domingo, 8 de abril de 2018

Thelema e Taoismo


A pesar de nascido no Velho Æon, remontando até a antigui-dade da era matrifocal, o Taoísmo filosófico tem conceitos estritamente próximos a Thelema. Suas visões de mundo e da dinâmica do Tao (o Caminho, o fluxo e modo do Universo ser), conforme apresentada no clássico Tao Te Ching, atribuído a Lao Tse, enriquecem a percepção do que nos é realmente natural e do conceito de Verdadeira Vontade.

Diferentemente do intelecto ocidental, o Taoísmo exige um grau de apreciação da realidade relacionado ao sentimento de união e inte-ração entre todas as coisas que existem. A Consciência do Ego (Eu), que cumpre sua função de analisar — isto é, separar — as coisas para conhecê–las, não raro se vicia em seu próprio modus operandi e passa a entender que a realidade é um amontoado de coisas di-vididas, desarmoniosas entre si. Quase sempre, também se obceca com os mapas teóricos — sistemas — que criou para organizar a realidade em categorias compreensíveis para si, passando, no fim das contas, a confundir o terreno que é explorado com o mapa que é feito dele, cultuando o modelo e a ciência antes da própria coisa concreta e objetiva.Allan Watts, renomado estudioso de filosofias orientais como o  Taoísmo e o Zen–Budismo, explica que essa percepção viciada da realidade baseada na separação entre as coisas cria um estilo de perceber o que se é, a própria identidade — e a individualidade — como algo que está separado de todo o resto, como ele deta-lha: “Isso consiste simplesmente em separá–los de tudo o mais, em destacar suas características diferentes como o mais importante. Chega–se assim à conclusão de que a identidade é uma questão de separação”. A consequência dessa percepção é a ignorância de como tudo se influencia constantemente, e como o Universo, rela-cionando suas diversas partes, opera um bloco integrado.

A NATUREZA NA RELAÇÃO

Para o Taoísmo, o Tao que pode ser descrito não é o verdadeiro Tao, que é incognoscível. Seu modo de agir baseia–se na mutação constante de todas as coisas, tal como o rio de Heráclito, que não pode ser definido, porque no instante em que se o faça, ele já passou. Do mesmo modo, o ideograma “I”, contido no milenar I Ching, denota um sentido camale-ônico a cada um dos ideogramas, que estão em constante metamorfo-se, transformando–se uns nos outros. Mas esta mutação é mudança do quê? Existe algo fixo para ser mutado? A realidade está no movimento e não na coisa movida: até porque nada existe ou é conceituado fixa-mente, dependendo sempre de uma relação com outra coisa.
Aquilo que conhecemos e definimos depende sempre de compa-ração, que é um jogo de relações: o rio depende de suas margens para ser conceituado. Se tirarmos as margens do rio, ele deixa de sê–lo, do mesmo modo que se retirarmos o observador de uma ex-periência, aquilo que era observado perde sua definição. Portanto, tudo que é conhecido é feito através de um sistema dividido, dual. A natureza das coisas é determinada por uma relação entre tais coi-sas: do mesmo modo, Hórus contém em si seus gêmeos opostos, Ra–Hoor–Khuit e Hoor–paar–kraat. Ser e Não–Ser se definem um ao outro, e convivem um no outro.

E THELEMA ?

Confluímos, finalmente, na cosmogonia thelêmica e na fórmula 0 = 2, que expressa numericamente os versículos do Livro da Lei:

Pois eu estou dividida por causa do amor, pela chance de união.
 (Liber AL I:29)
Esta é a criação do mundo, que a dor da divisão é como nada, e a alegria da dissolução é tudo.
(Liber AL I:30)

A divisão é na verdade um jogo de imagens, uma ilusão de ótica a fim de que o Universo veja e conheça a si mesmo. Opostos como Nuit–Hadit, Therion–Babalon, Fogo–Água, Bem–Mal são miragens polarizadas para vermos e vivermos o modo de ser das coisas — o  Tao. E entendermos que, no fim das contas, o Nada é o que muda, e nada muda substancialmente, uma vez que toda dualidade — Yin e Yang — são apenas fases da manifestação. “Tudo é como sempre foi” (Liber AL II:58). E, diante do 0 da dissolução, os opostos comun-gam e excedem aquilo que eram antes: observador e objeto ob-servado tornam-se uma coisa só, não havendo por fim separação entre agente e fenômeno. No fim, o iluminado é o próprio Universo simplesmente acontecendo espontaneamente, sem restrição.Para maior aprofundamento, recomendamos a leitura do Liber CL-VII. Relações entre conceitos taoístas e thelêmicos são tecidos por Crowley, como a comparação de Hadit, o doador de vida, mas cujo conhecimento é o conhecimento da morte, com o Wu Wei (ação sem ação), o estado de espírito taoísta onde se está perfeitamente vazio e, neste vácuo, Tudo — isto é, o modo espontâneo do Univer-so — é o que o preenche. Recomendamos também o livro “A Alqui-mia Interior Taoísta”, de Mantak Chia, referente à parte alquímica do taoísmo, muito útil para entendimento de Tantra e Magia Sexual.