sábado, 29 de junho de 2024

As 8 Etapas do Cerimonial de Magia


1- Purificação e Consagração do Templo;

2- Circumbulações;

3- Abertura dos Portais Elementais;

4- Defumação do Templo e Altar;

5- Invocação da Corrente Astral;

6- Declaração de Propósitos;

7- Operação Mágica;

8- Encerramento dos trabalhos.


Fase 1 – A purificação e consagração do templo consiste de qualquer técnica de banimento ou purificação do local de trabalho. Assim pode ser utilizados rituais clássicos como o RMBP (Ritual Menor de Banimento do Pentagrama) da Golden Dawn, o Ritual Egípcio de Banimento do Pentagrama da O.L.N, ou mesmo a Conjuração dos 4 seguida da Conjuração dos Sete, ambos de Eliphas Levi, ou outro qualquer da preferência do magista. Como exemplo de um ritual eficaz de banimento posso citar aspergir, nas quatro direções, borrifos de água com sal.


É uma velha tradição e ajuda, certamente, a limpar os níveis interiores. Ao realizar um banimento presume-se que as energias elementais (formas pensamento, miasmas, memórias residuais etc.) de um espaço estejam viciadas ou poluídas, e precisam ser exorcizadas antes de iniciar qualquer prática ritualística. Em seguida novas energias elementais devem ser chamadas/invocadas para consagrarem o local, só que desta vez harmonizadas com a vontade do operador e do ritual em si mesmo. Note que o RMBP é apenas a primeira parte (purificação e consagração do templo) das 8 etapas do cerimonial de Alta Magia, conforme preconizado pela O.L.N. Nas vídeo-aulas do curso de Alta Magia da OLN existem vários exemplos de banimento, se preferir...


Fase 2 – As circumbulações tem como propósito atrair uma pequena parcela de poder. Por circum-ambulação entende-se o movimento circular que o magista deve realizar dentro do Círculo Mágico. Segundo Aleister Crowley, a “circumbulação realizada exatamente passando pelo Oriente é um dos melhores métodos para suscitar a força macrocósmica no Círculo”. Dirija-se até o quadrante oriental (leste) e, a partir desse ponto caminhe três vezes ao redor do templo, no sentido dos ponteiros do relógio. 


Cada uma das três circumbulações representa uma dimensão diferente de percepção interior (simbolizada pelas três dimensões físicas).


Você pode concentrar-se no ciclo do tempo enquanto dá as três voltas. 


Nesse caso você passa pelo nascimento físico no sul, alcança o nadir da vida física no oeste, passa pela morte física no norte e alcança o renascimento (ou zénite da vida interior) no leste, volta mais uma vez a nascer no sul, e assim por diante. As circumbulações reforçam o traçado do círculo mágico e podem ser realizadas com auxílio de sua varinha de poder (bastão mágico) ou punhal (athame) ou mesmo a espada cerimonial. Geralmente nas circumbulações o magista invoca os Santos Nomes de Deus que estão escritos no próprio círculo mágico (é preciso vibrá-los) ou, se preferir, vibra o nome divino hebraico relacionada a esfera sephirótica- planetária invocada. Pessoalmente eu costumo caminhar lentamente segurando a varinha de poder acima de minha cabeça, funcionando como uma antena receptora enquanto pronuncio os nomes de poder. Logo após as circumbulações é aconselhável posicionar-se de frente para o Leste (Oriente) e proferir uma Prece de Abertura. 


Fase 3 – A fase seguinte é a abertura real dos quadrantes, ou dos portais, e a invocação dos “espíritos auxiliares”, geralmente elementais. A abertura dos portais consiste de três etapas: gesto de abrir as cortinas voltado para quadrante (Leste, Sul, Oeste e Norte), traçado do pentagrama elemental correspondente e chamada ou evocação aos Reis Elementais (Paralda, Djin, Niksha e Gob) bem como os espíritos Elementais a eles relacionados. Trata-se de um ritual mais elaborado utilizado para evocar um Elemental, para consagrações de uma arma mágica (instrumento ritual como bastão, taça etc.) ou para outras operações mais complexas. Não é sempre necessário chamar os Reis Elementais para o círculo. A ajuda deles não é necessária quando você lança encantamentos, a não ser que seu encantamento tenha ramificações de grande projeção, ou seja perigoso. Não é necessário chamá-los para benzer uma casa ou para consagrar novos itens para o seu templo, entre outras práticas mais simples. 


Lembrando que desenhar o pentagrama de determinadas maneiras serve para evocar ou banir os espíritos e forças de qualquer elemento. 


O método de especial de desenhar o pentagrama não possui, em si, qualquer força inerente, agindo como uma chave psíquica que oferece um certo condicionalmente mental, sendo esta resposta condicionada construída depois de meses ou anos de meditação sobre as qualidades essenciais dos elementos que lhes permite a concentração ou dispersão.


Fase 4 – Depois da Abertura do Templo Elemental (as três primeiras etapas supracitadas) e antes da invocação da corrente astral, podemos defumar com incenso, que costuma ficar no quadrante meridional (fogo), ou pode ser guardado entre o sul e o leste (ar e fogo). Pode ser uma simples vareta de incenso ou um turíbulo improvisado; entretanto, se você dispõe de um verdadeiro turíbulo, você poderá saudar os quadrantes e também defumar os símbolos principais, especialmente o altar e as colunas (se o templo for completo). A defumação do Templo e Altar pode ser acompanhada de uma prece ou invocação. Na Magia Tradicional de Salomão a defumação é precedida do Exorcismo e Consagração do Fogo, onde se queimam perfumes ou resinas consagradas aos espíritos planetários relacionados a operação. Aliás como magista você vai trabalhar com fogo em 98% de seus trabalhos mágicos. Torna-se importante então precaver-se e exorcizá-lo para que não aconteça acidentes, principalmente em rituais onde existe maior necessidade de fogo do que o uso das velas comuns. Então a oração de Exorcismo do Fogo deve ser usada sempre que for usar o Fogo em maior quantidade, seja para a queima perfumes de oferendas, seja para dissolver lixos astrais, exorcismos de entidades trevosas ou como forma de sacrifício as Divindades ou Seres de Luz. Nas purificações rituais com o Fogareiro (de barro ou metal) pode-se usar a seguinte combinação para propósitos gerais: incenso de Igreja, Mirra, Alóes (babosa) ou Eucalipto, ou ainda uma fragrância planetária específica, que achar conveniente. Na nossa apostila Rituais de Proteção e Exorcismos o estudante encontra como Fabricar sua Água Lustral (inclusive hissopo) e como exorcizar e consagrar o Sal e a Água. Também encontra as melhores combinações de ervas para limpezas de ambiente.


Fase 5 – A invocação da corrente astral trata-se da ancoragem da egrégora protetora da loja ou templo. Uma corrente astral ou oculta é um conjunto coerente d crenças e práticas baseada em uma tradição histórica, como o druidismo, martinismo, templarismo ou nas revelações de um profeta pretensamente possuidor de uma autoridade sobrenatural como Aleister Crowley, fundador da religião de THELEMA. Em outras palavras é uma forma pensamento coletiva ou egrégora. A O.L.N. (Ordem do Lotus Negro) tem sua própria corrente oculta que pode ser invocada durante os rituais. Ao mesmo tempo que realiza a Invocação da Corrente Astral o magista pode invocar o Grande Mestre que representa para ele uma influência espiritual benéfica durante o ritual. O Grande Mestre é uma figura mitológica, ou lendária, que pode ser representativa das aspirações e intenções gerais dos trabalhos contínuos do templo. Salomão, Hermes, Moíses, Osíris, Ramatis, Apolônio de Thiana são exemplos. Pode ser também uma figura feminina como, por exemplo, Ísis, Palas Atena, Joana D'arc, Viviane, a Dama do Lago etc. A invocação do Grande Mestre pode ter a forma de uma invocação escrita na forma de um cumprimento, ou pode ser apenas a vibração do nome do Grande Mestre, que atua como um Istha Devata* (divindade ou mestre tutelar) do magista e protetor geral do Templo.


Fase 6 – Efetivado o contato com a Corrente Astral e o Grande Mestre (ou Grande Mestra), o magista deve prosseguir com a declaração de propósitos. A declaração de propósitos (ou de intenção) tem a finalidade de focar a vontade do magista nos objetivos que ele deseja atingir com a egrégora trabalhada. É o momento que ele firma seu verbo (palavra) no astral e declara a intenção de sua operação mágica. Dito em outras palavras um ritual deve ter uma causa ou não terá significado. Causa significa apenas responder a pergunta “Por que está realizando este ritual?”. Pode ser para celebrar o equinócio da primavera, atrair um emprego novo, consagrar talismãs ou um ritual para obtenção de coisas/objetos. Um novo emprego ou um livro raro, por exemplo. Seja o que for tem que ser declarado em voz clara e firme, sem ambiguidades. Uma forma de declaração de propósito simples em um ritual de consagração para um talismã do Sol pode ser: 

“Eu declaro este templo aberto nos mistérios de (nome do grande Mestre). 

Hoje o nosso (ou meu) trabalho será a consagração do Talismã do Sol.”


Fase 7 – A sétima fase é o clímax do Cerimonial de Alta Magia e representa a síntese de todo esforço realizado até aqui. Ela aglutina todas as invocações, evocações, conjuros, preces e orações destinadas a realizar (ou manifestar) o desejo do magista. Todo o cerimonial mágico gira em torno da operação mágica em si. Assim uma operação mágica é um conjunto de ações rituais conduzidas com o objetivo de realizar um desejo, como a invocação do Santo Anjo da Guarda. Uma operação mágica pode ter um objetivo mais mundano como atrair atenção do sexo oposto, cura e ganhos financeiros. Você notará que todo cerimonial conduz naturalmente a um pico de intensidade, uma catarse. A catarse ou libertação do poder mágico é o auge do ritual. Acompanha-se geralmente por uma liberação emocional e, nalguns tipos de magia, por um clímax físico. Mantenha este momento o mais que puder, o que será por cerca de trinta segundos, raramente mais do que isso. Há então uma pequena pausa, quando todos, inclusive as entidades convidadas, podem recuperar o fôlego. Depois tudo vai se acalmando até o encerramento. Todo cerimonial de Alta Magia possui uma lógica interna e obedece a uma sequência de eventos que se desenrolam naturalmente, visando oferecer as melhores condições para o magista obter sucesso na operação.


Fase 8 – O encerramento (ou fechamento) consiste primeiramente em agradecer aos seres dos Níveis Interiores que estiveram presentes. É o momento de encerramento e da despedida das forças invocadas ou evocadas. Dito de outra forma é a desconexão psíquica com a egrégora, geralmente planetária, ao qual os seres espirituais pertencem*. No caso dos Rituais de Alta Magia no fim da cerimônia, quaisquer que sejam os resultados (ou aparente ausência de resultados), agradeça aos mestres, aos arcanjos, as falanges angélicas menores e a quaisquer outras entidades que foram convocadas na cerimônia. Se o magista trabalhou com evocação mágica ele deve proferir “a Licença para Partir” para que os daemons ou elementais retornem às suas esferas de origem. Sempre ofereça-lhes uma bênção antes de lhes dar permissão para partirem. 


Entretanto, caso o magista tenha invocado apenas inteligências superiores (mestres, anjos, deuses etc.), “a Licença para Partir” é desnecessária mas o agradecimento e o Fechamento dos Portais continua sendo necessário.  

Nigromancia - A Arte Negra


Nigromancia é uma tradição de Magia que trata da conjuração de certos tipos de forças obscuras (embora não necessariamente "negativas") entre eles "umbras" (aparição, fantasmas), elementais telúricos e demônios menores (daemon, espírito). Reza a tradição que todos esses seres habitam o Sub-Mundo de Hades, o Kama-Loka dos hindus. 


A palavra Nigromancia vem do latim "nigro" que significa "negro" e de "mancia" que designa uma prática adivinhatória ou ciência oculta. É interessante notar que a palavra grega nekros (“cadáver”) foi confundida pelos ignorantes, no passado, com a palavra latina nigro (“negro”) e, em inglês medieval (1.200-1.500), a palavra nigromancer (“nigromante”) era usada para indicar uma pessoa versada mas artes mágicas obscuras. Algumas vezes ainda é possível encontrar a palavra necromancer usada erroneamente com esse significado. 


Pacto de Lucifuge


O sistema de Nigromancia Kabalística da O.L.N utiliza-se de elementos de várias tradições mágicas dentro de um contexto gnóstico não-dogmático. O Pacto de Lucifuge é uma iniciação espiritual nos mistérios da Alta Feitiçaria do Lotus Negro. Lucifuge Rofocale aparece no Grande Grimório (c.1702) como Primeiro Ministro das Regiões Infernais e possui o poder que Lúcifer lhe deu sobre todas as riquezas e tesouros mundanos. Ele tem sob seu comando os demônios goéticos Bael, Agares e Marbas junto com milhares de outros espíritos que são seus subordinados.


Sua imagem mais comum é de uma entidade teriomôrfica de um homem com três chifres, segurando um grande anel e um saco de ouro; sua forma da cintura para baixo é a de uma cabra com uma cauda longa. O Pacto de Lucifuge é um acordo espiritual entre o feiticeiro (ou seu cliente) e o demônio invocado por um tempo determinado e de um sacrifício específico em pagamento.Magia Real deve ser refletido no mundo fenomenal que consitui nossa consciência, senão é puro misticismo ou metafísica. O objetivo do pacto pode ser sucesso nos negócios, proteção espiritual, vencer uma concorrência, ganhar uma disputa judicial, se livrar de dividas e limitações financeiras entre outros. Considerações éticas devem ser observadas pois contratos astrais sempre geram um compromisso, dívida ou lucro aos seus investidores.


O marco principal do ritual é a abertura do Portal de Leviatã que fica no Oeste, lugar de onde vem a escuridão para este mundo, e assim obter a comunhão do magista com um algum Espírito Lucifuge que vai atuar como seu servidor na consecução de seu objetivo. Se de fato o magista conseguir uma comunhão com um espírito, descobrirá que Eles podem muito mais do que está descrito nos Grimórios.


Os Portais de Leviatã


Leviatã, o Dragão-Serpente do Caos é o guardião Atemporal do Abismo, que permite o acesso não apenas de nosso grande potencial, mas também de nossa essência imortal, do Eu. Ele tem sua morada nas profundezas de Nun, o Caos Aquático ou Mar Infinito que é que é nosso Subconsciente, constantemente mergulhando o "Eu" através dos portões do Céu (êxtase ou transcendência) e do Inferno (obsessão ou amor próprio).


Com efeito, Leviatã é associado ao símbolo do Ouroboros, uma criatura mitológica, uma serpente que engole a própria cauda formando um círculo e que simboliza o ciclo da vida, o infinito, a mudança, o tempo, a evolução, a fecundação, o nascimento, a morte, a ressurreição, a criação, a destruição, a renovação. Muitas vezes, esse símbolo antigo está associado à criação do Universo.


Quando Leviatã-Oroboros é desperto ele fornece acesso as energias primais que estão acima do Abismo, princípio e força são unidos e Lúcifer nasce. Lúcifer é o Não-Manifesto enquanto Existência, como Vazio torna-se Ser e tempo se torna eternidade. Lúcifer é o Portador da Luz, o Fiat Lux, o primeiro Anjo da Criação. Sua "queda" é a manifestação da existência do nada, como um raio na escuridão.


A Trindade Infernal 


Lúcifer, energia não-dual. Nem macho, nem fêmea. Associado a Kether na Árvore da Vida, se divide em um princípio masculino infernal na imagem do demônio marcial Belzebuth associado a Chokmah e em um princípio feminino infernal na figura de Astaroth associado a Binah. Desta forma temos em Chokmah o elemento positivo na forma de Belzebuth, e em Binah o elemento negativo na forma de Astaroth, visto ser Kether, na forma de Lúcifer, o elemento neutro. 


Belzebu é o Senhor, e Astaroth é Rainha, mas eles são Um, inseparáveis, dois aspectos do mesmo final. Como a Força e a Forma, que motiva/inicia todas as coisas.  A união blasfema de Astaroth e Belzebuth reflete em Daath, o que é transferido para qualquer uma das esferas abaixo do Abismo.


Lúcifer, Belzebuth e Astaroth formam a Trindade da Árvore da Vida Invertida. Todos surgem do ventre escuro de Leviathan, o Dragão do Caos primordial, Governador do Abismo, o Vazio do Caos em si, o Tudo em Um.


Astaroth, como Binah, é a raiz da matéria, a substância primordial, pois a matéria é nascida de Astaroth. Os filhos de Astaroth são Samael, o Dragão Vermelho de polaridade positiva, e Lilith, o Dragão Verde, de polaridade negativa.


A matéria é nascida de energia pura coagulada sem forma, e é, portanto, a filha, ou neta, de Astaroth. A matéria toma forma, uma espécie de Ordem com base em um conjunto temporário de padrões no Caos subjacente. Essa ordem é Ialdabaoth, o filho, ou neto, de Belzebuth e Astaroth. Ialdabaoth é o nome gnóstico que a maioria dos judeus e os cristãos chamam de "Deus".


Ialdabaoth o criador do mundo (físico)


Ialdabaoth é o poder que permite que energia e matéria se organizem para alcançar a sua verdadeira forma e propósito, mas é também um poder conservador, aprisionador, limitante das formas que ele mesmo cria. Ainda que extremamente poderoso Ialdabaoth está restrito aos ditames do Tempo sendo por vezes considerado Pai do Tempo (Saturno ou Chronos).


Apenas as forças acima do Abismo, personificadas em Belzebu o verdadeiro Poder, a energia pura sem forma e Astaroth o desejo de criar e Lúcifer, a Lux Angelicae, são Eternos.


A vida brota da atividade de Lúcifer. Ele sempre empurra criação para a complexidade cada vez maior, e no contexto da biologia isto é conhecido como evolução. 


Por sua vez Ialdabaoth representa os vários padrões de Ordem, que têm sustentado o ecossistema vivo. Foi assimilado ao hebraico Jeová, ao grego Chronos, ao Alá do Islã, etc. 


Como governante do Universo Manifesto o Demiurgo Ialdabaoth fez surgir das águas do Caos sete grandes Espíritos construtores e modeladores do Universo. Eles surgiram como seres andróginos segundo a forma imortal que existiu antes deles e de acordo com vontade de Lúcifer.


Os governantes demoníacos do mundo material


Reza a tradição gnóstica que graças ao seu grande poder, o Primeiro Pai, Ialdabaoth, criou para cada um de seus filhos, através da palavra, céus formosos que serviriam de moradas, e para cada céu, glórias extraordinárias, sete vezes mais grandiosas do que qualquer glória terrena, tronos, moradas, templos e carruagens, olhando além para um reino invisível, contendo cada um tudo isso em seu céu; criou também exércitos de forças divinas, nobres, angélicas e arcangélicas, miríades delas para servi-lo.


Nosso Universo é constituído de vários planos e subplanos, cada um desses planos é feito de uma matéria/energia apropriada a sua vibração. E assim sugiram os Planos Causal, Mental, Astral e Físico. O último plano (o Físico) é o mais denso, onde a energia se condensa em matéria visível. Ele é governado por Sete Grandes Arcontes e energias menores a eles subordinadas. Os Arcontes são, no gnosticismo e nas religiões intimamente relacionadas a ele, os governantes do universo físico, uma classe de anjos caídos ou deuses menores criadores. 


Simão, o Mago, tido como o primeiro profeta gnóstico e popularmente conhecido como um exímio praticante de artes mágicas ensinava que o nosso mundo tinha sido formado pelos “anjos inferiores”. Para ele os anjos inferiores consistem em uma classe de seres espirituais responsáveis pela criação de fenômenos físicos.


Tidos às vezes como governantes demoníacos do mundo material, cada um dos sete principais Arcontes foi associados a uma esfera celestial diferente. Como controladores do zodíaco eles evitam que as almas deixem o reino material antes de completarem seus destinos individuais. Os Arcontes também seriam responsáveis em atrair a Força-de-Vida Monádica a materialização física, preparando as condições ideais para que encarnem pela primeira vez em corpos densos. Desde que esta função de materialização parece má do ponto de vista evolucionário, que ascende para a espiritualização, estes seres às vezes são referidos como as Hierarquias Satânicas.


Algumas tradições gnósticas definem os Arcontes como inteligências sobrenaturais, mas não propriamente espirituais, que controlariam as forças daemônicas que sustentam nosso Universo Físico. Eles seriam os mensageiros inferiores dos 7 Dhyan Chohans “os Senhores da Luz". Os mais altos devas ou deuses, correspondendo aos Arcanjos da religião católica romana. As Inteligências divinas encarregadas da superintendência do Cosmos. 


Assim os Arcontes são considerados os Deuses menores criados juntamente com o mundo material e responsáveis em manter “a programação da Matrix”, ou seja a ilusão que a matéria, e os fenômenos, são algo real. Eles são deuses num certo sentido, mas inferiores, os membros mais baixos entre as emanações da Divindade, e subordinados aos Deuses Excelsos e ao próprio Demiurgo ou Yaldabaoth. Existem de fato certas exceções; Basilides, o profeta gnóstico, ensinou a existência de um "grande arconte" chamado Abraxas que preside todos eles. 


Mais tarde as religiões (primeiro as pagãs e depois as cristãs) fizeram degradar esses Deuses à categoria de Demônios e assim eles permanecem desde então.


Os Sete Demônios


Cada Arconte foi associado a um dos sete planetas de nosso Sistema Solar. Abaixo segue o nome dos 7 Líderes Infernais (Arcontes?) seus dias da semana e seus planetas regentes segundo o Grimório do Papa Honório:


Segunda-feira é governada por Lúcifer e é regida pela Lua, Terça-Feira Beelzebuth (Marte), Quarta-Feira Astaroth (Mercúrio), Quinta-Feira Silchard (Júpiter), Sexta-Feira Bechard (Vênus), Sábado Guland (Saturno), Domingo Surgat (Sol).


Cada um deles tem uma área de atuação por exemplo Astaroth é o demônio da sorte ele indica os meios de fazer-se rico; ensina o grande segredo para ganhar na loteria e em todos os jogos de azar; revela o modo de fazer fortuna, triunfar nos negócios, etc.


Por sua vez a demonologia tradicional do Dicionário Infernal, publicada em 1818, apresenta outra lista dos “sete líderes do Inferno”, embora não os associe aos planetas, são eles:


Belzebu, Mamon, Azazel, Lúcifer, Asmodeus, Leviatã, Belfegor 


É claro que essas atribuições dos Deuses Antigos como demônios causadores do mal na Terra é totalmente estereotipada e reflete séculos de propaganda religiosa. Um ocultista digno desse título deve buscar decifrar o poder oculto que se esconde atrás do simbolismo das máscaras demoníacas e utilizar essa energia de maneira sábia e consciente. 


Em outra visão os demônios seriam personificações mitológicas de Forças anticósmicas, embora não essencialmente negras, que habitam paisagens oníricas nos reinos do Umbra da Terra, uma dimensão espiritual que forma a contraparte astral da crosta terrestre ou de Malkuth. De forma semelhante a ocultista Dion Fortune afirma que os demônios “são seres que habitam o Reino da Força Desequilibrada (os Qlipoth), que começou a existir antes que o equilíbrio (ordem cósmica) fosse estabelecido; diferentes tipos de desarmonia, desde então reforçados pela massa de pensamentos maus (da humanidade). Quando você toca o Invisível, não é provável que você possa entrar em contato com os seres Divinos de qualquer esfera (de consciência) sem também entrar em contato com os Qlipoth dessa esfera.”


Na tradição hindu eles seriam equivalentes aos Kama-Rajas, que significa Astral, e da palavra “Rajas”, cujo significado é “reis”. São, portanto, os “Reis do Astral”. Eles são de evolução completamente distinta da humana, tendo, no entanto, semelhança na parte psíquica. Essas entidades desempenham função algo semelhante à dos Elementais, porém são de uma categoria bastante superior. Alguns Kama-Rajas podem ser, assim como os humanos, evoluídos, outros, atrasados ou mesmo demoníacos. 

Feitiçaria Telúrica & Penumbra Astral


Existe um tema pouco compreendido pelos estudantes de Ocultismo, ele envolve ação de espíritos atuando através dos subplanos astrais. Para melhor compreender esse assunto torna-se necessário entender que existem 7 planos ou níveis de existência. Do nível mais sutil, desdobrando-se ao mais denso, é fornecido o seguinte esquema: 


·          o plano divino ou Adi 


·         o plano monádico ou anupadaka (redutos últimos das individualidades espirituais)


·         o plano espiritual ou Átmico (onde se manifestam as essências espirituais)


·         o plano intuicional ou Búdico (das energias psíquicas ou de alma)


·         o plano mental ou Manásico (das energias de pensamento ou mentais) 


·         o plano astral (vital ou emocional, das energias nervosas e emocionais) 


·         o plano físico (sólido, líquido, gasoso e sub planos-etéricos)


O plano Astral ou Umbra desdobra-se nos níveis de Umbra superior e inferior e penumbra astral ( que envolve a crosta terrestre), que é o ponto de transição da luz para a sombra; quase sombra; meia-luz. 


Na realidade a penumbra é o nível mais denso da Umbra ou Plano Astral, através do qual deslizam as correntes telúricas de nosso planeta. Ele tem relação direta com as Linhas Ley (Linhas Hartman etc.) que são linhas magnéticas capazes de criarem eventos sobrenaturais e afetar os organismos vivos como plantas, animais e seres humanos. 


As Linhas Ley surgem a partir do centro do planeta, subindo perpendicularmente à superfície terrestre e se cruzam ao redor do mundo, como linhas latitudinais e longitudinais, mas concentram uma quantidade enorme de energia sobrenatural.  


Estas energias afetam os seres humanos de forma positiva ou negativa dependendo de certas circunstâncias. De acordo com Alfred Watkins, alguns indivíduos podem absorver essas  energias. 


O nível de penumbra astral, por ser altamente telúrico e magnético, também pode ser manipulado por entidades espirituais. Se forem entidades contrárias a evolução e inclinadas ao mal eles podem utilizar a matéria desse plano para condensar/plasmar formas pensamentos monstruosas que alteram a composiçāo natural do éter terrestre. A poluição astral de um determinado ambiente pode causar uma infestação mórbida e afetar a aura das pessoas, atingindo seus plexos nervosos ou chacras que absorvem a carga negativa. Ao afetar os pólos de energias nos chacras isso pode provocar diversas mudanças emocionais de temperamento. 


Magos negros também podem manipular o Umbral para seus fins egoístas, pois é um fluído magnético de propriedades maleáveis e que pode ser usado magicamente, por ser um meio pelo qual se manifestariam as forças sobrenaturais.


Através de seus rituais de magia eles podem estabelecer um PACTO com Eguns, Kiumbas e outras entidades que vibram mais próximas ao nível de vibração do Umbral denso, como os Elementais da Terra (duentes ou gnomos), já que o elemento nativo desses seres espirituais é o de mais baixa taxa vibratória. Ao sacramentar um pacto com tais Entidades eles podem, com auxílio das mesmas, produzir Elementais Artificiais capazes de IMPREGNAR um ambiente com suas energias deletérias afetando o perispírito (duplo etérico) de suas vítimas. 


Isso geralmente é feito utilizando elementos biológicos, minerais e hídricos que contêm uma alta taxa de vibração telúrica negativa (o que os chineses chamam de shai ou chi negativo) como terra de cemitério, restos de animais peçonhentos ou venenosos, certos tipos de rochas, areia, líquidos etc, capazes de contaminar o éter terrestre e gerar uma rede de energia sombria ao redor de suas vítimas, o que facilita a ação de suas magias e as prendem ainda mais nos laços de seus tentáculos astrais.   


Nosso corpo, nossa mente e nossa alma se comunicam com absolutamente tudo ao nosso redor. Em um mundo globalizado, onde há interações a todo tempo, seja pessoalmente ou através das mídias sociais, nós nos expomos cada vez mais aos diversos tipos de energia e pensamentos. Por isso é comum atrair para nosso campo áurico energias negativas que podem comprometer nossa saúde e qualidade de vida, inclusive bloqueando espiritualmente nossos caminhos, dificultando a entrada de dinheiro, recursos e/ou impedindo o fluxo da prosperidade em nossas vidas. Isso é muito mais comum do que imaginamos e pode assumir um nível mais delicado que é a infecção por Larvas ou Miasmas astrais que são um tipo de energia negativa formada por matéria bruta, energia deletéria, que tomam forma, animadas por restos de fragmentos negativos dos instintos de nossa herança animal. Em suma são um tipo de Elemental artificial que podem ser criados de forma inconsciente ou, no caso da Magia Negra, de forma consciente e programada para um determinado fim, geralmente maléfico. 


Muitos acreditam que a atração desse tipo de energia negativa está associada somente a afinidade mental de suas vítimas, que criam um campo de sintonia que facilita ou permite a sua proliferação. Também acreditam que homens e mulheres de mentalidade positiva, na esfera da espiritualidade superior, conseguem sobrepor-se às influências múltiplas de natureza deletéria gerada por esses campos mórbidos do astral inferior.


É bem verdade que certos desequilíbrios emocionais e os vícios de maneira geral criam condições favoráveis para a ocorrência dessa contaminação, comprometendo a saúde da vítima. Também é verdade que a profilaxia recomendada para não ser presa fácil dessas vibrações ou energias é manter uma mente focada em ideais nobres e virtuosos. 


Tudo isso é verdade.


Entretanto quando se trata de campos energéticos nocivos gerados por Entidades malignas conjuradas ou não através de atos de Magia Negra, e conscientemente projetados para destruir a vida de uma pessoa, a coisa não é assim tão fácil de resolver. Nesses casos não temos soluções fáceis ou respostas prontas.


Torna-se necessário para a resolução desses casos raros, mas não tão incomuns, um conhecimento especializado em técnicas de magia e anti-demanda. Também é importante salientar que se a vítima de tais ataques espirituais não for tratada a tempo seus infortúnios podem evoluir para níveis reais de obsessão e possessão capazes de arruiná-la totalmente, além de afetar negativamente as pessoas que convivem no mesmo ambiente em que ela reside ou trabalha. 

Anima Mundi


O conceito de Anima Mundi, que se traduz como "alma do mundo", pode ser rastreado até a filosofia grega antiga, especificamente no trabalho do filósofo Platão.

O conceito foi posteriormente adotado e desenvolvido por outros filósofos, como Plotino e os estóicos, e teve uma influência duradoura no pensamento e na literatura ocidentais.  

A Anima Mundi é frequentemente vista como um princípio feminino, e às vezes é associada à deusa grega Sophia. 

Sophia é frequentemente vista como o aspecto feminino do divino.  Em algumas tradições gnósticas, Sophia é vista como a mãe do demiurgo, o ser responsável pela criação do mundo material. 

A conexão entre Sophia e o Anima Mundi é que ambas são consideradas manifestações do divino no mundo.  Sophia é vista como a personificação da sabedoria e a Anima Mundi é visto como a personificação da alma do mundo.  Juntas  são consideradas parte integrante da compreensão gnóstica do divino e sua relação com o mundo.

Na crença gnóstica, a Anima Mundi é a essência espiritual que anima toda a criação. É a ideia de que o universo está vivo e tem uma alma ou consciência, separada do plano físico, e que essa alma é a fonte de todo conhecimento espiritual. 

Os gnósticos acreditavam que, ao se conectarem com a Anima Mundi, poderiam ter acesso às verdades espirituais ocultas. 

O conceito de Anima Mundi, ou "Alma do Mundo", é encontrado também nos ensinamentos dos Oráculos Caldeus.  

De acordo com esses textos, o Anima Mundi é uma energia espiritual divina que permeia e anima todo o universo. 

 Acredita-se que seja a fonte de toda a vida e consciência, e é visto como a ponte entre os reinos físico e espiritual.  

 A Anima Mundi também é frequentemente associado à ideia da "mente cósmica", ou a consciência coletiva de todos os seres vivos.  

Nos Oráculos Caldeus, é dito que através da sintonização com o Anima Mundi, a pessoa pode alcançar uma compreensão mais profunda do universo e de seu lugar dentro dele. 

É descrito como um princípio cósmico que permeia o universo e é responsável pela harmonia e ordem do universo.  

Também é visto como a conexão entre os reinos material e espiritual.

 

Feitiçaria Sexual


O sexo entre um homem e uma mulher nada mais é do que uma das formas do dualismo universal. É o símbolo por excelência da indistinção primordial e divina de toda experiência que tende a reintegrá-la por meio do indivíduo. 


No princípio dizem as grandes tradições e as várias filosofias sagradas do Oriente e do Ocidente – era um único ser, o qual possuía os dois sexos. Adão deixou-se dividir por Deus em duas metades: uma masculina outra feminina; porém com a separação, surgiu, natural, o desejo de reunião em um corpo único.


Na tradição oriental temos a imagem de Shiva, o deus hindu da vida e da morte que também personifica a dupla face dos opostos e o equilíbrio existente entre elas. O deus Shiva em seu aspecto andrógino é Ardhanarishvara – O Princípio Universal – e simboliza a superação dos opostos, o fim da dualidade, a união com a Consciência Universal. É a afirmação do fato de que a criação é instrumentada apenas quando a dualidade se funde como unidade absoluta.


Existe uma forma de Magia que se utiliza do Sexo como trampolim para a expansão da consciência e aquisição de poderes psíquicos (siddhis). Na tradição moderna da Alta Magia falamos na existência dos "espermo-gnósticos" ("spermo-gnostics" no original). O termo designa os gnósticos (do passado e do presente) que acreditam que o sêmen do homem e o útero da mulher são sagrados, e são a chave, ou a porta, para a libertação deste ciclo infindável de reencarnações e sofrimento por que passa o homem neste mundo. 


É uma Tradição Mágica Ocidental que, claramente, se vincula com a "Tantra" oriental.


Nos textos mágico-alquímicos do ocidente os fluidos sexuais femininos são chamados de “Leão Vermelho” (o Enxofre Alquímico) e as secreções masculinas como a “Águia Branca” (O Sal Alquímico). A resultante da combinação desses fluidos é simbolizada pelo Mercúrio Alquímico.


Os segredos da Alquimia Sexual são baseados numa compreensão do uso das secreções do organismo dentro de uma forma específica de prática ritual. As práticas reais de Alquimia Sexual cobrem todo o espectro da Feitiçaria Sexual Tântrica, enquanto sua síntese é encontrada num único rito, a Missa do Espírito Santo. Este rito é a base da eucaristia tântrica, bem como é a chave para a formação de ritos avançados como a Missa Gnóstica.

Mistérios Kabíricos


No ano de 1950 a.C., na ilha de Samotrácia (atualmente Samandrakis), viveram os Kabires. A Grécia era então considerada o centro dos Mistérios Antigos.


No paganismo grego antigo Hekate era a deusa da feitiçaria, uma das jovens Titânides. Por permanecer ao lado de Zeus na luta contra os Titãs, a deusa não perdeu nenhum de seus privilégios, garantindo-lhe, assim, o poder sobre a terra, o céu, o mar e o Mundo Inferior.


Nos ritos esotéricos da O.L.N a Corrente Saturnina da grande triforme Hekate Soteira é identificada como “Alma do Mundo” (Anima Mundi) ou Alma Cósmica do Universo.


Essa visão de Hekate é idêntica aquela adotada pelos filósofos pagãos do Neoplatonismo grego que entendiam Hekate como a personificação de uma ENERGIA PRIMORDIAL ( Shakti, no hinduísmo), o substrato inteligível de toda Magia, tendo autoridade sobre daemons, anjos, eguns e todos os outros espíritos que estavam ligados a Bruxaria ou Magia Cerimonial (que naquela época possuíam uma abordagem diferente do que temos hoje). Eles também adoravam  Hekate como existindo na borda entre o mundo espiritual (inteligível) e o mundo material (sensível), agindo como uma barreira invisível ( e ao mesmo tempo uma conexão) entre esses dois mundos.  


Alguns poetas gregos relatam que Hekate tinha como seus servos os poderosos Kabires (kábeiroi, em grego), “os Grandes Deuses dos Mistérios da Samotrácia”, ilha do mar Egeu, ao largo da costa Trácia, perto da Ásia Menor. Os Mistérios da Samotrácia se juntavam aos Mistérios de Elêusis e outros da religião grega antiga. Segundo Blavatsky: “Samotrácia foi colonizada pelos fenícios e antes deles pelos misteriosos Pelasgos que vinham do Oriente; se recordarmos a identidade dos “deuses de Mistério” dos fenícios, caldeus e israelitas, será fácil descobrir de onde provém o mito confuso do dilúvio de Noé”. (in a Doutrina Secreta, Volume III)


Blavatsky indica que os Kabires ou Cabires “correspondem a Divindades ou deuses mistéricos entre as nações antigas, inclusive os israelitas, alguns dos quais (como Tharé, pai de Abraão) os adoravam com o nome de Teraphim.” Os arcanjos modernos seriam uma transformação desses mesmos Kabires. Os Kabires eram reconhecidos como os Espíritos Planetários mais elevados, os maiores deuses e “os poderosos”.


Seja qual for a interpretação do nome, estamos sem dúvida perante a idéia de “Poderes Celestiais” muito primordiais e sublimes, daí que com este nome de Kabires, sejam designados os Deuses do Mistério por excelência da Antiguidade.  Eles representavam as potências divinas civilizadoras por excelência, e por isso a tradição esotérica da humanidade primitiva está enraizada neles. 


Os Mistérios Kabíricos, não sendo senão uma translação dos Mistérios egípcios, exerceram grande influência sobre a civilização grega, o que bem atesta o elevado grau de sua civilização.


Seus ritos envolviam a navegação (ou seja, a arte de dominar as Águas da Vida), com cultos aos Dióscuros (Castor e Pólux), e esses deuses da Navegação eram cultuados com fervor pelos Adeptos.


Eram oito os deuses kabíricos, divididos em quatro categorias: Oxieres, Axio-Keroa, Dióscuros e Coribantes.  Para o mestre ocultista  Samael Aun Weor, os Kabires são Deuses (Devas) do Fogo ligados intimamente à Kundalini do centro da Terra. 


A Kundalini Terrestre é derivada de Fohat², ou Fogo do Espírito Santo, a energia primordial do Sol, que transmite à Terra calor, força, movimento e magnetismo. Essa energia que alimenta e dá vida à Terra, seria administrada pelos 8 Kabires e distribuída harmonicamente, de acordo com o dualismo do yin-yang, para a manutenção e preservação da vida na superfície e no interior do planeta. 


Nós percebemos o Sol como físico, mas ele também tem sua contraparte espiritual (astral, celestial ou mental e divina), chamada por nós de Kundalini Solar ou Fohat, que tem origem no Primeiro Logos¹ ou centro transmissor de força, cuja fonte é Parabrahman. Considerada a energia dinâmica da Ideação Cósmica (o construtor dos construtores), a Luz do Logos, Fohat “desce” ou é emanada do Sol Espiritual e ao mergulhar no Abismo da Matéria e penetrar cada vez mais fundo no coração do Globo, “densifica-se” e transforma-se em Kundalini Terrestre ou Shakti-Kundalini, a força serpentina, o fogo astral, um aspecto de buddhi. 


Interessante notar que após o apogeu dos Mistérios da Samotrácia os Kabiros passaram ser considerado, na mitologia grega,  apenas deuses ctônicos (do grego χθόνιος, khthonios, "da terra", de khthōn, "terra") propiciadores da fertilidade e das riquezas. Costumavam ser representados com martelos e tenazes, como auxiliares de Hefesto e deuses do fogo e da metalurgia e usando barretes pontudos.


Existe também a possibilidade que o termo Kabire estar relacionado ao do deus indiano Kubera, ao grego kóbalos (espécie de pequenos dáimones), ao eslavo antigo kobi ("espírito protetor"), ao alemão Kobold, ao francês gobelin e ao inglês goblin, palavras aproximadamente equivalentes a "duende".


No Egito faraônico a idéia de Kabire, está associada a Hermes ou Thot  (a língua de Rá e o Logos* Demiurgo), e na antiga Mesopotâmia a Oanes ou Marduk; nas tradições semíticas e aos Teraphim, que posteriormente passaram a ser os Seraphins, ou serpentes de fogo. Também eles estão associados a Forças Celestiais (Nephilim), seres angélicos que se enamoram das filhas dos homens e desceram à Terra para procriaram com elas e gerar uma raça de varões gigantes. 


Aliás, o culto do deus Hermes é certamente pré-helênico, remontando aos pelasgos (povo que ocupou a Grécia muito antes dos aqueus). O culto de Hermes também podia ser encontrado nos chamados Mistérios da Samotrácia.


Venerado nestes cultos, juntamente com Hécate, chamada de Zerenthya, o deus Hermes, com o nome de Kadmylos, sob uma forma itifálica, representando a fertilidade, constituía com ela um par, honrados juntamente. Nestes Mistérios, Hermes era acompanhado por dois irmãos gêmeos, Dárdano e Iasion, em tudo semelhantes aos Dióscuros gregos (Castor e Pólux) e aos Ashwins védicos, todos associados astrologicamente ao signo de Gêmeos. 


1-   Segundo Heráclito de Éfeso (530-470 a. C) o Logos “é o princípio eterno de ordem no universo”. Ele mantinha ainda que o “o Logos, por trás de qualquer mudança duradoura, é o que faz que o mundo se torne um cosmos e um todo ordenado”. 


2-   Sendo assim Fohat é nada mais do que Kundalini em seu aspecto Solar ou Cósmica que em seu processo de involução impele a atividade e orienta suas diferenciações primárias em todos os sete planos de consciência cósmica. Fohat é, simplificando, o "Pensamento Divino" transmitido e manifestado por meio dos Dhyan Chohans, os Arquitetos do Mundo visível.


Do atrito de Fohat – Kundalini geram-se os chakras, “vórtices energéticos”, por onde se expressa a Consciência agindo nos Planos afins ao seu desenvolvimento, valendo isto tanto para um Logos Planetário como para um homem.

O Chrêstos


A palavra "Christos" ou "Chrêstos" do Grego, tem uma história rica e diversificada que remonta, muito antes da existência do Cristianismo. 


Apesar de seu uso generalizado hoje, muitas pessoas desconhecem sua origem e as diferentes conotações que carregou ao longo dos séculos. 


A palavra "Chrêstos" foi usada pela primeira vez por antigos escritores gregos como Heródoto e Ésquilo no século 5 aC.  Naquela época, era aplicado a uma pessoa que interpretava oráculos e agia como profeta ou adivinho.  


Com o tempo, o significado da palavra se expandiu para abranger a ideia de 


"ser ungido" - alguém que passou por um renascimento espiritual e ressurreição e alcançou um estado de união com o divino. 


No paganismo antigo, o título de "Chrêstos" era atribuído aos verdadeiros magos e iniciados nos Mistérios, que após intensos trabalhos e provações haviam atingido um elevado grau de iluminação espiritual. A palavra simbolizava a união da alma humana com a divina e significava a obtenção da autoconsciência logoica. 


Na Alta Magia, o termo "Christos - Agathodaemon" ou "Christos Lúcifer" refere-se ao caminho que se deve seguir para chegar à Grande Obra - a fusão da alma humana com a divina. 


Essa transformação resulta na obtenção do estado de "Ungido" ou "Chrestos". 


Na Cabala Esotérica, o termo "Christos Agathodaemon" está associado à Serpente do Gênesis que oferece o fruto da Árvore do Conhecimento (gnose) a Eva.  Na verdade, esta serpente representa Havah, o portador da vida. 


Chrêstos Solar Luciferiano


Esse particular Ser Angélico conhecido como Logos, cujo veículo físico é o Sol, está entronizado no centro de nosso universo local. “Ali por todo o Manvântara, Ele está voluntariamente auto-sacrificado, não em agonia e morte e derramando suor e sangue, mas em êxtase criativo e vertendo perpetuamente força e vida” (Geoffrey Hodson). 


No esoterismo dos Mistérios Angélicos a crucificação do Cristo Cósmico (não confundir com o Cristo Jesus histórico) representa o Logos Solar descendo à matéria.


A encarnação de um Logos Solar, ou do Cristo Cósmico, é tida como o mais alto sacrifício. Ela era conhecida como Chrestus-Lúcifer entre algumas seitas de gnósticos que conheciam a verdadeira relação de Cristo com o Sol. Os Logoi Solares, seres cujos envoltórios são sóis, são representados em todas as religiões como uma força crística redentora da humanidade.


A palavra "Chrêstos" tem uma história rica e diversificada que remonta há tempos longínquos. Desde seu uso original como um termo para um profeta ou adivinho, até sua associação com iluminação espiritual e transformação no paganismo, e seu papel na Alta Magia e na Cabala Esotérica, a palavra continua a ocupar um lugar significativo no léxico espiritual.  


Seja como símbolo do despertar espiritual ou como referência a um caminho a ser percorrido, "Chrêstos" continua sendo um conceito importante para quem busca compreender os mistérios mais profundos do espírito humano.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Linhas de Quimbanda


Assim como há as sete linhas que regem e organizam as forças existentes dentro da Umbanda, dentro da Quimbanda o mesmo acontece e processa, pois como se sabe, " tudo que há em cima, há em baixo." Tendo esta Lei para se começar a entender o por que da existência das sete linhas da Umbanda e da Quimbanda, encontraremos meios de compreensão que estas linhas, estão em lados opostos e harmoniosamente equilibradas, permitindo desta maneira o equilíbrio perfeito resultante dos movimentos dos opostos, perpetuando pela quebra e restauração deste equilíbrio o movimento perpétuo e necessário para a existência em sua concepção maior.


As linhas da Quimbanda, assim como as linhas da Umbanda, são em numero de sete. Vejamos :


Linha Malei

Chefe - Exu Rei, é composta por 7 falanges, cada qual com seu chefe, e seus sete respectivos subordinados. Os componentes desta linhas são os componentes do Alto Comando do Povo de Exu, por este motivo é entendida como a linha que opera e comanda todas as decisões dentro do reino. Esta linha funciona com um alto conselho, uma alta cúpula que rege e administra o reino de Exu, seus componentes de apresentam sempre com roupagem de cor escura, cobertos por uma luz vermelha e sem brilho. Componentes da Linha Malei:


Exús

Exu Rei das Sete Encruzilhadas

Exu Marabô

Exu Mangueira

Exu Tranca Ruas das Almas

Exu Tiriri

Exu Veludo

Exu dos Rios ou Campinas

Polo Passivo

Pomba Gira - PombaGira Rainha das Sete Encruzilhadas


Linha das Almas

Chefe - Omolu, encontra-se nesta linha espíritos vulgarmente conhecidos como omulus, e isto se deve pelo fato de estarem este espíritos sob a égide de Omulu, tanto no Organograma, quanto diretamente subordinados a ele em sua linha, outro fato que vem elucidar o fato pelo qual estes espíritos são conhecidos pelo denominativo supra citado, é que estes tem por morada os cemitérios, onde também são realizadas suas entregas,são espíritos que se apresentam cobertos de pêlos, unhas em forma de garras, chifres e rosto semelhante à lobos e com olhos vermelhos. São os componentes desta linhas:


Exús

Exu Mirim

Exu Pimenta

Exu Sete Montanhas

Exu Ganga

Exu Kaminaloá

Exu Malê

Exu Quirombô

Polo Passivo

Pomba Gira - PombaGira das Almas


Linha do Cemitério ou dos Caveiras

Chefe - Exu Caveira, tendo sob sua responsabilidade as ações dos espíritos vulgarmente conhecidos como caveiras, sendo suas manifestações, não para todos estes elementos, na forma de esqueletos. Há sim, alguns destes espíritos que se apresentam e manifestam-se como esqueletos, porém não todos. O fato que outorgou-lhes o denominativo de caveiras é o simples fato de que estes espíritos trabalham e respondem obediência a Exu Caveira, também e pelo fato de que estes espíritos trabalham, e recebem suas oferendas dentro dos cemitérios. São os componentes desta linha:


Exús

Exu Tatá Caveira

Exu Brasa

Exu Pemba

Exu do Lodo

Exu Carangola

Exu Arranca Toco

Exu Pagão

Polo Passivo

Pomba Gira - PombaGira Rainha dos Cemitérios


Linha Nagô

Chefe - Exu Gererê, os espíritos que são os componentes desta linha são exímios entendidos na pratica da magia, seja astral, seja natural ou qualquer outra forma ou modalidade a eles requisitados. Sua atuação principal é dentro da magia vodu, muito conhecida a nível superficialissímo, sendo esta modalidade da magia, ensinada a pouquíssimos iniciados, haja vista sua complexidade, sua extrema e perigosíssima eficiência, que em mãos erradas podem resultam grandes e as vezes irreversíveis conseqüências, tanto ao operador quanto a infeliz vítima. Quero deixar claro que a magia vodu pode ser amplamente requisitada e usada para fins maléficos, na qual obtém resultados rápidos e por demais eficientes, contudo a magia vodu também, e deveria assim ser, utilizada para fins benéficos e virtuosos. Os espíritos que se apresentam dentro desta linha são denominados vulgarmente de "Gangas". Este fato é existente pelo pouco conhecimento que se tem que o chefe desta linha é Exu Gererê, ou seja é ele um Exu pouco conhecido, apresenta-se sempre com uma armadura, carregando um tridente e uma espada, porém confundido com Exu Ganga, que por sua vez, é por demais conhecido dentro das giras Umbandistas e Quimbandistas, e é este Exu, elemento desta forte e perigosa linha da Quimbanda. São os elementos desta linha:


Exús

Exu Quebra Galho

Exu Sete Cruzes

Exu Gira Mundo

Exu dos Cemitérios

Exu da Capa Preta

Exu Curador

Exu Ganga

Polo Passivo

Pomba Gira- PombaGira Maria Padilha


Linha de Mossorubi

Chefe - Exu Kaminaloá, os espíritos que se apresentam dentro desta linha possuem um especialidade real para os males de origem espiritual que por ventura venham causar perturbações dentro da mente do ser humano. São os elementos desta linha exímios conhecedores da mente humana e por esta razão são evocados para realizarem os mais diverso tipos de trabalhos onde se necessite o tratamento mental ou desenvolvimento mental para se conseguir os objetivos do operador. São os elementos que compõe esta linha:


Exús

Exu dos Ventos

Exu dos Morcego

Exu Sete Portas

Exu Tranca Tudo

Exu Marabá

Exu Sete Sombras

Exu Calunga

Polo Passivo

Pomba Gira - PombaGira Maria Molambo


Linha dos Caboclos Quimbandeiros

Chefe - Exu Pantera Negra, conhecido por este nome devido à sua enorme coragem e força para vencer demandas e realizar os mais terríveis trabalhos de magia, além de ter o poder de curar até doenças tidas como incuráveis, também possui o poder de enriquecer quem a ele recorrer, esta linha possui este denominativo não é atoa, pois os espíritos que compõe esta linha se apresentam como se fossem caboclos, índios americanos enfim, tendo especialidade em trabalhos de cura e desobsidiação, além de favorecerem as riquezas materias e tesouros, são exímios guerreiros, a maioria delas pertencem a antiga tribo Sherokee dos E.U.A. Assim como ocorre em todas as linhas, é esta composta por sete falanges, cada uma com seu respectivo chefe, que por sua vez comanda outras sete legiões, onde se divide novamente em sete falanges, novamente, cada falange com sete chefes e assim sucessivamente até certo limite. São os elementos desta linha:


Exús

Exu Sete Cachoeiras

Exu Tronqueira

Exu Sete Poeiras

Exu da Matas

Exu Sete Pedras

Exu do Cheiro

Exu Pedra Negra

Polo Passivo

Pomba Gira - PombaGira da Figueira


Linha Mista

Chefe - Exu dos Rios ou Campinas. Possui este denominativo, pelo fato de que os espíritos que compõe esta linha não são Exus, mas sim Kiumbas, ou seja, espíritos desencarnados, espíritos de mortos, que servem a Exu. Estes espíritos se encontram nestas condições por fatores que não correspondem ao assunto proposto por esta página. Estes espíritos que trabalham dentro desta linha são os responsáveis pelas obsidiações ou obsessões, excitando várias doenças que por serem causadas a nível espiritual, não são diagnosticadas pelos médicos encarnados, o que torna estas doenças impossíveis de serem curadas pelos métodos da ciência profana. Chegam a causar loucura, estados mentais de perturbações diversas. Mas aqui vai um lembrete: Os Agentes Mágicos são em verdade forças cegas, e assim sendo cabe ao operador direcioná-la da maneira melhor possível, tendo em mente sempre a infalível Lei do Retorno. Sendo esta Linha composta por Kiumbas, é esta apenas regida pelo Exu dos Rios ou Campinas, tendo como polo passivo da linha, Pomba Gira, ou seja todas as Pomba Giras.

Umbanda e Quimbanda


Relações Existentes Entre as Linhas da Quimbanda e Umbanda.

Uma vez se entendendo que há uma perfeita harmonia entre as ações dos elementos que compõe as linhas da Quimbanda e da Umbanda, cada elemento destes há um paralelo, um elo de ligação entre a Umbanda e a Quimbanda.

Entre as Linhas da Umbanda Linhas da Quimbanda:


Linha de Oxalá Linha Malei

Linha de Ogum Linha do Cemitério

Linha de Oxóssi Linha dos Caboclos Quimbandeiros

Linha de Xangô Linha de Mossorubi

Linha de Yorimá Linha da Almas

Linha de Ibêji Linha Mista

Linha de Yemanjá Linha Nagô


Há ainda outros elos de ligação entre os Orixás da Umbanda com os Exus da Quimbanda.


No caso de Ogum, há uma manifestação de Ogum, para corresponder com cada uma das sete Linhas da Quimbanda:


Ogum de Malei Linha Malei

Ogum Megê Linha do Cemitério

Ogum Rompe Mato Linha dos Caboclos Quimbandeiros

Ogum Rompe Mato Linha de Mossorubi

Ogum Megê Linha da Almas

Ogum Xoroquê Linha Mista

Ogum de Nagô Linha Nagô


Elos existentes dentro das próprias Linhas de Umbanda com os Exus:


Linha de Oxalá

1ª Falange ou Legião - Caboclo Urubatão - Exu Sete Encruzilhadas

2ª Falange ou Legião - Caboclo Guaracy - Exu Sete Poeiras

3ª Falange ou Legião - Caboclo Guarani - Exu Sete Cruzes

4ª Falange ou Legião - Caboclo Aymoré - Exu Sete Chaves

5ª Falange ou Legião - Caboclo Tupy - Exu Sete Pembas

6ª Falange ou Legião - Caboclo Ubiratan - Exu Sete Capas

7ª Falange ou Legião - Caboclo Ubirajara - Exu Sete Ventanias


Linha de Ogum

1ª Falange ou Legião - Caboclo Ogum Da Lei - Exu Tranca Ruas das Almas

2ª Falange ou Legião - Caboclo Ogum Matinada - Exu Tira Teimas

3ª Falange ou Legião - Caboclo Ogum Rompe Mato - Exu Veludo

4ª Falange ou Legião - Caboclo Ogum Beira Mar - Exu Arranca Toco

5ª Falange ou Legião - Caboclo Ogum Malei - Exu Porteira

6ª Falange ou Legião - Caboclo Ogum Megê - Exu Limpa Trilho

7ª Falange ou Legião - Caboclo Ogum Yara - Exu Tranca Gira


Linha de Oxóssi

1ª Falange ou Legião - Caboclo Arranca Toco - Exu Marabô

2ª Falange ou Legião - Caboclo Araribóia - Exu Pemba

3ª Falange ou Legião - Caboclo Arruda - Exu Campina ou dos Rios

4ª Falange ou Legião - Caboclo Cobra Coral - Exu da Capa Preta

5ª Falange ou Legião - Caboclo Tupinambá - Exu Lonan

6ª Falange ou Legião - Cabocla Jurema - Exu Bauru

7ª Falange ou Legião - Caboclo Pena Branca - Exu da Matas


Linha de Xangô

1ª Falange ou Legião - Caboclo Xangô Kaô - Exu Gira Mundo

2ª Falange ou Legião - Caboclo Xangô Pedra Branca - Exu Mangueira

3ª Falange ou Legião - Caboclo Xangô Agodô - Exu Pedreira

4ª Falange ou Legião - Caboclo Xangô Sete Montanhas - Exu Corcunda

5ª Falange ou Legião - Caboclo Xangô Sete Cachoeiras - Exu Calunga

6ª Falange ou Legião - Caboclo Xangô Pedra Preta - Exu Meia Noite

7ª Falange ou Legião - Caboclo Xangô Sete Pedreiras - Exu Ventania


Linha de Yorimá

1ª Falange ou Legião - Pai Guiné - Exu Pinga Fogo

2ª Falange ou Legião - Pai Tomé - Exu Come Fogo

3ª Falange ou Legião - Pai Joaquim - Exu Bara

4ª Falange ou Legião - Pai Benedito - Exu Alebá

5ª Falange ou Legião - Vovó Maria Conga - Exu Caveira

6ª Falange ou Legião - Pai Congo D´Aruanda - Exu do Lodo

7ª Falange ou Legião - Pai Arruda - Exu Brasa


Linha de Yori ou Ibêji

1ª Falange ou Legião - Tupanzinho - Exu Tiriri

2ª Falange ou Legião - Ori - Exu Toquinho

3ª Falange ou Legião - Damião - Exu Manguinho

4ª Falange ou Legião - Yari - Exu Ganga

5ª Falange ou Legião - Doum - Exu Lalu

6ª Falange ou Legião - Cosme - Exu Veludinho

7ª Falange ou Legião - Yariri - Exu Mirim


Linha de Yemanjá

1ª Falange ou Legião - Cabocla Yara - Exu Pomba Gira Rainha

2ª Falange ou Legião - Cabocla Estrela do Mar - Exu Carangola

3ª Falange ou Legião - Cabocla Indaiá - Exu Nanguê

4ª Falange ou Legião - Cabocla do Mar - Exu Maria Padilha

5ª Falange ou Legião - Cabocla Yansã - Exu Maré

6ª Falange ou Legião - Cabocla Nanã Burukun - Exu Gererê

7ª Falange ou Legião - Cabocla Oxum - Exu do Mar


Assim como estas ligações, elos, correspondências e afinidades existentes entre os Orixás da Umbanda e os Exus, existem muitas outras, porém se torna impraticável apresenta-las a todas.

O que é a Tradição


O termo tradição foi profusamente usado anteriormente. É agora necessário defini-lo com tanta exatidão quanto possível de modo a evitar incompreensão sobre um conceito que reside no cerne da nossa preocupação para com o significado do sagrado na sua relação com o conhecimento. A utilização do termo tradição no sentido que lhe é conferido no presente estudo surgiu para a civilização Ocidental no momento da fase final da dessacralização do conhecimento e do mundo que rodeava o homem moderno. A redescoberta da tradição constituiu uma espécie de compensação cósmica, uma bênção do Empíreo Divino e da sua misericórdia que tornou possível, num momento em que tudo parecia perdido, a reafirmação da Verdade que constitui o próprio coração e essência da tradição. A formulação do ponto de vista tradicional foi uma resposta do Sagrado, que é simultaneamente o alfa e o ômega da existência humana, à elegíaca sentença do homem moderno perdido num mundo deposto do sagrado e, por conseguinte, deposto de significado.


“The First who comes Last”, a reafirmação da tradição nesta tarda hora da história da humanidade, tradição que é ela própria de carácter primordial e que possui continuidade ao longo dos tempos, tornou possível uma vez mais o acesso àquela Verdade segundo a qual os seres humanos viveram durante a grande parte – ou antes a quase totalidade – da sua história terrestre. Foi necessário que esta Verdade fosse novamente declarada e reformulada em nome da tradição, devido precisamente ao quase total eclipse e à perda daquela realidade que constituiu a matriz da vida da humanidade normal ao longo dos tempos. A utilização do termo e o recurso ao conceito da tradição tal como se efetiva no mundo contemporâneo são, de certa forma, uma anomalia tornada necessária pela anomalia em que consiste o mundo moderno.3


Várias línguas anteriores aos tempos modernos não utilizavam um termo que correspondesse exatamente ao da tradição já que a humanidade pré-moderna se caracterizava ela própria por aqueles que aceitavam o ponto de vista tradicional. O homem pré-moderno estava demasiado imbuído no mundo criado pela tradição para que tivesse a necessidade de ver este conceito definido de modo exclusivo. Este homem era como os peixinhos que, de acordo com a parábola Sufi, se aproximaram de sua mãe um dia pedindo que lhes fosse explicada a natureza da água de que tanto haviam ouvido falar, mas que jamais haviam visto ou lhes tinha sido definida e descrita. A mãe respondeu que se alegraria em revelar-lhes a natureza da água desde que primeiramente encontrassem algo que não fosse água. De igual modo, as humanidades normais viviam em mundos tão impregnados com aquilo a que agora chamamos de tradição que não reconheciam sentido em chamar tradição a um conceito isolado, tal como foi necessário definir e formular no mundo moderno. Os homens pré-modernos tinham uma percepção da revelação, da sabedoria, do sagrado e também conheciam os períodos de decadência das suas civilizações e da sua cultura, mas nunca tinham tido a experiência de um mundo totalmente secularizado e anti-tradicional que viesse a necessitar de uma definição e formulação da tradição, tal como foi o caso dos dias de hoje. Num certo sentido, a formulação do ponto de vista tradicional e a reafirmação da perspectiva tradicional total, a qual se equipara à recapitulação de todas as verdades manifestadas no atual ciclo da história da humanidade, não poderia senão surgir no crepúsculo da Idade Negra que marca de uma vez o fim e a véspera que precede um novo amanhecer de esplendor. Apenas o fim de um ciclo de manifestação torna possível a recapitulação da totalidade do ciclo e a criação de uma síntese que possa então servir como a semente para um novo ciclo.4


O conceito da tradição teve que ser evidenciado e os ensinamentos tradicionais expressos na sua totalidade; e é exatamente isto que tem acontecido durante esta última etapa da história da humanidade. Mas os escritos tradicionalistas estão longe de ser amplamente conhecidos no mundo moderno. Na realidade, tivessem-se tornado bem conhecidos os escritos daqueles que partilham o ponto de vista tradicional e quase não seria necessário redefinir, aqui e agora, o significado da tradição à qual tantas páginas, artigos e até mesmo livros se têm devotado.5 Um dos aspectos mais significativos da vida intelectual deste século, contudo, é precisamente o omissão deste ponto de vista em círculos cuja função oficial é a de cuidarem aspectos de ordem intelectual. Se esta omissão é deliberada ou acidental não é a nossa preocupação aqui. Seja qual for a causa, o resultado é que sessenta ou setenta anos depois do aparecimento no Ocidente de trabalhos com carácter tradicional, a tradição ainda é incompreendida em muitos círculos e é confundida com costume, hábito, padrões de pensamento herdados, entre outros. Daí a necessidade de aprofundar uma vez mais o seu significado, apesar de tudo o que já foi escrito sobre o assunto.


No que concerne a linguagens tradicionais, estas não possuem, pelas razões já mencionadas, um termo que corresponda exatamente à tradição. Existem termos fundamentais com o dharma Hindu e Budista, o al-dīn Islâmico, o Tao Taoísta, entre outros que estão inextricavelmente relacionados com o significado do termo tradição, mas que não são idênticos a este ainda que os mundos ou civilizações criados pelo Hinduísmo, Budismo, Taoísmo, Judaísmo, Cristandade, Islão, ou para este contexto por qualquer outra religião, sejam obviamente mundos tradicionais. Cada uma destas religiões é também o coração ou origem da tradição que prolonga os princípios da religião para domínios diferentes. Tradição também não significa exatamente traditio na forma em que é usado no Catolicismo, apesar de incluir a ideia da transmissão de uma doutrina e práticas de uma natureza inspirada e enfim revelada que são implicadas pelo termo traditio. Na realidade, a palavra tradição está etimologicamente relacionada com transmissão e, no âmbito do seu significado, contém a ideia de transmissão de conhecimento, práticas, técnicas, leis, formas, e muitos outros elementos de natureza oral e escrita. A tradição é como uma presença viva que deixa impressa a sua marca, mas que não é redutível a essa marca. Aquilo que transmite pode-se parecer com palavras escritas sobre pergaminho, mas pode também consistir em verdades gravadas nas almas dos homens, de uma forma tão subtil como o murmúrio ou mesmo o relance do olho através do qual certos conhecimentos são transmitidos.


A tradição utilizada no sentido técnico deste trabalho, tal como em todos os nossos outros escritos, designa verdades ou princípios de origem divina revelados ou desvendados à humanidade e, de facto, todo um sector cósmico por meio de várias figuras encaradas como mensageiros, profetas, avatares, o Logos ou outros agentes de transmissão, a par com todas as ramificações e aplicações destes princípios em domínios vários que incluem a lei e estrutura social, a arte, o simbolismo, as ciências, e abrange evidentemente o Conhecimento Supremo bem como os meios para a sua obtenção.


No seu sentido mais universal, tradição pode ser considerada como inclusa de princípios que ligam o homem ao Céu, e por conseguinte de religião, enquanto tomando um outro ponto de vista a religião pode ser considerada na sua essência como aqueles princípios que são revelados pelo Céu e que ligam o homem à sua Origem. Neste caso, tradição pode ser considerada num sentido mais restrito como sendo a aplicação destes princípios. A tradição implica verdades de um carácter supra individual enraizadas na natureza da realidade como tal, porquanto, conforme foi afirmado, “A tradição não é uma mitologia infantil e fora de moda, mas uma ciência terrivelmente real”.6 A tradição, tal como a religião, é de uma vez verdade e presença. Concerne o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido. Surge da Fonte da qual tudo se origina e para a qual tudo retorna. Por conseguinte, engloba todas as coisas tal como o “Respiro do Compassivo” que, de acordo com os Sufis, é precisamente a raiz da própria existência. A tradição está inextricavelmente relacionada com revelação e religião, com o sagrado, com a noção de ortodoxia, com autoridade, com a continuidade e regularidade da transmissão da verdade, com o exotérico e com o esotérico e bem assim com a vida espiritual, a ciência e as artes. As cores e nuances do seu significado tornam-se deveras clarificadas uma vez que a sua relação com cada um destes e de outros conceitos e categorias pertinentes é elucidada.


Para muitos dos que foram atraídos ao chamamento da tradição durante as parcas últimas décadas, o significado da tradição tornou-se relacionável acima de tudo com a sabedoria perene que reside no coração de cada religião e que não é outra que não a Sophia cuja posse foi considerada como o objetivo supremo da vida humana, no Ocidente bem como no Oriente, segundo a perspectiva sapiencial. Esta sabedoria eterna da qual a ideia da tradição não pode ser dissociada e que constitui um dos componentes principiais do conceito da tradição é nenhum outro que a sophia perennis da tradição Ocidental a que os Hindus chamam sanatāna dharma7 e os Muçulmanos al-ḥikmat al-khālidah (ou jāvīdān khirad em Persa)8.


Num certo sentido, sanatāna dharma ou sophia perennis estão relacionadas com a Tradição Primordial9 e, por conseguinte, com a Origem da existência humana. Mas esta visão não deve de modo algum desviar ou anular a autenticidade das últimas mensagens do Céu na forma das várias revelações, cada uma das quais começa com uma origem que é a Origem e sinaliza o começo de uma tradição que é de uma vez a Tradição Primordial e a sua adaptação a uma humidade particular, sendo esta adaptação a Possibilidade Divina manifestada no plano humano. A atracção do homem do Renascimento pela quimera das origens e a “Tradição Primordial” que levou Ficino a desprezar a tradução de Platão em favor do Corpus Hermeticum, que era então considerado como mais antigo e primordial, atracção esta que passou também a fazer parte da visão do mundo e do Zeitgeist do século dezenove10, provocou muita confusão em torno da questão do significado da “Tradição Primordial” na sua relação com as várias religiões. Cada tradição, e portanto Tradição, estão profundamente relacionadas com a sabedoria perene ou ‘Sophia’, não devendo esta ligação ser considerada como apenas temporal e nem como uma causa para a rejeição daquelas outras mensagens do Céu que constituem as diferentes religiões e que são, claramente, interiormente relacionadas com a Tradição Primordial sem que sejam somente a sua continuidade histórica ou temporal. A genialidade espiritual e a particularidade de cada tradição não podem ser negligenciadas em nome da sempre presente sabedoria que reside no coração de cada e de todas as descendências celestes.


A.K. Coomaraswamy, um dos mais relevantes expositores das doutrinas tradicionais no período contemporâneo, traduziu sanatāna dharma como philosophia perennis, ao que adicionou o adjetivo universalis. Sob a sua influência, muitos identificaram tradição como a filosofia perene com a qual está profundamente relacionada.11 Mas o termo philosophia perennis, ou a sua tradução Inglesa, é de alguma forma problemático em si mesmo e carece de definição prévia para que a tradição possa ser compreendida por referência àquela. Contrariamente ao que Huxley afirma, o termo philosophia perennis não foi empregue pela primeira vez por Leibniz, ainda que este o tenha citado numa célebre carta escrita a Remond em 1714.12 Mais propriamente, o termo foi provavelmente primeiramente empregue por Agostino Steuco (1497-1548), o filósofo e teólogo Augustiniano da Renascença. Apesar do termo ter sido associado a muitas e diferentes escolas, incluindo a Escolástica, especialmente a escola Tomista13, e o Platonismo em geral, estas são associações mais recentes, enquanto que a associação do termo com Steuco foi identificada a respeito da sabedoria perene que abrangia a filosofia e a teologia e não apenas pela relação com uma escola de sabedoria ou de pensamento.


O trabalho de Steuco De perenni philosophia foi influenciado por Ficino, por Pico e ainda por Nicolas de Cusa, especialmente pelo De pace fidei que fala da harmonia entre as várias religiões. Steuco, que conhecia Árabe e outras línguas Semitas e que era bibliotecário da Biblioteca do Vaticano, o que lhe concedeu acesso à “sabedoria dos tempos” com a profundidade que era possível no Ocidente naquela altura, seguiu as ideias destas figuras antigas no que respeita à presença de uma sabedoria ancestral que tinha existido desde o despertar da história. Ficino não falou de philosophia perennis mas aludiu sim por diversas vezes à philosophia priscorium ou prisca teologia, que pode ser traduzida como antiga ou venerável filosofia e teologia. No encalço de Gemisthus Plethon, o filósofo Bizantino que escreveu sobre esta sabedoria ancestral e enfatizou o papel de Zaratustra como mestre deste conhecimento ancestral de ordem sagrada, Ficino enfatizou a significância do Corpus Hermeticum e dos Oráculos Caldeus, os quais considerava terem sido compostos por Zaratustra e que teriam sido estes as origens desta sabedoria primordial. Steuco acreditava que Platão herdara esta sabedoria14 e que com este a verdadeira filosofia tinha sido originada, tal como a verdadeira teologia teria tido origem na Cristandade. Esta verdadeira filosofia, vera philosophia, era para ele o mesmo que religião e, a verdadeira religião, o mesmo que esta filosofia. Para Ficino, tal como para tantos outros Cristãos Platonistas, Platão teria conhecido o Pentateuco e teria sido um “Moisés greco-falante,” este Platão a quem Steuco chamou Platão divinus e que muitos sábios Muçulmanos, de modo semelhante, titularam de Aflāṭūn al-ilāhī, o “Platão Divino.”15 Ficino, de certa forma, reformulou a visão de Glemithus Plethon relativamente à perenidade da verdadeira sabedoria.16 O compatriota de Ficino, Pico della Mirandola, adicionaria ainda às fontes da philosophia priscorium consideradas por Ficino, não Cristãs e especialmente Greco-Egípcias, o Corão, a filosofia Islâmica e a Cabala, ainda que tenha dado seguimento à perspectiva de Ficino e que tenha enfatizado a ideia da continuidade de uma sabedoria que é essencialmente uma ao longo das várias civilizações e períodos da história.


A philosophia perennis de Steuco era nada mais que esta philosophia priscorium, mas sobre uma outra designação.17 Steuco afirmou que a sabedoria era originariamente de origem divina, um conhecimento sagrado dado por Deus a Adão que, para a maioria dos seres humanos, foi gradualmente esquecido e se tornou num sonho sobrevivente apenas e quase integralmente na prisca teologia. Esta verdadeira religião ou filosofia, cujo objetivo é a theosis e a obtenção do conhecimento sagrado, existiu desde o começo da história humana e é obtenível através da expressão histórica desta verdade nas suas várias tradições ou pela intuição intelectual e contemplação “filosófica”.


Apesar de severamente atacada por muitos sectores por expressar ideias tão opostas ao humanismo da Renascença e às interpretações um tanto exotéricas e sectárias da Cristandade que prevaleciam naqueles tempos, o termo utilizado por Steuco continuou a sobreviver e ficou célebre devido à utilização que lhe foi dada por Leibniz, este que tinha uma certa simpatia com as ideias tradicionais. Mas, algo curiosamente, o termo apenas ganhou popularidade generalizada no século vinte. Se a sabedoria perene ou antiga for de facto compreendida tal como Plethon, Ficino e Steuco o fizeram, então está relacionada com a ideia da tradição e pode mesmo ser empregue como uma tradução de sanatāna dharma, desde que o termo philosophia não seja tomado apenas de maneira teórica mas que abranja também a realização18.


A tradição contém o sentido de uma verdade que é simultaneamente de origem divina e perpetuada ao longo de um importante ciclo da história da humanidade através, quer de transmissão, quer da renovação da mensagem por meio de revelação. A tradição também implica uma verdade interior que reside no coração das diferentes formas sagradas e que é única porquanto a Verdade é una. Em ambos os sentidos, a tradição está intimamente relacionada com a philosophia perennis se este termo for entendido como a Sophia que sempre foi e sempre será e que é perpetuada juntamente por meios de transmissão horizontal e de renovação vertical através do contacto com aquela realidade que o era “no início” e que o é aqui e agora.19


Antes de abandonar o assunto da philosophia perennis, parece apropriado dedicar um momento ao destino dado a esta ideia pela tradição Islâmica, em cuja relação com o conhecimento sagrado e o seu significado como uma verdade perene revivida em cada revelação é bastante evidente e mais enfatizada do que na tradição Cristã. O Islão não só vê a doutrina da unidade (al-Tawḥīd) como a essência da sua própria mensagem, mas também como o coração de todas as religiões. Para o Islão, a revelação significa a afirmação da al-Tawḥīd e as religiões são todas vistas como várias repetições da doutrina da unidade em diferentes regiões e línguas. Mormente, onde quer que a doutrina da unidade seja encontrada, é considerada como sendo de origem divina. Logo, os Muçulmanos não faziam distinção entre religião e paganismo, mas sim entre aqueles que aceitavam a unidade e aqueles que a negavam ou a ignoravam. Sábios da antiguidade tais como Pitágoras e Platão eram, para eles, “unitarianos” (muwaḥḥidün) que expressavam a verdade que reside no coração de todas as religiões20. Por conseguinte, eles pertenciam, e não eram considerados estranhos, ao universo Islâmico.


A tradição intelectual Islâmica viu nos ensinamentos de profetas tão antigos como Adão, nos seus aspectos juntamente gnósticos (ma’rifah ou ‘irfān) e filosóficos e teosóficos (falsafah-ḥikmah)21, a fonte desta verdade única que é a “Religião da Verdade” (dīn al-ḥaqq) e considerava o profeta Idrīs, que era associado a Hermes, como o “pai dos filósofos” (Abu’l-ḥukamā’)22. Muitos Sufis, para além de chamarem “divino” a Platão, relacionaram também Pitágoras e Empédocles, este último associado com um importante corpo que influenciou certas escolas de Sufismo, entre outros, à sabedoria primordial associada com a profecia. Já filósofos Peripatéticos (mashshā’ī) anteriores, tais como al-Fārābī, tinham visto a relação entre filosofia e profecia e revelação. Figuras posteriores, tal como Suhrawardī, expandiram esta perspectiva para incluir a tradição da Pérsia pré-Islâmica23. Suhrawardī falava frequentemente da al-ḥikmat al-laduniyyah ou Sabedoria Divina (literalmente a sabedoria que está perto de Deus) em termos praticamente idênticos aos do significado tradicional da Sophia e também da philosophia perennis, incluindo o seu aspecto de realização24. Uma figura Islâmica posterior, do século oitavo/décimo quarto (Islâmico/Cristão), o gnóstico e teólogo Sayyid Ḥaydar Āmulī, não se coibiu em apontar a correspondência que existia entre o pleroma “Maomediano” das setenta e duas estrelas do universo Islâmico e as setenta e duas estrelas do pleroma compreendido por aqueles sábios que teriam preservado a sua natureza primordial, mas pertencido a um mundo exterior ao especificamente Islâmico.25


Ṣadr al-Dīn Shīrāzī identificou o conhecimento verdadeiro como sendo a sabedoria perene que existira desde o início da história da humanidade26. A concepção Islâmica acerca da universalidade da revelação apresentava paralelismo com a ideia de uma verdade primordial que sempre existiu e sempre existirá, uma verdade sem história. O al-dīn árabe, que é provavelmente a palavra mais adequada para traduzir o termo tradição, é indissociável da ideia de sabedoria permanente e perpétua, a sophia perennis que também pode ser identificada com a philosophia perennis tal como uma personalidade como Coomaraswamy a entendeu.


Para melhor compreender o significado da tradição também é necessário abordar com maior profundidade a sua relação com a religião. Se por um lado tradição está etimológica e conceptualmente relacionada com transmissão, por outro lado, a raiz do significado de religião implica “ligar” (do Latim religare)27. Tal como mencionado anteriormente, é o que liga o homem a Deus e simultaneamente o que os liga entre eles como membros de uma comunidade sagrada ou de um povo, ou o que o Islão apelida de ummah. Compreendida neste sentido, a religião pode ser considerada como a origem da tradição, como o início celeste que através da revelação manifesta certos princípios e verdades em cujas aplicações se encerra a tradição. Mas, tal como indicado anteriormente, o significado pleno da tradição inclui esta origem bem como as suas ramificações e desdobramentos. Neste contexto, a tradição é um conceito genérico que abrange a religião tal como o termo Árabe al-dīn significa de uma vez tradição e religião no seu sentido mais universal, enquanto a religião tal como é utilizada num sentido mais lato é compreendida por alguns como inclusa da aplicação dos seus princípios revelados e do seu desenvolvimento histórico posterior, a ponto de encerrar ela própria aquilo que entendemos por tradição ainda que este ponto de vista tradicional difira do religioso como resultado da intrusão do modernismo e das forças anti-tradicionais no seio da própria religião.


Mormente, o significado limitado que o termo religião ganhou nas línguas Europeias induziu autores tradicionalistas como Guénon na certeza de cingir a utilização deste termo exclusivamente às religiões ocidentais, especialmente nas suas expressões exotéricas, distinguindo-as do Hinduísmo, do Taoismo, e de outras como estas a que chamou de tradição em vez de religião. Contudo, não existe qualquer limitação de princípio no termo religião nem nenhuma razão para excluir o Hinduísmo da categoria de religião desde que este termo seja entendido como o que liga o homem à Origem através da mensagem, da revelação, ou da manifestação que provem da Realidade Última.


A limitação da religião aos seus aspectos mais externos, na história recente do Ocidente, também levou a que termos tais como arte religiosa ou literatura religiosa se tornassem tão desprovidos do sentido do sagrado e desviados da tradição, considerada como a aplicação dos princípios de ordem transcendente, que aquilo que é atualmente apelidado de arte religiosa, literatura religiosa, etc., apresenta muitos vezes um carácter não-tradicional ou até mesmo anti-tradicional. Tornou-se, por conseguinte, necessário distinguir o tradicional do religioso em contextos como estes. Mas logo que o termo religião seja ressuscitado para significar o que descende da Fonte, naquelas manifestações objetivas do Logos chamadas de revelação no caso das religiões Abraâmicas ou de avataricas no caso do Hinduísmo, a religião poderá então ser vista como o coração daquela ordem plena e totalmente abrangente que é a tradição. Obviamente, este entendimento da religião em toda a sua amplitude e universalidade é apenas possível quando o ponto de vista tradicional é reavivado e quando a realidade é admirada segundo a perspectiva do tradicional e do sagrado, e não do profano.


Para discutir a relação da tradição para com a religião é necessário aprofundar o problema da pluralidade das religiões. Fala-se da Tradição Primordial ou da Tradição como tal, porém também que a multiplicidade das formas religiosas implica a multiplicidade das tradições, do mesmo modo que existe uma sophia perennis mas várias religiões onde se pode encontrar em diferentes formas. Existe necessariamente um confronto com a questão fundamental da Tradição e das tradições, uma questão sobre a qual muito tem sido escrito e que tanta confusão tem provocado. Tomando um determinado ângulo, não existe senão uma Tradição, a Tradição Primordial, a que é sempre. É a verdade única que é de uma vez o coração e a origem de todas as verdades. Todas as tradições são manifestações terrenas de arquétipos celestes que se relacionam enfim com o arquétipo imutável da Tradição Primordial, do mesmo modo que todas as revelações se relacionam com o Logos ou com a Palavra que foi o início e que é de uma vez um aspecto do Logos Universal e o Logos Universal como tal.28


Todavia, cada tradição está fundada numa mensagem direta do Céu e não é apenas o resultado da continuidade histórica da Tradição Primordial. Um profeta ou avatar nada deve a ninguém exceto o que recebe da Origem. Certos ocultistas e círculos pseudo-esotéricos do mundo moderno que reclamam ser tradicionais falaram de um depositário efetivo da Tradição Primordial na terra, geralmente identificando tal local com uma qualquer região na Ásia Central ou até mesmo reclamando o contacto com representantes do centro29. Muitos aspirantes vaguearam pelas montanhas do Hindu Kush ou pelos Himalaias em busca de um tal centro e criou-se toda uma ficção científica em torno de uma geografia sagrada que foi interpretada de modo literário na vez de simbólico. Do ponto de vista tradicional, a realidade da Tradição Primordial e do “Centro Supremo” é veementemente confirmada, mas esta afirmação em nada diminui ou aniquila a autenticidade ou completa originalidade de cada religião e tradição que conforma com um arquétipo particular e que representa uma manifestação direta da Origem, marcando a ruptura da dimensão horizontal e temporal pela vertical e transcendente. Existem juntamente Tradição e tradições sem que uma contradiga a outra. Falar de Tradição não significa rejeitar a origem celestial de qualquer uma das religiões e tradições autênticas, mas significa antes o confirmar do sagrado em cada mensagem “original” do Céu30, enquanto se permanece ciente daquela Tradição Primordial que é confirmada não apenas nas doutrinas e símbolos de cada tradição mas também através da preservação da uma “presença” que é inseparável do sagrado.


A perspectiva tradicional está de facto tão intimamente ligada com o sentido do sagrado que é necessário dizer algo sobre o sagrado e tentar “definir” o seu significado. Até certo ponto, o sagrado, tal como a verdade, a realidade, ou o ser, é demasiado principal e elementar para que seja delimitado na forma lógica de definir um universal por meio de género e de diferenças específicas. O sagrado reside na natureza da própria realidade, e a humanidade normal possui um sentido para o sagrado tal como o tem para a própria realidade, que se distingue naturalmente do irreal31. Mas a condição do homem humano é tal que até mesmo este sentido natural se tornou quase esquecido, provocando a necessidade de providenciar uma “definição” do sagrado. É muito interessante denotar que tentativas como as de R. Otto em relacionar o sagrado com o irracional atraíram a maior atenção durante este século. Este facto implica que a relação com a verdade intelectual ou conhecimento para com o sagrado tenha sido ignorada precisamente devido ao esvaziar do conteúdo sagrado do conhecimento. Mormente, num mundo secularizado, chegou-se a um ponto em que o sagrado é visto segundo a perspectiva de um mundo profano para o qual o sagrado é então o totalmente outro32. Este ponto de vista é perfeitamente compreensível porquanto muitos homens vivem efetivamente num mundo de esquecimento em que a lembrança de Deus é totalmente “outra”; estes homens vivem num mundo de indiferença e trivialidade em que a grandeza do sagrado representa uma radical “outrês”. Mas o que é excepcional no mundo moderno é que a perspectiva sapiencial, que reside no sagrado e vê o profano em termos do sagrado e que foi desde sempre uma presença viva no seio de civilizações normais, tornou-se tão esquecida que a visão do sagrado como completamente estranho ao que aparenta ser uma vida humana “normal” se tornou a única visão, se o sagrado é sequer aceite de todo como uma possibilidade. Na medida em que a realidade do sagrado é aceite pelo menos em círculos religiosos, esta está conectada com o poder de Deus na vez de com a Sua sabedoria.


Talvez a forma mais direta de abordar o significado do sagrado seja a de o relacionando com o Imutável, com aquela Realidade que é simultaneamente o Movedor Inmovido e o Eterno. Aquela Realidade que é imutável e eterna é o Sagrado como tal, e a manifestação desta Realidade no rio do devir e na matriz do tempo é o que possui a qualidade da sacralidade. Um objeto sagrado ou um som sagrado é um objeto ou um som que sustenta o cunho do Eterno e do Imutável naquela realidade física que externamente contém o objeto ou o som. O sentido do sagrado de um homem é não outro que o seu sentido para o Imutável e para o Eterno, a sua nostalgia para com o que ele realmente é, pois ele transporta o sagrado dentro da substância que perfaz o seu próprio ser e, acima de tudo, dentro da sua inteligência que foi criada para conhecer o Imutável e para contemplar o Eterno.


Como tal, O Sagrado é a fonte da Tradição e o que é tradicional é inseparável do sagrado. Aquele que não tem o sentido do sagrado não pode percepcionar a perspectiva tradicional, e o homem tradicional nunca está separado do sentido do sagrado. Contudo, o sagrado é sobretudo como o sangue que flui nas artérias e veias da tradição, um aroma que impregna totalmente uma civilização tradicional33. A tradição prolonga a presença do sagrado para todo o mundo, criando uma civilização em que o sentido do sagrado é ubíquo. Pode ser dito da função de uma civilização tradicional que não é outra senão a de criar um mundo dominado pelo sagrado, mundo este no qual o homem está a salvo do terror do niilismo e do cepticismo que acompanha a perda da dimensão sagrada da existência e a destruição do carácter sagrado do conhecimento.


A abrangência plena que caracteriza a tradição torna-se possível em cada tradição integral pela presença de, e retornando à religião que se situa na origem da tradição, não uma mas várias dimensões, vários níveis de significado ou vários tipos de ensino correspondentes aos diferentes tipos de capacidades espirituais e intelectuais e às necessidades da humanidade escolhida como o veículo terreno da tradição em questão. Apesar da multiplicidade de dimensões ou níveis e de muitas tradições falarem de sete, catorze ou qualquer outro número simbólico de níveis, estes podem ser reduzidos na etapa inicial às duas dimensões básicas que são o exotérico e o esotérico: a primeira, concerne aquele aspecto da mensagem do Céu que governa toda a vida de uma humanidade tradicional; a outra, as necessidades espirituais e intelectuais daqueles que procuram Deus ou a Realidade Última aqui e agora. No Judaísmo e no Islão estas duas dimensões são claramente delineadas, tal como a Talmúdica e a Cabalística ou a Sharī’ah e a Tarīqah, ainda que mesmo nestes casos existam regiões intermédias e um espectro longe de ser abruptamente separável34. Relativamente ao Cristianismo, ainda que este seja essencialmente um eso/exoterismo com uma dimensão esotérica menos bem definida do que as outras duas tradições Abraâmicas, também possuía uma mensagem distintamente esotérica no início, a qual se manifestou em diferentes maneiras durante a história recente do Cristianismo.35


Apesar dos mundos Indiano e do Oriente Longínquo terem estruturas tradicionais diferentes das Abrâamicas, existem, contudo, realidades que correspondem no seu contexto específico às dimensões exotérica-esotérica da tradição, tais como o Código de Manu que complementa o Advaita Vedanta, o Confucionismo que complementa o Taoismo ou as escolas Theravada e Mahayana do Budismo. Apesar da nossa preocupação neste estudo ser para com o conhecimento sagrado, e, portanto, especialmente para com a dimensão esotérica que mais diretamente se relaciona com o conhecimento sagrado, é importante realçar a importância da dimensão exotérica e a necessidade da mesma para uma tradição integral e viva. É particularmente significativo mencionar este ponto em particular à luz das pretensões de tantos grupos pseudo-esotéricos de hoje em dia, que reclamam estarem para além da necessidade do exotérico, em contraste com os grandes sábios de tempos volvidos que por entre as mais intensas expressões de realização espiritual, permaneciam fieis às formas e ensinamentos exotéricos das suas religiões, sendo as raras excepções aquelas que provam a regra.36


O esoterismo é aquela dimensão interna da tradição que aponta ao homem interior de São Paulo. Está escondida devido à sua própria natureza e está acessível apenas a uns poucos porque nesta fase da história humana apenas esse número limitado permanece ciente da dimensão interior da sua própria natureza; os restantes vivem na periferia do círculo da sua própria existência, absortos do Centro que está ligado à circunferência ou periferia pela dimensão esotérica da tradição37. O esotérico é o raio que providencia os meios para ir da circunferência para o Centro, mas não está disponível para todos porque nem todos estão dispostos ou qualificados, nesta vida, para enveredar na jornada que conduz ao Centro. Seguir a dimensão exotérica da religião é, ainda assim, permanecer na circunferência e por conseguinte num mundo que tem um centro, e permanecer qualificado para levar a cabo a jornada para o Centro na vida posterior, sendo a visão beatífica apenas uma possibilidade póstuma do ponto de vista exotérico.


O esotérico autêntico está sempre contido numa tradição total e integral. É apenas no Ocidente moderno, e possivelmente durante a decadência da antiguidade mais recente, que os ensinamentos esotéricos se tornaram distintos da tradição em cuja matriz o esotérico é verdadeiramente o esotérico. Como resultado deste fenômeno, que no que respeita ao mundo moderno remonta ao século dezoito, o esotérico fez-se parecer na sua grande parte como sendo oposto à tradição Cristã, enquanto que o que sobreviveu da tradição Cristã desprezou em muitas instâncias a exata ideia de esotérico de modo similar ao de grande parte das igrejas Cristãs dos dias de hoje que desconsideraram a gnose ou o conhecimento sagrado na exposição da sua mensagem. Devido à disjunção para com uma tradição viva, este denominado esoterismo degenerou num ocultismo inoperativo ou até mesmo prejudicial e o invólucro do conhecimento sagrado permaneceu mas tornou-se deposto do sagrado. Grande parte do esoterismo ostentado no mundo moderno tornou-se desunido do sentido do sagrado em pleno contraste com o esoterismo genuíno, tal como é percebido tradicionalmente, este que está naturalmente relacionado com o sagrado e que é o meio por excelência para obter acesso ao sagrado naquele aqui e agora que é o reflexo do Imutável e do Eterno.38


Independentemente de se considerar no seu aspecto exotérico ou esotérico, tradição implica e é indissociável de ortodoxia. A existir algo como verdade, então também existe erro e normas que permitem ao homem distinguir entre eles. Ortodoxia, no seu sentido mais universal, é nada mais do que a verdade em si mesma e em relação com a homogeneidade formal de um universo tradicional específico. A perda do carácter multidimensional da religião e a redução da mesma a um único nível provocou também o estreitamento do entendimento da ortodoxia, a ponto do esotérico e do místico terem sido recorrentemente punidos como não ortodoxos. A ortodoxia tornou-se identificável com mera conformidade e adquiriu um sentido quase pejorativo entre os que se preocupavam com a intelectualidade, e muitos dos desconhecedores sedentos pela ortodoxia no seu sentido mais universal reclamaram-se a si mesmos como heterodoxos vis-à-vis a redutora concepção e formulação dessa ortodoxia que não deixou espaço para o voo libertador do intelecto santificado. O estreitamento do significado do termo ortodoxia não está, na realidade, desligado da perda do significado original da intelectualidade e da sua redução ao racionalismo. Ao contrário, o significado autêntico da intelectualidade não pode senão estar relacionado com ortodoxia.39


Se a ortodoxia for entendida no seu sentido mais universal, como a qualidade da verdade no contexto de um universo espiritual e religioso específico e também como a verdade como tal, então precisa ser interpretada em níveis diferentes, tal como a própria tradição. Existem certas doutrinas que são extrinsecamente heterodoxas, vis-à-vis uma tradição universal específica, mas intrinsecamente ortodoxas. Um exemplo seria a Cristandade vista segundo o Judaísmo ou o Budismo segundo o ponto de vista do Hinduísmo. Mesmo dentro de uma tradição singular, uma escola esotérica específica pode aparentar ser não ortodoxa do ponto de vista da dimensão exotérica ou até mesmo segundo o de outra escola esotérica da mesma tradição, tal como se verificou em certas escolas do Budismo Japonês. Em todos estes casos, o conceito de ortodoxia tem uma importância capital no julgamento do carácter dos ensinamentos envolvidos, do ponto de vista tradicional, e é quase sinônimo do tradicional no que concerne à conformidade para com a verdade. Não existe qualquer possibilidade de tradição sem ortodoxia nem de ortodoxia fora da tradição. Mormente, ambas são exclusivas de todas as imitações, aberrações, e desvios de origem puramente humana ou por vezes sub-humana, as quais tanto reclamam abertamente serem exteriores às tradições como implicam tais pontos de partida do universo tradicional que tornam impossível a obtenção do acesso às doutrinas, práticas, e àquela presença espiritual única que confere ao homem a possibilidade de ultrapassar o seu ser limitado e atingir a enteléquia que é a sua raison d´être. Em qualquer dos casos, uma árvore é avaliada pelo fruto que sustenta e este princípio é em lado algum mais aplicável do que no julgamento do que é ortodoxo e do que se aparta ou desvia da ortodoxia em todos os níveis da vida religiosa do homem, incluindo não apenas a lei e a moralidade mas também, e especialmente, o domínio do conhecimento e da intelectualidade. A obtenção plena do conhecimento sagrado, incluindo o seu aspecto realizado, está tão relacionada com o conceito chave da tradição como com ortodoxia; e não é possível compreender a significância da tradição sem uma apreciação da sua relação para com a ortodoxia, percebida no seu sentido mais universal.40


Falar da verdade e de ortodoxia no contexto tradicional é, também, falar de autoridade e de transmissão da verdade. Quem ou o que é que determina as verdades religiosas e garante a pureza, regularidade e perpetuidade da tradição? Esta é uma questão chave à qual todas as tradições se dedicaram de diferentes formas. Mormente, estas providenciaram respostas que garantem a autenticidade da tradição sem que tenham recorrido simplesmente a uma solução. Existem tradições que possuem um magisterium e outras uma comunidade sagrada que garante ela mesma a pureza e a continuidade da mensagem41. Algumas enfatizaram a continuidade de uma função sacerdotal e, outras, uma cadeia de transmissão através de instrutores cujas qualificações foram determinadas e definidas pela tradição em questão. Por vezes, foram utilizados vários meios dentro de uma tradição singular, mas a autoridade tradicional permanece inseparável do significado da própria tradição em qualquer dos casos. Existem aqueles que são autoridades em assuntos tradicionais e outros que não o são; existem aqueles que sabem e os que não sabem. Seja em que circunstância for, o individualismo não desempenha nem pode desempenhar um papel na transmissão e na interpretação daquilo que é por definição supra-humano, mesmo que deixe um vasto campo para a elaboração e interpretação humanas. A autoridade intelectual e espiritual é inseparável daquela realidade que é a tradição e os escritos tradicionais autênticos sempre possuem uma qualidade inata de autoridade.


Similarmente, tradição implica a regularidade da transmissão de todos os seus aspectos, desde a regulação e preceitos legais e de ética até ao conhecimento esotérico. Todos os diferentes meios de transmissão, que incluem transmissão oral, iniciação, transferência de poder, técnicas, conhecimento de mestre para discípulo, e a perpetuação de um perfume espiritual e de uma presença sagrada, estão relacionados e são inseparáveis daquela realidade que é a tradição. Viver no mundo tradicional é respirar num universo em que o homem está relacionado com uma realidade que está para além dele mesmo, e a partir da qual recebe aqueles princípios, verdades, formas, atitudes e outros elementos que determinam a própria textura da existência humana. E esta recepção é tornada possível através da transmissão que traz a realidade da tradição para as vidas dos membros de cada geração em conformidade com as suas capacidades e que destina e garante a perpetuação desta realidade sem a corrupção que caracteriza tudo o que é afetado pela influência debilitadora do tempo e do devir.


A natureza totalitária da tradição é também uma peculiaridade que carece ser realçada. Numa civilização caracterizada como tradicional, nada permanece fora do reino da tradição. Não existe nenhum domínio da realidade que possua o direito a existir fora dos princípios tradicionais ou das suas aplicações. Por conseguinte, a tradição concerne não apenas o conhecimento, mas também o amor e as obras. É a fonte das leis que governam a sociedade, mesmo nos casos em que as leis não derivam diretamente da revelação42. É a fundação da ética. Na realidade, a ética não tem qualquer significado fora do quadro estabelecido pela tradição. Também estabelece os princípios e normas para o aspecto político da vida e da sociedade, e a autoridade política está relacionada com a da espiritual apesar da relação entre as duas estar longe de ser uniforme nas diferentes tradições43. De igual modo, a tradição determina a estrutura da sociedade aplicando os princípios imutáveis à ordem social, daí resultando estruturas tão divergentes externamente como são o sistema de Castas Hindu e a “democracia dos monges casados” Islâmica, tal como alguns caracterizaram a sociedade teocrática Islâmica, nas quais existe ainda assim uma igualdade perante Deus e perante a Lei Divina, mas obviamente não segundo o sentido quantitativo moderno.44


A Tradição também governa os domínios da arte e da ciência, com os quais lidaremos nos capítulos seguintes, e está especialmente centrada no conhecimento principial ou naquela ciência suprema que é a metafísica e que foi por diversas vezes confundida no Ocidente com filosofia. Sendo a nossa preocupação o conhecimento na sua relação com o sagrado e menos a totalidade dos aspectos da tradição, é necessário pausar aqui e destrinçar os tipos de conhecimento que existem numa civilização tradicional. Para além das várias ciências cosmológicas, existem, tal como já foi referido, três modos de conhecimento que lidam com os princípios que se podem distinguir num mundo tradicional, especialmente aqueles que são governados por uma das religiões Abraâmicas: sendo estas três a filosofia, a teologia, e a gnose ou, num certo contexto, a teosofia. O mundo moderno distingue apenas dois modos ou disciplinas: filosofia e teologia, em vez das três que existem no mundo tradicional de não apenas a Cristandade, mas também do Islão e do Judaísmo.


Na tradição Islâmica, após vários séculos durante os quais as diferentes perspectivas se formaram, surgiu uma situação que demonstra plenamente o papel e a função da filosofia, da teologia e da metafísica ou gnose num contexto tradicional. Existiam escolas tal como a dos Peripatéticos (mashshā’ī) que podiam ser consideradas filosóficas no sentido tradicional. Existiam escolas de teologia (kalām) tais como a dos Mutazilitas, dos Acharitas, dos Maturiditas, dos Ismailitas, e dos Xíitas dos Doze Imãs. Depois existia a gnose ou a metafísica associada com as várias escolas do Sufismo. No que respeita ao mundo Islâmico, também apareceu gradualmente uma escola associada com Suhrawardī e a sua escola da iluminação (al-ishrāq) que era simultaneamente filosófica e gnóstica e que deveria ser chamada, apropriadamente falando, de teosófica,45 enquanto que nas terras ocidentais do Islão, contemporâneo com este aparecimento, a filosofia cessou de existir como uma disciplina distinta e tornou-se ligada com a teosofia, por um lado, e com a gnose, por outro. De igual modo, o Judaísmo medieval conseguia distinguir entre os mesmos três tipos de perspectivas intelectuais, representadas por individualidades tais como Judas Halévy, Maimonides, Ibn Gabirol, e Luria. Escusado será dizer, na Cristandade medieval era também possível distinguir entre e teologia de São Bernardo, a filosofia de Alberto Magno e a gnose de Meister Eckhart, para não mencionar Roger Bacon ou de Raymond Lull, que correspondem mais à escola de ishrāq de Suhrawardī do que a qualquer outra se a comparação for feita com a tradição Islâmica.46


Todas as três disciplinas têm um papel e uma função a desempenhar na vida intelectual do mundo tradicional. Existe um aspecto da “filosofia” que é necessário para expor certas ideias teológicas e gnósticas assim como existem elementos da teologia e da gnose que estão presentes em toda a expressão autêntica da filosofia merecedora do nome. Pode-se, na realidade, dizer que todo o grande filósofo é também em certa medida um teólogo e um metafísico, no sentido gnóstico, assim como todo o grande teólogo é em certa medida um filósofo e um gnóstico e cada gnóstico em algum grau um filósofo e teólogo, tal como se verificou nos casos de Ibn ‘Arabi e Meister Eckhart.47


Apesar de, devido à completa depleção do que passa, no mundo moderno, como filosofia da verdade tradicional e do sagrado, autores tradicionais como A. K. Coomaraswamy e F. Schuon e especialmente R. Guénon terem atacado severamente a filosofia no sentido de clarificar o terreno de apresentação da metafísica e de precaver quaisquer distorções ou desvios que pudessem ser causadas pela confusão entre a filosofia profana e o conhecimento sagrado48, não há qualquer dúvida que existe tal coisa como a filosofia tradicional ou a filosofia no contexto tradicional49. Apesar de toda a depreciação que o termo filosofia sofreu no mundo moderno, nela ainda ressoa algo da concepção Pitagórica e Platônica da filosofia. É possível ressuscitar o significado desta disciplina e da sua função desde que o carácter sagrado do conhecimento seja estabelecido novamente. Em qualquer dos casos, o mundo intelectual tradicional implica a presença de diferentes dimensões e perspectivas, incluindo o que na tradição Ocidental se chamaria não apenas de teologia e filosofia, mas também de gnose e teosofia50. O desaparecimento da gnose na corrente principal do pensamento Ocidental não poderia senão resultar na trivialização do significado da filosofia, a dissolução da substância da teologia e, finalmente, no aparecimento de uma espécie de inversão do conhecimento tradicional, o qual desfilou durante o século passado como “teosofia”.


Apesar de que a essência da tradição seja eterna presença in divinis, a sua manifestação histórica pode tanto desaparecer completamente do plano terrestre como tornar-se parcialmente inacessível ou “perdida”. Nem toda a tradição é uma tradição viva. A tradição Egípcia, por exemplo, que é uma das mais notáveis conhecidas ao homem, não pode ser praticada nem vivida ainda que tenham sobrevivido as suas formas de arte, símbolos, e mesmo uma certa presença de um tipo mais psicológico do que espiritual a ela pertencente. Aquela vida espiritual que avigorava e animava o corpo terrestre da tradição, partiu para a permanência da origem de todas as religiões e a tradição não pode ser dita como estando tão viva como pode, deixemos dizer, o Hinduísmo ou o Islão. Também existem certas tradições que estão apenas parcialmente acessíveis ou “vivas” no sentido de que apenas estão disponíveis determinadas das suas dimensões ou ensinamentos. Neste caso, existe sempre a possibilidade do rejuvenescimento e regeneração do que foi perdido ou esquecido, porquanto as raízes e os canais de transmissão da tradição se mantenham intactos. Similarmente, as civilizações criadas pelas várias tradições podem tornar-se enfraquecidas, decair, ou morrer sem que decaiam ou morram a religião e certos aspectos da tradição que fez nascer a civilização em questão. Tal é, na realidade, o caso das civilizações tradicionais da Ásia de hoje, as quais decaíram em diferentes graus enquanto as tradições que as fizeram nascer permanecem vivas.


Relativamente aos símbolos tradicionais, uma vez que eles têm a sua raiz no mundo arquetipal do Espírito, é possível ressuscitá-los desde que exista uma tradição viva que possa absorver símbolos, imagens, e até mesmo doutrinas de outro mundo tradicional, sendo que esta absorção implica muito mais do que mero empréstimo histórico51. Em qualquer dos casos, símbolos e ideias de tradições não vivas ou alienígenas não podem ser adoptados ou absorvidos legitimamente noutro mundo que não seja ele próprio tradicional, como tantos atentam fazer no mundo moderno. Aquele que tenta executar tal processo independentemente da tradição está a fazer nada menos do que a usurpação da função de um profeta ou daquele a quem os Muçulmanos chamam o Mahdī e os Hindus o Chavkravartin. A adopção de qualquer elemento de outra tradição deve seguir as leis e princípios que determinam o modo de existência da tradição que está a adoptar os elementos em questão. Caso contrário, a adopção de elementos, mesmo de uma origem com carácter tradicional, pode resultar na difusão de forças de dissolução que podem provocar grandes lesões ou mesmo a destruição de uma tradição já viva, para não falar de organizações de origem puramente humana que jogam com forças muito para além do seu horizonte de conhecimento ou poder de controlo.52


Estes e outros numerosos perigos, obstáculos, e precipícios, com que se depara o homem moderno que decidiu viver apenas do pão, forçaram aqueles que visavam ressuscitar o ponto de vista tradicional no mundo moderno a expressar a sua oposição categórica ao modernismo, o qual não identificam de todo com o mundo contemporâneo como tal mas com a revolta contra o Céu que se iniciou na Renascença no Ocidente e que presentemente invadiu praticamente a totalidade do mundo. Noutros tempos, teria sido possível falar sobre o que constitui a tradição sem discutir as forças do secularismo, mas tal possibilidade não existe num mundo já influenciado e, do ponto de vista tradicional, contaminado pelo modernismo. Falar da tradição é estar preocupado com a verdade e por conseguinte com o erro, e estar perante a necessidade de avaliar o mundo moderno à luz daquelas verdades que constituem os próprios princípios da tradição. A oposição inflexível dos autores tradicionalistas ao modernismo decorre primeiramente e sobretudo da sua dedicação à verdade tradicional e depois da compaixão e caridade para com uma humanidade enredada num mundo tecido com os fios de meias-verdades e de erros.


Nos dias de hoje o criticismo contra o mundo moderno e o modernismo tornaram-se um lugar-comum, desde o trabalho de poetas até mesmo às análises de sociólogos53. Mas a oposição da tradição ao modernismo, que é total no que respeita aos princípios, não deriva da observação de factos e de fenômenos ou do diagnóstico dos sintomas da enfermidade. Baseia-se num estudo das causas que trouxeram a doença. A tradição opõe-se ao modernismo porque considera as premissas sobre as quais o modernismo se baseia como sendo erradas e falsas em princípio54. Não negligencia o facto de que algum elemento de um sistema filosófico moderno possa ser verdade ou que alguma instituição moderna possa possuir características positivas ou ser boa. Na realidade, a falsidade ou o mal completos não podiam existir já que todo o modo de existência implica algum elemento daquela verdade e bondade que na sua pureza pertencem à Fonte de toda a existência.


Aquilo que a tradição critica no mundo moderno é a visão do mundo como um todo, as premissas, as fundações que, do seu ponto de vista, são falsas a ponto de que qualquer bem que apareça neste mundo seja acidental e não essencial. Poder-se-á dizer que os mundos tradicionais são essencialmente bons e acidentalmente maus, e que o mundo moderno é essencialmente mau e acidentalmente bom. A tradição é por conseguinte oposta ao modernismo em princípio. Deseja assassinar o mundo moderno55 no sentido de criar um mundo normal. O seu objetivo não é destruir o que é positivo mas remover o véu de ignorância que permite que o ilusório aparente como real, o negativo como positivo e o falso como verdadeiro. A tradição não se opõe a tudo o que existe no mundo hoje e, de facto, recusa-se a comparar tudo o que existe hoje com o modernismo. Apesar de tudo, ainda que sejam dados epítetos tais a esta era como a o da era do espaço ou o da era atômica porque o homem viajou até à lua ou dividiu o átomo, de igual modo e através da mesma lógica poder-se-ia ter chamado era dos monges, já que os monges continuam a existir juntamente com os astronautas. O facto desta era não ser chamada a era do monasticismo mas antes do espaço é em si o fruto do ponto de vista modernista que equipara o modernismo com o mundo contemporâneo, enquanto a tradição distingue contundentemente entre os dois, procurando destruir o modernismo não com o propósito de destruir o homem contemporâneo mas para o salvar da prossecução do caminho cujo fim não pode ser se não a perdição e a destruição. Deste ponto de vista, a história do homem Ocidental durante os últimos cinco séculos é uma anomalia na longa história da raça humana, tanto no Oriente como no Ocidente. Ao opor-se ao modernismo em princípio e de maneira categórica, aqueles que seguem o ponto de vista tradicional desejam apenas possibilitar ao homem Ocidental a união com o resto da raça humana.56


A ênfase dos autores tradicionais contemporâneos sobre o Este ou o Oriente deve-se na verdade à situação histórica em que o modernismo e a rebelião contra a tradição emergiram no Ocidente. Mais precisamente, a tradição abarca ambos o Oriente e o Ocidente uma vez que derivam de não outra que a “Abençoada Oliveira” ou eixo central da existência cósmica a que o Corão se refere ao declarar não pertencer ao Oriente nem ao Ocidente57. É verdade que durante este século aqueles que falaram da tradição enalteceram os três maiores universos espirituais do Este, considerando o Oriente Longínquo, a Índia e o mundo Islâmico, com as suas características distintas e os seus diferentes pontos de interpenetração. Também é verdade que alguns pensaram até que civilização tradicional significa simplesmente civilização Oriental. Mas mesmo neste século, desde que um trabalho como “East and West” de R. Guénon foi escrito, muitas foram as mudanças na própria Ásia que dão ainda mais razão em não identificar a tradição apenas com o Oriente geográfico, embora o que é tradicional ainda sobreviva mais no Oriente do que no Ocidente geográficos e apesar destes termos não terem perdido completamente o seu sentido geográfico.58


Enquanto a histórica trágica destas décadas se desenrola, contudo, torna-se cada vez mais necessário identificar a tradição do Este ou Oriente que pertencia à geografia sagrada, e que é simbólica em vez de literal. O Oriente é a fonte da luz, o ponto onde o dia se rompe e o sol se ergue arremessando a sua luz sobre os horizontes, removendo a escuridão e lançando o calor que vivifica. O Oriente é a Origem, bem como o ponto para onde nos voltamos ao longo da jornada na vida, o ponto sem o qual não haveria orientação, sem o qual a vida se tornaria desordem e caos e a nossa jornada um caminhar sinuoso no labirinto daquilo a que os Budistas chamam de existência samsárica. A Tradição identifica-se com este Oriente. Esta, igualmente, advém da Origem e providencia orientação para a vida humana. Providencia um conhecimento que é de uma vez Oriental e iluminante, um conhecimento que é combinado com amor tal como a luz do sol se combina com o calor, um conhecimento que parte do Precinto do Sagrado e que conduz ao Sagrado.


Na medida em que as sombras da terra do sol poente cobrem o espaço habitado pela espécie humana e que o Oriente geográfico se torna devastado pelas várias formas do modernismo, nessa medida o Oriente transforma-se num polo sustentado no coração e na alma dos seres humanos onde quer que eles estejam. Na medida em que o Oriente físico deixa de ser, pelo menos externamente, a terra da tradição tal como o foi ao longo de milênios 59, nessa medida a tradição alastra-se uma vez mais para o “Ocidente Longínquo” preparando simbolicamente o terreno para o dia em que “o Sol se erguerá no Ocidente.” Identificar a tradição com o Oriente nos dias de hoje é identificá-la com aquele Oriente que é o local do nascer do Sol do nosso próprio ser, o ponto que é de uma vez o centro e a origem do homem, o centro que ilumina e santifica e sem o qual a existência humana, tanto a nível individual como colectivo, se torna como um círculo sem centro, um mundo privado da luminosidade iluminadora e vivificadora do Sol nascente.


REFERÊNCIAS

[1] A presente publicação é uma tradução da parte inicial do segundo capítulo “What is Tradition?” da obra absolutamente fundamental de Seyyeid Hossein Nasr, “Knowledge and the Sacred”.


[2] Tradução publicada em http://sabedoriaperene.blogspot.com/


[3] Tal como um dos mais importantes mestres tradicionais contemporâneos afirmou, a exposição das doutrinas tradicionais na sua totalidade é necessária nos dias de hoje porque “uma irregularidade merece uma outra”.


[4] No plano microcósmico, as escatologias tradicionais ensinam que no momento da morte, toda a vida de um ser humano é recapitulada laconicamente perante ele mesmo. Ele é então julgado em conformidade e entra num estado póstumo em acordo com o seu estado de existência e obviamente com a Misericórdia Divina, cujas dimensões são imponderáveis. O mesmo princípio existe no plano macrocósmico, e como envolve a vida da humanidade como tal, obviamente com todas as diferenças implicadas pela variação do plano individual para o coletivo.


[5] Os primeiros trabalhos de R. Guénon, um dos mais importantes expositores da perspectiva tradicional no Ocidente moderno, contêm muitas passagens sobre o significado da tradição. Ver “What is meant by Tradition”, no seu Introduction to the Study of Hindu Doctrines, trad. M. Pallis, Londres, 1945, pp. 87-89; e “De l’infallibilité traditionnelle”, em ed. Aperçus sur l’initiation, Paris, 1946, pp. 282-88. Do mesmo modo, A. K. Coomaraswamy e F. Schuon escreveram numeras páginas e passagens sobre o próprio conceito de tradição. Ver, por exemplo, Coomaraswamy, The Bugbear of Literacy, esp. caps. 4 e 5; e F. Schuon Spiritual Perspectives and Human Facts, pt. 1; idem, Light on the Ancient Worlds, caps. 1 e 2; idem, “Fatalité et progress”, Etudes Traditionelles, n. 261 (Jul-Ago 1947): 183-89; e idem, “L’impossible convergence“, Etudes Traditionelles, n. 402-3 (Set-Out 1967): 145-49; Ver também E. Zolla, Ché cos’ è la tradizione?“, esp. pt. 2, “La Tradizione Eterna”, que trata a tradição de um ponto de vista mais literário; e idem, “What is Tradition?”, um volume dedicado a A.K. Coomaraswamy e editado por R. Fernando. A tradição também foi usada com um significado semelhante, ainda que mais restrito do que o significado utilizado no presente trabalho, por certos autores católicos tais como J. Pieper, Überlieferung-Begriff und Anspruch, Munique, 1970, enquanto outras figuras católicas a quem retornaremos adiante adoptaram integralmente a ideia da tradição.


[6] F. Schuon, Understanding Islam.


[7] Sanatāna dharma não pode ser traduzido com rigor, ainda que sophia perennis seja talvez o que mais se aproxima, já que sanatāna significa perenidade (que é, perpetuidade ao longo de um ciclo de existência humana e não eternidade) e dharma o princípio de conservação dos seres, tendo cada ser o seu próprio dharma com o qual deve conformar e que é a sua lei. Mas dharma também se relaciona com a humanidade como um todo no sentido de Mānava-dharma e neste caso relaciona-se com o conhecimento sagrado ou ‘Sophia’, o qual está no coração da lei que governa um ciclo humano. Neste sentido sanatāna dharma corresponde a sophia perennis, esp. tendo em consideração a realizada e não apenas a dimensão teórica de ‘Sophia’. No seu significado pleno, sanatāna dharma é a tradição primordial ela mesma tal como tem subsistido e continuará a subsistir no decurso do presente ciclo da humanidade. Ver R. Guénon, “Sanatāna Dharma”, no seu Études sur L’Hindouisme, Paris, 1968, pp. 105-6.


[8] Este é, na realidade, o título de um trabalho de Ibn Miskawayh (Muskūyah) sobejamente conhecido e que contém aforismos e ditos metafísicos e éticos de sábios Islâmicos e pré-Islâmicos. Ver a edição de A. Badawi al-Ḥikmat al-khālidah: Jāwīdān khirad, Cairo, 1952. Este trabalho discute o pensamento e escritos de muitos sábios e filósofos, incluindo aqueles da Pérsia antiga, Índia, e do mundo Mediterrânico (Rūm). Neste trabalho, ver a introdução de M. Arkoun para a tradução Persa de Ibn Miskawayh, por T. M. Shushtarī, Jāvīdān khirad, Teerão, 1976, pp. 1-24.


[9] A tradição primordial não é outra que a que o Islão refere como al-dīn al-ḥanif, e que o Corão refere um vários contextos mas habitualmente em relação com o Profeta Abraão que é habitualmente referido como ḥanif; por exemplo, “Recusa mas (nós seguimos) a religião de Abraão, o correcto [upright] (ḥanifan), e ele não era dos idólatras” (II; 135-Pickthall translation). Ver também versos III; 67 e 95-VI; 79 e 161-XVI; 120-e XVII; 31.


[10] Ver M. Eliade, “The Quest for the ‘Origins of Religion’,” History of Religions 4/1 (Verão 1964); 154-69.


[11] O bastante conhecido trabalho de A. Huxley, Perennial Philosophy, Nova Iorque, 1945, é um dos trabalhos que procurou demonstrar a existência e apresentar os conteúdos desta sabedoria duradoura e perene recorrendo a ditos selecionados e retirados de várias tradições, mas o trabalho permanece incompleto em muitos aspectos e a sua perspectiva não é tradicional. O primeiro trabalho que tomou plenamente a sugestão de Coomaraswamy em organizar o vasto compendio de conhecimento tradicional com o fito de demonstrar a notável perenidade e universalidade da sabedoria é o tristemente negligenciado trabalho de W.N. Perry, A Treasury of Traditional Wisdom, Londres e Nova Iorque, 1971, o qual consiste num trabalho chave para a compreensão do que autores tradicionais intentam por filosofia perene.


[12] Depois de declarar nesta carta que a verdade é mais extensa do que havia sido pensado até então, e que o seu rasto se encontra entre os antigos, ele diz “et ce serait en effect perennis quaedam Philosophia.” C.J. Gerhardt (ed.), De philosophischen Schriften von Gottfried Wilhelm Leibnitz, Berlim, 1875-90, vol. 3, p. 625. Também citado em C. Schmitt, “Perennial Philosophy: Steuco to Leibniz,” Journal of the History of Ideas 27 (1966): 506. Este artigo (pp. 505-32 do volume citado) descreve a história da utilização do termo philosophia perennis dedicando especial atenção ao suporte Renascentista de Ficino e de outras figuras Renascentistas anteriores. Ver também J. Collins, “The Problem of a Perennial Philosophy,” na sua Three Paths in Philosophy, Chicago, 1962, pp. 255-79.


[13] A identificação da “filosofia perene” com o Tomismo ou a Escolástica em geral é um fenómeno do Sec. XX, porquanto durante o Renascimento os Escolásticos em geral opunham-se às teses de Steuco.


[14] Especialmente herdeiro de Zaratustra, Hermes, Orfeu, Aglaophemus (o professor de Pitágoras), e Pitágoras.


[15] Este termo encontra-se entre filósofos Islâmicos tais como al-Fārābī e certos Sufis.


[16] Sobre a visão de Ficino ver os vários trabalhos de R. Klibansky, E. Caisser, e P. O. Kristeller acerca do Renascimento, esp. Studies in Renaissance Thought and Letters de Kristeller, Roma, 1956; e idem, Il pensiero filosofico di Marsilio Ficino, Florença, 1953.


[17] Este facto é demonstrado claramente por Scmitt no seu artigo já citado, porquanto apesar do termo philosophia perennis ser de origem Renascentista, mesmo para a vida intelectual Ocidental, a ideia subjacente é de origem medieval e em última análise originária da Grécia antiga.


[18] Referindo-se à religio perennis, Schuon escreve “Estas palavras fazem lembram a philosophia perennis de Steuchus Eugubin (século XVI) e dos neo-escolásticos; mas a palavra ‘philosophia’ sugere, correcta ou erradamente, uma elaboração mental em vez de sabedoria e por conseguinte não aporta o sentido pretendido com exactidão.” Light on the Ancient Worlds, p. 143.


[19] “‘Philosophia perennis’ é geralmente entendida como relacionada com a verdade metafísica que não tem começo, e que se mantém inalterada em todas as expressões de sabedoria. Talvez fosse melhor e mais prudente falar de uma ‘Sophia perennis’. (…)


Quanto à Sophia Perennis, a questão é a seguinte: existem verdades inatas no Espírito humano, que apesar disso estão de certa forma enterradas nas profundezas do ‘Coração’ – no puro Intelecto – e que são acessíveis apenas àquele que é espiritualmente contemplativo; e estas são as verdades metafísicas fundamentais. O acesso a estas verdades está na posse do ‘gnóstico’, ‘pneumático’ ou ‘teósofo’,- no sentido original e não sectário destes termos: por exemplo, Pitágoras, Platão e em grande parte também Aristóteles.” Schuon, “Sophia perennis”: Studies in Comparative Religion. Ver também Schuon, Wissende, Verschwiegene. Ein geweihte Hinführung zur Esoterik, Iniciativa Herderbücherei 42, Munique, 1981, pp. 23-28; e idem, a introdução e o primeiro capítulo, “Prémisses epistémologiques,” no seu Sur les traces de la religion pérenne.


[20] Lidámos com este assunto em muitos dos nossos escritos. Ver, por exemplo, “An Introduction to Islamic Cosmological Doctrines”, pp. 37ff.


[21] Falsafah e ḥikmah podem ser traduzidos como filosofia e teosofia dependendo da forma como estes termos são compreendidos em inglês e em que contexto se empregam os termos em Árabe.


[22] Sobre a figura de Hermes no pensamento Islâmico ver L. Massignon, “Inventaire de la littérature hermétique árabe,” em A. Nock e A.J. Festugière, La Révélation d´Hermès Trismégiste, 1, Paris, 1949, app. 3; S.H. Nasr, “Hermes and Hermetic Writtings in the Islamic Worlds,” em Islamic Life and Thought, Londres, 1981, pp. 102ff.; F. Sezgin, Geschichte der Arabischen Schrifttums, Leiden, 1970, com referências a Hermes em várias páginas, como por exemplo, vol. 3, 1970, pp. 170-71, vol. 4, 1971, pp. 139-269; e no artigo “Hirmis” de M. Plesser na New Encyclopedia of Islam.


[23] A ênfase dada à Pérsia pré-Islâmica e à Grécia como a base da “filosofia perene” também se encontram em Ibn Miskawayh e am Abu’l Hasan al-‘Āmirī ainda que não com a mesma extensão que se encontra em Suhrawardī, que se considerava a si mesmo como o ressuscitador da sabedoria dos Persas antigos. Ver Nasr, Three Muslim Sages, cap. 2; e H. Corbin, En Islam iranien, vol. 2.


[24] Suhrawardī também se refere a esta sabedoria como al-ḥikmat al-‘aṭīqah (a sabedoria antiga), que é exactamente o mesmo que a philosophia psicorum em Latim. Se existe uma ligação histórica ou simplesmente a repetição da mesma verdade, e mesmo da mesma terminologia, na Pérsia e na Itália Renascentista do século doze, não se poderá confirmar até que mais estudos e maior disseminação dos ensinamentos de Suhrawardī seja feita no Ocidente. Ver S.H. Nasr, “The Spread of the Illuminationist School of Suhrawardī,” em La Persia nel Medioevo, Roma, 1971, pp. 255-65.


[25] Sayyid Ḥaydar Âmolî, Le texte dês textes (NaṢṢ al-NoṢûṢ), commentaire des “FoṢûṢ al-ḥikam” d’Ibn Arabî. Les prolégomènes, ed. Por H. Corbin e O. Yahya, Teerão-Paris, 1975, p.865. O autor providencia diagramas complexos que se assemelham a mandalas baseados na visão de um mundo inteligível e que contêm os nomes de várias figuras espirituais e intelectuais, tanto Islâmicas como pré-Islâmicas. Estes diagramas foram analisados por Corbin no seu, “La paradoxe du monothéisme,” Eranus-Jahrbuch, 1976, pp.77ff. Corbin escreve relativamente ao “interesse extraordinário” destes diagramas que representam os sábios no firmamento espiritual, “[Cet intérêt] est dans la correspondence instituée pour les deux diagrammes 21 et 22 entre la totalité mahammadienne groupé autor de la famille ou du temple dês Imams immaculés (Ahl al-bayt) et la totalité dês religions groupés autor des hommes dont la nature foncière originelle a été preservée (fiṭra salîma). La fiṭra salîma, c’est la nature humaine, l’Image Dei, telle qu’elle est ‘sortie des mains’ du Créateur, sans avoir jamais été détruite.” Ibid., pp. 98-99


[26] A obra de arte de Ṣadr al-Dīn Shīrāzī, al-Ḥikmat al-muta’āliyah fi’l-asfār al-arba’ah, é não apenas uma summa da filosofia e teologia Islâmica mas também uma fonte para a história do pensamento Islâmico e também para as ideias pré-Islâmicas com que se depararam os filósofos e teólogos Muçulmanos. Mullā Ṣadrā recorre a filosofias antigas e também a filosofias Islâmicas em quase todas as discussões e assume como garantido o ponto de vista da philosophia perennis. Pode-se encontrar o mesmo ponto de vista noutros trabalhos seus, tal como Ḥudūth al-ālam. Ver S.H. Nasr, Ṣadr al-Dīn Shīrāzī and His Transcendent Theosophy, Londres, 1978; e idem, “Mullā Ṣadrā as a Source for the History of Muslim Philosophy,” Islamic Studies 3/3 (set. 1964): 309-14.


[27] “Religio é o que ‘liga’ (religat) o homem ao Céu e envolve a totalidade do seu ser; enquanto a palavra ‘traditio’ está relacionada com uma realidade mais extrovertida e por vezes mais fragmentada, para além de sugerir um panorama retrospectivo. No seu nascimento, uma religião ‘liga’ o homem ao Céu desde o momento da sua primeira revelação, mas não se torna uma ‘tradição’, ou admite mais do que uma ‘tradição’, até duas ou três gerações mais tarde.” Schuon, Light on the Ancient Worlds, p. 144.


[28] A multiplicidade das formas religiosas à luz do conhecimento unitário e sagrado será tratado no cap. 9 deste trabalho.


[29] O livro de R. Guénon, Le Roi du monde, Paris, 1927, deu também aso a muitas especulações deste género por parte de pessoas com esse tipo de tendências.


[30] Falando estritamente, apenas o que provém da Origem pode ser original. Isto é precisamente o modo como a perspectiva tradicional vê a originalidade, em contraste com a perspectiva anti-tradicional para a qual a originalidade está divorciada quer da verdade quer da presença sagrada e, por conseguinte, de tudo o que compreende a religião ou a tradição como tal.


[31] Esta distinção é tão fundamental que até mesmo os sofistas que tentam refutar a realidade do real vivem e atuam ainda assim no pressuposto da intuição da distinção entre o real e o irreal.


[32] É esta ideia de sagrado como totalmente outro que foi desenvolvida por R. Otto no seu bem conhecido trabalho The Idea of the Holly, trad. J. Harvey, Nova Iorque, 1958, pp. 12ff., e que tanto atraiu a atenção de académicos da religião ao longo das décadas recentes.


[33] Por exemplo, toda a arte sacra é arte tradicional mas nem toda a arte tradicional é arte sacra. A última compreende aqueles aspectos da arte tradicional que se relacionam diretamente com os símbolos, imagens, ritos, e objetos que lidam com a religião que reside no coração da tradição em questão. Trataremos deste assunto com maior detalhe no cap. 8, no qual se trata da arte sacra.


[34] Sobre estas dimensões do Islão ver S. H. Nasr, Ideals and Realities of Islam; quanto ao exoterismo e esoterismo em geral, ver F. Schuon, the Transcendent Unity of Religions, trad. P. Townsend, Nova Iorque, 1975, cap. 2 e 3.


[35] “Avançámos com a visão de que o processo de enunciação dogmática durante os primeiros séculos foi um de Iniciação sucessiva, ou numa palavra, que existiu na religião Cristã um exoterismo e um esoterismo. Ainda que possa desagradar historiadores, encontram-se vestígios incontestáveis do lex arcani na origem da nossa religião.” P. Vuillaud, Études d’ésoterism catholique, citado por Schuon, Transcendent unit, p. 142.


[36] É comummente esquecido que um Śankara, que era o jñani no Hinduismo, que compôs hinos a Śiva e que um Ḥāfiz ou Rūmī, que constantemente falavam em rejeitar as formas (Ṣurah) em favor da essência (ma’nā – literalmente “significado”) nunca falhavam as preces diárias. Eles transcendiam a forma desde cima, não desde baixo, e eram assim os primeiros a reconhecer a necessidade das formas exotéricas para a preservação do equilíbrio da coletividade humana.


[37] Ver S.H. Nasr, “Between the Rim and the Axis,” em Islam and the Plight of Modern Man, Londres, 1976, cap. 1.


[38] Sobre o significado do esoterismo ver F. Schuon, Esoterism as Principle and as Way, trad. por William Stoddart, Londres, 1981, Introdução; e L. Benoist, L’Esotérism, Paris, 1963.


[39] “…Ortodoxia é o princípio da homogeneidade formal apropriada para qualquer perspectiva espiritual; é portanto um aspecto indispensável de toda a intelectualidade genuína”- Schuon, Stations of Wisdom, trad. G. E. H. Palmer, Londres, 1961.


[40] É de muito interesse que o termo ortodoxia não seja utilizado nas línguas Orientais nem mesmo no Árabe dominado pelo Islão, o qual sustenta tantas parecenças com a Cristandade. Quando se estuda a tradição Cristã percebe-se, contudo, quão essencial é este termo para a descrição dos vários aspectos do próprio Islão e, diga-se, quão enganador é quando os orientalistas chamam de não ortodoxo o Shī’ism e o Sufismo porquanto ambos pertencem à totalidade da ortodoxia Islâmica, bem como à ortoprática. Ver Nars, Ideals and Realities of Islam, caps. 5 e 6.


[41] No Islão Sunita, a ummah ela própria protege a pureza e a continuidade da tradição; logo o princípio de ijmā ou concenso, o qual foi interpretado como o consenso dos escolásticos religiosos (‘ulamā’) e também como a comunidade como um todo. No Islão Shī’ite, a função de preservação da tradição é desempenhada pelo próprio Imã. Ver ‘Allāmah Tabātabā’ī, Shī’ite Islam, trad. S. H. Nasr, London and Albany (N.Y.), 1975, pp. 173ff.


[42] No Judaísmo e no Islão a lei é uma parte integral da religião e deriva diretamente da revelação. É portanto tradicional por definição. Mesmo na Cristandade, a qual não revelou uma lei, a lei que foi adoptada pela civilização Cristã na Idade Média das leis Romana e convencional era mesmo assim tradicional, ainda que, devido à menos direta relação desta lei para com a fonte da revelação Cristã, se tenha tornado mais fácil rejeitar os aspectos sociais da civilização Cristã durante as revoltas contra a tradição Cristã do que teria sido possível no Islão ou no Judaísmo.


[43] Ver R. Guénon, Autorité spirituelle et pouvoir temporel, Paris, 1929 ; A. K. Coomaraswamy, Spiritual Authority and Temporal Power in the Indian Theory of Government, New Haven, 1942; S. H. Nasr, “Spiritual and Temporal Authority in Islam”, em Islamic Studies, Beirut, 1967, pp. 6-13.


[44] Existem vários trabalhos notáveis sobre a tradição no seu aspecto social em línguas Europeias tais como G. Eaton, The King of the Castle: Choice and Responsibility in the Modern World, Londres, 1977; M. Pallis, “The Active Life,” no seu The Way and the Mountain, Londres, 1960, pp. 36-61; A. K. Coomaraswamy, The Religious Basis of the Forms of the Indian Society, Nova Iorque, 1946; R. Guénon, Introducing to the Study of the Hindu Doctrines, Pt. 3, caps. 5 e 6; e F. Schuon, Castes and Race, trad. Marco Pallis e Macleod Matheson, Londres, 1981.


[45] Para uma discussão sobre estas perspectivas intelectuais no Islão ver Nasr, Islam Life and Thought.


[46] Em séculos posteriores a “teosofia” associou-se com Boehme e a sua escola de certa forma substituiu a metafísica dos sábios Cristãos anteriores. O termo “teosofia”, ainda que de origem Grega, não se tornou comum na vida intelectual Cristã antes da Renascença.


[47] “Il est impossible de nier que le plus illustres soufis, tout en étant ‘gnostiques’ par définition, furent en même temps un peu théologiens et un peu philosophes, ou que les grandes théologiens furent à la fois un peu philosophes et un peu gnostiques, ce dernier mot devenant s’entendu dans sons sense propre et non sectaire. “ Schuon, Le Soufism, voile et quintessence, Paris, 1980, p. 105.


[48] Existe alguma diferença no modo como a filosofia foi criticada pelos autores tradicionais, sendo a critica de Schuon mais ténue e sombreada do que a de Guénon, o qual visando esclarecer o contexto de exposição e apresentação das doutrinas tradicionais se opôs categoricamente à filosofia (à excepção do Hermetismo) e identificou toda a filosofia com o pensamento profano. Ver Guénon, Introduction, pt. 2, cap. 8. A apreciação mais positiva de Schuon pela filosofia, na qual distingue entre filosofia tradicional e racionalismo moderno, pode ser encontrada em muitos dos seus últimos escritos , esp. “Sur les traces de la notion de la philosophie,” no seu Le Soufisme, pp. 97-107.


[49] Ver A. K. Coomaraswamy, “On the Pertinence of Philosophy,” em Contemporary Indian Philosophy, ed. S. Radhakrishnan, Londres, 1936, pp. 113-34; relativamente ao que concerne a tradição Islâmica ver S. H. Nasr, “The Meaning and Role of ‘Philosophy’ in Islam,” em Studia Islamica 36 (1973): 57-80.


[50] Sobre o significado de teosofia ver “Theosophie” por A. Faivre, em Encyclopedia universalis.


[51] “Quando se sonda o arquétipo, a origem última da forma, apercebemo-nos então que está ancorado no mais elevado, não no menos…. Aquele que se deslumbra com um símbolo formal poder permanecer vivo não apenas por milénios, mas que, como deveremos ainda aprender, pode brotar novamente para a vida depois de um intervalo de milhares de anos, deveria recordar-se a si próprio que o poder do mundo espiritual, que forma uma parte do símbolo, é de duração eterna.” De W. Andrae, Die Ionische Säule; Bauform oder Symbol?, Berlim, 1933, pp. 65-66, citado por A. K. Coomaraswamy, The Vedas: Essays in Translation and Exegesis, Londres, 1976, p. 146.


[52] Sobre esta matéria ver Guénon, The Reign of Quantity and the Signs of Times, trad. Lord Northbourne, Baltimore, 1973.


[53] Se há um século atrás era necessário ler T. S. Eliot para se tomar consciência do carácter patético da condição espiritual do homem moderno, nos dias de hoje existem numerosos estudantes da sociedade humana que tomaram consciência de que existe algo de profundamente errado com as premissas sobre as quais o modernismo se baseia e que procuraram estudar a sociedade moderna a partir deste ponto de vista. Ver, por exemplo, os bem conhecidos trabalhos de P. Berger tais como The Homeless Mind: Modernization and Consciousness, Nova Iorque, 1973; e os de I. Illich, Celebrations of Awareness, Nova Iorque, 1970; idem, Energy and Equity, Londres, 1974; idem, Tools for Conviviality, Nova Iorque, 1973; e idem, Tradition and Revolution, Nova Iorque, 1971. Existem muitos outros criticismos da tecnologia, da ciência, da ordem social, etc., por outras individualidades importantes tais como L. Mumford, J. Ellul, e Th. Roszak. Roszak registou na realidade muitos destes criticismos de vários aspectos do mundo moderno no seu Where the Wasteland Ends, The Unfinished Animal, e Person/Planet, Nova Iorque, 1980. Apesar da aparência de tais trabalhos, contudo, é surpreendente que os proponentes do modernismo que domina um mundo que se orgulha de ser crítico esteja em tamanha falha em termos de espírito crítico quando se trata de examinar aquelas premissas e suposições sobre as quais a visão modernista do mundo se baseia. “O passado, do qual sai a tradição, é relativizado [pelos relativizadores modernos] em termos desta ou daquela análise socio-histórica. O presente, contudo, permanece estranhamente imune à relativização. Por outras palavras, os escritores do Novo Testamento são vistos como afligidos com uma consciência falsa enraizada no seu tempo, mas o analista contemporâneo toma a consciência do seu tempo como uma bênção intelectual imiscível. Os utilizadores da eletricidade e do rádio são intelectualmente colocados acima do Apóstolo Paulo.” P. Berger, A Rumor of Angels: Modern Society and the Rediscovery of the Supernatural, Nova Iorque, 1969, p. 51.


[54] Sobre o criticismo tradicional do mundo moderno ver R. Guénon, The Crisis of the Modern World, trad. M. Pallis e R. Nicholson, Londres, 1975; e A. K. Coomaraswamy, “Am I My Brother’s Keeper?” no seu The Bugbear of Literacy.


[55] Referindo-se ao seu encontro com autores tradicionais, J. Needleman escreve, “Estes saíram para a matança. Para eles, o estudo das tradições espirituais era uma espada com a qual se destrói as ilusões do homem contemporâneo.” Needleman (ed., The Sword of Gnosis, Baltimore, 1974, p. 9.


[56] “Quando olhamos para os corpos humanos, aquilo que notamos habitualmente são as suas características da superfície, que obviamente diferem marcadamente. Entretanto, no interior as espinhas que suportam estas fisionomias heterogéneas são estruturalmente muito semelhantes. Passa-se o mesmo com as visões de conjunto do homem. Diferem externamente mas internamente é como se uma ‘geometria invisível’ tivesse estado a trabalhar em toda a parte para conformá-las a uma Verdade única. A única excepção notável somos nós próprios: a nossa Ocidental e contemporânea visão de conjunto difere na sua própria alma daquilo que poderia de outra forma ser chamado de ‘a unanimidade humana’… Se sucedermos na sua correção [a leitura errada da ciência moderna] poderemos reintegrar a raça humana.” H. Smith, Forgotten Truth, Nova Iorque, 1976, pp. Ix-x.


[57] O bem conhecido “Verso da Luz” é como se segue: “Allah é a Luz dos céus e da terra. A similitude da Sua luz é como um nicho no qual está uma lamparina. A lamparina está num vidro. O vidro é como se fosse uma estrela. (Esta lamparina) alumia a partir de uma árvore abençoada, uma oliveira nem do Este nem do Oeste, cujo azeite quase brilharia para fora (de si próprio) ainda que fogo algum lhe tocasse. Luz sobre luz, Allah guia para a Sua luz quem Ele quer. E Allah fala à humanidade em alegorias, pois Allah é Conhecedor de todas as coisas.” Corão XXIV; 35 – trad. Pickthall.


[58] Goethe, que leu o Corão quando tinha vinte e três anos, escreveu (no seu Aus dem Nachlass):


So der Westen wie der Osten

Gehen Reines die zu kosten

Lass die Grillen, lass die Schale

Setza dich zum grossen Mahle.

[59] Tal como já foi mencionado, o alastramento do modernismo pelo Oriente geográfico destruiu em certa medida as civilizações tradicionais de várias partes do mundo, mas isto não significa que a dimensão sapiencial das tradições Orientais em ambos os seus aspectos doutrinais e operativos, que são de especial importância para este estudo, tenha sido destruídas.