quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O Pânico Satânico



Chegaram os anos 80 e o satanismo era um fato. Não era mais uma lenda como nos anos 50, uma excentricidade como nos anos 60, nem moda da vez como na década de 70. Era algo real que crescia, já havia mais de uma igreja satânica e era algo levado a sério por uma porção de pessoas. Na visão dos conservadores da época, era algo a ser combatido. Além disso as organizões satânicas começaram a se multiplicar e sem uma responsabilidade central era inevitável que logo aparecessem os estúpidos. Da indignação reacionária e da estupidez coletiva nasceu a década do Pânico Satânico.

A onda de medo foi iniciada com o livro “Michelle Remembers” de Lawrence Pazder, no qual por meio de seções de hipnose Michelle relatou ao autor os mais sórdidos detalhes de suas experiências com os satanistas. No livro ela contou como tinha sido torturada aos cinco anos por um culto satânico que quase a matou de fome, vomitaram nela, a estupraram e a eletrocutaram. No final, a largaram dentro de um túmulo onde jogaram animais mortos. Após um ano, eles a deixaram ir, e ela "esqueceu" tudo até que começaram suas sessões de hipnose vinte e dois anos depois.

O chamado Ritual de Abuso Satânico, ganhou as manchetes e se tornou uma idéia popular. Descrevia atos como banhar-se com sangue dos mortos, comer fezes com a familia, sacrificar crianças e animais pequenos e toda espécie de atos repulsivos. As Memórias de Michelle diziam que os adoradores do diabo haviam construído uma rede internacional dedicada ao mal, ao abuso infantil, crime e imoralidade. O problema é que em paralelo a isso realmente existia uma rede internacional de satanistas.

O Pânico Satânico tomou conta da opinião pública e uma nova e outra hipócrita caça as bruxas tomou o ocidente. Basicamente os satanista passaram a ser acusados das mesmas coisas os cristãos dos primeiros séculos eram acusados de fazer pela Roma Pagã e que os Judeus foram acusados por pelos cristãos medievais. De fato, muitos outros grupos já foram vítimas da histeria popular infundada inclusive maçons, protestantes, pagãos e  comunistas. Nos anos 80, mais uma vez “pessoas más queriam dominar o mundo” e as mesmas mentiras frutos do medo do desconhecido voltavam a tona em uma nova forma que encontrava no satanista modernos seu mais perfeito bode expiatório.

As acusações começaram a se multiplicar sempre sem provas, frutos de suspeitas seções de regressão. Não é nem preciso dizer que o pânico satânico foi alimentado principalmente pelos cristãos evangélicos conservadores, mas o fato é que toda a sociedade se mobilizou no assunto, mostrando o quanto a humanidade ainda é refém do status quo religioso. Médicos e figuras políticas entraram no jogo e alguns casos tornaram-se assunto de investigações policiais e casos de júri.

Não demorou para que estas acusações doentias encontrassem mentes não mais saudáveis criando uma espécie de circulo vicioso.

Richard Ramirez membro da Church of Satan de mente fraca e estimulado por este cenário em que vivia tornou-se um serial killer que matava, estuprava e roubava em nome do diabo. Frequentemente mutilava os corpos, e deixava pentagramas desenhados no local do crime. Pensava que o poder de Satã iria protegê-lo.

Como qualquer outra lenda urbana as acusações do Pânico Satanico contra o satanismo aos poucos cansaram o publico e sairam de moda, mas não antes de causar diversos danos a reputação e vida de diversos indivíduos e deixar novamente a lição histórica do que a estupidez pode fazer quando se torna um conceito popular. Foi nesta época complicada que algumas poucas pessoas aproveitaram a má fama do satanismo para ganharem um pouco de destaque. E isso aconteceu não só nos diversos pastores cristãos “especialistas” em satanismo como dentro do próprio satanismo moderno. Alguns autores desenvolveram formas de satanismo que se distinguem ela afirmação da sua necessidade de ser sinistra e "má". Foi mais ou menos neste momento que nasceram algumas organizações satânicas como a Church of Lucifer, de quem falaremos mais na segunda parte do livro, a Order of Nine Angles, que abordaremos no capítulo seguinte e a marginalmente satânica Temple of the Vampire, que veremos mais para frente.

1996

O milénio virou rev Mansonconhecendo uma geração que nasceu quando a Church of Satan já era história e que passaou a infância vendo o diabo como personagens de desenho animado. Depois da grande deflagração satânica de LaVey, a formalidade iniciática trazida pelo Templo de Set e o Zeitgeist da Order of Nine Angles os satanistas, e o mundo, se encontraram em uma situação completamente nova. Estas organizações continuaram a fazendo um trabalho interessante, surgiram algumas outras e existem boatos de uma eminente reorganização da Church of Satan. Mas esta época apresentou um contexto novo e o desenvolvimento do satanismo prosseguiu de uma maneira diferente desde então.

Em especial houve a necessidade de se aprender a lidar com a nova realidade apresentada pela ascensão da Internet e isso trouxe ameaças e oportunidades para o satanismo. A parte boa é que desde então é possível para qualquer pessoa interessada ter acesso a textos, livros e rituais que antigamente lhe custariam muito mais esforço, tempo e dinheiro. Quem nasceu depois desta época não faz idéia de como era difícil encontrar informações antes dos anos noventa. Graças a isso vivemos uma liberdade criativa muito maior e a evolução acontece de forma múltipla e dinâmica.

Os sites de satanismos se multiplicaram, muitos sem qualquer ligação com os grupos já mencionados.  A consequência imediata é que houve uma mescla maior entre o satanismo e outras escolas de pensamento, com destaque para a magia do caos. Com isso a postura com relação aos rituais e prática mágica dos satanistas de então se tornaram muito mais diversificadas. Os indivíduos que se destacaram nesta fase nova eram tão diferentes de seus antecessores como diferentes entre si, podemos citar entre eles Michael W. Ford, E.A Koetting, Matt Paradise e mesmo Donalt Tyson entre outros. Alguns destes se dizem defensores do único satanismo verdadeiro, outros fogem do título de satanistas mas todos são indiscutivelmente herdeiros de LaVey ou no mínimo crias diversas da Era Satânica.

A parte ruim desta facilidade de acesso ao conhecimento é que a internet e mais recentemente as redes sociais criaram um ambiente onde é muito fácil existir algo que chamo de 'satanistas não-praticantes'. Pessoas que cultivam uma imagem satânica mas que são na verdade fracassados. Desde esta década tornou-se cada vez mais fácil encontrar alguém que se diga satanista mas muito mais difícil encontrar um de verdade. Acredito que isso aconteça porque sem um grupo real presencial, sem convívio, reuniões, contato social, etc.. é muito mais fácil falar sobre satanismo do que vivê-lo.

Não está claro como essa geração vai resolver este problema. Talvez a própria tecnologia forneça alguma solução. Talvez isso nem mesmo seja realmente um problema pois pode servir como uma espécie de peneira para separar os indivíduos realmente notáveis da massa que pensa que é elite. O modelo dos pequenos grupos satânicos que usem, mas não se limitem a, o mundo digital ou o modelo da criptocracia satânica me parecem ser promissores. Outra questão pendente e que uma hora ou outra terá que ser encarada por alguém é a consequência da enxurrada de influências esotéricas no satanismo atual, que sem dúvida fariam LaVey e mesmo Aquino levantar uma sobrancelha. A diversidade é realmente interessante, mas metafísica demais e resultados de menos é um convite ao devaneio. A falta de foco e o desejo de parecer místico demais pode levar os satanistas do amanhã por terrenos pantanosos.Ou

Outro aspecto do satanismo anos noventa foi o que LaVey chamava de "Cultura do Apocalipse." Se a geração que nasceu nos anos 50 cresceu sob a sombra de uma guerra atômica e assimilou a possibilidade de uma iminente destruição do planeta. A geração dos anos 60 uniu esta inevitabilidade com nossa destruição pelo descontrolado crescimento populacional. Os anos 70 compreendeu o desastre ecológico para o qual caminhamos. Os anos 80 conheceu uma nova ameaça global desta vez sob a forma de crises políticas globais. Os anos 90 trouxeram a profileração da AIDS e a ameaça de outras pandemias. Os anos 2000 apresentaram ao mundo a ameaça terrorista e o fantasma do colapso financeiro mundial. Ou seja, se hoje na década de 10's existe algo com que estamos acostumaos, este algo é o Fim do Mundo.

Mas muitas pessoas ainda não conseguem aceitar isso: o mundo pode acabar a qualquer instante, ou muito mais provável, você pode morrer hoje. Após serem decepcionadas pelas fúteis promessas da cristandade algumas pessoas buscaram conforto no misticismo pagão ou em livros de auto-ajuda. Mas os satanistas, especialmente desde os anos 90, queriam simplesmente a liberdade de ser deixados em paz para criarem suas próprias realidades.

Disse LaVey já em idade avançada: “Esta é uma característica que eu divido com a nova geração de satanistas que poderia ser melhor rotulada como a Cultura do Apocalipse. Não que eles acreditem no apocalipse Bíblico, a última batalha entre o bem e o mal, mas justamente o contrário. Uma urgência, uma necessidade de pararmos de nos lamentar para que se o mundo terminar a amanhã nó saberemos que vivemos o dia de hoje. Basicamente, tocamos harpa enquanto Roma pega fogo."

Ao contrário do que pensavam os histéricos do Pânico Satânico da década de 80, os satanistas não estavam preocupados em dominar o mundo. Eles queriam sim ser senhores de seus próprios destinos. Não havia uma conspiração secreta, mas uma revolução invisível. Especialmente LaVey jamais pensou que o satanismo se tornaria uma religião dominante, mas tinha certeza de que ela infectaria e transformaria o mundo todo. E temos de concordar com ele quando notamos que os grandes avanços na história da humanidade não foram feitos no marchar dos milhares mas nos avanços dos poucos. O progresso é sempre feito por uma elite. E se deve haver um esforço por parte de alguém da massa, o esforço deve ser o de se elitizar para se encontrar com os seus e assim florescer.

É por isso que em seus últimos anos LaVey retomou o sistema de grottos, desta vez sem qualquer interferência pesada e estimulando o contato próximo entre os membros locais, a criação de círculos internos e uma independência maior quanto a sede na Califórnia. Um exemplo muito bem sucedido deste novo modelo de grottos resultou na Associação Portuguesa de Satanismo, que produziu um material de extrema qualidade nos anos seguintes. LaVey entendeu que assim como foi com ele nos anos 60, a mais satânica de todas as organizações é simplesmente o grupo de amigos. Observando o crescimento acelerado de igrejas dissidentes e do crescente ecletismo LaVey notou que era preciso mesmo impulsionar a criação de pequenos grupos de elites satânicas pensantes e independentes por toda parte. Mais era tarde demais, ele já estava velho e cansado e os satanistas já estavam fazendo isso por conta própria.

É significativo e simbólico que que LaVey tenha morrido nos anos 90. Pouco após sua morte foi lançado o último livro “Satan Speaks” que completaria o cânon laveyano do satanismo moderno. Este livro é essencialmente diferente dos demais, aqui LaVey já estava consagrado como satanista e podia se dar ao luxo de tratar de outros assuntos de seu interesse como questão judaica, o poder da mídia, o porte de armas, a morte da moda e outras particularidades. Anton vivia na pela a necessidade de individualização que cada satanista deveria viver. Afinal de contas não faria muito sentido se uma religião baseada no individuo acabasse criando um exército de pessoas esteticamente, e ideologicamente iguais. O livro é aberto com um prefácio escrito por Marylin Manson.

Marylin Manson foi em seu tempo um exemplo perfeito deste novo momento do satanismo onde o Indivíduo Destacado e a Cultura do Apocalipse se encontram. Quando LaVey morreu em 1997 e sua igreja demorou para revelar alguém com uma liderança e criatividade a altura e Manson preencheu este vácuo tornando-se o porta voz desta nova geração de satanistas, muito mais do que qualquer Magister de qualquer outra ordem. Marylin era ele mesmo um membro e reverendo da Church of Satan mas nunca se prendeu a isso refletindo a sua própria maneira este novo momento da historia do satanismo que oscilava entre o sensacionalismo e o elitismo. Quanto a isso basta ver sua produção artística como "1996" e demais músicas da época. O satanismo teve a sorte de transformar o pânico satânico em entretenimento para as massas e assim poderia viver satanicamente com tranquilidade para trabalhar pelo advento da Era de Satã ou para a próxima sessão de massagem.

As músicas de Mason foram apreciadas por milhares de pessoas acéfalas que não se davam o trabalho de prestar atenção em suas letras e por algumas pessoas de maior sensatez que justamente por entender suas letras aprenderam a não levar o espetáculo tão a sério. Manson foi um homem do shown bussiness e claramente tratou seus entrevistadores de acordo com a inteligência que demonstram ter. Exatamente como LaVey vendeu para as massas a chance de se elevarem, ou de pelo menos terem um pouco de diversão. E convenhamos se não teve a mesma profundidade literária de LaVey ao menos tem um melhor talento musical. Novos tempos exigiam novas estratégias.

O tempo de Manson já passou e hoje em dia embora o Diabo não esteja mais tão na moda, os satanistas conseguem viver suas vidas em paz. É verdade que ainda existem mesmo nas Américas grupos fundamentalistas de diversas religiões que preferem viver suas vidas segundo tradições orais de dois milênios atrás ou de mitos da era do bronze. Mas o satanista não é contra a existência de grupos fundamentalistas, ele só não quer ser obrigado a fazer parte deles. Cada um deve ser livre para viver da maneira que quiser, e isso está bem claro na política de “Total Environment” proposta por LaVey nos seus últimos anos.

De certa forma o ocidente já foi conquistado por Satã. Mas no cenário global observamos a polarização do antigo monoteísmo com os valores ocidentais. Em termos de mundo, embora hoje os países do ocidente sejam um ótimo lugar para o satanismo existe a sombra do crescimento do neo-pentecostalismo que trás novamente a tona as implicações políticas de uma maioria religiosa. Mas a maior ameaça nesse sentido vem do oriente. Internacionalmente o choque das civilizações é algo que não pode ser ignorado. O Islamismo é aceito liberalmente no ocidente enquanto engessa suas teocracias no oriente. Pouco depois do final dos noventa, em 2001 essa tensão estourou de vez e até hoje não sabemos como e quando isso vai acabar.

Em poucas palavras hoje temos duas alternativas: ou levamos sutilmente o inferno para o resto do mundo ou teremos impostas novamente as antigas restrições das quais já tínhamos nos livrado. Maomé nos aguarde, pois Moisés e Cristo já foram contaminados.

Toda essa situação nova foi bem própria da virada do milênio. As quatro características principais deste cenário para resumir são: Um enfoque do satanismo na pratica individual, O impacto da Internet, a Cultura do Apocalipse e a polarização global do liberalismo ocidental contra o modelo monoteísta encabeçado pelo islamismo. Como estes fatores vão se desenvolver e influenciar o satanismo do futuro é algo difícil de prever, mas eles já tiveram seu primeiro grande filhote, a Corrente 218, que será tratada no próximo capítulo.

A Corrente 218

Em um dos primeiros capítulos deste livro, afirmei que LaVey não se encontrava apenas no lugar certo, na hora certa, quando abriu os portões para que a chama infernal purgasse a hipocrisia da Terra. Ele também era a pessoa certa.

Acredito não exagerar quando afirmo que LaVey não apenas aproveitou uma onda, mas soube surfar nela. Cada passo que dava lhe mostrava adiante novos passos que podia dar, em relação ao Satanismo. Com o tempo sua criatividade parece ter se acalmado e hoje não é exagero afirmar que a Church of Satan se tornou uma organização pública de eventos satânicos. Seus novos membros criaram novos materiais, notáveis, mas de maneira mais reclusa. Se antes era obrigatório se ter uma versão, nem que fosse marginal, da Bíblia de LaVey, hoje poucos sabem quem são os líderes da Igreja de Satã, ou qual material ela anda publicando.

Mas isto não é dizer que a Church se desviou de seu caminho ou que perdeu a força. LaVey sempre deixou claro que sua visão de Satanismo era uma visão materialista, terrena e hedonista. Não é de se admirar que muitos Satanistas mais espiritualizados acabassem buscando, então, novas fontes de conhecimento. O Templo de Set foi uma delas, mas nem de longe a última ou a mais extrema.

A chamada corrente 218 ou corrente anticósmica é uma das mais recentes expressões do Satanismo contemporâneo. Não sabemos ainda qual será seu impacto no futuro mas achei por bem registrar este novo impulso no final do livro. Parte de sua ascensão se deu graças a banda Dissection de quem falaremos em seguida. É verdade que a relação do Satanismo com o metal não é algo recente. Desde os anos 60 esta temática é usada, mas diga-se de passagem nunca foi realmente abraçada pela Church of Satan - dado que LaVey era mais adepto do jazz e Peter Gilmore sempre tendeu para a música clássica. Hoje contudo parece que o Black Metal finalmente encontrou sua própria filosofia e foi muito além da estética.

Apesar de falar de deuses antiquíssimos e realidades ancestrais - talvez heranças diretas da ancestralidade clamada por ordens como a ONA ou o Temple of the Vampire - as primeiras menções da corrente 218 são bem recentes e ocorrem pouco antes da virada do último milênio. Ela provavelmente foi fruto da era da internet, pois é formada pelo conhecimento e influencia de várias escolas sobre o Satanismo, sendo um verdadeiro sincretismo do caminho da mão esquerda. Meu irmão em Satã, Pharzhup resumiu muito bem este ponto em um artigo dedicado ao assunto em seu zine Lucifer Luciferax:

"A fundamentação da corrente se dá a partir de um vasto sincretismo de ramos e vertentes do Caminho da Mão Esquerda. Tal sincretismo busca sintetizar a essência de cada aspecto que compõe a heterogeneidade e aplicá-la na consecução das proposições fundamentais. Dentre as diversas tradições que coadunam forças que se combinam na Corrente 218 citamos: a magia do Caos, o Satanismo (Tradicional e Moderno), o Luciferianismo (Tradicional e Moderno), a tradição Draconiana, a tradição Tifoniana, a Bruxaria Sabática, a Qabalah Qliphótica, Thelema, o Tantra, a Quimbanda, o Vodu e cultos ligados à Morte."

Embora essa definição seja minunciosa não será difícil encontrar quem discorde dela, especialmente quanto à influência da Thelema e do Satanismo Moderno. Creio que esta influência seja apenas histórica, para não dizer meramente cronológica. Quanto à Thelema, é bem clara a influência de Kenneth Grant mas não do que veio antes dele. Quanto ao Satanismo Moderno, a maioria dos adeptos afirmará claramente um completo repúdio à Church of Satan. A razão é simples; o Satanismo do LaVey envolve uma exaltação dos prazeres da carne enquanto que a Corrente 218 advoga sua aniquilação em prol de realidades superiores. Para os satanistas anti-cósmicos o mundo não é uma festa mas uma prisão; e eles estão em rebelião.

A origem deste tipo de Satanismo pode ser traçada a partir da criação, na Suécia, da Ordem Misantrópica Luciferiana (MLO) em 1995. A base dos ensinamentos da MLO é a Caosofia, a crença de que o Caos é uma realidade pan-dimensional, com uma quantidade infinita de realidades em contraposição ao Cosmos, que tem apenas uma realidade, três dimensões espaciais e um tempo linear. É entendimento do grupo que o verdadeiro Satanismo não pode pertencer à sociedade moderna, que tem como base modelos únicos e fixos do que é ou não real. Podemos dizer que a MLO trouxe uma espécie de cabala satânica. Essa idéia não é nova e já tinha sido levantada pelo pessoal do Templo de Set, mas não com a mesma profundidade.

Contudo foi apenas em 2002 que foi publicado o Liber Azerate, contendo as bases destes ensinamentos. Escrito por Frater Nemidial, o grande objetivo do sistema proposto neste livro, e nas obras que o seguiram, é a liberação da 'Chama Negra' através da transcendência das limitações do espaço e tempo que formam o Cosmos. Dai o nome anti-cósmico. Esta Chama Negra é o "Eu Superior", que vai muito além do ego vulgar do Satanismo primevo.

O processo de transcedência anti-cósmica passa pelo despertar, fortalecimento e ascensão da Chama Negra, ou Dragão Negro, como as vezes é chamado, que jaz dormente nas almas dos fortes. Essa ascensão por sua vez só pode ser alcançada por meio da obtenção da sabedoria tal como retratada pela tocha de Lúcifer, o fogo de Prometeus, o presente de Samyaza, o Chama Negra de Ahriman, no Veneno de Taninsam, no Fogo sem fumaça de Tifon, etc.. Todos estes deuses anti-cósmicos são reconhecidos como aspectos de uma realidade muito mais profunda. Azerate é, por fim o nome oculto dos 11 deuses anti-cósmicos citados neste livro (Moloch, Beelzebuth, Lucifuge Rofocale, Astaroth, Asmodeus, Belfegor, Baal, Adramelech, Lilith, Naamah and Satan.) O valor numérico de Azerate" (Azrat) é 218 que dá título a corrente. 2+1+8=11, deve-se dizer representa todos os poderes anti-cósmicos presentes em todas as culturas antigas que combatem a tirania da ordem cósmica representada pelo número 10

E aqui apresenta-se, então, um ponto interessante. Obviamente desde que se criou a idéia de um "deus" das trevas - seja lá qual o nome que lhe deram - ele angariou seus seguidores. Agora a realidade de tal criatura, como a de qualquer outro Deus, só pode ser comprovada por seus seguidores. LaVey, na década de 1960, criou uma religião satânica associando Satã à mente e à natureza  humana. A primeira religião satânica afirmava que Satã era um reflexo de nosso sistema nervoso, que se não fosse aceito nos destruiria. Um dos cuidados de LaVey foi o de sempre deixar a metafísica de fora de suas crenças públicas - há os que afirmam que apesar de não crer na existência objetiva de uma entidade Satã, LaVey mantinha em uma caixa forte, dentro da Black House, um contrato firmado onde oferecia a alma a Satã. Foi uma religião cética, materialista e cínicia.

Agora suponha que Satã realmente exista. Qual seria a maneira que ele escolheria para criar um culto em sua própria homenagem, caso nos deixemos levar pelo pressuposto de que ele era, e é, uma das criaturas mais astutas da criação? A religião de LaVey abriu a porta para a criação de vertentes do Satanismo jamais imaginadas antes, nem mesmo pelos histéricos cristãos medievais. O esoterismo satânico que se desenvolveu daquele primeiro Satanismo californiano, se tornou uma das correntes mais brutais, místicas e extremas - como o próprio Satã.

O quão diferente esse caminho é do Satanismo de LaVey. Ambos reconhecem que o mundo material possui delícias e tragédias mas para a Church Of Satan o mundo é algo a ser gerenciado enquanto que para a corrente anti-cósmica o mundo é uma espécie de prisão da qual apenas os mais fortes conseguem se libertar. A corrente entretanto permaneceu em uma gestação sinistra, restrita ao MLO até meados de 2006, quando finalmente veio a público. O Dissection lançou o album Reinkaos, com letras de co-autoria do próprio Frater Nemidial. Este álbum tinha, de fato, o objetivo de trazer os ensinamentos da MLO para quem quisesse ter acesso a eles, e foi justamente o que aconteceu.

O álbum fala da sabedoria que não é meramente um conhecimento intelectual, mas fruto da experiência e do contato direto com os poderes obscuros. A Corrente 218 entende que para abrir os olhos do Dragão Cego, deve aniquilar a prisão ilusória que impede a ilimitada e eterna expressão de si mesmo. A meta dos seus adeptos é portanto fazer contato com estes poderes representados pelo Deuses Obscuros por meio de um ardoroso trabalho.

De fato não há nada de inédito nisto. Esta crença e esses métodos são bem próximos dos propostos pela Order of Nine Angles. Estes trabalho de superação cósmica podem envolver graves riscos físicos e mentais e colocar a própria vida em perigo, mas servem para fortalecer o satanista e tornar sua própria Chama Negra mais forte e acelerar a sua evolução anti-cósmica na conquista da gnosis negra.

Ai a filosofia anti-cósmica chega em uma aparente contradição. Como podemos nos libertar de uma prisão se nós somos parte dela? Se esta realidade, esta vida é uma ilusão, como podemos abrir os olhos?

O quão extremo esta resposta pode ser ficou claro quando, no mesmo ano do lançamento de Reinkaos, o vocalista e fundador do Dissection, Jon Nödtveidt, mostrou a porta de saída da prisão, se suicidando dentro de um círculo de velas com uma arma na mão e o Liber Azerate na outra.

Abaixo, a nota oficial divulgada pelos outros membros da banda:

"Jon Nödtveidt era um homem que vivia sua vida de acordo com suas convicções e vontade verdadeira. Poucos dias atrás, ele decidiu terminar com a sua vida por suas próprias mãos. Como um verdadeiro Satanista ele conduziu a sua vida de sua própria maneira e terminou quando sentiu que tinha cumprido o seu próprio destino. Nem todos terão a compreensão ou aceitação do seu trajeto pessoal nesta vida e além, mas todos devem respeitar a sua escolha.

“Todos nós, que se encontraram com ele nos últimos dias, podem assegurar que ele estava mais focado, mais feliz e mais forte do que nunca. É de nossa convicção, que ele deixou este mundo de mentiras com um risada de desprezo, sabendo que tinha cumprido tudo que se tinha proposto para que ele mesmo realizasse. O espaço vazio que deixa para atrás será preenchido com a essência obscura que manifestou através da sua vida e o trabalho com magia negra. Seu legado e o Fogo Luciferiano vão permanecer vivos através daqueles poucos que o conheceram de verdade e apreciaram seu trabalho pelo que realmente foi e ainda é. Como o objetivo de nosso irmão na vida e morte nunca foi o de "Descansar em Paz", desejamos a ele, em vez disso, vitórias em todas as batalhas que virão, até que o Destino Acósmico esteja completo.

" Pela glória dos Deuses Obscuros e o Caos Furioso!”
"218"

Se ele está no Inferno, como acreditam os cristãos, se apenas virou pó como acreditam os layeanos, ou se está livre para viver sem as amarras deste mundo como acreditam os anti-cósmicos é, de fato, uma questão de crença que não pode ser respondida. Mas independente de qualquer coisa isso levanta a questão: Até onde você quer chegar com o Satanismo? Até onde está dispostos a ir para atingir o ápice da sua evolução física, mental e espiritual? Até onde sabemos para onde estamos indo? Que preço estamos dispostos a pagar pela vida ou pela ilusão, como os anti cósmicos colocam, que levamos? Estas são algumas questões desafiadoras feitas pela corrente 218, e eles oferecem a versão deles de respostas para elas.

Crenças à parte, é inegável que se este foi um sacrifício, ele teve resultados. Com o lançamento do Reinkaose e o suicídio ritual do líder da banda, a Corrente 218 explodiu como contra-cultura e desde então podemos falar realmente sobre a existência de uma corrente cao-gnostica-satânica.

Conforme a filosofia e prática evoluiu (novamente temos aqui o Satanismo como algo eternamente em construção, um organismo que está se desenvolvendo e crescendo) a Ordem Misantrópica Luciferiana passou a se chamar Temple of the Black Light e de certa forma abriu a corrente 218 para o resto do mundo.

Com a mudança de nome o grupo deixou de ser tão fechado e, embora ainda bastante seletivo na entrada de membros, passou a abrir suas práticas e  encorajar as pessoas e outros grupos a conhecerem a praticarem seu sistema. Graças a esta abertura, a corrente 218 tornou-se, de certa forma, maior que o próprio grupo e ainda mais mutante e difícil de ser definida. Recentemente observa-se uma tendência a abraçar influências latino-americanas como a Quimbanda e o culto de San La Muerte.

Na declaração da ordem, podiamos ler que as principais influências da OML eram o Setianismo Draconiano, O Caos-Gnosticismo Sumeriano e a (Anti) Kabbala Kliffotica. Em termos práticos percebe-se que as influências mais fortes nesta corrente são as de Kenneth Grant e Andrew Chumbley e entre os adeptos nota-se até mesmo uma rejeição ao Satanismo LaVeyano tido como superficial. A Corrente Anti-Cósmica entende que o Satanismo ateísta, que defende apenas uma inofensiva adoração do ego, é algo que deve ser superado por ser fraco, pacifista e acomodado demais. Sinceramente creio que LaVey, se vivo, certamente também teria suas críticas contra eles, em especial pelo excesso de mistificações e pelo desprezo aos confortos e prazeres do mundo material. Seja como for é muito bom para o movimento que sua própria base seja alvo de críticas, pois isso o refinará ainda mais.

Freud já ensinava que "matar os pais" é algo próprio, se não necessário, do amadurecimento. Isso não quer dizer que você deve metralhar sua mãe ou esfaquear seu pai mas sim que deve tornar-se independente, deve aprender a se virar sozinho, pensar por si próprio e tomar responsabilidade por seus próprios atos. Assim é saudável ir intelectualmente além de LaVey e todo bom satanista faz isso. Mas com isso voltamos a velha questão da "Negligência dos ortodoxos passados." presente nos Nove Pecados Satânicos:

"Esteja alerta que esta é uma das chaves de lavagem cerebral,  aceitar algo como "novo" e "diferente" quando, na realidade, é algo que era outrora amplamente aceito mas agora é apresentado numa nova roupagem. Esperamos delirar com a genialidade do "criador" e nos esquecemos do original. Isto é feito para uma sociedade alienada."

Por um lado isso nos lembra que a própria filosofia da Church of Satan tinha bases muito mais antigas e profundas do que se imagina num primeiro momento, como aquelas citadas no prólogo, e que o Satanismo não surgiu do nada de uma hora para outra. Como mencionei no início deste livro ele evoluiu. Mas uma outra leitura poderia ser feita hoje sobre esse pecado satânico pois dificilmente existiria uma Corrente 218 atualmente se Anton LaVey não tivesse raspado a careca e aberto o caminho algumas décadas atrás. Ou talvez se existisse fossem muito diferente, e acredito, bem menos satânica.

Morbitvs Vividvs

O Templo de Set


Quando LaVey fechou as portas da Church of Satan para o grande público duas coisas aconteceram. Muitas pessoas que estavam de fora não puderam entrar, e algumas pessoas que estavam do lado de dentro quiseram sair.

Alguns membros que tinham uma visão menos materialista do Satanismo, ou que desejavam dar uma ênfase maior ao seu lado ritualístico e metafísico se viram de repente sem um "papa". E um grande público que desejava conhecer Satã não possuíam mais um contato direto com o inferno. Esta fome, por um lado, unida à vontade de comer, do outro, deu origem a um novo cardápio satânico, muito mais variado e curioso.

Este processo começou logo em 1975, quando os membros

do Grotto de Louisville, Kentucky, reagiram à elitização da Church of Satan com a formação de uma nova organização, chamada Temple of Set (Templo de Set). Essa rebelião foi liderada por Michael Aquino, editor do periódico Cloven Roof, responsável pelo desenvolvimento de muito material - tanto filosófico quanto mágico da Church - e tenente-coronel do Exército dos Estados Unidos. Aquino e LavEy eram amigos pessoais e trocaram cartas por muitos anos que poderiam ser facilmente reunidas e publicadas como um excelente livro sobre satanismo.

Aquino liderava um grotto chamado Temple of Set e assim o novo grupo teria para sempre seu passado vinculado a Church of Satan, realmente todos os membros iniciais eram da organização fundada por LaVey, mas a partir de então declarou sua independência quanto ao seu futuro e recebeu reconhecimento estadual e federal, bem como isenção de impostos naquele mesmo ano.

Livre das amarras ideológicas LaVeyanas, o Templo de Set foi o primeiro grupo satânico que começou a desenvolver suas próprias ideias de como o Satanismo deveria ser, com a coragem de inclusive criticar alguns aspectos do trabalho prévio de LaVey. Um passo importante para o desenvolvimento da religião satânica já que foi o primeiro conjunto de críticas que o Satanismo recebia vindo não de cristãos ou de religiosos escandalizados com a religião de LaVey, mas de outros satanistas que desejavam mostrar que sua crença era muito mais ampla e profunda do que se supunha. O episódio resultou em alguns avanços e alguns atrasos na filosofia satânica, mas o importante aqui é entender que no Satanismo não existe nenhuma autoridade final.

Mesmo LaVey, seu criador, é questionado e suas obras básicas revistas o tempo todo por aqueles que o seguem. Como uma forma de organizar livres pensadores, esta segunda fase do Satanismo, que aparentemente foi fruto de desentendimentos, fez hoje da religião diabólica uma das filosofias mais diversificadas, dada à existência de infinitos pontos de vistas em sua própria estrutura e a tendência natural de seus membros de questionarem tudo que se assemelhe a um novo dogma. Opiniões diferentes tanto no campo da política, quanto da arte e da filosofia, convivem lado a lado, unidas pelo ideal da individualidade física, mental e filosófica.

O Templo de Set refletiu muito bem esta independência quando comparado com a Church of Satan. Talvez aquele que tenha sido o avanço mais ousado do Templo de Set, foi a afirmação de que Satã não era apenas um símbolo ou um arquétipo, mas uma entidade real e a incorporação da evolução espiritual juntamente com a física - mas sem nunca dar mais peso ao imaterial do que ao material. Esse posicionamento já podia ser vinslumbrado alguns anos antes quando Aquino, na época sacerdote da organização de LaVey., escreveu o Diabolicon. A verdade é que a compreensão do que é Satã varia até mesmo de satanista para satanista. No fundo não importa muito se é uma figura representativa ou uma força cósmica que impulsiona a evolução humana, os seus resultados prático na vida do satanista são os mesmos e é isso que importa.

As bases filosoficas e práticas do Templo podem ser lidas no 'The Crystal Tablet of Set' material fornecido logo no primeiro grau do Templo. A primeira coisa que se percebe é que o Templo de Set definitivamente supera qualquer necessidade de blasfêmia que existia, ainda que residualmente na Church of Satã. Enquanto a organização de LaVey ainda se apoiava em símbolos judaico/cristãos, Aquino se divorciou de qualquer vínculo com a crença, trabalhando com um arquétipo sombrio muito mais primordial, portanto muito anterior à Igreja Cristã, adotando como símbolo máximo a figura do deus egípcio. Assim, o Satã de Aquino não era exatamente o mesmo de LaVey, ele seria a figura que se transformou, com o desenvolvimento do cristianismo, na figura chifruda temida pela igreja. Ao invés de questionar a iconoclastia da igreja, Aquino passou a desenvolver o esoterismo egípcio. Uma forma ao meu ver, de passar de um desenvolvimento baseado no aspecto agressor de Satã para o aspecto de iniciador do mesmo, ele não buscava desconstruir mais nada e sim começar a criar coisas novas.

O coração de "individualismo esclarecido" contudo ainda está lá, e existe uma sincera e organizada forma de promoção e melhoria de si mesmo. Este processo, necessariamente diferente e distinto para cada indivíduo foi chamado dentro do Templo de "Xeper", no sentido de "vir a ser" ou "tonrar-se" ou mais precisamente "Eu venho a ser."

Esta preocupação com a melhoria pessoal - tanto mental quanto espiritual - deixou seu legado para as organizações posteriores. Enquanto o grupo de Anton LaVey seguia apenas uma hierarquização eclesiástica simplificada o grupo de Aquino adotou uma organização iniciática, inspirada nos modelos deixados por grupos ocultistas dos séculos anteriores. A grande importância desta mudança é que, desde então, as organizações satânicas começaram a dar mais ênfase à evolução pessoal do que a um reconhecimento coletivo. Desta forma todo um esquema de iniciação foi criado com a seguinte ordem:

Setiano ( Primeiro Grau)

Adepto ( Segundo Grau)

Sacerdote / Sacerdotiza ( Terceiro Grau)

Magister / Magistra Templi ( Quarto Grau)

Magus / Maga ( Quinto Grau)

Ipsissimus / Ipsissima ( Sexto Grau)

Existia agora um caminho a percorrer. Não bastava ser de família rica ou pagar 100 dólares para ser um sacerdote, como se tornou a realidade decadente da Church of Satan. Muito pelo contrário, suas políticas de adesão eram muito mais rigorosas, ainda hoje menos da metade de todos os candidatos são aceitos e é necessário um período de reconhecimento de dois anos. Em 2007 o grupo contava com apenas cerca de 200 membros que se reúnem em encontros anuais, quase sempre nos Estados Unidos. O sacerdócio da organização criada por Aquino era, e ainda é, restrito a membros de Terceiro Grau e  entre eles é formado um Conselho dos Nove aos moldes da Church of Satan. A liderança de todo o templo é escolhida periodicamente dentro deste Conselho que além de Michael Aquino já pertenceu a outras figuras importantes como Don Webb e Zeena Schreck (ex Zeena LaVey) e mais recentemente Patricia Hardy.

Mas talvez o resultado mais poderoso do templo criado por Aquino foi mostrar a outros satanistas que o Satanismo não só poderia existir sem a figura de LaVey e da Church of Satan como poderia se desenvolver em algo poderoso, saindo da sombra da organização mãe e se tornar uma crença ainda mais poderosa e autônoma. Assim, uma miríade de outros grupos independentes nasceriam. No fim, aquilo que no começo atrapalhou os planos de uma Igreja Satânica forte e centralizada contribuiu com a diversividade e mutabilidade do Satanismo posterior. Algo que, mesmo que não tenha percebido, foi advogado por LaVey desde o início: não queremos um grupo forte d eindivíduos fracos, desejamos um exército poderoso de indivíduos fortes. Assim cada novo grupo satânico se punha à prova, sendo aniquilado ou sobrevivendo e se tornando um poderoso representante de diferentes perspectivas do Satanismo.

Morbitvs Vividvs

A Bíblia Satânica


Uma vez que a Church of Satan começou a ganhar atenção de imprensa internacional, os repórteres locais começaram a ficar preocupados. A Imprensa local de São Francisco gostava de tratar Anton como uma excentricidade maluca – caçador de fantasmas, feiticeiro, dono de animais de estimação raros como leões e leopardos, mas ele já não era mais tão engraçado quando começou a tornar-se famoso como um internacionalmente conhecido Satanista. As pessoas estavam começando a levar o satanismo a sério demais, longe demais e isso era preocupante para quem não estava preparado.

Os eventos estavam cada vez mais cheios de gente, ele tinha um espaço fixo na imprenso local com uma coluna no "Insider" e cartas de todos os continentes lotavam sua caixa postal. A primeira missa Negra registrada, antecedendo algumas décadas o movimento do Black Metal foi gravada na Church of Satan em 1968 antes mesmo da Bíblia Satânica ser editada. Dentre a enxurrada de aparecimentos de LaVey no rádio e na televisão entre os anos de 67 e 74 uma performance particularmente memorável foi a de um elaborado ritual gravado para o sétimo aniversário de Johnny Carson’s 7th show, de forma a atrair sucesso para o ano seguinte.

Em 1969 o número de membros já tinha crescido para 10 mil membros no mundo todo e LaVey decidiu que estava na hora de deixar muito claro o que era e o que não era satanismo. Foi por esta razão que ele decidiu publicar o seu maior, mais diabólico, e mais blasfemo trabalho até então, algo que servisse para unir esta nação que se formava: surgia a "The Satanic Bible" (A Bíblia Satânica).

Este livro tornou-se no pilar da Church of Satan e para todos os grupos de satanismo moderno posteriores. Sua principal intenção era a de servir como um guia prático para qualquer pessoa que decidisse viver o satanismo, mesmo que isoladamente das instituições formais que haviam sido criadas. Conforme disse Blanch Barton em sua “Carta à Juventude Satânica”:

“Tudo o que você precisa fazer para se tornar um satanista de verdade e começar a viver como um. LaVey escreveu sua Bíblia Satânica de forma que as pessoas possam ler e aplicar em suas próprias vidas. Muitas pessoas que escolhem se tornarem membros fazem disso um ato simbólico para eles mesmos, para alinharem-se e apresentarem-se formalmente com o seu novo estilo de pensamento. Um ato para formalmente aceitarem e mostrarem que podem suportar esta filosofia e caminho de vida. Esta é uma opção totalmente pessoal – nós não solicitamos membros. Mas alguns membros quando entram geralmente querem mostrar que estão certos em suas escolhas, e que sabem o suficiente sobre satanismo moderno. Saiba porem que para se tornar um satanista efetivo e verdadeiro basta praticar e defender os conceitos satânicos em sua vida. “

Neste sentido não há livro melhor para a compreensão destes conceitos do que esta obra seminal de LaVey. Ela foi produzida por um custo mínimo de modo que o preço final de apenas cinco dólares fosse acessível para qualquer pessoa. Tornou-se instantaneamente um sucesso de vendas, especialmente nos campus universitários da Califórnia onde no seu auge chegou a ser mais vendida do que a Bíblia cristã numa proporção de 10 para 1. Adornado com um pentagrama na capa o livro abre com as nove declarações satânicas nas quais LaVey buscava condensar o pensamento e o modo de vida satânico. Sobre estas declarações havia o antigo símbolo usado pelos altos de fé da inquisição como bandeira nas portas das cidades e da mesma forma que alertava os forasteiros, o símbolo alertava agora os leitores: Aqui há bruxas.

O livro em si foi dividido em quatro partes:

O Livro de Satan, uma declaração versificada do pensamento satânico. De fato, descobriu-se ser um plágio da obra “Might is Right” de Ragnar Redbeard, na qual ele exalta um darwinismo social da lei do mais forte.

O Livro de Lúcifer, uma série de ensaios filosóficos onde foi apresentado o pensamento de LaVey sobre diversos assuntos práticos. Envolvia temas como ateísmo, materialismo, jogos sociais, indulgência e liberdade sexual.

O Livro de Belial, a base teórica daquilo que Anton chamou de magia materialista.

O Livro de Leviatan, que abria para o público geral todas as invocações e recitações usadas pela Church of Satan em suas cerimônias satânicas.

A Bíblia Satânica foi por muitos anos a única publicação oficial da Church of Satan até o aparecimento de seu complemento ritualístico “The Satanic Rituals” editado em 1972. Seguiu-se também a publicação do "The Compleat Witch" em 1970, livro que algumas pessoas dizem ter sido originalmente escrito por Zeena LaVey e que mais tarde foi revisto e re-editado sob o nome "The Satanic Witch", E por fim sua os obras tardias “The Devil’s Notebook” de 1992 e "Satan Speaks" de 1997 publicado poucos dias após seu falecimento.

A Bíblia Satânica chamou ainda mais atenção do público e artigos eram publicados no mundo todo. Jornais de toda parte enviavam seus repórteres para descobrir o que havia de tão especial naquele feiticeiro moderno de São Francisco. Lavey e a Church of Satan saíram dos tablóides para ganhar as capas de revistas famosas como Cosmopolitan, Time e Seventeen aparecendo inclusive como destaque de um ensaio fotográfico da Look. Um dos primeiros artigos escritos sobre o Alto Sacerdote de Satan foi um escrito por Shana Alexander em sua coluna “The Feminine Eye” em fevereiro de 1967, na revista Life. As fotos de Wax tiradas de LaVey foram exibidas em diversos museus ao redor do globo, inclusive no mundialmente conhecido museu de cera de Madame Tussaud.

A revista Newsweek dedicou dois artigos de capa sobre LaVey. O primeiro em agosto de 1971 entitulado: “Evil, Anyone?,” levantava a questão dos “Crimes Satânicos” dos quais Anton havia sido acusado desde o inicio. A resposta do Papa Negro foi a de que o satanismo se desenvolve em dois círculos diferentes, um grupo elitista, que era o objetivo da Church of Satan e um grupo de pessoas que se tornam satanistas para fazerem aquilo que não tem coragem de fazer por si mesmos.

Graças aos altares de mulheres nuas não foram poucas as revistas masculinas querendo falar sobre a Church of Satan como uma desculpa perfeita para expor as fotos interessantes aos seus leitores. A vasta maioria das matérias limitavam-se a descrever os antigos mitos do diabo e das orgias satânicas com exceção de algumas matérias escritas por Burton Wolfe, que eventualmente escreveu a primeira biografia de LaVey em 1974. Wolfe juntou-se a Church of Satan em 1968 quando segundo ele: “LaVeu ainda estava em seu período de brincadeiras. Os rituais e festas na Black House eram cobertos de diversão e humor, e eu certamente me diverti participando do grande espetáculo do diretor daquele grande hospício de Loucura e Lógica.” Wolfe continuou escrevendo e estando profundamente interessado em LaVey até o início da década de 80 quando largou a Church of Satan por estar se sentido envolvido naquilo que chamou de “corrompida e vingativa organização cripto-facista”

Contrastando com a intensa curiosidade da mídia em relação a Church of Satan na década de 60, LaVey assistiu nos anos 70 um gradual medo da imprensa em relação a assuntos politicamente incorretos e um eventual cessar da postura de mente aberta que se seguiria até os anos 80. Em 1984, LaVey cometou que era natural esta postura agora que estava claro que o satanismo não era uma simples brincadeira ou revolta infantil. Disse ele:

“Se o verdadeiro satanismo fosse colocado na televisão da mesma forma que o Cristianismo é agora, e com a mesma paciência por parte dos repórteres com que as figuras esportivas são encaradas a cristandade poderia ser eliminada em poucos meses. Seria muito perigosos se fosse permitido as pessoas ver a completa e imparcial verdade, mesmo que por somente 60 minutos. Não haveria qualquer comparação.”

O Bebê de Rosemary

Enquanto incomodava mais e mais o grande público, a influência de Anton LaVey na cultura popular chegava ao seu ápice. O envolvimento com Marylin Moroe e Jayne Mansfield não foram os únicos casos de ligação dele com Hollywood. De Sammy Davis Jr. à Marilyn Manson, ao longo dos anos houve um bom número de satanistas declarados ligados ao showbiz, contudo em nenhum momento esta relação foi tão forte quanto em 1968 no filme de Roman Polanski, o bebê de Rosemary, que marcou para sempre esta fase de ouro da Church of Satan.

LaVey, além de ter interpretado a rápida aparição do Diabo no filme, serviu como consultor para diversos aspectos da produção como especialista em cultos satânicos. O filme foi, no final das contas um registro fidedigno e ao mesmo tempo metafórico do nascimento da Church of Satan e do satanismo como um todo. LaVey chegou a dizer que o Bebê de Rosemary foi para a Church of Satan, o que “O Nascimento de uma Nação” foi para a Ku Klux Klan.

Na estréia do filme em algumas salas de São Francisco cartazes de filiação da Church of Satan repartiam o corredor com os cartazes publicitários do filme. Tirando vantagem de sua visibilidade como Alto Sacerdote, LaVey mandou distribuir pequenos bottons negros nos quais estavam escritos “Pray for Anton LaVey,” em proposital similaridade aos itens promocionais do filme onde se lia. “Pray for Rosemary’s Baby”.

Em outras palavras, um satanista que não assistiu esse filme é como um nazista que nunca assistiu o 'Triunfo da Vontade'. O Bebê de Rosemary trata da história de um casal em que o marido para auferir fama como ator, firma um pacto com o diabo através da seita dos vizinhos bruxos, de forma a permitir a vinda do filho de Satã através de sua mulher. Tanto no filme, quando no livro que lhe deu origem (escrito por Ira Levin), o Ano Um, que marca o nascimento do filho de Satã é 1966 que é justamente o ano de criação da Church of Satan.

LaVey sempre relembrou a reação do público no final do filme na qual ficou claro que os Satanistas não tinham qualquer intenção de ferir, molestar ou machucar a criança, como todos esperavam, mas somente glorificá-la como filho de Satã. Algumas pessoas ficaram realmente enfurecidas, vaiando a película em desaprovação geral quando o enredo chegava ao fim. Disse LaVey:

“Algumas vezes a realidade do satanismo é mais aterrorizante para as pessoas do que suas fantasias a respeito do que ele deveria ser. Pela primeira vez, eles estão sendo confrontados por um Diabo que responde as suas acusações.”

Lamentavelmente, Polanski perdeu sua esposa grávida de oito meses, Sharon Tate (a atriz principal do filme) e mais quatro outros amigos na mão de Charles Mason e sua “família” que inspirados pela música “Helter Skelter” dos Beatles invadiram sua casa e assassinaram a todos, menos de um ano após o lançamento em 9 de agosto de 1969.  E as coincidências não param por ai O Bebê de Rosemary foi filmado no The Dakota Building, prédio no qual John Lenon futuramente viveria (e seria assassinado!).

Além de “O bebê de Rosemary, houveram outros dois filmes de menor circulação sobre LaVey e a Church of Satan ou feitos com a ajuda deles. Um extensivo documentário sobre a organização intitulado Satanis, a Missa Negra, rodou pelos Estados Unidos no início dos anos 70, e era freqüentemente vendido com ingresso duplo para a seção de Invocation of My Demon Brother de Kenneth Anger, na qual LaVey também aparece.

Os trailers do filme mostravam um sinistro semblante de LaVey, rituais sexualmente sugestivos e promessas de cenas de sangue. O crítico William Castle chegou a escrever sobre o filme que “Satanis é o mais pertinente e talvez o mais chocante filme de nosso tempo. Mas definitivamente não é um filme para qualquer um. Se você escolher não assisti-lo, nós vamos entendê-lo.”

Hoje em dia Satanis tornou-se um clássico do cinema underground e suas cenas são freqüentemente parte de documentários sobre bruxaria e satanismo até os dias de hoje. Ele foi um bom tempo o único registro dos rituais da igreja disponível para os produtores de TV. Somente em anos recentes seu conteúdo foi complementado pelo documentário 'Speak of the Devil: the Cânon of Anton LaVey', dirigido por Nick Bougas. Foram feitos ainda alguns outros documentários internacionais como o produzido na Alemanha por Florian Fuertwangler e o francês dirigido por Victor Viças. De distribuição restrita estes mal saíram de seus países e sequer chegaram ao público americano.

Satanismo Anos 70

Os anos 60 haviam terminado e algo com certeza deu errado. Aquele que parecia ser o mais forte movimento jovem e popular, que pregava paz e amor simplesmente desapareceu. Enquanto os hippies choravam e esperneavam com fim do sonho da era de aquário tal como entendiam, novas mudanças pareciam tornar o mundo mais sombrio. A maior potência do mundo percebia que sua guerra contra um bando de ninguém num fim de mundo oriental estava chegando a um fim humilhante. Aquela nova era brilhante que as crianças das flores pregavam era substituída por uma guerra fria com a União Soviética. E toda a esperança por um futuro melhor era substituído pela noção clara e fatídica de que alguns países possuíam o oder para aniquilar totalmente o planeta e tudo o que vivesse em sua superfície se assim desejassem.
Não é surpresa alguma que fosse esta nova década aquela em que o Satanismo deixou de ser mera curiosidade e ofensa para se tornar uma das religiões mais populares de todas. Afinal, com as sombras se avultando sobre o futuro, ninguém mais queria esperanças vazias, parecia que o mundo começava a dar valor ao aqui e agora.

Com 'O Bebê de Rosemary' o Diabo chegava triunfante aos cinemas e logo filmes como 'O Exorcista' e 'A Profecia.' também cativariam o público. As rádios populares falavam sobre o Inferno e demônios, primeiro com "Black Sabbath" e depois com "AC/DC"

Satã estava sob os holofotes com o crescimento da Church of Satan.

Nesta altura já haviam sido estabelecidos diversos grottos (organizações locais de satanistas) por todo o mundo, ligados à instituição e LaVey tentou fazer visitas papais a todas eles, conforme podia, sempre seguido de muita pompa e cerimônia. LaVey começou a admitir que sua situação estava se tornando um tanto quanto incomoda para ele:

“Tornou-se motivo de embaraço depois de um tempo. Mal eu colocava os pés para fora do avião e já havia aquela multidão de desconhecidos vestidos com capuzes pretos e medalhões com o símbolo de baphomet. Eu estava tentando apresentar uma nova cultura e uma imagem sóbria, mas a idéia deles de protesto era chocar as pessoas usando suas roupas na lanchonete mais próxima.”

LaVey tinha o costume de imprimir publicamente seu telefone e endereço pessoais nas peças publicitárias da Church of Satan e dava livre acesso aos repórteres e às coordenadas de como entrar em contato com ele. Na verdade uma das táticas preferidas de LaVey era imprimir notas de dólar com a propaganda da Igreja no verso, para então soltar na rua para o povo achar que era grana, seguir seus interesses pessoais e pegar o material da única Igreja que não os condenaria por isso.

Agora, pregar o bom-senso não significa atrair pessoas de bom-senso para ouvir o que você está dizendo. E logo as pessoas que não desejavam pensar por si próprias, mas apenas seguir algo começaram a se avolumar. LaVey buscava dragões e como efeito colateral conseguiu atrair enxames de mariposas que apenas se sentiam atraíadas pelas chamas - começavam a surgir os primeiros fanáticos satânicos.

Devido ao fanatismo cego e principalmente às constantes ameaças e agressões que recebia de terceiros, começaram a ocorrer alguns problemas de segurança para LaVey e sua família; Anton achou que devia cortar com as relações públicas e por volta de 1970 todas as palestras e rituais públicos conduzidos por ele deixaram de existir. Foi a época em que Anton tentou se proteger da armadilha que sua própria popularidade havia criado.

“Eu só queria que a Church of Satan fosse honesta, aberta e livre. Eu tinha um sonho de trabalhar em casa como muitos de meus amigos, artistas e escritores faziam. Eu era movido pelo prazer de sair da cama e ter o trabalho esperando por mim, sem ter que pegar o carro e dirigir até algum escritório. Eu ainda acho isso algo bastante razoável de se desejar, mas na época eu não entendi o quão traiçoeiras as pessoas podem ser.”

Algo irônico, vindo de alguém que sempre advogou a bestialidade humana.

Em 1972, todas as cerimônias semanais realizadas na Black House cessaram também. A organização e realização de atividades satânicas passaram a ser responsabilidade dos Grottos, enquanto que o Grotto Central (como a Black House passou a ser chamada) passou apenas a supervisionar, aprovar e guiar os membros ativos da Church of Satan.

Nos anos seguintes, LaVey concentrou suas energias em seus próprios projeto, ao invés de se preocupar com a publicidade da sua Igreja ou em ministrar seu sempre crescente numero de acólitos. Conforme disse na época, era hora de “parar de agir satanicamente e começar a praticar o Satanismo”. A Church of Satan já havia causado o impacto desejado no mundo, e LaVey queria encorajar os satanistas a seguirem novas direções, suas próprias direções. O período das atividades da Black House foi relativamente curto mas durou o bastante para causar um dano irreparável nas religiões estabelecidas e na imagem que sempre havia sido feita de como o Satanismo deveria ser.

“Depois do grito inicial, não há mais necessidade de nos dedicarmos a rituais públicos e missas católicas invertidas. A Cristandade está se tornando mais fraca a cada dia e ultrajá-la hoje é como chutar um cachorro morto. O mundo está repleto de outras vacas sagradas para serem atacadas e é isso o que mantêm o Satanismo vivo.”

Em 1975 houve uma grande reorganização na Church of Satan e aqueles poucos que eram contraprodutivos para os planos de LaVey, e que estavam mais interessados naquilo que Anton chamou de “Satanismo Fase Um” (i.e rituais grupais de blasfêmia e uma estrutura rigidamente limitada), foram proscritos. Esta atitude intensamente elitista foi necessária depois que Anton viu sua criação degenerar em um “Fã-Clube do Diabo” onde os mais fracos e menos inovadores membros roubavam o tempo e atenção que por direito deveriam ser dos membros mais produtivos e verdadeiramente mais satânicos.

LaVey sentiu que se não colocasse ordem na casa, a Church of Satan logo se tornaria um simples Clube do Mickey com um par de chifres usados no lugar das orelhas redondas. Sua intenção era agora tornar seu grupo em uma organização realmente interessada em desenvolver uma nova forma de viver e de pensar e assim deu início a uma vasta “limpeza” em sua casa, expulsando todos aqueles que sentia estarem obscurecendo o verdadeiro destino da Igreja de Satã. O sistema de grottos persistia, mas já não era mais diretamente dirigido pelo Grotto Central. Esta elitização foi certamente à coisa mais acertada que LaVey poderia fazer.

Infelizmente um de seus maiores acertos no rumo do Satanismo foi então seguido, na minha opinião, pelo maior de seus erros...

Para medir quem era ou não a elite LaVey usou o parâmetro do sucesso material, de modo que logo a Church of Satan tornou-se uma excentricidade para pessoas ricas, muitas das quais só tiveram sucesso graças à heranças, desempenho e esforços de seus pais - estes sim, os verdadeiramente satânicos. Ao mesmo tempo em que LaVey tornou-se mais seletivo, tornou-se mais inacessível e parou de dar entrevistas a imprensa.

Anton praticamente só contatava seus grottos através da revista: "The Cloven Hoof" que era o informativo oficial da Church of Satan. Quando a "Cloven Hoof" deixou de ser publicada em 1988, outras publicações satânicas, com destaque para "The Black Flame" (A Chama Negra), e “Not like Most” aproveitaram o legado que a "Cloven Hoof" deixou. As portas da Black House também não estavam mais escancaradas para qualquer um que quisesse participar de uma palestra e graças a esta interrupção abrupta das atividades começaram a aparecer boatos sobre o fim da Church of Satan e mesmo sobre a saúde de Anton LaVey.

Morbitvs Vividvs

A Igreja de Satã


Toda a criação e ascensão do Satanismo foram criadas e planejada para serem teatrais e, por quê não, holywoodiano. O que poderiamos esperar de uma religião que nasceu na Califórnia? LaVey conhecia o poder que um mito bem estabelecido possui, por isso arquitetou toda a sua obra de forma espetacular.

É por isso que a Church of Satan não foi fundada em um dia qualquer, mas em uma noite conhecida por ser uma das grandes celebrações tenebrosas do ano, a noite tradicionalmente conhecida como a noite em que as bruxas e demônios caminhavam pela terra. Em 30 de abril de 1966 celebrou-se o dia de Walpurgisnacht como nunca antes. Entre os satanistas até hoje ao lado do Halloween e abaixo do próprio aniversário esta é uma das dadas festivas mais importantes.

Para simbolizar esta nova transformação e estabelecer as fundações da ordem satânica recém criada, LaVey raspou o cabelo como uma parte formalizada do ritual de fundação da Church of Satan, seguindo o modelo dos carrascos medievais e dos magos negros antes dele. Em um primeiro momento pode parecer que a cabeça calva seja a antítese da figura dos profetas e dos messias das religiões anteriores, quase sempre retratados como sendo cabeludos, mas trata-se de um simbolismo muito mais profundo. Raspar todo o cabelo foi uma representação e uma alusão ao poema 'Kubla Khan' de Samuel Taylor Coleridge na qual o autor homenageia o líder mongol Kublai Khan e seu palácio de verão, Xanadu:


KUBLA KHAN

Samuel Taylor Coleridge

Tradução de Victor Lacombe

Em Xanadu erigiu Kubla Khan
Um domo de prazer decretado
Onde o rio sagrado Alph corria
Em cavernas que o homem não mediria
Em um mar pelo sol não explorado.
O solo fértil se estendia
Com ameias trançadas ao dia
Nos jardins e trilhas sinuosas
Florescia uma árvore de incenso
Em florestas tão misteriosas
Com raras manchas ensolaradas.
Mas ah! O profundo abismo romântico
Na colina, coberta de madeira cortante
Lugar selvagem! Santo, como um cântico 
Pois, a lua em prantos é amaldiçoada
Por uma dama e seu demoníaco amante
E do abismo, inquieto e fervente
Como se a terra respirasse inocente
Uma fonte surgiu, no momento forçada
E vindo de seu jato interrompido
Fragmentos caíram como granizo
Ou grãos que somem sem aviso
E dentre as rochas em sua dança
Correu acima o rio sem temperança
Seguindo seu caminho sinuosamente
E dentre a madeira o rio corria
Até as cavernas que o homem não mediria
E afundou em tumulto num mar sem vida
E nesse tumulto, Kubla ouviu da terra
Vozes ancestrais profetizando guerra!
A sombra do prazeroso domo, ela
Flutuava por dentre as ondas
Onde foi ouvida com cautela
Da fonte e das cavernas sem sondas
Era um milagre, com todo o direito de Sê-lo
O domo de prazer, ensolarado e feito de gelo!
Uma donzela e um saltério
Eu tive essa visão um dia
Era uma abissínia escrava
E com seu saltério, ela tocava
Cantando do monte Abora
Ah! Se pudesse tê-la dentro de mim
Sua música e sinfonia
Um êxtase tão profundo viria a mim
Que com sua música e sua harmonia
No ar, o domo talvez eu construa
Prazeroso domo! Ensolarado e de gelo
E todos que ouviram os veriam então
E todos gritariam Atenção! Atenção!
Seus olhos brilham, seu cabelo flutua
Teça um círculo a sua volta com riso
E feche seus olhos com medo e castidade
Pois ele se alimentou do mel da eternidade
E bebeu o leite do Paraíso.


O poema foi de fato declamado na ocasião. Ele fala de prazeres carnais, crueza e mistérios, todos elementos que formariam o coração do Satanismo. Era visto por Lavey como um encantamento e uma rejeição formal da Trindade Sagrada, e uma declaração poética sobre substituição de uma vida espiritual por uma devotada aos interesses materiais. Raspar a cabeça foi também uma referência à cerimônia tradicional dos Yezidi, vistos como adoradores do Diabo. Como um ritual de passagem que todo adepto deve passar. A navalha usada neste ritual é tradicionalmente lavada nas águas de ZamZam, as quais o submundo islâmico diz ser o ponto de entrada para as Sete Torres de Satã. As cavernas entre as torres supostamente levam por sua vez até o local onde está o Mestre Satânico conhecido como Shamballah, ou Carcosa. Contudo estas passagens foram trancadas quando ele deixou o mundo e os descendentes de Adão para trás.

Vemos assim que a inauguração da Church of Satan foi muito bem planejada para ser um evento significativo. Para completar o ritual, LaVey declarou 1966 o Ano Um. Anno Satanas — o primeiro ano do reino de Satã.

Nove membros da Ordem do Trapezóide foram então escolhidos para formar 'O Conselho dos Nove'. Esta escolha de um grupo misterioso de nove pessoas remete à tradição dos Nove que remonta a obras de Shakespeare, John Dryden, Talbot Mundy e Richard Johnson. A arquetípica formação de nove membros que sugere, acima de tudo, conspiração e poder e está, inclusive, refletida na Suprema Corte dos Estados Unidos. A Nova Era do Fogo havia sido inaugurada, e apesar de cerimônia de Walpurgisnacht de 1966 ter sido altamente pessoal e privada LaVey logo sentiria os tremores na terra e as consequências daquilo que havia trazido ao mundo.

“Nós misturamos uma fórmula de nove partes de respeitabilidade social com uma parte de ultraje” disse Anton LaVey. "Nós fundamos a Igreja de Satã – algo que destruirá todos os conceitos do que uma 'Igreja' deve ser. Aquele era um templo de indulgência que abertamente desafiava os templos de abstinência que haviam sido construídos até então. Nós não queríamos que fosse um lugar deplorável onde ninguém é bem recebido, mas um lugar onde você poderia ir para se divertir".

Foi este o principio das duas grandes revoluções iniciadas pelo Satanismo. A primeira foi a integração da magia com o pragmatismo, livre do misticismo inútil e metáforas infinitas que não falam sobre nada que realmente valha a pena. A segunda é o estabelecimento de uma religião abertamente satânica, baseada na auto-indulgência, carnalidade (aqui e agora no lugar de ali e depois) e no prazer em lugar da auto negação. Estes dois aspectos não estavam satisfatoriamente combinados e esta harmonização só aconteceria com o decorrer do tempo, mas com a cerimonia de 1966 LaVey colocou do avesso tudo o que se imaginava que religião e ocultismo deveriam ser e deste avesso trouxe ao mundo o Satanismo.

Após o primeiro ano de sua criação a Church of Satan foi o centro das atenções de três acontecimentos que se tornaram a sensação nas manchetes ao redor do mundo: o casamento, o batismo e o funeral satânico. Isso aconteceu em uma fase de transformação do Satanismo, na qual LaVey percebeu a importância da cobertura da mídia e sabia que mesmo a má-fama podia ser usada a seu favor.

É preciso afirmar novamente que o Satanismo não foi uma doutrina revelada, portanto é natural que tenha evoluído aos poucos. Num primeiro momento os rituais da Church of Satan ainda não estavam organizados da forma como estão hoje, e eram de fato largamente celebrados para serem blasfêmias catárticas. Muitos dos elementos usados eram consistentes com os relatos de adoração ao demônio medievais descritos por Joris-Karl Huysman’s La Bas. Uma mulher nua no altar sempre foi usada, a música de fundo eram verdadeiras paródias dos tradicionais hinos eclesiásticos, a cruz era posta de cabeça para baixo, o nome de deus era recitado de trás para frente, hóstias negras eram consagradas ao serem inseridas na vagina sobre o altar, whiskey era usado no lugar do vinho, água benta era substituída por leite ou fluído seminal e os nomes das deidades infernais eram invocados em substituição ao deus cristão. Em outras palavras, era mais do que a maioria dos cristãos pod a suportar. Alguns, dominados pela curiosidade, eram atraídos pelo espectáculo para logo em seguida correrem de volta para casa e abraçarem suas cruzes para se sentirem novamente protegidos dos demônios que haviam chamado.

Logo chegou o momento em que Lavey se cansou de simplesmente parodiar a cristandade e decidiu elevar seus rituais de uma blasfêmia passiva para algo satanicamente ativo. “Eu percebi que existe uma grande área cinza entre a psiquiatria e a religião, uma área que tem sido deixada amplamente vazia”, disse LaVey. Ele viu o potencial que seus rituais mágicos poderiam ter se feitos coletivamente, em uma poderosa combinação de psicodrama e direcionamento psíquico. No lugar de simplesmente desperdiçar sua força bioelétrica com cerimônias blasfêmias, a energia poderia ser estruturada, moldada e direcionada para objetivos específicos. Cansado de truques de salão, LaVey fez com que o seu próprio público aprendesse como usar magia real e aplicada, para seu próprio benefício.

Foi quando, aparentemente como se para comprovar a sinergia de sua Igreja, houve o verdadeiro casamento satânico, no qual o conhecimento de magia prática de Lavey se uniu com a filosofia materialista hedonista que ele havia criado. As cerimônias foram reescritas para, além de terem propósitos mágicos, também reafirmarem as bases da doutrina. Ritual e dogma sempre foram usados como uma forma de cativeiro mental, mas a partir de agora poderiam ser usados como ferramentas de cultivo da liberdade.

O Casamento Satânico

Realizado por parte de dois proeminentes membros da Igreja, em 1º de fevereiro de 1967. John Raymond, um jornalista político radical e Judith Case, socialite, filha de uma família bem conhecida de Nova Iorque. Apesar de este não ser o primeiro casamento satânico a ser celebrado por Anton LaVey, a fama de John e Judith, de virem de uma boa família, despertou interesse suficiente para o casamento ser uma verdadeira bomba na imprensa.

A noticia se espalhou rapidamente e no dia da cerimônia jornais de América e da Europa trouxeram seus repórteres e fotógrafos para a Califórnia. Ao Redor da Black House as testemunhas se acotovelavam para testemunhar esta suprema blasfêmia. Não se via tanta gente amontoada desde a inauguração da Gonden Gate, e a comoção foi tanta que a polícia teve que proteger a área com fitas de isolamento. Joe Rosenthal, fotógrafo conhecido por ter tirado a imortal foto nos marines levantando a bandeira em Iwo Jima, durantes a Segunda Grande Guerra, foi contratado pelo San Francisco Chronicle para registrar o momento. O Los Angeles Times, entre tantos outros jornais proeminentes dedicou quatro colunas da primeira página para a foto do casamento satânico tirada por Rosenthal.

O evento foi tão grandioso que existem filmes registrando a cerimônia disponíveis até os dias de hoje, você pode assistir a um deles clicando aqui.

As matérias davam destaques diferentes para o evento, por vezes destacando a presença de uma mulher nua como altar por vezes apontando a presença de importantes celebridades ou de Togare, o leão Nubiano que, agitado com a festa, rugia sonoramente de algum lugar nos fundos da casa. Foi nessa ocasião que LaVey foi batizado pela mídia de o “Papa Negro” e começou a dar entrevistas. Enquanto muitos artigos foram publicados em revistas masculinas graças ao altar nú, as publicações mais populares seguiram logo o alvoroço. Eventualmente as grandes revistas estavam fazendo matérias de capa sobre o recém avanço do Satanismo.


O Primeiro Batizado Satânico

LaVey decidiu então que o mundo estava pronto para testemunhar o primeiro batizado satânico público. As pessoas seriam forçadas a ver que o Satanismo não tinha nada haver com beber o sangue de recém nascidos ou sacrificar animais e sim com o oposto. Ele declarou:

“Melhor do que limpar a criança de um pecado original, como é o batismo cristão impondo-lhe culpa desde a infância, nós glorificamos seus instintos e intensificamos sua luxúria pela vida".

Quem melhor para ser batizado em uma cerimônia pública do que sua filha de três anos, Zeena LaVey? Com seus cabelos loiros e seu sorriso encantador, ela logo cativou os repórteres como uma angélica criança a ser dedicada ao diabo. Enquanto muitas organizações cristãs e outros “cidadãos preocupados” ficaram ultrajados havia muito pouco que eles pudessem fazer. Alguns anos antes LaVey poderia ser linchado por isso, e alguns anos depois poderia ter sido processado por abuso satânico em alguns lugares dos Estados Unidos, mas em 1967 havia pouco suporte social para defender a histeria religiosa dos cristãos.

O batizado de Zeena foi marcado para Maio. Fotógrafos já estavam de plantão em frente à Black House às seis da manhã - apesar da cerimônia estar marcada para as três da tarde. Um dos membros da Church of Satan, Kurt Saxon, criou um amuleto para Zeena naquela ocasião. Era um Baphomet colorido com um sorvete, um pirulito e outros atrativos infantis ao redor do círculo. Sua mãe a vestiu em um brilhante robe vermelho e a colocou sentada na beira do altar enquanto ela brincava com os repórteres e posava para as fotografias que mais tarde estariam espalhadas pelos jornais, de Roma à Nova Yorque.

Na ocasião LaVey recitou uma impressionante invocação, mas tarde adaptada para o seu livro “The Satanic Rituals”:

“Em nome de Satã, Lucifer... Dêem boas vindas à senhorita Zeena, criatura de poderosa luz mágica. Seja bem vinda à nossa companhia, o caminho das trevas lhes dá as boas vindas. Não tenha medo. Acima de ti Satã pende seu corpo, no estrelado céu noturno, protegendo-a com suas grandes asas negras.

Pequena feiticeira, a mais natural e verdadeira magista, tuas pequenas mãos tem o poder de trazer os céus para baixo e deles construir monumentos à tua própria e doce indulgência. Teus poderes fazem de ti uma verdadeira mestra deste mundo de homens guiados pelo medo, pela culpa e pelo remorso. Assim, em nome de Satã, nós colocamos vossos pés sobre o caminho da mão esquerda.

Zeena, nós a batizamos com a terra e com o ar, com a salmoura e com a flama que queima. E assim dedicamos tua vida ao amor, à paixão, à indulgência, à Satã e ao caminho das trevas. Hail Zeena! Hail Satã!”

Toda a cerimônia foi criada para a criança se sentir bem, dando-lhes boas vindas com visões, aromas e sons que a agradavam. Diferente do método de batismo cristão de jogar água na cabeça de uma criança assustada, Zeena foi agraciada com carinho e diversão durante todo o ritual e estava maravilhada com toda a aquela atenção dispensada por seus admiradores e pela imprensa.

O Funeral Satânico

Em dezembro do mesmo ano, Anton, foi procurado pela Senhora Edward Olsen, que queria que o Alto Sacerdotes da Church of Satan realizasse o funeral de seu marido recém falecido, . O oficial da marinha, morto em um acidente próximo à Treasure Island Station em São Francisco. Apesar de ter sido exposto à orientação batista desde a tenra infância o Sr. Olsen conheceu mais do mundo e do comportamento humano ao entrar para a marinha, cansando-se com uma sexy maruja e abraçou o Satanismo como uma forma mais realista de viver a vida. “Ele acreditava nesta Igreja”, disse a Senhora Olsen, “e é esta Igreja que ele gostaria que realizasse seu funeral.”

Apesar de estarrecidos, os oficiais na marinha não podiam fazer nada senão respeitar o desejo do falecido e da esposa, e concordaram com as determinações da família sem muita discussão, considerando como dever a realização do último pedido do Sr. Olsens. Na cerimônia estavam oficiais da marinha em traje de gala e satanistas vestidos com capuzes negros e medalhões com o sinal de Baphomet, ambos os grupos dispostos com rigidez militar. Os marinheiros estenderam a bandeira americana sobre o caixão negro cromado enquanto LaVey recitava uma ode enfatizando o comprometimento de Edward para com a vida e a liberdade ao escolher seguir o caminho do diabo na terra.

Ao final do funeral a guarda disparou uma salva de tiros com seus rifles em homenagem ao falecido e um músico da marinha começou a tocar uma música final após os celebrantes saudarem: “Hail Satã!” e “Hail Edward!”

Apesar do Arquebispo de São Francisco ficar enfurecido com a situação enviando imediatamente uma carta de reprovação ao presidente Johnson, a maioria dos moradores de São Francisco, incluindo oficiais da marinha, afirmavam que Olsen deveria receber a mesma consideração que qualquer outro oficial. A resposta da Casa Branca foi, bastante benéfica para a viúva e seu jovem filho. Olsen era um reparador de máquinas de terceira classe e foi erroneamente referido pela Casa Branca como “Chefe Sub oficial”. A Sr. Olsen podia usar agora aquela carta para exigir uma promoção póstuma para seu marido e receber benefícios superiores ao que já recebia. LaVey, com seu senso de oportunismo logo creditou intervenção demoníaca à boa fortuna do Sr. Olsen. Devido ao rápido crescimento de militares se declando satanistas, o Satanismo foi logo aceito como uma religião reconhecida pelo Chaplain’s Handbook das forças armadas americanas, que contém uma descrição religiosa atualizada de anos em anos pela Church of Satan.

Maldição Satânica

Além das cerimônias semanais, Anton conduzia Workshops e seminários sobre magia prática, bruxaria e Satanismo, que atraíam personalidades notáveis de toda costa californiana. A sexy symbol Jayne Mansfield, famosa por suas medidas e seu comportamento provocantes insistiu em encontrar-se pessoalmente com o Papa Negro. LaVey e Mansfield se entenderam quase que imediatamente cada um preenchendo as necessidades diabólicas do outro. Jayne tornou-se passionalmente obcecada por Anton, ligando para ele várias vezes por dia, de onde quer que estivesse e eventualmente engajando-se em tirar carteira de motorista em São Francisco, para poder dirigir sem a companhia se seu persistente advogado/namorado, Sam Brody. A fascinação de Jayne Mansfield por LaVey e sua dedicação à filosofia satânica continuou forte até sua morte em Juno de 1967. O acidente de trânsito que a matou destruiu também Sam Brody, a quem LaVey tinha formalmente amaldiçoado como resposta aos ciúmes e tentativas de Brody de causar-lhe descrédito.

LaVey avisou Jayne que ela estava em perigo constante sempre que se encontrasse na companhia de Brody. Infelizmente Jayne não deu ouvidos a Anton, e em 19 de Junho de 1967, enquanto viajava para Nova Orleans com Sam Brody, o carro que conduziam acidentou-se contra um camião tanque, vitimando ambos.

Na noite da morte de Mansfield, LaVey estava na Black House, recolhendo material para a revista alemã Bild-Zeitung. Quando ele virou uma página que havia acabado de recordar de uma revista, ficou chocado ao ver que havia inadvertidamente cordado a foto de Jayne do outro lado da página bem no meio do pescoço. Quinze minutos depois uma repórter da New Orleans Associated Press ligou para Anton para registrar sua reação ao trágico acidente. Jayne havia sido praticamente decapitada pelo para brisas do carro.

Rituais ensandecidos, ritos de fertilidade, rituais de destruição, cerimônias de casamentos, rituais shibboleth, invocações de deuses endemoniados pela história, batismos e funerais, celebrações de Halloween, Walpurgisnacht e psicodramas na forma da Missa Negra foram criados para a participação e entretenimento do público todas as sextas à noite. Este período de rituais não foi somente um tempo de brincadeiras e blasfêmias, mas um desenvolvimento necessário de crescimento e descoberta que ajudou a gerar e concentrar a energia necessária para os experimentos dos próximos anos.

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A Ordem do Trapezóide


Após a inauguração da Black House, Anton LaVey começou a ganhar a reputação de ser o grande Feiticeiro das Artes Negras de São Francisco. Juntamente com as quatro festas que LaVey fazia todos os anos (Ano Novo, Walpurgisnacht, Solstício de Verão, e Halloween) a Black House era também o ponto de encontro para as reuniões sociais informais e jantares entre seus amigos mais íntimos. Este grupo era formado por amigos que fizera no circo, nos prostíbulos e no departamento de polícia, ocultistas, ricos excêntricos e iconoclastas literários. O "Círculo Mágico" (Magic Circle) de LaVey, como ele lhe chamava, rodava em torno de debates abertos e palestras sobre o ocultismo, magia, encantamentos, rituais, feitiçaria, lobisomens, vampiros, zombies, homúnculos, casas assombradas, PES (Percepção Extra Sensorial), teorias sexuais, e métodos de tortura. LaVey se destacava por ter uma visão materialista sobre assuntos espirituais e uma postura não-convencional para assuntos materiais.

Pessoas desconhecidas e amigos de seus amigos começaram a pedir para participar do grupo e algum tempo depois, LaVey abriu estas reuniões ao público, cobrando $2,50 por pessoa que quisesse ouvir suas palestras e tomar parte de seus rituais formais. O Círculo Mágico foi o primeiro passo para uma organização proto-satanista organizada.

Nessa época Anton ainda tocava órgão várias noites por semana de modo a ganhar algum dinheiro extra. Numa noite de domingo, em 1959, enquanto LaVey tocava na Mori's Point, uma jovem, linda, loura, de nome Diane Hegarty entrou no clube. Houve uma ligação imediata entre Diane e Anton, e durante os meses seguintes eles começaram a ver-se o maior número de vezes possíveis. No ano seguinte, 1960, Anton e Carole divorciaram-se; e em 1961 Diane não só se tornou na nova esposa de LaVey como também se tornou a anfitriã do Círculo Mágico. Em 1963 Diane deu à luz a segunda filha de Anton: Zeena Galatea LaVey. Diane mais tarde administraria a Church of Satan, como Suma Sacerdotisa até a sua separação de Anton em 1984. De 1985 a 1990, Zeena, tomaria o lugar da sua mãe e mais tarde em 1990, LaVey apontaria Blanche Barton como sua nova companheira e secretária após a saída de sua filha.

Infelizmente, a esta altura, o companheiro de longa data, Zoltan, morreu atropelado por um carro. Não demorou para que Anton arranjasse um novo animal de estimação: um leão nubiano que ele chamou de Togare. Togare viveu na Black House por muitos anos com o resto da família LaVey. Foi nesta época que LaVey foi a atração de um programa de televisão local chamado "The Brother Buzz Show". Mas depois de muitas queixas e até um abaixo-assinado dos vizinhos, Anton foi forçado a doar Togare ao Zoológico de São Francisco.

O Magic Circle mais tarde organizou-se para formar a Order of the Trapezoid (Ordem do Trapezóide) com a qual desenvolveu e praticou o Satanismo embrionário daqueles primeiros anos. Eventualmente este mesmo grupo evoluiu para se tornar o corpo governante da Church of Satan. LaVey queria formar algo novo distante das atitudes de fé cega, fanatismo e adoração convencional. Ele queria algo que esmagasse todos estes conceitos de como uma religião deveria ser. Algo que rompesse definitivamente com a ignorância, o culto à fraqueza e à hipocrisia das igrejas cristãs, mas que possuísse personalidade e flertasse com os próprios devaneios que existiam dentro do ocultismo. Além disso ele queria algo que permitisse pessoas livres a usarem a magia negra que ele e seu círculo de chegados estavam usando. Anton estava convencido que havia aprendido métodos para despertar forças ocultas que podiam “mudar situações ou eventos de acordo com a vontade, mudanças que não poderiam ser realizadas utilizando-se apenas métodos convencionais.”

A Magia de LaVey não era baseada em causas, mas nas consequências. Ele não gastou quase nada do seu tempo para explicar porque ela funcionava, preferia se concentrar em mostrar como e quando ela dava resultados. Apesar de encontrarmos infinitas explicações metafísicas, variando de tradição para tradição, nem tudo o que funciona na magia tem uma explicação cientifica ou conhecida. Anton então decidiu que não valia a pena perder tempo buscando tais explicações para compreender esta ou aquela explicação esotérica do universo. Com este pensamento ele expandiu e refinou suas fórmulas para o Círculo Mágico e as trouxe para a Order of the Trapezóide, e com seus rituais passou a conquistar resultados precisos para seus membros – avanços profissionais, recompensas inesperadas, ganho monetário, satisfação romântica, sexual e a eliminação de certos inimigos. Todos os envolvidos percebiam claramente que LaVey havia achado uma maneira de se tirar proveito desta misteriosa força oculta da natureza chamada magia.

Este sistema essencialmente prático de magia desenvolveu-se ao lado de toda uma nova visão de mundo, materialista, racionalista e elitista que enfatizava o lado carnal, luxurioso e instintivo do ser humano, sem lhe impor qualquer tipo de culpa ou remorso. Para quebrar de vez com a estupidez e irracionalidade dos últimos 2000 anos, LaVey sabia que era necessário substitui-la por algo inteiramente novo, não só nas aparências mas em suas mais profundas bases. Suas ideias não poderiam ser apresentadas simplesmente como uma “filosofia”, isso passaria desapercebido ou então cairia rapidamente no esquecimento. LaVey então, de forma blasfema, formou uma nova religião. Formou uma nova organização, uma igreja, consagrada não ao nome de deus, mas ao nome de Satã.

Sempre houve boatos sobre satanistas e mitos sobre grupos satânicos secretos nos séculos anteriores, muitos grupos inimigos acusavam-se mutuamente de praticar cerimônias satânicas. Também houve grupos dedicados ao estudo do ocultismo e outros dedicados a adorar satanás em uma mera inversão do cristianismo. Lavey criou algo inédito, pela primeira vez na história havia agora uma religião satânica, estruturada, organizada e praticada abertamente.


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