natureza dos espíritos. Essa influencia cabalista ocorreu no Brasil desde a chegada dos ‘Condenados pelo Santo Ofício” nas primeiras naus portuguesas e o processo de sincretismo facilitou os manipuladores espirituais escreverem absurdos como os que encontramos nos primeiro livros de Quimbanda publicados. Não é a toa que a grande massa crê que a Quimbanda esteja relacionada com a Umbanda…


O ato de sacrificar é dar continuidade à glória de nossos ancestrais, fortalecer nossa ligação com o mundo dos mortos, abrir portais para a manifestação da força que cultuamos, dar dinamismo às nossas decisões, trazer fertilidade para nossa vida cotidiana e cura para os males que aplacam nossa existência. Não entendemos como uma decisão justa reencarnarmos com nossa memória ancestral apagada e, buscamos na força dos seres graduados como Exu, respostas para a sandice espiritual.



Vocês foram os pioneiros em trabalhar conjuntamente com a corrente anticósmica e a quimbanda. No site de vocês, até pouco tempo se referia a Lilith/Naamah como “rainhas das pombogiras” entre outras associações, dos reinos de Kimbanda com os príncipes Infernais. O que mais pode nos falar sobre o envolvimento da corrente anticósmica no trabalho de vocês?


R.: A Corrente anticósmica inspirou nosso trabalho. Em verdade alguns adeptos do T.Q.M.B.E.P.N são simpatizantes da Corrente e, em razão da seriedade do nosso comportamento e postura, recebemos uma bênção. Algumas associações e sincretismos ao qual somos pioneiros não vieram desse contato, ao contrário, foi o que efetivamente estreitaram a ligação.



Quem é, para vocês a força denominada Satã? E que papel ele possui no culto de vocês?


R.: Nossa premissa maior é que Satan é o primogênito do Caos. A primeira força que se rebelou contra o sistema escravista em formação. Representa o falo que cospe o fogo responsável pela geração dos Deuses e Deusas Kliphóticos e Governante de todas as Kliphas.


Satanás não é uma força estática e dizemos que também não está inserida na totalidade do Cosmos. Essa força emana incessantemente para dentro da Criação Causal a fim de gerar as mudanças e programar as rupturas que causarão a falência e a destruição do Sistema vigente. É como um poderoso vórtice energético que direciona o fogo no aspecto destruidor e no aspecto edificador. Entendemos que o aspecto libertador e direcionador denomine-se Lúcifer.


Dentro da Quimbanda praticada pelo nosso Templo não enxergamos Satan/Satanás como descrito no Grimório de São Cipriano e outras literaturas costumeiramente usadas como referencial para certos quimbandeiros. Satanás é louvado como Senhor da Ruptura, aquele que incinera a mentira e age como um acusador. Não se trata de um acusador a serviço do imundo Criador Cósmico, mas um acusador que aponta a mentira que existe dentro da própria Criação. Como somos parte dessa Criação e nossos corpos simbolizam microcosmos, Satanás é a força que aponta para dentro de nós e mostra sem véu algum nossa imundície a fim de que possamos nos livrar dessas correntes. O Senhor do Fogo é nossa barreira separatista! O nome de Satanás é cantado na Quimbanda para destruir todas as energias contrárias e enviar forças para o culto. Um dos principais pontos cantados é: “Satanás, Satanás, abra os portais do inferno e mande forças a nós!” Também cantamos e glorificamos Satanás para que nossa chama interna (o fogo que habita em nossa essência espiritual) desperte e traga toda força enclausurada em nossos subconscientes.



Os estudantes do Templo precisam se dedicar unicamente as práticas vinculadas ao templo ou eles podem praticar outras formas de magia?


R.: Damos liberdade para os adeptos estudarem outros sistemas e até participarem de outras organizações magísticas. Entretanto, costumamos deixar claro que ‘água e óleo’ não se misturam! Existem formas de magia que em nada acrescentarão os adeptos e podem agir como retrocesso. Então os mais antigos costumam direcionar os adeptos mais novos aos estudos complementares.



Há muitos praticantes de Quimbanda que preferem não se vincular a nenhum grupo, que mesmo sem saber nada, procuram e estudam por livros e tentativas/erro. Esse tipo de aprendizado costuma ser taxado como ruim por muitos templos de Quimbanda. O que pensam do aprendizado e pratica solitária? Vocês estimulam isso?


R.: Pensamos totalmente ao contrário de muitos Templos. Não adianta um adepto vivenciar apenas as experiências que seu tutor lhe direciona. Obviamente que existem particularidades que devem ser respeitadas, até pelo fato de que enquanto estivermos dentro da abóboda cósmica estamos submissos a certas regras gerais, mas as grandes revelações ocorrem no contato pessoal entre adepto e espírito pessoal. Sempre que possível nos dedicamos ao desenvolvimento de técnicas que permitam um culto solitário, mas ainda esbarramos em muitos entraves existentes dentro da ritualística. Temos buscado arduamente soluções para esses casos, haja vista que repudiamos a ideia de ter um mestre cheio de ego (como é o caso de outros segmentos afro-brasileiros) que exige que o tratem como um semideus. Sabemos que o coletivo trás muita frustação e ódio em grande parte das vezes, mas ainda reconhecemos que para certas práticas e desenvolvimentos um bom zelador é imprescindível. Por isso estamos formando novos sacerdotes e sacerdotisas que dentro de algum tempo serão responsáveis pelos direcionamentos.


Somos favoráveis àqueles que ‘enfiam a mente no inferno’. Oferecemos ajuda a muitos solitários e temos membros que moram em outros estados. Esses estão fazendo suas escaladas satânicas sozinhos, ou seja, suas evoluções podem ocorrer de forma diversa.




Quimbanda Anticosmica

 “O Culto aos Espíritos Despertos”


Parte I


“Que V.S Maioral nos guie e não permita que nossas palavras corrompam a grandeza de Vossas legiões.”


Iniciamos esse ensaio agradecendo novamente o convite dessa revista eletrônica que demonstra tratar-se de uma das poucas publicações desprovidas de ‘mesquinharia’ intelectual. Nosso estimado Pharzhuph tem erguido uma bandeira eclética e edificante que tem sido fonte de apoio para todos os que comungam da Verdadeira Luz. Por tal motivo, acreditamos que certos assuntos de cunho esotérico e restrito podem ser vinculados a esse meio onde encontrão ‘terra fértil’ para germinar.


“Ambiciono que o idioma em que eu te falo

Possam todas as línguas decliná-lo

Possam todos os homens compreendê-lo.”

– Augusto dos Anjos


O intuito desse ensaio é estabelecer uma relação entre dois sistemas magísticos distintos que possuem raízes em Tradições obscuras e que criaram ‘novas portas’ visando transmutar conceitos estagnados. A Quimbanda Brasileira praticada dentro do Templo de Quimbanda Maioral Beelzebuth e Exu Pantera Negra trata-se de um conjunto de ideias e práticas magísticas onde a Tradição e a Evolução caminham concomitantemente. Isso nos permite traçar paralelos e alcançar respostas de forma teórica, prática e comparativa. Estabelecer relações entre os Sistemas não significa segui-los como via evolutiva, tampouco, vincularmos ou camuflarmos o Culto de Exu dentro de outros parâmetros.


Entendemos que durante muitos anos a Quimbanda foi desenvolvida dentro de ambientes maculados, exotéricos, não fundamentados e estagnados onde as pessoas sorviam a seiva amaldiçoada que escorre pelas raízes da ‘Arvore da Vida’ enquanto estigmatizavam seu nome. Em diversos locais a prática se tornou um verdadeiro ‘teatro’ movido pelo Ego de seus participantes limítrofes que usavam as ‘máscaras de Exu’ para ocultarem sua sensibilidade à rejeição e aos sentimentos de insegurança quanto à auto-identidade. Lamentavelmente, muitos “terreiros/templos/casas” ainda vivem atrelados aos transtornos paranoicos, porém, V.S Maioral eclodiu sua “primium-bivio itineris” e expandiu a Quimbanda para dentro de círculos esotéricos sérios e dispostos a entrar em guerra contra a inércia e a sandice que norteia o Culto de Exu. Sabemos que em nome da estabilidade de suas mentiras alguns indivíduos insistem em proteger a forma de suas pedras cúbicas, mas a Verdadeira Quimbanda sempre estará disposta a rachar essa pedra e dividir seus fragmentos entre as Almas Ígneas.


Interpretamos a Quimbanda como uma via estrategicamente criada para produzir um embate interno e externo ao Sistema vigente através da quebra e modificação de conceitos éticos e morais e pelo direcionamento que os espíritos dão aos adeptos aptos às sendas da “Sabedoria Proibida”. Possibilitar evolução através da Sabedoria e incitar o embate a valores ultrapassados e estagnados faz da Quimbanda uma via Luciférica e Satânica que promove mudanças capazes de transformar as estruturas egoicas. Entretanto, não podemos confundir os traços paralelos com a própria essência do caminho espiritual. A Quimbanda é uma via Luciférica e Satânica, todavia, não pode ser confundida com Luciferianismo ou Satanismo.


A Quimbanda é fruto de uma Tradição própria que envolve história, religiosidade, regionalismo e mescla cultural. Os fundamentos Satânicos e Luciferianos viventes em sua essência esotérica agem como adjetivos, ou seja, como qualidades existentes, invisíveis aos olhos profanos e ocultas sob as ‘máscaras de Exu’.


Apesar de a Quimbanda ter sua construção particular, certos conceitos estão em concordância com os divulgados pelo Satanismo Anticósmico. O processo comparativo que traçamos neste ensaio visa corroborar com a quebra dos hipócritas valores enraizados de cunho alienador. Entendemos que informação gera mudanças internas que podem refletir externamente. Essas ações externas podem gerar mudanças nos fluxos pré-determinados pelo Sistema Escravista regente e de certa forma cria um embate às forças do Falso-Deus, cuja Corrente Anticósmica denomina ‘Demiurgo’. A Quimbanda Brasileira entende que esse embate ocorre de quatro formas diferentes:


– Através da modificação alquímica interna dos adeptos;

– Por meio de ritualísticas evocatórias e invocatórias específicas;

– Pela emissão energética ocorrida no processo de incorporação;

– Através da ação individual e coletiva dos Mestres e Mestras que se encontram Assentados


Acreditamos que quando um adepto compreende essas quatro formas de embate e através de seu comportamento procura corroborar torna-se uma poderosa arma viva, um elemento extremamente perigoso capaz de desestruturar uma parcela do Sistema. Esse raio de ação é variável, porém, todos que se dispõem à ‘guerra’ são considerados seres diferenciados.


Quando iniciamos o projeto da Quimbanda Brasileira e construímos o T.Q.M.B.E.P.N fizemos de forma consciente, pois víamos claramente certas rachaduras dentro do Culto que possibilitavam a infiltração gerando transformações nas formas de pensamento e ação. Acreditávamos que certos conceitos eram tão superficiais, errôneos e estagnados que marcaram a Quimbanda como algo repulsivo, um culto onde não existia evolução alguma, apenas uma possível amenização dos desejos através da exteriorização da vontade. Sob nosso entendimento, satisfazer esses impulsos faz parte da Quimbanda, entretanto, focar o Culto apenas para cumprir um papel amenizador limita e condiciona a ação das Correntes Ocultas por trás da Máscara de Exu. As experiências contrastantes do nosso cotidiano criam efeitos colaterais e esses geram os desejos, porém, existem inúmeras armadilhas que estão entre o próprio desejo e o processo de autoconhecimento. Sem o autoconhecimento toda função de embate ao Sistema, cujo pilar sustentador é a Sabedoria, torna-se equivocada e os adeptos acabam presos aos impulsos grosseiros.


A evolução dentro da Quimbanda é algo notório, porém, como estava muito atrelada à Umbanda (salvo em raras exceções), permaneceu marginalizada durante décadas. As publicações inerentes à Quimbanda são conceitos e visões deturpadas vindas através da mente deformada daqueles que jamais entenderam a função e o grau de Exu. As relações e comparações que tais escritores propagaram não se tratavam apenas de falta de compreensão, mas (sob nosso entendimento) de um erro proposital e limitador. Foi justamente nesse erro que enxergamos a fragilidade e, em nome da Luz Luciférica, decidimos desfigurar intencionalmente alguns conceitos para posteriormente propagarmos a verdade acerca das forças cultuadas na Quimbanda.


Assim, traçamos vários paralelos até concebermos algo –não estático– que pudesse alicerçar essa transformação mantendo em nossas essências as reais intenções resguardadas e guiadas pela fonte interna. Essa estratégia de infiltração e corrupção é retratada em algumas Ordens e Templos internacionais que propagam o Satanismo Anticósmico e tem como fundamento combater as energias do Aéon atual através de uma profunda modificação e despertar interno. Essa mutação (Alquimia) transforma o adepto em um portal vivo e ativo para a ação das forças espirituais rebeldes ao Sistema Vigente. Entendemos que cada adepto desperto age como uma ‘gota de veneno’ capaz de contaminar (no sentido de libertação) os ‘reservatórios da massa cega que nada mais são do que poças de água parada’.


A ‘gota que pode envenenar’ visa à destruição e reconstrução sob novos patamares energéticos. Esse ‘veneno’ também age como libertador, pois quando começa contaminar (através de diversos meios) faz com que algumas pessoas enclausuradas aos Sistemas estagnados tenham contato com os fortes impulsos libertadores e dêem seus gritos de liberdade. Esse embate ocorre em razão da ação opressora emanada pelo “Falso-Deus” e seus agentes que ocultam e incitam a marginalização todos os Cultos religiosos que não servirem-no como fonte energética. A verdadeira essência necrosófica da Quimbanda foi guardada durante anos por aqueles que conseguiram um despertar interno intenso o suficiente para escapar das emanações provindas do “Falso–Deus”. Esses antepassados, mesmo desprovidos de literatura, tinham o real contato com os espíritos e os separaram por Grupos, Reinos, afinidades e meios de ação. Mesmo com poucos recursos, deixaram-nos caminhos relevantes para uma nova geração dar prosseguimento nesse legado.


A história da Quimbanda foi feita por pessoas cujas almas emanavam uma energia diferenciada. Essa força é denominada ‘Chama Negra’, ou melhor, a própria essência de Maioral, a energia que afeta a Criação através da emanação desperta de seu portador. Os homens e mulheres chamados de ‘Chama Negra’ são regentes de seus sentimentos e abismos internos. Diferentes da grande massa, essas pessoas compreendem suas energias sombrias e as adaptam segundo suas necessidades. O Satanismo Anticósmico entende que a ‘Chama Negra’ (ou Fogo Acausal) é a força caótica que molda os Seres “Nascidos do Fogo” (Fireborns) fazendo-os transcender as limitações causais do Ego. O Ego, segundo essa Corrente, é condicionado apenas pela mente consciente, submissa às Leis do Cosmo, inimigo do ‘Eu’ obscuro. Anticósmico pode ser resumido da seguinte maneira: Define-se como todas as formas legítimas de combate à escravidão imposta pelo Sistema Demiúrgico, livres de dualidade e conceitos morais, éticos e religiosos, cujo objetivo principal é devolver ao Caos primordial todas as fagulhas usurpadas ilegitimamente na formação do Cosmo e de toda matéria, destruindo as estruturas sefiróticas, bem como findando os pólos de energia sustentadores da farsa universal.


Dentro dos ensinamentos da Corrente Anticósmica, entende-se que os portadores da “Chama Negra” são seres humanos que, apesar de possuírem uma força diferenciada, ainda enfrentam o escravista e cíclico processo de reencarnação. Dessa maneira faz-se mister aos seguidores dessa Fonte de Sabedoria fornecerem energias para que os seres enclausurados espiritualmente incitem seus núcleos imortais de tal forma que se transformem em Nexions ou Poderosos Portais capazes de permitirem às potencias caóticas (exteriores ao Cosmo) a manifestação nesse plano e a ação incisiva no processo de destruição do Sistema Escravista. A Quimbanda também tem essa função, entretanto, faz uso de rituais necrosóficos para que os Poderosos Mortos, denominados Exus e Pombagiras, sejam os condutores na busca pela Fonte de Luz


Outra diferença é que a Quimbanda oferta aos seus adeptos a oportunidade de escapar do cíclico e escravista sistema de reencarnações inserindo o adepto nas Colunas de Maioral.


Dentre os conceitos citados nesse ensaio, destacou-se a figura do Quimbandeiro de Alma Ígnea, avesso aos padrões que combate suas limitações e barreiras morais. Esse adepto cuja ‘Chama Negra’ fica evidente no processo evolutivo possui qualidades que grande parte da humanidade não tem. Essa diferença entre os tipos de homens é fruto do estudo de seu comportamento, espiritualidade e relação social. Por mais que sejam os entraves que cerceiam a “mente” subversiva e inconformada com os ditames repressivos, o ‘Chama Negra’ busca através da revolta aos preceitos dogmáticos a libertação do estado de ‘rebanho’. Esse espírito sabe que não é igual aos demais e sente o fogo do inconformismo consumi-lo incessantemente. Possui uma espécie de “blindagem” mental que incapacita aos inertes sistemas sócio religiosos qualquer tipo de manipulação e tem como característica principal a busca incessante pelos caminhos que conduzem à “Sabedoria Libertadora”. De forma contrária, existem indivíduos institucionalizados, inertes, adoradores dos próprios medos e barreiras psíquicas, repletos de dogmas e conceitos morais enraizados, ignorantes, manipuláveis, espiritualmente cegos e gélidos interiormente.


Essa diferença entre os homens não se trata de um discurso de separação por raça ou etnia, tampouco, alimenta o nazismo ou o apartamento por castas sociais. Partimos do pressuposto que nosso trabalho espiritual visa despertar àqueles que possuem a ‘fagulha obscura’ adormecida presa nos “vasos de barro” ou invólucros materiais (corpos). Entendemos que transcrever a diferença entre os homens é um ponto importante para elucidar o verdadeiro espírito Quimbandeiro e para isso apelamos ao Conhecimento do Satanismo Anticósmico. Desejamos usar um conhecimento esotérico alicerçado para alcançarmos certas convicções. Entendendo a natureza dos homens compreenderemos a natureza do Culto aos Exus e mais profundamente a própria natureza de Exu.


Os Três tipos de Homem


Um dos termos usados dentro da Gnose Anticósmica para diferenciar dois dos três tipos de homens é: Clayborn e Fireborn.


Clayborn é um termo que designa os “nascidos da argila”, ou melhor, os descendentes da linhagem Adâmica (terra/barro vermelho). Segundo a Tradição Satânica, a raça do barro é desprovida do Supremo Espírito/Essência da Chama Negra, portanto, composta de seres escravizados, alienados e submetidos ao ordenamento demiúrgico. São seres que prestam reverência e culto ao Deus Criador e mantenedor do Universo, o “carcereiro” de suas quintessências que os aprisionou num contínuo estado de hipnose, cegueira e renascimento. Tais seres estão submetidos à uma “Roda Arcônica” e não têm possibilidades de sorver o proibido néctar escarlate. Neste plano material, representam a grande maioria da humanidade.


Fireborn é um termo que designa os “nascidos do fogo”, ou melhor, os portadores da verdadeira fagulha espiritual/Azoth/Isfet. São seres que buscam a transcendência do “Ego-consciência” da dualidade destruindo as amarras cármicas. Os “Nascidos do fogo” representam o embate ao sistema demiúrgico e ao mundo material, afinal, possuem inscrições primais em suas fagulhas que podem ser despertas vida-após-vida inacessíveis ao bastardo Demiurgo.


São dragões adormecidos, aptos a despertarem e guerrearem em busca do Eterno Aeon Obscuro! Os poucos “Fireborns” possuem espíritos cujo pneuma é provindo da própria chama luciférica e representam uma parcela muito ínfima da humanidade.


Ao estudarmos outras tradições, encontramos reciprocidade na cultura Indiana, mais precisamente nas escolas de Tantra Yoga. Tais ensinamentos tipificam o temperamento do homem de acordo com a predominância de um “Guna”, ou melhor, na forma em que a natureza se manifesta em sua plenitude e qualidades. Da interação desses “Gunas”, a personalidade e o padrão de pensamento dos homens, bem como a qualidade de suas ações é formada. Os “Gunas” dividem-se em três aspectos qualitativos:


– Sattva: Derivado da palavra “Sat” (a verdade), tal Guna relaciona-se com a harmonia, pureza e tranquilidade. Figurativamente é o “Sol do meio-dia”;- Rajas: É o próprio dinamismo que aciona os dois demais Gunas. Relaciona-se com a ação, o movimento e a violência. Figurativamente é o “Sol Nascente”;


– Tamas: É a inércia, a imobilidade e a solidez. Figurativamente é o “Sol Poente”.


Apesar dos homens estarem sob a influência desses três “Gunas”, os mesmos se diferem na proporção que agem na vida dos mesmos. Dessas proporções três tipos de homem são encontrados:


– Pashu-bhava: É o arquétipo correspondente ao “clayborn”. Com influência direta de Tamas, o homem “Pachu” é atolado mentalmente. Confuso, ignorante e estático, é completamente amarrado ao meio social e incapaz de efetuar um julgamento desprovido de parâmetros pré-estabelecidos. Ignorante; pratica atos motivados pela “cegueira” e arca com suas costumeiras desilusões.


– Vîra-bhâva: É um arquétipo mediano, pois se encontra em constante guerra. Por ter um temperamento explosivo e entender seus desejos como metas, está em constante atividade e movimento. Por ser um amante do poder e, em determinados casos, extremamente apegado às conquistas, o homem “Vîra” pode ter uma tendência à escravidão e cegueira espiritual. Todavia, se equilibrar seu temperamento com “Sattva” gerará energia e conquistas em amplos sentidos apaziguando suas buscas.


– Divya-bhâva: É o arquétipo correspondente ao ‘fireborn”. Com influência direta de “Sattva”, o homem “Divya” é inteligente, desprovido de barreiras dogmáticas e apegos materiais. Apesar de ter coragem e aptidão para qualquer batalha, sua inquietude é apaziguada pela Sabedoria. Seu desenvolvimento espiritual, proporcionado pelo autocontrole das emoções, transformam-no num receptáculo de forças.


Após a compreensão das influências dos “Gunas” na personalidade dos homens, a Tradição Anticósmica acredita que entre o “clayborn” e o “fireborn” exista mais uma qualidade de ser humano. Esse homem está no limiar entre a cegueira espiritual e a Luz Luciférica libertadora. O homem mediano, através da Vontade, do árduo Trabalho e da Fé pode cair nas graças de Lúcifer para obter a Grande Sabedoria.


O homem mediano, chamado também como “Psíquico” ou “Ouvinte” (termos usados pela Corrente 218), por ter predisposição à guerra, tem capacidade de sair da inércia do sistema demiúrgico e despertar a centelha adormecida que reside em sua eternidade.




Para completarmos esse primeiro ensaio, vamos resumir outro aspecto fundamental para que a realidade Exu possa ser vislumbrada dentro de um círculo mais obscuro e esotérico. Historicamente, o nome Èsú já veio da África estigmatizado com o Demônio Cristão Satanás (Arqui-inimigo de Deus). No Brasil Colônia não seria diferente, ao contrário, esse Ser Astral recebe características dos também perseguidos Deuses Indígenas e de alguns demônios trazidos pelos Jesuítas e pelas bruxas e feiticeiros deportados pelo Santo Ofício. O processo de sincretismo tratou de fazer com que o nome do Òrísá Èsú se tornasse ‘Exu’: Um título para os espíritos obscurecidos que adentravam no culto aos mortos praticados no Novo Território. Esses espíritos em sua grande maioria não estavam conectados com V.S.Maioral, mas agiram como escravos, pois abriram portais para que os Poderosos Espíritos pudessem transpassar os véus, adentrar pelas mesmas portas astrais que os demais espíritos transpassavam e aos poucos, imporem certos conceitos que hoje vivenciamos com maior plenitude.

“Quando V.S. desejou, começou separar esses espíritos por afinidade. Maioral enxergou na ancestralidade africana a força apropriada para edificar um culto próprio. Dessa forma, aproveitando-se de todo contexto histórico e político que essa terra vivia nasceu, de um nome incompreendido, uma das religiões mais temidas da Terra: A Quimbanda. Quimbanda continua sendo o Sacerdote de Cura, mas essa cura não é para doenças físicas e espirituais, é a cura da cegueira e domínio do Ego. É a cura para uma doença que se chama escravidão.” (Coppini, Danilo.Quimbanda -O Culto da Chama Vermelha e Preta– T.Q.M.B.E.P.N, Editora Capelobo- SP.)

A Quimbanda foi uma resposta vinda através das forças externas. A verdadeira função dessa gloriosa vertente foi criar um ambiente astral onde os espíritos dos eleitos pudessem continuar em estado de guerra sem estar atrelados às sendas da reencarnação, ou seja, todo espirito com pré-disposição é arrebanhado, conduzido e desperto para guerrear contra as emanações do ‘Falso-Deus’.

Dessa forma, os Fireborns e os Ouvites, puderam ter Espíritos afins para garantir suas evoluções através do culto da Quimbanda. Por isso, entendemos que os Clayborns que se envolvem com cultos como a Quimbanda ou outra vertente afro-brasileira, possuem em seu enredo espíritos de Clayborns (presos) e os Fireborns, espíritos despertos (livres), verdadeiros Mestres e Mestras. Aqui fica explicada a grande diferença na ação dos Exus e como o astral se modela de acordo com afinidades energéticas.

Finalizamos alegando que existem muitos laços que nos unem ao Tradicional Satanismo Anticósmico, porém, o mais relevante de todos é essa escalada espiritual e a forma de infiltração e envenenamento que está sendo feito por diversos Templos e Ordens. A Quimbanda é cíclica e renasce cada vez que um muro rachado não suporta a pressão dos Sete Reinos de Maioral e cabe aos Verdadeiros Quimbandeiros continuarem desbravar os planos obscuros em busca de gnoses e forças inacessíveis aos clayborns.