Nietzsche, em Zarathustra, diz que ninguém deve gerar crianças a menos que tenha ou aspire um poderoso desenvolvimento para o futuro da raça. A magia sexual muito raramente envolve progenitura, quer dizer, o engendramento de crianças físicas. Naturalmente o sacerdote operante evita a fecundação física contendo o orgasmo ou o produto final dele na forma de sêmen. A libido não é «aterrada», mas direcionada pela Vontade para encarnar numa forma especialmente preparada para sua recepção. No contexto da gnose thelêmica, Hadit cerra o arrebatamento da terra,[1] quer dizer, do corpo, impedindo que a corrente de ojas seja desperdiçada. No entanto, para fins estritamente materiais, thelemitas utilizam a ação descendente de Hadit, emulando práticas tântricas de mão esquerda (vāmācāra). A ideia por trás dessas prática é limpar o caminho ou criar as condições necessárias para que a Grande Obra possa ser realizada ainda nessa encarnação. No entanto, o termo «magia sexual» tem sido utilizado de maneira imprópria, como se a prática se baseasse apenas na interação física das polaridades como expressão mais densa dos dois primeiros cakras. Magia sexual envolve a utilização da energia sexual e isso não significa apenas o coito físico, mas principalmente um processo sutil de alquimia interior. Isso significa que a magia sexual não envolve apenas sexo como único veículo para expressão da energia sexual.
Tradicionalmente, a magia sexual da O.T.O. é distinta da interpretação tântrica dos mistérios. Foi Kenneth Grant (1923-2011) que alinhou, em sua própria versão da O.T.O., os mistérios sexuais da Ordem com as práticas tântricas, destacando o papel da sacerdotisa nesse processo. No Tantra, a Śakti ou incorporação do poder feminino ocupa um papel central no tantrismo e o coito sexual não é tido como extremamente necessário para realização do processo interior. O corpo da Śakti, quer dizer, da sacerdotisa, é a matriz ou útero que forma a imagem do corpo estelar de Nuit. Essa matriz, no curso do ritual, projeta no tempo e no espaço os kālas, emanações sutis que transmitem uma força oculta provinda dos Caminhos da Árvore da Vida ou dos Túneis de Seth. Respondendo sua indagação, precisamente os Túneis de Seth são Caminhos ou Inteligências pelos quais a consciência é transmitida de nodos estelares e seus complexos de constelações. São os kālas e não o produto material final do coito sexual que tornam o resultado mágico uma forma inteligível ao magista.
Duas abordagens da Magia Sexual
Existem duas abordagens acerca da magia sexual. Nas práticas sexuais do Tantra, no Oriente, a emissão seminal é contida. Na abordagem Ocidental (especialmente a promulgada por Aleister Crowley), a ejaculação seminal assume um papel fundamental, pouco importando a atuação da sacerdotisa. O conhecimento que Crowley transmite sobre magia sexual não vem do Tantra. Na verdade, não passa nem perto. Tudo o que Crowley sabe sobre o tema é fruto do conhecimento transmitido pela O.T.O. A O.T.O., por sua vez, é a única e fiel repositária do conhecimento transmitido por Paschal Beverly Randolph (1825-1875) através da Mística Irmandade de Eulis ou a Fraternidade Hermética da Luz.
No meu texto sobre Evocação Sexual eu afirmei que o Dr. Carl Kellner (1850-1905) recebeu seus conhecimentos sobre magia sexual através de dois adeptos orientais. Eu errei nesse ponto. Tudo que Kellner aprendeu sobre o tema veio de Randolph, os Mistérios de Eulis e a Fraternidade Hermética da Luz. Ele e sua esposa praticavam yoga de forma séria e sistemática, mas hoje já sabemos que seu conhecimento veio a partir de seus estudos independentes e não a partir de fontes orientais legítimas.
Randolph, por outro lado, obteve seu conhecimento intuitivamente enquanto permanecia na Palestina. Um estudo da doutrina de Randolph e os Mistérios de Eulis revela – a parte da utilização do termo karezza – um trabalho visionário que resumia – e acabava com a dicotomia entre – as tradições do Oriente e Ocidente. O orgasmo magicamente controlado (tendo a emissão seminal como produto final ou não) é a chave do processo e qualquer resultado será maligno ou resultará na criação de fantasias a menos que: i. a sacerdotisa seja treinada na arte da magia; ii. tanto sacerdote quanto sacerdotisa sejam ambos operantes ativos no processo; e iii. o amor deve ser o elo fundamental entre ambos, sacerdote e sacerdotisa.
A Fraternidade Hermética da Luz
A Fraternidade Hermética da Luz, também conhecida como Sociedade Hermética de Luxor foi uma Ordem iniciática Kemética do Séc. XIX e suas origens, ao que parece, se perderam nas brumas do tempo. Existe uma continuidade ou conexão com o Rito Maçônico-Egípcio de Cagliostro (1743-1795) através de seus sucessores. Por volta de 1870 a Fraternidade foi fundada como uma fusão entre os mistérios egípcios, maçônicos e hindus em uma Loja no Egito. Membros destacados dessa Loja foram Blavatsky (1831-1891) e Colonel Olcott (1832-1907), que juntos fundaram a Sociedade Teosófica. Outros dois adeptos de calibre foram Max Theon (1848-1927), promulgador da Filosofia Cósmica e um iniciado copta chamado Paulos Metamon. Blavatsky se inspirou nesses dois adeptos para criar a sua doutrina dos Mahatmas.
Metamon conheceu Blavatsky em 1851 e trabalhou com ela em um círculo secreto que seria a gênese da Sociedade Teosófica por volta de 1871. Ele também foi o responsável por enviar Theon a Europa para recrutar Peter Davidson (1837-1915) e Carl Kellner, mas ambos já haviam sido iniciados previamente por Randolph. O segredo da O.T.O. foi fundado sobre os ensinamentos da Fraternidade Hermética da Luz e sua influência maçônica-egípcia veio a partir de Theodor Reuss (1855-1923) e John Yarker (1833-1913).
Com o passar do tempo, Carl Kellner e Theodor Reus assumiram o controle da Fraternidade Hermética da Luz na Europa. Em 1912 Reuss diz publicamente que a O.T.O. é a Fraternidade Hermética da Luz.
Os Mistérios de Eulis
O mistério pode ser resumido em poucas palavras: Formule o objetivo e o mantenha na mente durante todo o processo, inclusive na oração de núpcias. Nenhuma palavra pode ser dita durante a operação, mas a vontade deve ser mantida forte através dos princípios de volantia, posismo e decretismo. No fim, o desejo ou vontade deve estar claro na mente. Volantia é a Vontade não-maculada, estável. Isso é conquistado através do treinamento da vontade e concentração. Decretismo é a sustentação concentrada da vontade e do desejo. Nenhum pensamento ou emoção deve invadir a mente neste processo. Posismo é o estado desapegado de corpo e mente. Este é o mais difícil de ser conquistado e demanda um treinamento intenso por parte de ambos os participantes.