sábado, 3 de março de 2018

Verdadeira Vontade


Origens do termo

A frase Verdadeira Vontade não aparece no Livro da Lei. Não obstante, os vários comentários de Crowley no Livro habitualmente postulam que cada indivíduo tem uma Verdadeiro Vontade única e incomensurável que determina seu próprio curso na vida. Esta "invenção" de Crowley parece ser uma tentativa para explicar como algumas ações podem estar erradas (ou "falsas") quando "Não há lei além de Faze o que tu queres". (CCXX III:60) Ações que estão em conformidade com a Verdadeira Vontade são consideradas estarem corretas, enquanto ações intencionais que que divergem da Verdadeiro Vontade podem estar, não obstante, erradas.

Em geral, é suposto pelos Thelemitas contemporâneos que ninguém pode conhecer a Verdadeira Vontade de outro, mas no ensaio de Crowley "A Conferência Secreta" (escrito sob o pseudônimo de Gerald Aumont, e prefaciado no The Heart of the Master), ele sugere que uma técnica possa (realmente, deva) ser construída, pela qual a Verdadeira Vontade de um filho pode ser descoberta no nascimento, ou quanto antes possível em vida, para permitir a correta ordenação da sociedade. Especula-se que Crowley tenha um método astrológico em mente, embora subseqüentes desenvolvimentos históricos nos levam a considerar técnicas que envolvem genôma como o melhor candidato para a técnica hipotética.

No tratado de ética de Crowley, o "Dever", ele identificou a Verdadeira Vontade com a Natureza do indivíduo. Essa Natureza capitalizada pode ser comparada com a "Natureza Perfeita" dos primeiros systemas Gnósticos, que era um outro termo para daemonos pessoal ou augoeides, geralmente referenciado por Crowley como o Sagrado Anjo Guardião. (Para o uso do termo "Perfeita Naturaza", veja o "Man of Light in Iranian Sufism" de Corbin.)

"A Mensagem de Mestre Therion", (Liber II) é um documento seminal que tenta delinear a doutrina da Verdadeira Vontade. Através de referência ao "Liber Thisharb", Liber II insinua uma teoria de metempsicose, por meio da qual a Verdadeira Vontade individual é resultante das encarnações anteriores de uma pessoa.

No "De Lege Libellum" (Liber CL), Crowley define a Verdadeira Vontade como a vontade que não se conforma com as coisas parciais e transitórias, mas... procedem firmemente para ao Fim", e na mesma passagem ele identifica esse "Fim" como a destruição da si mesmo em Amor.


Citações de Aleister Crowley

"A causa mais comum de falha na vida é a ignorancia da própria Verdadeira Vontade, ou dos meios pelas quais se satisfaz essa Vontade." (do Magick, Livro 2, p. 127)
"Um homem que está fazendo sua Verdadeira Vontade tem a inércia do Universo para assistí-lo". (Magick, Livro 4, p.128)
"Não se pode fazer a Verdadeira Vontade inteligentemente a menos que se saiba o que ela é." (Magick, Livro 4, p.174)
"APRENDE firmemente, ó meu Filho, que a verdadeira Vontade não pode errar; pois é o teu Curso decretado nos Céus, em cuja Ordem é Perfeição." (from Liber Aleph, p. 13)
"a Verdadeira Vontade deve saltar, uma fonte de Luz, de dentro de nós, e fluir desimpedida, fervente de Amor, para o Oceano da Vida." (Pequenos Ensaios em Direção à Verdade, p.76)

Thelema prolongamento de 'thelo' (querer); uma determinação (a coisa propriamente), ou seja, (ativamente) escolha (especificamente, propósito, decreto; vontade abstrata) ou (passivamente) inclinação: – desejo, prazer, vontade.

Também se refere à doutrina ou filosofia religiosa difundida por Aleister Crowley a partir de 1904 nos moldes propostos pelo Liber AL vel Legis, publicação recebida por uma entidade auto-denominada "Aiwass", ministro de Cultura de Hoor-par-Kraat (o Deus Hórus).

De acordo com a filosofia thelêmica, o ser humano está afastado de sua condição divina não pela encarnação, conforme pregava, por exemplo, o gnosticismo, e sim pela simples não-conscientização desta natureza. Essa falta de consciência seria mantida por uma série de fatores, dentre os quais podem-se citar o conceito de pecado (enquanto restrição artificial dos impulsos naturais), o egocentrismmo e a entrega à vontade alheia ou aos vícios -- que no conceito thelêmico referem-se a qualquer atitude que controle a vontade ao invés de ser controlada por ela. Assim, cabia ao ser humano buscar uma profunda auto-consciência, chegando assim ao conhecimento do que foi chamado de Verdadeira Vontade (Thelema, do grego vontade), o objetivo primal da encarnação de um espírito individual.

Antecedentes

A palavra Thelema é incomum no Grego Clássico, significando o desejo, mesmo o sexual. Porém já se torna comum na Septuaginta (versão da Bíblia hebraica para o dialeto grego Koiné). Antigas escrituras cristãs utilizavam esta palavra por vezes para se referir à vontade humana, mas era mais usual como referência à vontade de Deus. Na oração do Pai Nosso, por exemplo, em "Venha a nós o Vosso reino, seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu;" (Mateus 6:10), o original de "vontade" é θέλημα. Ainda no mesmo evangelho, em Mt 26:37, tem-se Jesus dizendo a Deus: "faça-se a Tua vontade", novamente com o termo Thelema no original. Ainda além, Santo Agostinho, em um sermão do Séc. V d.C., utiliza a frase "dilige et quod vis fac" ("ama e faze o que tu queres").

O texto renascentista "Hypnerotomachia Poliphili", creditado ao monge dominicano Francesco Colonna e com primeira publicação em 1449, possui uma personagem chamada Thelemia, representativa da vontade ou desejo, que em conjunto com Logistica (a razão) guiavam o protagonista Polifilo por sua jornada em busca de sua amada. Quase sempre, ao ser obrigado a escolher entre os conselhos de Logistica e Thelemia, Polifilio dava ouvidos à seus impulsos sexuais e não à lógica. Esse livro teve grande influência sobre outra obra de grande importância para a base filosófica thelemica, a novela do Séc. XVI, "Gargantua e Pantagruel", do monge franciscano François Rabelais. Neste texto clássico se descreve a "Abadia de Thélème", cuja única regra consistia em "faix çe que tu veux" ("faze o que tu queres"). Já em meados do Séc. XVIII, Sir Francis Dashwood inscreve este adágio, que se tornaria o lema do Hellfire Club, na porta de entrada de sua própria abadia, em Medhenmam, Inglaterra. "Gargantua e Pantagruel" também é referenciado na novela de Sir Walter Besant e de James Rice, Os Monges de Thelema (1878), e na utopia A Construção de Thelema (1910), de C. R. Ashbee.

Notas

(1) "Do what thou wilt shall be the whole of the Law" - a tradução utilizada é a de Marcelo Motta, pois fora feita seguindo uma observação de Germer sobre a necessidade de se ter o mesmo número de letras do original (11). Infelizmente, não se pode traduzir apenas com monossílabos como ocorre no britânico. 11 é o número da Grande Obra.

(2) "Está escrito que 'Amor é a lei, amor sob vontade'. Aqui há um Arcano Velado, pois no idioma grego AGAPE- Amor, tem o mesmo valor numérico que THELEMA - Vontade. Por isto nós compreendemos que a natureza da Vontade Universal é Amor".


Liber CL - De Lege Libellum