quinta-feira, 1 de março de 2018

De onde vem à ideia do lado noturno?


A ideia do lado noturno apresentada por Kenneth Grant em seu livro Nightside of Edenoriginou-se com Cecil Frederick Russell (1897-1987), o assistente de Crowley no curso da Operação Cephaloedium que ocorreu na Abadia de Thelema, Cicília. Esta operação tratou-se de um rito sexual executado com o objetivo de aterrar a Corrente 93 ou Aeon de Hórus no planeta. A conexão entre Russel e Grant foi Michael Bertiaux, via o Clube Choronzon.

Na Operação Cephaloedium, Russel assumiu a forma divina de Seth e sodomizou Crowley, que assumia a forma divina de Hórus. Após o coito anal com Russel, Crowley copulou com sua Mulher Escarlate na época, Leah Hirsig (1883-1975), na intenção de manifestar no planeta a força do Aeon de Hórus, considerando que Leah assumia a forma divina de Gaia, a Mãe Terra ou como Crowley coloca, o aspecto feminino do mundo. Ao que parece, nesse processo Russel foi exposto às energias do Abismo e após o ritual ele nunca mais foi uma pessoa equilibrada, mentalmente estável.

A experiência com Crowley na Abadia de Thelema levou Russell a desenvolver uma perspectiva pessoal acerca do universo e da própria Filosofia de Thelema, que ele expôs completamente em seu Clube Choronzon, fundado em 1928. A G.B.G., Great Body of God [Grande Corpo de Deus] foi uma organização fundada por Russell que servia de círculo ou colégio externo do Clube Choronzon. Originalmente, Russell fundou o Clube Choronzon em Chicago, se mudando posteriormente para Los Angeles. Mas ele terminaria o fim de seus dias em São Francisco, na Califórnia. O Clube Choronzon se tornou amplamente conhecido através das obras de Bertiaux, que herdou sua chancela.

O Clube Choronzon chegava perto de um satanismo dentro de uma estrutura thelêmica e tratava-se de uma fraternidade de mão esquerda. Todo o trabalho espiritual era de caráter puramente experimental e se dava no âmbito do Abismo. As incursões em Daath eram abertas com a execução do Liber Reguli, o que explica a opção de Grant em utilizar o Ritual da Estrela de Sangue, o Rubi Estrela com a formulação do pentagrama invertido que, traçado dessa maneira, abre os portais de Daath e convoca as forças do Abismo.[1]


Os rituais deveriam proporcionar o encontro com Choronzon, que no sistema de Russell era compreendido como uma entidade feminina sem a qual era impossível obter a experiência do Abismo. Mas como Russell identificou Choronzon com Satã, criando um aborto teológico na cosmogonia thelêmica, Grant se viu forçado a reinterpretar essa doutrina, equiparando Choronzon como o aspecto feminino da Besta, sem o qual ela estaria incompleta, incapaz, portanto, de proferir sua Palavra.[2] Russell e depois dele, Grant, não interpretavam o Abismo como um estado de consciência temporário ou até mesmo nível de iniciação. Ao contrário, o Abismo era considerado um mundo a parte.

Foi à ideia do Abismo como um universo paralelo que encantou Bertiaux. Quando Ele descreve seu encontro com Thelema, relata que não encontrou um sistema religioso de flosofia e magia. Ao invés disso ele conta que encontrou thelemitas dispostos a manter a flama de Thelema acesa em um círculo pequeno e fechado em Chicago. Entre esses thelemitas, alguns praticavam a fórmula do XI° O.T.O. como estruturado por Crowley e continuado por Russell no Clube Choronzon. A evolução da perspectiva do Abismo como um portal para o Universo B, posteriormente nomeado Meon por Bertiaux, foi fundamental na formulação das ideias de Grant sobre o lado noturno e posteriormente o que ele chamou de Zona Malva.

Por volta de 1970 Kenneth Grant estava profundamente envolvido com pesquisas sobra às forças das Qliphoth e no aspecto sombrio de Thelema. Em cartas trocadas com Austin Osman Spare (1886-1956) por volta de 1950, Grant lhe questionava sobre as sinistras influências qliphóticas na consciência humana.[3] E ele também parece estar ciente da influência de Russell sobre Bertiaux, como demonstrado em inúmeras passagens em suas trilogias. E me parece que Russell possuía muitas conexões, da mesma maneira que Grant.
Além de ser exposto as energias do Abismo na Operação Cephaloedium, Russell teve acesso direto, como secretário de Crowley, a materiais até então não publicados da A∴A∴e O.T.O., tendo ele mesmo datilografado inúmeros manuscritos, poemas e cartas de Crowley. Muito desse material, posteriormente, ficou nas mãos do executor literário de Crowley, John Symonds (1914-2006), amigo pessoal de Grant. Juntos, Symonds e Grant publicaram o diário mágico de Crowley sobre suas operações sexuais, The Magical Diary of the Beast 666 e outras obras como o Magick in Theory and Practice. Por meio de Symonds Grant teve acesso total aos manuscritos preparados por Russell no período em que foi secretário de Crowley.

A G.B.G., posteriormente liderada por Louis Culling, deixou de lado muito dos aspectos obscuros do Clube Choronzon, preservando ainda em seu sistema os rituais de magia sexual. Sua linguagem permanece thelêmica. No currículo da G.B.G. é citado que as instruções superiores de Thelema seguem apenas no círculo interno da Ordem, o qual mantinha as incursões no Abismo através da fórmula do XI° O.T.O. de Crowley.


Mas nem todas as ideias de Grant acerca do Abismo vieram de Russell e Bertiaux. Outra fonte de inspiração para ele foram os escritos deixados por Frater Achad (Charles Stansfild Jones – 1886-1950), principalmente suas ideias sobre a Árvore da Vida invertida e a ordem reversa do Tarot. Achad sustentava que a ordem reversa do Tarot como chaves abriam os portais para o lado noturno, embora não com este nome. Ele analozou a Árvore da Vida como circuitos, conferindo novas atribuições aos pilares esquerdo e direito da Árvore, provendo uma nova dimensão no seu entendimento.

Dessa forma, as ideias de Grant acerca do lado noturno retrocedem a Russell, Bertiaux e o Clube Choronzon, bem como do filho mágico de Crowley, Frater Achad. Interessante notar que essas ideias nasceram de pessoas muito próximas a Crowley, que trabalharam magicamente com ele de forma íntima e particular.

O currículo da G.B.G. é um relicário rico em ensinamentos da tradição oral de Thelema e todo thelemita sério deveria consultá-lo.


Amor é a lei, amor sob vontade.