sábado, 23 de julho de 2022

Teurgia e a Alma

Sob a influência das ideias gnósticas, os contemporâneos de Jâmblico acreditavam que a terra era um lugar de onde os deuses haviam se afastado. Esse tipo de pensamento era compactuado, de alguma maneira por Plotino, que dizia:

E, se precisarmos ousar dizer, contra a opinião dos outros, mais claramente o que pensamos, nossa alma não está totalmente mergulhada aqui em baixo, mas uma parte dela permanece no inteligível.[1]

As diferenças entre Plotino e Jâmblico com relação à descida ou não da Alma nos corpos vieram constituir e estruturar de maneira completamente diversa o modo como cada um deles orientava o percurso ascético de seus alunos e discípulos. Se para Plotino a ascese era intelectual, não dependendo de nenhum recurso externo, a não ser do próprio trabalho intelectual do discípulo, decorrente apenas de seu esforço e empenho pessoais, o mesmo não acontece com Jâmblico, para quem o esforço intelectual conduz apenas até uma etapa do caminho, a ser complementada pelas práticas teúrgicas com o intuito justamente de ultrapassar a distância imensa da Alma com relação ao Uno. A meta para Jâmblico consistia na transformação do homem no sentido de sua deificação, ou seja, unificação de sua Alma, bem como a sua assimilação às ordens do cosmo. Convém notar que até este ponto não há divergências essenciais entre o pensamento de Plotino e o de Jâmblico. A divergência entre eles consiste mais especificamente na posição da Alma com relação ao Uno. Para Jâmblico existem dois tipos de Almas, aquelas que estão em união contemplativa com os verdadeiros seres inteligíveis e são semelhantes aos deuses e aquelas Almas que já desceram ao mundo material e estão moralmente corrompidas.

Ademais, penso verdadeiramente que o propósito pelo qual as almas descem é diferente e que por isso eles causam diferenças na maneira com que elas descem. As almas que descem para a salvação, purificação e aperfeiçoamento deste mundo são imaculadas na sua descida. A alma, por outro lado, que se dirige aos corpos para o exercício e correção de seu caráter não está totalmente livre das paixões e não é enviada livre em si mesma. A alma que desce aqui para cumprir uma punição e um julgamento parece de alguma maneira ser arrastada e forçada.[2]

O primeiro tipo de Alma consegue preservar a sua pureza e liberdade com relação ao mundo material, sendo sua meta justamente purificar e aperfeiçoar este mundo. O segundo tipo de Alma perde a sua independência e se torna implicada na existência material, pois antes mesmo de sua descida ela já estava moralmente caída, sendo este justamente o motivo de sua descida, tanto como punição como para o seu próprio aperfeiçoamento.

Deve-se também considerar a vida das almas antes delas entrarem nos corpos, uma vez que estas vidas têm uma grande variação individual. A partir de diferentes modos de vida a alma tem a oportunidade de vivenciar diferentemente um primeiro encontro com o corpo. Para aqueles que são neófitos, que viram muito da realidade e são companheiros e aparentados dos deuses, e que foram plenamente aperfeiçoados e encerram completamente as partes de sua alma, estes são em sua totalidade implantados primeiro no mundo, livres das paixões e puros no corpo. Assim como para aqueles, por outro lado, que estão fartos de desejo e cheios de paixão, é com paixão que eles encontram pela primeira vez os corpos.[3]

A dor do homem caído, da Alma mergulhada na existência puramente material comovia diferentemente Plotino e Jâmblico. Em sua ânsia por explicar o sofrimento, Plotino elaborou a sua doutrina da alma não-descida. Segundo esta doutrina, a parte mais elevada da Alma não desce ao mundo sensível e, portanto, não tem contato com os corpos, nem é corrompida. A parte mais elevada da Alma permanece, assim, no mundo inteligível, de onde irradia uma luz que se inclina para o mundo sensível sem, portanto, descer até ele.

Nós dissemos como a geração aconteceu: ela aconteceu quando da descida da alma, no sentido em que alguma outra coisa, originada dela, desça quando ela se inclina. – Mas será que ela abandona a sua imagem? E esta inclinação, como não concordar que ela seja um erro? 

- Mas se a inclinação é uma iluminação direcionada para o que está mais baixo, não é um erro. A causa do erro não é a sombra, mas o que é iluminado; pois se este não existisse, a alma não teria nada a iluminar. Nós dizemos da alma que ela desce ou que ela se inclina no sentido em que o que recebe dela a sua luz vive com ela. Ela abandona certamente sua imagem se não há nada que esteja perto dela para receber; ela não abandona no sentido de que a imagem esteja separada dela, mas no sentido em que a imagem deixa de existir.[4]

Se a teoria da iluminação da Alma é insuficiente para explicar a descida desta, por outro lado, poderíamos tentar entender a questão sob outra perspectiva, como Plotino o fez na Enéada 10 [V 1], 12, 1-15, quando explica que a Alma, através da consciência, por sua parte mais elevada, está em contato direto com o Intelecto, e que esta conhece, primeiramente através da sensação e que é por seu intermédio que ela conhece a totalidade e tudo o que a acomete, pois o que a Alma conhece, ela conhece inteira. Deste modo, o que conhecemos perpassa a Alma e, até mesmo o conhecimento do mundo exterior necessita da Alma, enquanto instância mediadora entre o mundo e o Intelecto, cuja ponte passa pela atenção, por meio da qual, através da consciência unem-se, deste modo e nesta perspectiva, o mundo sensível e o inteligível.

A posição de Plotino com relação à descida da Alma divergia da tradição de sua época. É essencial para Plotino a tese de que mesmo encarnada a Alma reside no mundo inteligível. A questão é por que ele se sentiu obrigado a propor tal posição que divergia tão radicalmente da tradição. De acordo com Proclo, Plotino teria considerado essa posição necessária para poder explicar como nós, a despeito de nossa descida no mundo sensível, ainda temos a capacidade de conhecer os seres ideais. Isso é possível apenas, pensou Plotino, se aceitarmos que alguma coisa de nossa Alma permanece sempre ligada a essa realidade superior.

A diferença entre a visão de Jâmblico e de Plotino foi descrita também por Proclo em seu Comentário ao Parmênides de Platão: 

O conhecimento em nós, então, é diferente do divino, mas através deste conhecimento acedemos àquele; e nem sequer precisamos situar o inteligível em nós, como alguns afirmam,[5] para que conheçamos os objetos inteligíveis presentes em nós (pois eles nos transcendem e são as causas de nossa essência); nem devemos dizer que uma parte de nossa alma permanece acima, de modo a que através dela possamos ter contato com o mundo inteligível (pois o que permanece sempre acima jamais poderia estar conectado com o que se originou de seu próprio estado de intelecção, nem poderia constituir a mesma substância que ele); nem deveríamos postular que ele seja consubstancial aos deuses – pois o Pai que os criou produziu nossa substância primeiramente de materiais secundários e terciários (Timeu 41d). Alguns pensadores foram levados a propor esse tipo de doutrina buscando entender como nós, que estamos caídos neste mundo podemos ter conhecimento dos Seres verdadeiros, quando o conhecimento que temos deles é próprio das entidades não caídas, mas para aqueles que foram elevados e que adquiriram a sobriedade após a Queda.[6]

A Alma humana, para Jâmblico, está separada do Intelecto de onde emana (e essa posição não é antagônica à de Plotino) e se situa aparte com relação às realidades superiores da Alma, incluindo aí as classes superiores, os daimones, heróis e Almas puras. Ela é, portanto, intermediária entre as entidades superiores e as coisas corpóreas.[7] Sendo intermediária, a Alma humana é dupla no sentido de que ela pode inteligir o que está acima e agir sobre o que está embaixo, através do corpo, quando encarnada. A Alma humana é duas coisas, cada uma por vez, pois ela não poderia inteligir sempre senão ela seria Intelecto, nem poderia estar sempre envolvida em atividades relacionadas ao reino da geração, pois assim ela seria apenas uma Alma animal. A Alma humana está em contato com os dois mundos, dos quais participa inexoravelmente. Assim, se por um lado ela desce nos corpos, por outro lado, por ter descido, ela deve subir novamente. A subida da Alma pode acontecer tanto após a morte ou, ainda nesta vida, através da teurgia.

A teurgia é uma parte conatural da condição humana, inerente à Natureza, existente para aqueles que são sábios o suficiente para utilizá-la de modo a poderem elevar as suas Almas até os mais elevados aspectos e cumprir seu papel enquanto entidades verdadeiramente mediadoras. Ela corresponde à ação dos Deuses – e não à nossa ação sobre os deuses – no sentido de que as nossas ações para com os deuses possam influencia-los de alguma maneira a nosso favor.

É de longa data que os trabalhos da divina teurgia foram determinados pelas leis imaculadas intelectuais e que os níveis inferiores de realidade foram neutralizados pelo grande poder e ordem, de acordo com aquilo que foi separado do que é inferior e fomos transferidos para uma melhor sorte. E nada neste processo se realiza em desacordo com a ordenação estabelecida desde o início, de modo a que os deuses devam mudar os seus planos em virtude de alguma cerimônia teúrgica subsequente, mas seria muito mais o caso de que, a partir da primeira descida o deus tenha mandado as almas para este propósito, e que elas devam retornar novamente a ele. Não há, portanto, nenhuma mudança nos planos que envolvem este processo ascensional, nem há qualquer conflito entre a descida das almas e sua ascensão.[8]

Antes de pensarmos a teurgia como um ato dos deuses, e não dos homens, talvez seja interessante nos lembrar de nossa incapacidade de apreender, pela razão, a realidade desses deuses e do Uno, pois como sabemos o aparato cognitivo humano não possui recursos para cumprir tal tarefa. Jâmblico se propõe no De Mysteriis a esclarecer tanto as questões filosóficas como as relativas à teurgia, de acordo com a disponibilidade de seus auditores alertando que:

Iremos fornecer, de maneira apropriada, explicações apropriadas para cada um, lidando de um modo teológico com questões teológicas e em termos teúrgicos com aquelas relacionados com a teurgia, enquanto estivermos lidando com questões filosóficas as examinarmos em termos filosóficos.[9]

Buscaremos a partir de agora adentrar o universo da teurgia, como nos foi proposto por Jâmblico na perspectiva daquilo que, tendo sido revelado pelos deuses à Alma humana, esta é incapaz de reconhecer e desvelar, por si mesma, devido à sua distância com relação aos deuses. Em seu limite, a razão é ultrapassada na direção daquilo que foi revelado pelos deuses para que a Alma possa a Ele retornar intacta. À medida que a Alma se liberta dos entraves impostos pela descida, esta encontra os recursos que lhe permitirão galgar níveis ontológicos cada vez mais elevados, até o abandono de si, até sua completa deificação.

Não é o pensamento puro que une o teurgo aos deuses. De fato, então, o que impediria aqueles que são filósofos teóricos de desfrutarem de uma união teúrgica com os deuses? Mas a situação não é esta: é a realização de atos que não podem ser divulgados e que estão além de todas as concepções e o poder inominável dos símbolos, compreendidos apenas pelos deuses, que estabelecem a união teúrgica. Daí nós não chegarmos a estas coisas pela intelecção apenas; pois assim a sua eficácia seria meramente intelectual, e dependente de nós mesmos. No entanto, nenhuma das suposições é verdadeira. Pois mesmo quando não estamos engajados em inteligir, esses símbolos, por si mesmos, realizam o seu devido trabalho e o poder Inefável dos deuses aos quais estão relacionados e eles reconhecem a sua própria imagem, em si mesmos, sem terem sido acordados pelos nossos pensamentos.[10]

Em seu comentário sobre o Parmênides, Jâmblico reitera a nossa incapacidade para compreender o Uno Inteligível e, assim, ao nos depararmos com uma aporia, somos constrangidos a reconhecer que esta culmina, em última instância, na união teúrgica. A proposição dos rituais teúrgicos na filosofia de Jâmblico estava profundamente relacionada à sua compreensão da aporia socrática. Nesta perspectiva, sendo que a teurgia um fenômeno inerente ao platonismo, esta poderia vir a resolver problemas indissolúveis de ordem metafísica e soteriológica que há muito vexavam a Academia. O conhecimento, entretanto, não nos permite ver o que se encontra acima da flor do intelecto, quer dizer, a faculdade que nos permite conquistar a União. Poderíamos ainda ousar tentar ver os últimos resquícios daquilo que os nossos pensamentos podem abraçar ao lermos o que os Oráculos Caldeus (Frag. 1) disseram e que Jâmblico retoma em seu esforço derradeiro, capaz de nos fazer lembrar daquilo que nem mesmo com a flor do intelecto os nossos olhos poderão ver, e que, a partir de agora ,veremos de outra maneira se continuarmos a perseguir este caminho.

Existe certo Uno Inteligível, que você precisa conceber pela flor do intelecto; pois se você inclina para a ele o teu intelecto e busca concebê-lo como se concebesse um objeto determinado, você não o conceberá; pois ele é a força de uma espada luminosa que brilha com cortes intelectivos. Não é preciso conceber este inteligível com veemência, mas pela flama sutil de um sutil intelecto, que mede todas as coisas menos este Inteligível; e não é preciso concebê-lo com intensidade, mas ao dirigir-lhe o olhar puro de tua Alma voltada (do sensível) para o Inteligível de um intelecto puro (de pensamento) a fim de aprender (a conhecer) o Uno Inteligível, porque ele subsiste fora (da apreensão) do intelecto (humano).[11]

E se ainda não nos foi possível ver, da primeira vez, veremos mais uma vez, agora com os olhos de Damáscio aquilo foi dito por Jâmblico:

Há, de fato, certo inteligível que você precisa ver pela flor do Intelecto; pois se você inclinar para ele o seu intelecto e se buscar vê-lo, como algo de definido, você não o verá; pois de uma espada brilhante de dois gumes, ele é a força fulgurante pelos seus cortes intelectivos. Não é através de um esforço violento que será preciso ver este inteligível, mas através da chama sutil de um intelecto sutil, que mede tudo, menos este inteligível; é preciso, portanto, vê-lo não por meio de uma tensão violenta, mas tender para o inteligível com um intelecto vazio, portador do olhar puro convertido de sua alma, até que você reconheça o inteligível, pois é fora do intelecto que ele subsiste.[12]


John Dillon nos comentários platônicos de Jâmblico:

Que nem pela opinião, nem pelo pensamento discursivo, nem pelo elemento intelectual da alma, nem pela intelecção acompanhada da razão, o Inteligível pode ser compreendido, nem sequer deve ele ser compreendido pela parte mais alta e perfeita do Intelecto, nem pela flor do intelecto, nem é conhecido pelo esforço mental de maneira alguma, nem sequer conforme um esforço resoluto, nem pelo entendimento, nem por quaisquer outros meios como este, é uma proposição frente a qual, como insiste o grande Jâmblico, nós devemos consentir.[13]

É do mais alto e mais distante que somos arremessados no abismo das profundezas insondáveis da Alma. Devemos entender a aporia como um estado de mental disponível para todos os humanos, mas aceito com relutância. A aporia surge como uma resposta a uma pergunta sem solução. Somente ela consegue criar um choque capaz de fazer parar o pensamento. Platão já dizia a este respeito na Carta VII (341cd):

De minha parte não há nenhuma obra escrita, e não haverá jamais, pois se trata de um saber que não pode absolutamente ser formulado da mesma maneira que os outros saberes, mas que, sendo fruto de uma longa familiaridade com a atividade em que consiste, a partir do momento em que, tendo consagrado sua vida, repentinamente, à maneira de uma luz que brota de uma faísca que salta, este se produz na alma e cresce daqui em diante completamente só. 

Para que a Alma possa se conectar como o transcendente ela necessita que algo mais que humano penetre as suas vidas como uma força vinda dos deuses, a qual ela não controla, e da qual os seus esforços e palavras não podem influenciar. A teurgia é, neste sentido, uma reposta à aporia da qual o intelecto tenta se livrar em vão. Por isso Jâmblico diz:

De fato, para falar a verdade, o contato que nós temos com a divindade não deve ser considerado como conhecimento. O conhecimento, ao fim e ao cabo, está separado (de seu objeto) por certo grau de alteridade. Mas anterior a esse conhecimento, que conhece o outro como sendo o próprio ser como outro, há a conexão unitária com os deuses que é natural e indivizível. Não deveríamos aceitar, então, que isto seja algo que possamos ora conceder ou não conceder, admitir como ambíguo (pois isso permanece sempre uniformemente em presentidade), nem deveríamos examinar a questão como se estivéssemos em uma posição ora para concordar com ela ou para rejeitá-la; pois do que se trata aqui é, ao invés, do fato de que nós estamos envolvidos pela presença divina, e nós estamos preenchidos dela, e nós possuímos nossa própria essência em virtude de nosso conhecimento de que há deuses.[14]

O conhecimento dos deuses não pode ser comparado a qualquer outra forma de conhecimento, pois ele pressupõe um desconhecimento primeiro a partir do qual nascerá o conhecimento verdadeiro na Alma. Como para Plotino, para quem apenas o Uno é incognoscível, para Jâmblico, os deuses também são desconhecidos, pois estes se situam junto ao Uno no primeiro nível. A ascensão da Alma depende de um impulso, reconhecidamente o impulso erótico capaz de nos impelir a perseguirmos aquele de quem não podemos nada dizer, mas cujo pressentimento permite que a busca tenha inicio e não cesse jamais. Assim, a filosofia conduz à teurgia ao preparar a Alma para o encontro com aquilo que a transcende e que só pode ser reconhecido quando do esvaziamento da mente de todos os conceitos, quando o olho sagrado olha para dentro (e não mais para fora) e não vê mais nada. É somente neste estado que, na teurgia, a Alma reconhece e encontra os deuses. 

A noésis teurgica foi, de fato, o ato de um deus conhecendo a si próprio através da atividade e da mediação da Alma e não vice-versa. Noésis, de fato, era não conceitual e Jâmblico mantinha que o contato com os deuses era mais erótico que intelectual. Em seu comentário ao Parmênides ele fala: O Inteligível é mantido antes da mente, não como cognoscível (hos gnoston), mas como desejável (hos epheton) e a mente está preenchida por isto, não com o conhecimento, mas com o ser e toda perfeição inteligível.

Para Jâmblico o Princípio que mantém a unidade do cosmos é o mesmo que une e transforma a Alma na teurgia. Portanto, o verdadeiro agente da teurgia é a philia ou em termos platônicos, Eros. Já os Oráculos Caldeus (Frag. 39) diziam: 

Quando ele concebeu suas obras, o Intelecto paternal, nascido de si mesmo, insemina em todos a ligação difícil de suportar do fogo do amor, para que todas as coisas continuem, por um tempo infinito, a amar e não sucumbir ao que havia sido tecido pela luz intelectiva do Pai. 

O fogo abrasa a Alma devolvendo-lhe a ânsia de retornar ao Pai impulsionando-a, deste modo, na Sua direção. E em uma passagem rica de beleza e verdade no Fragmento 42:

[...] através da ligação do admirável Amor, que brotou do primeiro Intelecto, vestido com o fogo que está ligado com o fogo (do intelecto) para mesclar as fontes-crateras, derrama por meio delas a flor de seu fogo. 

E o Fragmento 44, um dos mais belos a respeito do nobre amor: 

Quanto à centelha da Alma, tendo sido formada pela mistura de dois elementos concordantes, o Intelecto e o sopro divino, ele (o Intelecto Primeiro) acrescenta em terceiro lugar o casto Amor, ligação augusta que unifica todas as coisas e as ultrapassa todas. 

Eros tem um papel análogo ao do terceiro Deus, que une e separa os dois Primeiros Intelectos. Sua função mediadora, no entanto, desperta a parte inferior da Alma, como numa persuasão, incitando-a a abandonar as realidades inferiores e a se voltar às mais elevadas relembrando-a (anamnésis) de sua verdadeira origem. A transformação da Alma na teurgia depende dos mesmos elementos associados na descida para que a sua ascensão se realize. Pois, tendo se separado daquele que a gerou, acumulou muitos elementos, os mesmo lhe serão úteis, no sentido não apenas de rememorar, mas de reunir o que foi separado e dividido na descida da Alma criando a distância, origem de sua separação e de seu esquecimento.

Em Proclo, o Amor (Eros), deve ser considerado como uma forma de atividade que se manifesta de duas maneiras distintas: (1) como um ciclo completo de manência, processão e retorno; e, (2) enquanto um terceiro elemento neste tipo de formação triádica. Para Proclo, o Amor é aquilo que desce do mundo inteligível e que somente por esse motivo pode retornar, podendo ser comparado com os deuses.


NOTAS:

[1] Plotino, Enéada 6 [IV 8], 8, 1-3.

[2] Jâmblico, De Anima, 29 [380].

[3] Jâmblico, De Anima, 30.

[4] Plotino, Enéada 53 [I 1], 12, 22-29.

[5] Veja Plotino, Enéada, IV:8.

[6] John Dillon & Glenn R. Morrow, Proclus’ Commentary on Plato’s Parmenides, p. 299.

[7] Veja Lição 2.1.

[8] Jâmblico, De Mysteriis, 8, 8 e 271.

[9] Jâmblico, De Mysteriis, 1, 2-7.

[10] Jâmblico, De Mysteriis, 2, 11 96-97..

[11] Oráculos Caldeus, Frag. 1, 107.

[12] Damáscio, Princípios, 154-155].

[13] John Dillon. Iamblichus: The Platonic Commentaries, p. 209.

[14] Jâmblico, De Mysteriis, 1, 3-8.