segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Uma apreciação do trabalho de Kenneth Grant


Kenneth Grant[1] é o líder da Ordo Templi Orientis Tifoniana e de importantes organizações thelêmicas.[2] Ele é o autor das renomadas Trilogias Tifonianas (1972-2002) que incluem obras primas do ocultismo moderno como O Renascer da Magia,[3] Aleister Crowley & o Deus Oculto,[4] e O Lado Negro do Éden.

Em 1939 Kenneth Grant se envolveu com a literatura crowleiana, havendo assim uma simpatia com os escritos do mago inglês Aleister Crowley. Anos mais tarde Grant e Crowley iniciaram uma série de correspondências, o que o levou a ser iniciado por Crowley na O.T.O. (Ordo Templi Orientis) e em 1946 o Nono Grau desta Ordem Mágica foi-lhe confirmado, ao mesmo tempo que fora iniciado na Argenteum Astrum.

Após a morte de Crowley em 1947, Grant conhecera David Curwen, um eminente, mas pouco conhecido, membro do Soberano Santuário da Gnosis, IX° O.T.O. Ele era conhecido como O Alquimista por fazer profundos estudos do Tantra e da alquimia sexual. Fora este iniciado que apresentou a Grant uma recôndita fórmula tântrica do Vama Marga ou Caminho da Mão Esquerda. Grant já era familiarizado com o misticismo oriental, principalmente àquele conhecido como Advaita Vedanta.[5] De posse deste novo conhecimento, ele pode lançar as bases firmes de seu sistema pessoal de iniciação que, anos mais tarde, seria a pedra angular de sua Loja Nova-Isis.

Em 1948, a esposa de Grant, Steffi,[6] iniciou uma série de correspondências com o despontado ocultista Austin Osman Spare. A partir daí surgiu uma amizade entre os três que duraria oito anos. Kenneth Grant já havia sido apresentado às idéias de Spare por seu livreiro de confiança, Michael Houghton, que lhe presenteou com O Livro do Prazer. Grant, assim como com os escritos de Crowley, ficou entusiasmado com as idéias de Spare. Ambos fundaram, em 1954, o Culto Zos Kia, uma peculiar designação dada à criativa e mágica experiência pessoal de Spare.

Em 1954, Grant fundou a Loja Nova-Isis como uma Célula dependente da O.T.O. A Loja só entraria em funcionamento em 1955 e seus trabalhos foram finalizados em 1962. Em meio a intrigas e ataques por parte de integrantes do ramo americano da Ordem, bem como ataques de ocultistas como Israel Regardie e Gerard Gardner, ele continuou seu trabalho com a firme convicção de que a Loja operava recebendo o influxo cósmico-energético de um planeta transplutoniano chamado Isis. Várias das experiências da Loja podem ser observadas nas Trilogias Tifonianas e em suas novelas do lado sombrio.

Nos anos de operação da Loja Nova-Isis Grant produziu uma série de ensaios e novelas que mais tarde seriam publicadas com o nome de Narrativas do Lado Sombrio. São nestas novelas que muitos dos resultados das operações mágicas realizadas pela Loja foram relatados. Ademais, Grant e sua esposa, Steffi, produziram uma série de monografias que mais tarde passariam a ser conhecidas como Monografias Carfax. O motivo para a produção destas monografias[7] era a elucidação da Sabedoria Oculta do Ocidente de acordo com os cânones preservados por várias Ordens e movimentos esotéricos. Era o início de uma contribuição singela a literatura e à arte thelêmica incorporando a poesia, trabalhos biográficos, fato e ficção.

A União entre o Oriente & o Ocidente

Em 1949, um dos discípulos de Crowley, Gerald J. Yorke (1901-1983), publicou um artigo chamado Hedonismo Tântrico no The Occult Observer no qual apontou determinadas técnicas sexuais utilizadas por yogis tântricos no feitio de um Elixir conhecido nos graus mais elevados da O.T.O.:

Os yogis tântricos que seguem este caminho insistem que o processo físico é envolvido. Pois o sêmen (bindhu) é a forma grosseira da essência sutil conhecida como ojas, que é a Águia Branca dos Alquimistas. O Amrita não está normalmente presente no corpo humano, mas é produzido pela fusão da Águia Branca e Vermelha. Sua produção é essencial para a sublimação do corpo sutil, sem o qual o corpo final da alma, ou união do espírito (atma) com Deus (Atman) é impossível. Dois métodos são empregados para fazer este Elixir: um pelos três oli mudras dos Hatta Yogis, completamente desconhecidos à tradição ocidental; outro [ensinado] no Círculo Kaula dos Bhairavi-Diksha, quando a suvasini dança nua. Esta última técnica é conhecida no ocidente e é o tesouro secreto de uma Ordem Hermética conhecida como O.T.O.[8]

Yorke não tentava sozinho conectar a O.T.O. com os Mistérios do Tantra Hindu. Um ano antes, em 1948, Kenneth Grant publicou o Manifesto do Ramo Inglês da Ordo Templi Orientis no qual ele anunciava, entre outras coisas, que a Ordem promulgava as técnicas essenciais do Tantra-Shakta ensinadas nos Shastras do Sul da Índia:

Na O.T.O. são promulgadas as técnicas essenciais da Tradição Tifoniana do Antigo Egito; as técnicas do Tantra-Shakta dos Shastras Hindus; as técnicas da Gnosis pré-Cristã; a Tradição Esotérica Ocidental conforme contida na Santa Qabalah; e a Fórmula Alquímica Mágica e Mística das Escolas Arcanas do passado, assim como a arte do emprego prático dos princípios essenciais da Ciência Arcana, dos Mistérios Órficos e a utilização da Corrente Ofidiana.[9]

Kenneth Grant encontrou-se com Crowley pela primeira vez em 10 de dezembro de 1944. Grant logo se tornara o secretário de Crowley, bem como um membro da O.T.O. Um ano após a morte de Crowley ele fora reconhecido formalmente por Karl J. Germer (1885-1962) como um membro do Soberano Santuário da Gnosis, IXº O.T.O. Germer que havia sucedido Crowley como O.H.O. da Ordem, emitiu em favor de Grant uma carta patente em 5 de março de 1951 para que ele pudesse abrir um Acampamento da Ordem e assim iniciar os trabalhos da O.T.O. em Londres. Como a Loja Nova-Isis era o único corpo patenteado da O.T.O. em Londres naquela época, Grant interpretou a carta como uma injunção a ele se tornar o Lider da Ordem na Inglaterra,[10] embora a Loja Nova-Isis somente viesse a operar efetivamente em 1955.[11] Em 20 de junho de 1955 Germer revogou formalmente a carta patente e expeliu Grant da O.T.O. por conta de um manifesto emitido por Grant no mesmo ano, chamado Manifesto da Loja Nova-Isis.[12]

No manifesto em questão, um panfleto de oito páginas com o Selo da O.T.O. no frontispício intitulado Manifesto da Loja Nova-Isis, Grant era identificado por seu mote mágico, Frater Aossic-Aiwass, IX° O.T.O. Ele também era identificado no mesmo manifesto como o I.H.O.[13] da Loja Nova-Isis e do Ramo Inglês da O.T.O., utilizando o mote de Mestre Nodens, Xº O.T.O. para esta função. Grant deu pouca atenção a carta de expulsão promulgada por Germer e continuou a operar a Loja Nova-Isis até 1962 alegando ter recebido, nos planos internos, os poderes necessários para o exercício desta função.[14] Foi durante este período que ele se dedicou mais ao estudo da filosofia e religião hindu, mais precisamente entre 1953 a 1961, período em que ele escreveu seus inúmeros artigos sobre o Advaita Vedanta para periódicos orientais como o The Call Divine, publicado em Bombai.[15] Ao se aprofundar nestes estudos, Grant se tornou um grande admirador de Bhagavan Sri Ramana Maharshi (1879-1950), conhecido como O Sábio de Arunachala.[16]

Grant se tornaria posteriormente um instrumento do renascer mágico de Aleister Crowley. Junto ao executor literário de Crowley, John Symonds, Grant editou, publicou e anotou inúmeras obras de Crowley como As Confissões de Aleister Crowley (1969), O Diário Mágico da Besta 666 (1972), Diário de um Fanático por Drogas (1972), A Criança da Lua (1972), Magick (1973), Os Comentários Mágicos & Filosóficos d’O Livro da Lei (1974), Escritos Astrológicos Completos (1974) e No Coração do Mestre (1973). Foi neste período que Grant deu início a publicação de suas Trilogias Tifonianas, sendo o primeiro livro chamado de O Renascer da Magia (1972), e o último, trinta anos mais tarde, O Nono Arco (2002). Um evento acompanhou estas publicações da década de 70, mais precisamente, 1973: o anúncio oficial, por parte de Grant, de que ele era o O.H.O. da O.T.O. Tifoniana. O sistema de Graus da Ordem era o mesmo utilizado na O.T.O. de Crowley, salvo a diferença de que Grant descartou os rituais de iniciação alegando que, em seu sistema, os Graus da O.T.O. eram conferidos sobre a base do desenvolvimento pessoal de cada um de seus membros. Na época, o desenvolvimento de cada membro era avaliado pelo próprio Grant, e era esperado que estes enviassem a ele as anotações de seus diários mágicos sobre práticas regulares e constantes. Como no sistema de Crowley, a magick-sexual foi confinada aos Graus do Soberano Santuário da Gnosis, sendo eles o VIIIº, IX° & XI° O.T.O.; entretanto, a fórmula mágica de determinados Graus, bem como sua interpretação iniciática, foi modificada.

Por sua própria iniciativa, Grant escreveu entre 1944-1945 um número considerável de papéis acerca da natureza da magick-sexual sob sugestões e orientações de Crowley. Ele estava aparentemente interessado em admitir Grant no IX° O.T.O. Posteriormente esta iniciação foi completada com as secretas instruções e comentários tântricos lhe entregue por David Curwen, quem havia sido iniciado no IX° em 1945. Estudando as instruções recebidas, Grant veio a concluir que o entendimento de Crowley sobre a Tradição Tântrica era limitado, se não, errado. De acordo com Grant, estes mesmos comentários e instruções foram entregues a Crowley por Curwen em 1945. Grant descreve estas instruções como O Comentário Anandalahari.[17] Curwen parece ter influenciado Grant de forma duradoura, e foi através deste iniciado que Grant clamou ter recebido a completa iniciação na altamente recôndita fórmula tântrica do vama marga, i.e. Caminho da Mão Esquerda.[18] Após a morte de Crowley, Grant não mediu esforços em reorganizar a fórmula de magick-sexual da O.T.O. ao longo daquilo que ele considerava ser os princípios tântricos, ao mesmo tempo que reconstituiu e reorganizou todo o sistema da Ordem. A reorganização consistia, basicamente, em fundir o sistema da O.T.O. com o sistema de outra Ordem de Crowley, a A.’. A.’.; entretanto, de acordo com Grant,[19] isso não deu certo, e ele teve de arranjar novos meios de se trabalhar com o sistema operacional da Loja Nova-Isis.

A Loja Nova-Isis da O.T.O. em Londres foi efetivamente fundada por Grant em 1955 e operou até 1962, e fora nesta Loja – talvez mais do que em qualquer outra Loja da Ordem – que o Tantra esteve conectado com a magick-sexual da O.T.O. de forma sistemática.[20] Os experimentos mágico-espirituais ocorridos nos sete anos de duração da Loja Nova-Isis influenciaram todo o trabalho de Grant, que devotou não menos de trinta anos para expô-los em suas Trilogias Tifonianas. Durante os anos de operação da Loja dois grimórios foram recebidos como resultados de Rituais Mágicos realizados por Grant e os membros da O.T.O.Inglesa: A Sabedoria de S’lba,[21] e O Livro da Aranha, mais comumente chamado de Líber 29 ou OKBISh.[22] Grant interpretou certas passagens d’O Livro da Aranha relacionadas a David Curwen, quem teve papel fundamental em sua iniciação. Do contato com Cuewen, conhecido na Ordem como Frater Ani Abthilal, IX° O.T.O., Grant foi capaz de formular um sistema tântrico para O.T.O., ralinhando-a com os sistemas shaktas do Sul da Índia. Seu sistema foi particularmente publicado em duas obras: Aleister Crowley & o Deus Oculto (1973) e Culto das Sombras (1975).[23] No sistema de Grant, assim como o de Crowley, o Oitavo Grau está conectado a magick auto-erótica; o Nono Grau está conectado a magick-sexual heterossexual; o Undécimo Grau no sistema de Grant contrasta em muito com o sistema de Crowley: neste Grau a sexualidade não está ligada a sodomia homossexual, ma sim a união heterossexual enquanto a Mulher Escarlate se encontra eclipsada.[24] De acordo com Grant, Crowley não estava familiarizado com a importância das emanações psico-fisiológicas da sacerdotisa, as quais são denominadas de kalas. Ele descreve os kalas como emanações ou vibrações vaginais emitidas pela suvasini tântrica. Existem 16 kalas diferentes que formam a base do processo. Estes kalas, unidos a secreções sexuais masculinas, formam o Elixir mencionado no início deste artigo. Estes kalas são referidos nos Tantras especificamente como vibrações vaginais produzidas pela suvasini durante intensificação ritual dos ritos Kaula. Como mencionado, Grant desvinculou a sodomia homossexual do Undécimo Grau, optando por realinhar este Grau com os Mistérios Tântricos. Efetivamente, a Mulher Escarlate se encontra eclipsada, menstruada, estando assim conectada aos vinte e oito dias do ciclo lunar:

O sol e a lua são a base destas 16 emanações. No organismo humano eles são o macho e a fêmea. Sua energização e polarização produzem os kalas que fluem da genitália feminina em estágios específicos de dupla lunação que constituem o ciclo de 28 dias do mês lunar.[25]

A importância dos Mistérios Tântricos e da formulação dos kalas no sistema de Grant de magick-sexual deu um novo ímpeto a formulação mágica dos trabalhos espirituais da O.T.O. Para difundir o seu sistema ele formulou suas Trilogias Tifonianas, as quais possuem o objetivo de apresentar a ciência arcana dos kalas nos termos da Tradição de Mistérios Ocidentais.[26] Com isso, o desenvolvimento da magick-sexual da O.T.O. Tifoniana, como expressada nos trabalhos de Grant, preenche os arcanos mencionados na publicação de 1912 da O.T.O., o Jubilaeums-Ausgabe Der Oriflamme, que, entre outras coisas, alinhava a origem da Ordem com os Mistérios Orientais. As afirmações do Jubilaeums-Ausgabe Der Oriflamme não são espúrias no sentido em que agora, quase um século depois, Kenneth Grant e suas obras tornaram reais as instruções secretas da Ordem, realinhando efetivamente a prática de magick-sexual da O.T.O. com os Mistérios Tântricos. Grant é um exemplo vivo de um iniciado no Soberanto Santuário da Gnosis e um Adepto Tântrico.


[1] Nascido em 1924.
[2] Kennet Grant é o líder espiritual de inúmeros grupos thelêmicos e movimentos que difundem suas idéias. A O.T.O. Tifoniana é reconhecida por abraçar várias organizações fundadas por seus membros. “Qualquer ordem esotérica pode se filiar a O.T.O., basta que seus representantes se afiliem a O.T.O. da forma convencional, realizando o diário de Probacionista de nove meses.” Michael Staley em correspondência privada em 03 de março de 2003.
[3] Madras editora, 1999.
[4] Sendo este periodicamente colocado a disposição em português no e-grupo Shaitan-Aiwass. Tradução de Fernando Liguori. (http://br.groups.yahoo.com/group/Shaitan-Aiwass/)
[5] O Sistema filosófico Advaita Vedanta – ou o Vedanta da Não Dualidade – ganhou especial expressão com a linhagem iniciada por Sankaracharya, que teria aparentemente vivido entre os Séculos VII e VIII da Era Cristã. Como principais pressupostos da corrente mais tradicional deste sistema, o homem está aprisionado no Ciclo das Reencarnações (Samsara), a qual consiste em sofrimento, e a libertação (moksha) desse mesmo sofrimento. A razão para o aprisionamento do homem é a ignorância (Avidya) da sua verdadeira natureza; a libertação assenta-se na eliminação da ignorância, o que é efetuado através do conhecimento (Jnana) da natureza mais interna do homem, que é Atman. Grant tem escrito inúmeros artigos sobre esta doutrina desde a década de 50, os quais foram publicados em vários periódicos da Índia. Veja Aos Pés do Guru (Grant), Starfire, 2006, onde vários destes artigos aparecem.
[6] Casados desde 1946.
[7] De 1959 a 1963.
[8] Tantric Hedonism, Gerald Yorke. The Occult Observer 3, 1949. Págs. 178-179.
[9] Manifesto do Ramo Inglês da Ordo Templi Orientis, Londres, 1948. O manifesto não está datado, “mas Grant confirmou que este manifesto circulou por volta de 1948, após ele ter sido confirmado no IX° por Karl J. Germer.” Michael Staley em carta privada em 5 de abril de 2003.
[10] Kenneth Grant a Austin Osman Spare, 18 de abril de 1958. Veja Kenneth e Steffi Grant, Zos Speaks! Encounters with Austin Osman Spare. Londres, 1998, pág. 78.
[11] Idem, pág. 92.
[12] Germer a Grant, 20 de junho de 1955.
[13] Cabeça Interna da Ordem.
[14] Kenneth Grant a Bill Heidrick, 28 de janeiro de 1984.
[15] Estes artigos foram publicados no seu Aos Pés do Guru, 2006.
[16] Veja o artigo Atma Vichara de Sri Ramana Maharshi, por Fernando Liguori.
[17] Grant, Beyond the Mauve Zone, pág. 101.
[18] Grant, Remembering Aleister Crowley, pág. 49. Kenneth Grant dedicou este livro a David Curwen.
[19] Kenneth Grant a Henrik Bogdan, 24 de agosto de 2004.
[20] Para maiores informações veja o Manifesto da Loja Nova-Isis O.T.O., Londres, 1955. Veja também A Pirâmide de Poder por Steffi Grant para uma noção do sistema de Graus da Loja em Hecate’s Fountain, Grant, 1992. A Pirâmide de Poder foi originalmente pintada em A Chave da Pirâmide, Londres, 1952, edição privada por Kenneth Grant, três anos da formação da Loja.
[21] Kenneth Grant, Outer Gateways. Londres, Skoob Books, 1994. Págs. 166-81.
[22] Kenneth Grant, The Ninth Arch. Londres, Starfire, 2002. Págs. 1-49.
[23] Efetivamente já traduzidos para o português por Fernando Liguori. Veja nota n. 4.
[24] No sistema de Grant não existe a sodomia homossexual. Grant realinhou o sistema sexual da O.T.O. com o Tantra, não sendo assim possível haver qualquer prática de natureza corrupta.  O sexo anal está conectado aos mistérios do Nono Grau, e ele é referido como IX°(-). Sobre a natureza do XI° O.T.O. Grant diz: “A O.T.O. Tifoniana é um efetivo canal de comunicação e transmissão de forças ‘Transplutonianas’ através de Portais Dimensionais. Estes Portais são criados através de Operações ‘Alquímicas psico-físicas’ específicas que envolvem as essências ou os elixires do organismo humano. Sua fórmula é aquela do XI° que envolve os Kalas. Nosso sistema se baseia no intercurso durante a menstruação e é considerado o reverso do IX°, isto é, uma existência à parte do mesmo ciclo. A verdadeira fórmula Tifoniana do XI° envolve especificamente os Kalas inteiramente ausentes do organismo masculino.” Para maiores detalhes veja os seguintes livros de Grant: Aleister Crowley & o Deus Oculto, Capítulo 7 e O Lado Sombrio do Éden, Parte II, Capítulo 9.
[25] Kenneth Grant, Outside the Circles of Time. Londres, Frederick Muller,1980. Pág. 26. Deve ser notado que Crowley fez inúmeros experimentos com este Elixir composto das secreções masculinas e femininas. Quando suas sacerdotisas se encontravam menstruadas ele comumente chamava o Elixir de Elixir Rubaeus, i.e. elixir vermelho. Este tipo de magick era uma variante do Nono Grau O.T.O.
[26] Kenneth Grant, Nightside of Eden. Londres, Frederick Muller, 1977. Pág. 135.

O Ritual da Estrela de Sangue


N'O Livro da Lei, Nuit declara seu número como «seis e cinquenta», 56, que deve ser dividido, adicionado, multiplicado e percebido. Dividindo, o número produzido é 28, o número do ciclo lunar; adicionando 5 e 6 é produzido 11, o número da magia, da Grande Obra, e dos Qliphoth. Multiplicando os números inteiros produzimos 30, o número de dias no mês solar, e de Lamed, a letra de Maät, que fora o título original d'O Livro da Lei. No total, estes números produzem 69 que, interpretado ao pé da letra, se torna Shin e Teth (Seth), a formula da magia sexual oculta por trás do simbolismo da Estela que comporta o āsana bem conhecido soixante-neuf. Entretanto 69 possui outras implicações mais esotéricas. Ele é o número da 'criança', indicando assim, resumidamente, a natureza da transmissão de Nuit a terra e de seu ato de parir Aquele que Sempre Vem. Ele também é o número de dinh, que de acordo com Mead significa o «vórtice do sistema solar», e de akun, «um ponto» (i.e. Hadit), sendo ambos estes conceitos hábeis descrições do relacionamento de Nuit com o filho-sol (Horus) e com Seth (Hadit). É também significativo que 69 é 23+46, pois 23 é o número do secreto caminho de Maät, e 46 é o número de Um, uma forma de Maät associada com os ritos necromanticos de Lêng. Ainda, o 23º Caminho é o do «Homem Pendurado» do Tarot. Este é um símbolo do viparita e do lugar da cruz, ou cruzamento do homem com aquele que se encontra além do homem. Ele é o Caminho da Água ou, em um sentido mágico, do sangue, pois o número 23 oculta a fórmula da Mulher Escarlate: 3 menos 2 = 1; 2 mais 3 = 5; 2 vezes 3 = 6 (i.e. 156 = Babalon). Talvez 25, o número do verso que exibe estas ideias, seja uma chave vital. Ele contém a fórmula viparita do Pentagrama, cuja formulação reversa evoca forças de fora ou detrás da Árvore da Vida. É o método secreto de deslacrar os túneis e de abrir os portais que admitem aquelas forças, pois 5 é o número da Mulher, portanto 5x5 é a mais completa expressão de sua fórmula. 25 também é o número de ChIVA, «A Besta», que aponta mais uma vez para a fórmula de Therion conjugado com a Mulher. A exortação para perceber n'O Livro da Lei pode indicar que estas operações podem ser completamente realizadas somente na zona de poder de Saturno (Seth), que se encontra adjacente à Zona-Malva.

Então se segue uma bela dhyāna do modo de congresso empregado para facilitar esta operação mágica. O sacerdote é banhado com a luz estelar de Nuit (seus kalas) que se manifesta como um «perfume de doce-cheiro de suor». Isto praticamente reproduz as descrições aplicadas pelos tântricos as suvasinis ou «senhoras de doce-cheiro» do Círculo Kaula.

Fonte:http://circulotifoniano.blogspot.com.br/2015/02/fernando-liguori-n-o-livro-da-lei-nuit.html

Ānuttara Āmnaya & a Escola Kaula



Uma Introdução sobre a Tradição Tifoniana e suas Manifestações. Texto retirado da Revista Sothis, Vol. I, No. 5. Equinócio de Primavera de 2005 e.v.

Desde que iniciamos os trabalhos do Nu-Isis Templum O.T.O.,[1] venho insistindo na similaridade entre o Culto de Thelema e o Culto de Kālī amplamente abordado sob o prisma da interpretação Kula. Enfatizei a similaridade entre as técnicas sexuais da O.T.O. e a ampla rede de procedimentos kula que compõem a Iniciação Tântrica deste ramo desprestigiado do Tantra.

A renovação espiritual da O.T.O. «Ordo Templi Orientis» possui sua ênfase e bases Tântricas na A∴A∴ ou Ānuttara Āmnaya. Literalmente, o nome significa uma sutil «ānuttara» tradição «āmnaya», sendo, assim, a Suprema Tradição Tântrica. Seu gigantesco escopo é composto pela divisão de inúmeras seitas, cultos e sub-cultos do extremo Oriente. Āmnaya também significa linhagem espiritual, o que denota que o ensinamento desta Tradição somente é manifestado através de uma linhagem de Adeptos treinados nas técnicas que compõem o corpo do ensinamento Kula.

O Culto Tifoniano da O.T.O. é representado na Escola Kaula de Iniciação. Como o Tantra é uma tradição tão complexa, seus mestres desde o início procuraram meios para classificá-la, a fim de torná-la mais facilmente compreensível. Assim, criaram a ideia de tradições de linhagem «āmnaya», assentos «piṭha» e correntes. A abordagem Kaula, que é apresentada como a mais elevada forma de prática espiritual e como uma síntese das Escolas Tântricas da Mão Esquerda, promove uma ampla revolução no sistema ortodoxo religioso Hindu como uma reviravolta draconiana nas interpretações Tântricas do Sul da Índia.

A Tradição Kaula fora o ramo Tântrico mais revolucionário da Índia. Criado para conter o desenvolvimento da Tradição Bramânica, seus Adeptos eram os Tântricos mais radicais. Fora uma Tradição que chocara a sociedade indiana, pois o Círculo Kaula, fiel depositário do vāma-mārga, não media esforços para demonstrar publicamente como os verdadeiros Mistérios espirituais estavam sendo deturpados e corrompidos pela Tradição Bramânica. Tais Adeptos, vistos como Bruxos da Feitiçaria Tântrica Hindu, se valiam dos mais variados artifícios para adquirir elevados estados de consciência, tendo como principal ferramenta de trabalho o sexo sabiamente conjugado com a utilização de enteógenos. Por tais motivos, o Círculo Kaula é a mais temida Tradição Tântrica que já existiu na Índia e seus Adeptos, poucos nos dias atuais, são tidos como os mais decadentes tāntrikas pelos outros ramos da filosofia hindu.

Existe um adágio Kaula que diz: não existe nada superior ao Kaula. Esta frase é encontrada no Kulārṇava-tantra, onde o texto prossegue: Ó Deusa! O kula é o mais secreto dos segredos, a essência da essência, o mais elevado do elevado, dado diretamente por Śiva e transmitido de um ouvido a outro.[2]

O ramo Kaula do Tantra teve origem no século V d.C. e ganhou grande proeminência três ou quatro séculos mais tarde. Ele representa uma síntese do vāma-mārga e produziu um número significativo de iniciados e numerosas escrituras, muitas das quais, porém, se perderam. Esta linhagem de transmissão «santati» é formada de muitas escolas e sub-escolas que ainda são compreendidas de modo inadequado.

Kaula ou kaulismo, como esta corrente Tântrica é às vezes chamada, tornou-se rapidamente quase um sinônimo do Tantra ao norte da Índia. Por volta do século XIII, a Tradição Kaula já havia também penetrado em muitas escolas no sul da Índia e que eram de tradição Siddhānta.

O que marca o ramo Kaula do Tantra é uma forte presença do elemento śakti tanto na teoria quanto na prática. Uma manifestação disto são os ensinamentos sobre o poder da Serpente de Fogo «kuṇḍalinī-śakti»; outra é o fato de que as mulheres sempre representaram um papel significativo no Círculo Kaula tanto quanto consortes tântricas e, mais significativamente, como iniciadoras. Este é um ponto de intersseção entre a interpretação de Crowley e as filosofias tântricas do Oriente. Crowley insistia em observar que a tradição arcana sanciona a iniciação da Sacerdotisa pelo Sacerdote, mas proíbe o procedimento oposto.[3] Talvez isso explique o porquê de tantas das operações mágicas dele falharem tanto para ele quanto para suas Mulheres Escarlates que, na maioria das vezes, terminavam por apresentar sérios problemas psicológicos ou sucumbiam à insanidade.

Alguns aspectos da Tradição Kaula também podem ser encontrados em muitas outras tradições tântricas, principalmente a tradição Śrī-Vidyā do sul da Índia e a tradição Krama da Caxemira.

O termo Kula possui muitos significados diferentes, dentre eles grupo, família ou multidão. Tecnicamente, o termo denota Realidade definitiva, além dos princípios transcendentais de Śiva e Śakti. Mas o termo necessariamente converte-se em família cósmica, o que está mais adequado aos princípios da O.T.O.,[4] pois seus membros, os Adeptos da Ānuttara Āmnaya, operam de maneira sutil e sigilosa perpetuando o escopo energético da A∴A∴.

Como observei em minhas artigos anteriores, essa Tradição teve seu berço nos cultos afro-tântricos da África primordial. Após se manifestar no Xamanismo Africano, os Cultos Tifonianos atingiram, de maneira organizada, sua apoteose nas Dinastias pré-monumentais do antigo Egito. Com esta organização sistematizada, a Tradição Draconiana foi chamada de Tradição Tifoniana. Este termo já fora usado extensivamente no Século XIX pelo brilhante Gerald Massey ao longo de suas obras de religião antiga, como uma descrição para aquelas pessoas que adoraram a deusa primordial, identificada nos céus como a grande constelação da Ursa Maior. A adoração desta deusa precedeu todas as formas de adorações masculinas e sua essência ainda hoje é refletida como a Mãe Natureza.

Nesta fase primordial da civilização, o papel do macho na procriação não era compreendido. Naquela época, gravidez e nascimento eram processos misteriosos que envolviam a fêmea que parecia se dividir enquanto dava a luz. Nesta fase, a deusa Tifon e seu filho eram tidos como uma entidade comum na concepção teogônica desta Tradição.

A civilização evoluiu. Ocorreu, assim, uma mudança gradual de percepção e a adoração moveu-se de uma fase matriarcal lunar (a deusa) para uma fase patriarcal solar (macho-deus). A compreensão do papel do macho na procriação resultou em um balanço dramático no pêndulo universal: o princípio masculino recebeu maior ênfase que o princípio feminino. As deidades não escaparam deste mar de revisionismo e a guerra outorgou ao Deus masculino a supremacia, instaurando assim uma nova ortodoxia. Aqueles que não se renderam ao novo culto e continuaram sua adoração à deusa primordial, foram taxados como antiquados, estranhos e perversos e, finalmente, como uma ameaça. A visão solar foi consolidada em uma política de estrutura patriarcal de sociedade e isso conduziu na instauração generalizada de uma adoração solarita que, mais tarde, seria a concretização de um conflito político gerando perseguições aos adoradores da deusa. Os Adeptos da «Velha Tradição Draconiana» não ficarem ilesos a este processo.

Os Tifonianos passaram a ser vistos como opositores, como aqueles que iam contra as tradições instituídas. Ao longo das dinastias egípcias, Seth, Seth-Tifon ou só Tifon recebia uma descrição mitológica como «opositor», sendo continuamente representado como em uma batalha perpétua contra Horus. O leitor deve levar em consideração que a mitologia sempre acompanha a mudança de paradigma que envolve os povos. Nesse particular, pode haver contradições entre uma versão mais recente de um mito com outras mais antigas do mesmo. A título de exemplo, nas dinastias solaritas, Tifon é descrita junto com Seth como o tormento perpétuo de Hórus, ao contrário da Deusa Primordial de tempos mais remotos. No mundo Juidaico-Cristão, cuja tradição fora influenciada pela civilização egípcia, o opositor foi identificado como Satanás (Satã), Lúcifer, o Diabo. O termo Satã é derivado de uma conjunção entre o Deus Seth e a Deusa Lunar Egípcia An. Nestas tradições, a mulher é retratada como a sedutora que, com o uso do sexo, sensualidade e desejos corporais é considerada imoral e suja.

A perspectiva Tifoniana, entretanto, é muito mais ampla do que a consciência humana é capaz de conceber; ela é uma consciência cósmica. O que nós fazemos em nosso trabalho mágico é ampliar nossa consciência para além dos Círculos do Tempo e do Espaço para conseguirmos captar as emanações estelares desta Corrente Mágica. Para isso, a O.T.O. se vale de técnicas psico-sexuais e da utilização de enteógenos sabiamente manipulados para abertura de portais transplutonianos, o que possibilita a canalização desta Corrente.

Existem inúmeras interpretações para o termo «tifoniano». Porém, sua maior implicação é sempre a expansão da consciência para além dos níveis normais de percepção. Assim, somos interpretados como opositores por sermos tifonianos. Hoje em dia, essa oposição está relacionada com a aceitação de uma visão limitada de nós mesmos. O poder do tufão destrói essa falsa percepção de si mesmo de maneira a podermos perceber um Universo além dos Círculos do Tempo e Espaço.

Os Xamãs Africanos, os Sacerdotes Egípcios, os Adeptos Tântricos do Extremo Oriente e outros Iniciados dessa época e desse calibre surgiram nos primórdios da estrutura mental da consciência e ajudaram a faze-la predominante. Portanto, a tecnologia psicoespiritual da Tradição Draconiana é o produto da estrutura mental da consciência em seu alvorecer. Ela foi a tecnologia extática do Xamanismo, que remonta à Idade da Pedra. Embora o Xamanismo tenha sido datado de cerca de 25000 a.C., provavelmente é muito mais antigo. Como sabemos por outros contextos, a ausência de artefatos não implica necessariamente a inexistência do sistema de crenças com o qual eles estão associados.

O Xamanismo, completamente embasado na Tradição Tifoniana, é a arte sagrada de mudar o próprio estado de consciência a fim de penetrar em outros domínios da realidade, nos quais habitam os espíritos. A palavra xamã é de origem siberiana (Tungúsia) e denota aquele que tem experiência em viajar pelos mundos dos espíritos. Ao concentrar-se no som de um tambor, de um maracá ou de outro instrumento de percussão, ou então pela ingestão de substâncias psicotrópicas (como o cogumelo agárico amanita muscaria ou a planta mágica ayahuasca), os xamãs mudam radicalmente o seu campo de percepção para que possam se comunicar com o mundo dos espíritos. Nisso, não são movidos pela curiosidade vã; antes, buscam obter poderes e conhecimentos essenciais para o bem-estar psíquico e corpóreo da comunidade a qual pertencem.

De acordo com algumas autoridades, entre as quais destaca-se Kenneth Grant, o Xamanismo é de origem africana. Outros vêem o Xamanismo como uma tradição de âmbito mundial que surgiu independentemente em diversas culturas. Pessoalmente, inclino-me a aceitar a primeira opinião, que associa o Xamanismo especificamente ao pano de fundo cultural da África e da Ásia Central. Segundo esse mesmo ponto de vista, a Tradição Tifoniana, sob o ponto de vista de sua cultura, é um fenômeno essencialmente africano.

O Xamanismo Siberiano, imbuido de todos os aparatos característicos que compõem a Tradição Tifoniana, sofreu, na Ásia Central, as mesmas discriminações que sofreram os adoradores da deusa no Egito e África. Aqui novamente ocorre o núcleo de uma renovação espiritual que atingiu a Índia. O Tantra contém elementos do Xamanismo Africano e Siberiano, tendo absorvido muitas doutrinas e práticas da Tradição Tifoniana. A transição do Xamanismo ao Tantra aconteceu na época em que surgiram no Oriente as primeiras cidades-estado e os xamãs passaram a ser perseguidos e mortos pelos representantes da religião oficial. Para não serem encontrados, eles tiveram de parar de bater seus tambores e, obrigados pela situação, elaboraram métodos silenciosos de alteração da consciência. Foi assim que surgiu a tradição tântrica.

Em geral, os xamãs ficam estimulados durante as viagens e, às vezes, dançam ou ficam extremamente agitados. No samādhi, a calma chega a ser tão profunda que muitos processos mentais param de se desenrolar por algum tempo.

O enfraquecimento da tradição xamânica determinou a ascensão das cidades-estado e o concomitante colapso das comunidades tribais às quais os xamãs serviam. Para bem compreender esse colapso, podemos encará-lo como sinal de uma mudança de consciência que intensificou e individualizou mais a autopercepção do homem. Tudo isso está associado ao surgimento da estrutura de consciência mental.

O xamã, quase sempre um homem, é um tecnólogo sagrado privilegiado que trabalha em prol da sua comunidade. Essa função é partilhada pelo sacerdote tāntrika que cumpre os seus sacrifícios e demais rituais para o bem dos outros, quer sejam os espíritos dos seus ancestrais, quer a sua família imediata, quer toda a comunidade tântrica.

A hipótese que faz derivar o Tantra de um Xamanismo proibido pelo Estado é problemática, mas não há dúvida de que muitos aspectos e temas centrais do Xamanismo se encontram também no Tantra. Dentre os elementos que constituem o xamanismo e lhe são peculiares, temos de considerar estes como os mais importantes: (1) uma iniciação que compreende o desmembramento, a morte e a ressurreição simbólicas do candidato, e que implica, entre outras coisas, uma descida dele aos infernos e sua posterior ascensão aos céus; (2) a capacidade que o xamã tem de fazer viagens extáticas na qualidade de médico e psiconauta (ele sai em busca da alma do doente, roubada pelos demônios, captura-a e devolve-a ao corpo; conduz a alma do morto a Amenta, etc.); (3) o domínio do fogo (o xamã encosta no ferro quente, anda sobre brasas, etc., sem se queimar); (4) a capacidade do xamã de assumir a forma de diversos animais (voa como os pássaros, etc.) e de ficar invisível.

O Tantra é uma tradição iniciática. É governado pela idéia da progressiva transcendência (desmembramento) da personalidade egóica humana. Encontramos ensinamentos tântricos que expõem o seu processo como um desmantelamento gradual da consciência ordinária. Isso corresponde ao desmembramento associado a fórmula da corda xamânica, uma hipnose coletiva; o xamã, levando na boca uma faca afiada, sobe pela corda atrás de um menino até ambos sumirem de vista. Depois de algum tempo, os membros cortados do menino caem lá de cima. O drama termina quando o menino é ressuscitado pelo xamã. Uma fotografia tirada durante o processo só revela o xamã sentado no chão, sozinho e talvez com um sorriso astuto nos lábios.

A introversão extática e a ascensão mística do tāntrika equivalem ao vôo extático do xamã, e a função de ensinar do tāntrika corresponde à função xamânica de guiar as almas. Além disso, muitos poderes xamânicos são reconhecidos pelo Tantra, que os chama de siddhis (perfeições ou realizações): entre eles conta-se o poder de invisibilidade, que também é atribuído aos xamãs. Por fim, o domínio que o xamã tem sobre o fogo — uma proeza exterior — tem o seu paralelo no domínio do tāntrika sobre o fogo interior, especialmente sobre o calor psicofisiológico gerado quando da ascensão da força vital no kuṇḍalinī-yoga.

Também uma das técnicas mais conhecidas do yoga — o sentar-se de pernas cruzadas em alguma das diversas posturas yogues «āsana» — tem a sua prefiguração xamânica. No livro Where the Spirits Ride the Wind, a antropóloga norte-americana Felicitas Goodman examinou diversas posturas xamânicas que são usadas para provocar estados de êxtase ou viagens astrais. Cada postura tem um efeito específico sobre a mente; o Adepto Tifoniano é capaz de entrar em diversos estados de consciência mediante o uso de determinadas posturas xamânicas.

Se os xamãs demonstram o seu domínio sobre o fogo pegando brasas ardentes nas mãos, como os sacerdotes Kahuna da Polinésia, os tāntrikas destacam-se na arte do auto-aquecimento disciplinando-se a ponto de fazer correr suor de todos os poros. Há uma antiga prática xamânica que consiste em ficar sentado no meio de quatro fogueiras em pleno verão, com o sol escaldante brilhando lá em cima. Eu pratiquei essa antiquíssima técnica por um longo período. Quer através da prolongada retenção da respiração, quer através da transformação do impulso sexual em energia vital (ojas), os tāntrikas buscam do mesmo modo canalizar as tendências naturais do corpo-mente e criar assim uma pressão interior que se traduz em calor fisiológico. Eles se sentem como se estivessem consumindo-se em chamas. Então quando a experiência chega ao seu ponto máximo, ocorre uma radical mudança de estado e todo o ser deles fica iluminado. Eles descobrem que são essa luz, a qual não tem fonte, mas é ela mesma a fonte de todas as coisas.

O estado de iluminação é para o tāntrika o que a viagem mágica para outros mundos é para o xamã. Ambas as experiências se diferenciam radicalmente da realidade e da consciência convencional. Ambas têm um profundo efeito transformador. No entanto, o tāntrika, que viaja para dentro, descobre o quão inúteis são, no fim, todas as viagens, pois percebe que não há viagem que possa aproximá-lo ou afastá-lo da própria Realidade eterna e onipresente que é a meta da sua odisséia espiritual.

O xamã vive no ambiente dos mundos sutis da existência, os quais procura dominar. A marca distintiva do êxtase xamânico é a experiência do vôo da alma, ou da viagem, ou do sair do corpo. Em outras palavras, quando estão em êxtase, os xamãs sentem que o seu ser inteiro está voando pelo espaço e viajando, quer para outros mundos, quer para rincões longínquos deste mundo. Seu poder serve para efetuar mudanças no mundo material mediante a alteração das condições dos mundos sutis. A finalidade última do tāntrika, porém, é a de ir além dos níveis sutis da existência explorados pelo xamã e realizar o Ser transcendente, transdimensional e não-qualificado, que o tāntrika sabe ser a sua identidade mais profunda. Assim, ao passo que o xamã é um médico ou taumaturgo, o tāntrika é antes de mais nada um transcendente. Mas, na subida espiritual que o conduz à Realidade Suprema, o tāntrika tende também a obter muitos conhecimentos acerca dos mundos sutis «sūkṣma-loka». Isso explica o porquê de muitos tāntrikas terem demonstrado capacidades extraordinárias e terem sido considerados como taumaturgos e magos poderosíssimos pelos indianos.

O Caminho da Mão Esquerda «vāma-mārga» é, com frequência, caracterizado como a senda da aquisição do siddhi, no sentido dual da perfeição (i.é. libertação) e do poder (i.e. capacidade paranormal). Existe uma forte corrente particularmente mágica percorrendo as escolas do Caminho da Mão Esquerda. Quase todos os Tantras deste ramo foram perdidos e conhecemos alguns deles somente pelo nome. As Escolas da Mão Esquerda são aquelas que mais se distanciaram da corrente principal (vêdica) do Hinduísmo, ocupando as margens da cultura e sociedade hindus.

Existe uma prática tântrica chamada Ritual dos Cinco Ms que ocupa um lugar fundamental no Tantra Kaula. São cinco práticas cujos nomes em Sânscrito começam todos com a letra m: (1) mādya, vinho; (2) matsya, peixe; (3) māmsa, carne; (4) mudrā, cereais tostados; (5) maithunā, relação sexual. Esses cinco elementos são compreendidos metaforicamente pelas escolas de direita e praticados literalmente pelas de esquerda.

Segundo o Kulārṇava-tantra, o vinho é usado nos rituais de esquerda como agente catártico, livrando a mente das preocupações e cuidados da vida cotidiana. O objetivo, porém, não é a embriaguez, que se caracteriza pelo estupor e não pela clareza. Do mesmo modo, o consumo de carne e de peixe, que são tão proibidos para os Hindus quanto o vinho, tem o único objetivo de levar a consciência a um estado superior. Os cereais tostados, à semelhança do vinho, da carne e do peixe, teriam propriedades afrodisíacas — sendo também agentes de alteração da consciência. A literatura clássica e exegética não explica em lugar nenhum por que os cereais tostados têm essa propriedade, mas é possível que ela tenha algo que ver com a ergotina (potencial alcoólico dos cereais), que também era usada no antigo culto grego de Deméter.

Os enteógenos «auśadhi» não fazem parte dos «Cinco Ms», mas também são muito usados nos ritos tântricos. Entretanto, este vinho pode ser interpretado como os kālas secretados pela sacerdotisa consagrada. O uso de enteógenos que alteram a consciência são utilizados até hoje pelos tāntrikas da Índia como a ganja (maconha) e o estramônio, enquanto o bhang (um preparado a base de maconha) é consumido por todos durante o Śivaratri, no qual celebra-se o casamento de Śiva e Pārvati. Entretanto, os enteógenos permitem-nos sentir o gosto do além, mas não nos tornam senhores do transcendente.

Os Adeptos do Caminho da Mão Esquerda «vāma-mārga», vāma significa esquerda e mulher, sabem que estão rompendo com tabus sociais profundíssimos, e a única justificativa que têm para a sua conduta é a de não estarem buscando a satisfação dos sentidos, mas a autotranscendência no contexto da existência corpórea. A filosofia do tantrismo resume-se nas seguintes palavras do Mahācīnācāra-krama-tantra: O yogī não pode ser um sensualista «bhogī», e o sensualista não recebeu a graça do yoga. Por isso se diz que o kaula cuja essência é o yoga e a sensualidade, é superior a todos.

Os Tantras deixam claro que, para obter êxito neste caminho perigoso, o praticante (homem) não pode sofrer a dúvida, nem o medo, nem a luxúria. Tem de ser um herói «vīra». Isto é especialmente importante na execução da quinta prática, que é a relação sexual — prática que os tāntrikas geralmente põem a cargo das mulheres. A mulher que participa do rito tem de ser devidamente consagrada pelo banho ritual e outras cerimônias de purificação, e o ideal é que também ela siga o caminho da espiritualidade. O tāntrika não deve ver nela uma pessoa do sexo oposto, mas sim a Deusa, śakti, e do mesmo modo deve identificar-se com Śiva (i.e. Seth). A parceira ideal deve ser bastante desinibida. Num apêndice ao Yogakarnikā, obra do Século XVIII, o próprio Śiva instrui-nos o seguinte: O praticante deve colocar o pênis na vagina de sua mãe e apoiar as sandálias sobre a cabeça do seu pai, enquanto acaricia (ou lambe) os seios de sua irmã e beija as suas belas nádegas. Aquele que faz isso, ó grande Deusa, alcança a Morada da Extinção. Aquele que passa o dia e a noite adorando uma atriz, uma porta-caveiras, uma prostituta, uma mulher de casta inferior, a esposa de um lavadeiro — ele em verdade se identifica com o abençoado Sadā-Śiva.

O Tantrismo desenvolveu, em alto grau, uma linguagem crepuscular «sandha-bhāṣa», uma linguagem simbólica secreta, que pode desorientar bastante os não-iniciados. Os iniciados têm de aprender com um mestre competente a compreender o simbolismo da própria tradição, para que não venham a naufragar nos rochedos do literalismo.

No tantrismo de esquerda, o termo mudrā designa a parceira do rito meta-sexual. Ela é chamada igualmente de vāma, que significa simplesmente mulher bonita. O rito de maithunā, que tem antecedentes vêdicos, leva frequentemente o nome de yoni-pūjā ou adoração da vulva. Isso leva-nos a entender que esse rito é uma atividade sagrada. Com efeito, pode ser um processo extremamente complexo, com horas e horas de meticulosa preparação cerimonial, seguidas pela relação sexual propriamente dita, cuja forma é igualmente determinada em todos os seus detalhes. Em geral, esse rito é feito no meio de uma zona de poder «cakra» de Iniciados, estando o mestre também presente. Os parceiros se unem na qualidade de divindades masculina e feminina, não de comuns mortais. É claro que eles sentem prazer, uma vez que a própria finalidade do rito é a geração do gozo «ānanda» por meios corpóreos; mas não devem pensar em si, não devem tirar da experiência uma satisfação egoísta.

Cabe ao tāntrika impedir a todo custo a ejaculação quando a finalidade é mística, mas ejacular o veneno quando a finalidade for mágica. O sêmen «bindu» é considerado um dos produtos mais preciosos da força vital e deve ser preservado. O objetivo do coitus reservatus é que o esperma seja transmutado numa substância mais sutil chamada ojas. Esta substância alimenta os centros superiores do corpo «cakras» e facilita a difícil tarefa de transformação psicossomática, que é a finalidade do Tantra. Desde épocas muito antigas, o praticante espiritual que é capaz de operar essa alquimia interior é chamado de ūrdhva-reta, «aquele cujo sêmen flui para cima».

O clímax do Yoga Tântrico não é o orgasmo, mas o êxtase — a identificação do praticante com o daemone transcendente, além da personalidade egóica. A mulher, porém, pode chegar ao orgasmo durante o rito, em determinadas circunstâncias. Sua excitação sexual a leva a produzir uma secreção vaginal muito apreciada conhecida como kāla, que o tāntrika competente sabe absorver através do pênis. Aleister Crowley defendia a tese de que o magista estaria evitando inúmeros perigos se absorvesse tais elixires com a boca. Essa evacuação feminina seria benéfica para o sistema hormonal do tāntrika. Essa prática chama-se vajrolī-mudrā e pertence ao repertório do haṭha-yoga. Mas a interação entre o sacerdote e a suvasini, antes de mais nada, é uma troca de energias que supera em muito o que acontece na relação sexual comum.

Os «Cinco Ms», mais do que qualquer outro traço do tantrismo, incorporam o seu espírito de contradição: os praticantes do Tantra rompem deliberadamente com a vida comum. A conduta deles baseia-se no princípio da inversão «viparita». Eles parecem estar gozando do prazer sensual «bhoga», mas na realidade cultivam a beatitude transcendental «ānanda». Desse modo, dão um sentido novo e esotérico a todas as suas ações aparentemente mundanas. No haṭha-yoga, é a inversão sobre os ombros que melhor simboliza esse princípio da inversão. Todos os procedimentos tântricos têm a finalidade de construir uma nova realidade para o tāntrika — uma realidade sagrada análoga à Realidade transcendente: o corpo do praticante torna-se o corpo da divindade de sua eleição «iṣta-devatā». Ou seja, é pela identificação com essa divindade específica que o tāntrika aproxima-se da transcendência de todas as formas, até unir-se por fim com a Divindade suprema, que é o puro daemone.

Assim, vastamente antiga e abrangente, a Tradição Tifoniana esteve presente em diversas tradições espirituais. Dos Cultos Africanos as Dinastias Egípcias, do Xamanismo Siberiano ao Tantra Hindu, dos Cultos Kahunas na Polinésia ao Xamanismo Sul-americano, a Corrente Ofidiana que perpetua a fórmula Tifoniana de Iniciação marca seu desenvolvimento nestas vastas culturas globais, sendo no início, apoteose ou queda, não importa, ela sempre esteve presente.

Equinócio de Primavera
2005 e.v.

Notas:

[1] Uma Célula dirigida pelo presente autor dependente da Ordo Templi Orientis (O.T.O.), Ordem Mágica liderada por ele.
[2] I.e. oralmente.
[3] Em uma carta a J.W. Parsons, que operava uma Loja da O.T.O. na Califórnia em 1945, Crowley escreveu: Está certo iniciar uma senhora, mas inverter o processo é severamente proibido.
[4] A O.T.O. é somente para aqueles que compreendem a urgência em adquirir e realizar a liberdade pessoal, em desenvolver e realizar a sua Verdadeira Vontade. A implicação é que antes que uma pessoa esteja consciente do fato de que ela possui uma Verdadeira Vontade, ela será incapaz de ser, por qualquer razão, porque ou como, incapaz de realizá-la. Mas para o individuo que alcançou esta realização, que é uma iniciação de alto grau, a O.T.O. forma um trampolim natural para seu salto em direção à liberdade. Assim mesmo, o indivíduo não pode dar o salto sem reconhecer a força propulsora que o torna possível, e este é o único pagamento exigido àqueles que abraçam esta causa. Ele precisa fazer isso e sua urgência relativa determina o montante de liberdade que ele contribui para Ordem. Não existe compulsão e nem impulsão. Se o candidato falha no Ordálio do Grau, ele caí novamente nos velhos grilhões, na velha servidão e lá vegeta até que, finalmente, se decompõe na lama que gerou e ali mesmo se atolou. Mas se ele vence os Ordálios do Grau, consegue absorver para dentro de si mesmo o reservatório inteiro de poder que tem sido acumulado por seus predecessores. Este é o verdadeiro significado de parampara, ou linhagem espiritual (i.e. Real). Na O.T.O. as suvasinis veneradas como divindades foram originalmente mulheres iniciadas e iniciadoras nos segredos do Tantra. Elas são dispostas em um círculo em torno da imagem central de Seth (na forma do sacerdote) ou lingam vitae. Veja doc.022 O.T.O. para uma descrição Kaula no que tange a iniciação Tântrica.

Crônica 1: Além dos Opostos


As Crônicas do Lado Noturno são passagens da obra Gnose Tifoniana (Vol. II).

Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

O lado noturno sempre esteve conosco. Ele é muito mais antigo que o lado diurno. Antes da luz começar a brilhar a escuridão já existia.

Alguns presumem que estamos lidando com polaridade simples. De um lado o mundo radiante de cores e formas, concebível, mensurável. A Árvore da Vida pode ser vista como um mapa cheio de cidades, estradas, hotéis, restaurantes etc. Do outro lado, um mundo caótico de incertezas e mistérios incompreensíveis. E ambos são conectados pelo vazio que torna possível sua existência.

O lado noturno pode até parecer simétrico ao lado diurno. Mas não é! Não se trata simplesmente do reflexo do lado diurno como alguns pesquisadores modernos colocam. O lado diurno é uma ilha bem pequena no meio de um vasto oceano, o lado noturno, cheio de correntes, ilhas, continentes de possibilidades. Tudo e nada presente o tempo todo. Uma ilha não é o reflexo ou o oposto do oceano, mas uma pequenina parte dele.

No lado diurno é sabido o que se esperar, criar e manter, pelo ímpeto de sobrevivência em uma realidade autoimposta. A mente seleciona naturalmente as experiências e os alimentos que irá consumir através das impressões recebidas pelos sentidos. No entanto, a mente é limitada, pois consegue lidar apenas com poucos estímulos e símbolos, guardando seu significado em um compartimento superficial da memória. A meditação, por exemplo, procurará estender os limites da consciência para que tenha uma amplitude de alcance maior. Páticas espirituais que produzem gnose, passiva ou ativa, a execução de rituais antinomianos perturbadores que alteram as emoções e o nível de energia da mente ou o consumo de plantas de poder (quimiognose) também têm essa finalidade. Mas experiências como o estado de doença, exaustão física, estresse emocional e até insônia também têm o poder de alarcar a abrangência da consciência. Seja como for, por mais portas da percepção que sejam abertas, ainda sim, a experiência do lado noturno é distinta do que podemos conceber com a mente.

Amor é a lei, amor sob vontade.

Fernando Liguori em "Gnose Tifoniana" (Vol. II), no prelo.

O Um além do Dez Kenneth Grant


Kenneth Grant
Aleister Crowley and the Hidden God, Capítulo 1, Skoob Books, 1992.

Em 1893, com a idade de dezoito anos, Aleister Crowley decidiu definir a Magick sobre uma base sólida e científica. Ele explica[1] que adotou a arcaica forma Inglesa de se escrever – magick – “a fim de distinguir a Ciência dos Magi de todas as suas deturpações”; através desta ortografia ele também pretendia indicar a natureza peculiar de seus ensinamentos, que possuem uma afinidade especial com o número onze, o Um além do Dez.

“K” (a última letra de Magick) é a undécima letra de vários alfabetos importantes;[2] é atribuída ao deus Júpiter, cujo veículo (a águia) é o símbolo do poder mágico em seu aspecto feminino; ela é o “símbolo daquele gigantesco Poder cuja cor é escarlate; e que possui afinidade com Capricórnio ou Babalon”.[3] A importância especial de Capricórnio (o Bode) é revelada por sua atribuição, na Tradição Indiana, a deusa Kali, cujo veículo é o sangue.

“K” é também Khn, Khou ou Queue simbolizado pelo ‘rabo’ ou a ‘vagina’, venerado no antigo Egito como a Fonte do Grande Poder Mágico. Magick, soletrada com o “K” portanto indica a natureza precisa da Corrente que Therion (Crowley) incorporou e transmitiu.

O número dez foi visto pelos qabalistas tradicionais como um número estável no sistema de Emanações divinas ou Sephiroth. O número onze foi considerado maldito, pois ele se encontrava fora do sistema de equilíbrio proposto pelos qabalistas. Therion, portanto adotou o número onze como sua fórmula.

N’O Livro da Lei, a deusa Nuit exclama: “Meu número é 11, conforme todos seus números que são nossos”, o que é uma alusão direta a A\A\, ou Ordem da Estrela de Prata – Argenteum Astrum – e seu Sistema de Graus.[4] Nuit é o Grande Exterior, representada fisicamente como “Infinite Space, and the Infinite Stars” (i.e. I s i s). Nuit e Isis são assim identificadas n’O Livro da Lei. Isis é o espaço terrestre iluminado pelas estrelas; Nuit é o exterior ou espaço infinito, a imortal escuridão que é a fonte oculta da Luz. Ela é também em um sentido místico o Espaço Interior ou o Grande Interior.

Crowley tomou conhecimento da existência de uma hierarquia de poder espiritual em 1898, ocasião em que ele leu A Nuvem sob o Santuário, por Karl von Eckartshausen. Ele tinha vinte e dois anos naquela época e cursava o terceiro ano do curso de artes em Cambridge. Em uma análise do livro A Nuvem sob o Santuário publicado em um artigo seu em sua revista The Equinox[5] (vol. I, no. 3), Crowley diz: “Foi este livro que me tornou pela primeira vez consciente da existência de uma assembléia mística e secreta de santos, o que determinou a minha dedicação por toda a minha vida [...] em me fazer digno de participar desta assembléia.”

Embora A Nuvem sob o Santuário tenha sido escrita na linguagem do Misticismo Cristão a idéia de uma hierarquia espiritual a qual ele sugere não está confinada a Cristandade. Ela pode ser encontrada no sistema Budista, na linhagem dos gurus do Hinduísmo Místico que precederam o presente Shankaracharya de Kanchi Kamakoti Peethan, no sampradaya ou linhagem de Ghoraknath, os Nath Siddhas e hierarquias similares.

Se a teoria da sucessão apostólica Cristã é verdadeira ou não e se o Dalai Lama representa uma linhagem sutil de Adeptos invisíveis, isso é um ponto discutível. Alguma forma de Ordem oculta indubitavelmente controla os movimentos de estrelas e planetas, e se as estrelas e planetas são governados nas infinitudes do espaço porque não também homens e mulheres nas finitudes da terra, pois, conforme expressa O Livro da Lei: “Cada homem e cada mulher é uma estrela.”

Depois que Crowley leu A Nuvem sob o Santuário ele aspirou contatar a Ordem oculta que o livro descrevia. Como resultado de seus esforços ele conheceu George Cecil Jones (Frater D.D.S.), um membro da Ordem Hermética conhecida mundialmente como Golden Dawn, cujo líder naquela época era Samuel Liddell MacGregor Mathers. Fora através de D.D.S. que Crowley tivera sido iniciado na Golden Dawn em 18 de Novembro de 1898. Ele assumira nesta ocasião o nome mágico Perdurabo (Eu Perdurarei), um mote indubitavelmente baseado em seu saber bíblico (herdado de seu pai, um fanático Irmão Plymouth[6]) de Mateus 24:13. Crowley ampliou o significado: “Eu Perdurarei até o fim, mas no fim não há nada para perdurar” – Perdurab-O. Isso não era um mero joguete de palavras mas um prenúncio da total aniquilação da personalidade que deveria ser conquistada se ele quisesse alcançar a total realização espiritual, a ‘abolição suprema’ conhecida espiritualmente como o Ordálio do Abismo.[7]

A Golden Dawn atraia pessoas que estavam insatisfeitas com as técnicas Maçônicas Cristianizadas ou não desejosas em aceitar os conceitos orientais filtrados através do brilhante, embora nem sempre sem falha, prisma da Sociedade Teosófica de Madame Blavatsky.

Um dos mais destacados membros da Ordem, a partir do ponto de vista de Crowley, era Allan Bennett (Frater Iehi Aour). Foi ele quem deu a Crowley seu embasamento no misticismo oriental. Foi Bennett também que mais tarde se tornou um monge Budista em Burma e que ao invés de introduzir Thelema no Oriente, como Crowley esperava que ele assim o fizesse, reverteu o processo e trouxe o Budismo para o Ocidente! Bennett foi um dos membros fundadores originais do Sangha Budista na Inglaterra.

Dentro de um ano em sucessivas iniciações, o avanço de Crowley na Golden Dawn havia sido tão rápido que ele atingiu o Grau mais elevado que Mathers poderia conferir[8] e, de acordo com uma nota autobiográfica não publicada datada de 1924, até o ano de 1903 Crowley foi o mais avançado Adepto (distinto de um Mestre) no mundo. Mas assim como em Cambridge, ocasião em que ele passou pelo Arrebatamento Budista da Dor tendo percebido a futilidade da conquista e ambição terrestre, agora, quase no pico da conquista espiritual ele fora tomado por um sentido similar de futilidade. Isso fora tão fundo em seu âmago que ele abandonara a Grande Obra.[9]

Em Agosto de 1903 ele se casou com Rose Edith Kelly quem, em um ano de casamento, fora a responsável e agente que o colocou em contato com uma Inteligência Oculta de Poder incalculável, uma Inteligência que permanecera ao seu lado até o fim de sua vida. Através desta Inteligência chamada Aiwass, Crowley recebeu O Livro da Lei em 1904.

Entre outras coisas, a Golden Dawn lhe ensinou uma técnica para adquirir a maestria do plano astral durante o qual o corpo astral do magista projetado é identificado com a forma divina de um Deus Egípcio. Quando praticava a assunção da forma divina, Perdurabo escolhera a forma de Horus, uma das mais velhas deidades conhecidas pelo homem. Ele selou a estrutura protoplasmática de seu corpo astral na imagem mentalmente formulada do falcão dourado (o veículo de Horus) e, naquela forma, ele explorou os aethyrs sutis do universo.[10]

A técnica para a assunção da forma divina nos rituais de evocação e banimento astral de entidades elementais e planetárias forma o extrato dos ensinamentos mágicos contidos em Liber O vel Manus et Sagittae, uma instrução da Golden Dawn que Crowley posteriormente publicou em The Equinox, vol. I, no. 2. (Veja também Magick, por Aleister Crowley, Routledge, 1973.)

A Golden Dawn passou por inúmeras mudanças devido às falhas de Mathers em manter uma ligação mágica com a Corrente oculta que formava a A\A\ (Ordem da Estrela de Prata) e a dissolução subseqüente de seus contatos com os Planos Internos através dos Chefes Secretos da Ordem. Em um manifesto dirigido aos membros da Segunda Ordem (R.R. et A.C.), Mathers deu mais do que uma simples sugestão do que este contato implicava:

Em relação aos Chefes Secretos com quem eu estou em contato e de quem eu tenho recebido a sabedoria da Segunda Ordem que eu lhe comuniquei, eu não posso dizer-lhes nada. Eu nem mesmo sei seus nomes Terrestres e eu os tenho visto com muita raridade em seus corpos físicos [...].
Eles costumavam me encontrar fisicamente em uma época e lugar fixados com antecedência. De minha parte eu creio que eles sejam seres humanos vivendo na Terra, mas imbuídos de poderes terríveis e super-humanos [...].
Meus encontros físicos com Eles têm mostrado-me quão difícil é para um mortal, ainda que “avançado”, suportar a presença deles [...].
Eu não quero dizer que durante meus raros encontros com Eles eu experimentei o mesmo sentimento de depressão física intensa que acompanha a perda do magnetismo. Ao contrário, eu senti que estava em contato com uma força tão terrível que eu somente a comparo ao choque que alguém receberia de um relâmpago durante uma grande tempestade, experimentando ao mesmo tempo grande dificuldade de respirar [...].
A prostração nervosa da qual eu falei foi acompanhada por suores frios e um intenso sangramento no nariz, boca e às vezes nos ouvidos.

Isso pode sugerir charlatanismo ou mesmo Teosofia, mas o fato que permanece foi que Perdurabo sucedeu Mathers e corrigiu suas falhas. Através da aplicação apropriada de seus métodos mágicos ensinados por Mathers, Perdurabo foi capaz de fixar sua consciência na harmonia recíproca com o que provou ser uma Inteligência indubitavelmente poderosa.

Através de repetidas assunções divinas na forma de Horus Crowley sintonizou sua consciência com as vibrações emanadas daquela esfera de complexo poder cósmico. Dessa maneira ele se preparou para a recepção d’O Livro da Lei, tecnicamente intitulado Liber AL vel Legis. Ele será referido daqui a diante simplesmente como AL.
AL é uma palavra Caldéia que significa entre outras coisas Deus ou Great Old One. Ele possui atributos elementais e planetários: Ar para letra ‘A’; e Vênus para letra ‘L’. ‘A’ significa o Espírito Criativo (prana), e ‘L’ significa a Mulher Satisfeita ou preenchida com energia criativa. As Chaves Taróticas relevantes são intituladas O Louco e O Ajustamento, Atus 0 e VIII respectivamente. O significado interno destas chaves emergirá durante o curso deste livro.

AL fora transmitido a Crowley por uma Inteligência desencarnada chamada Aiwass em 1904. Precisamente por uma hora, de 12:00 as 13:00 p.m. nos dias 8, 9 e 10 de Abril, enquanto Crowley se encontrava no Cairo, Aiwass ditou a substância do livro que forma o documento mágico mais importante do Novo Aeon. Um relato completo deste acontecimento é dado por Crowley em suas Confissões, e em detalhes mais técnicos em O Equinócio dos Deuses.

Os Chefes Secretos não somente autorizaram Perdurabo a suplantar Mathers como Chefe da Golden Dawn, Eles tornaram claro que ele havia sido escolhido para estabelecer uma nova época na evolução da consciência planetária sobre a qual o “deus” Horus presidirá nos próximos dois mil anos.

Mudanças de aeon ocorrem periodicamente em intervalos aproximadamente de dois mil anos, a mais recente tendo ocorrido em 1904 quando Horus suplantou Osíris como o veículo típico da Corrente Mágica que agora infunde a aura do planeta.

Aiwass ou Aiwaz como é às vezes soletrado,[11] declara ser o “ministro de Hoor-paar-Kraat”, uma forma de Horus genericamente conhecida como Seth ou Shaitan.[12]

Os três capítulos do AL são a manifestação em Discurso do Deus do Silêncio, Hoor-paar-Kraat.[13] AL se aproxima em alguns importantes aspectos dos Tantras do Extremo Oriente pelo fato dele ser transmitido na forma de ensinamentos conferidos por um “deus” a sua sakti (veículo de poder); neste caso particular, Aiwass a Perdurabo, que é descrito no AL como o “sacerdote escolhido & apóstolo do infinito espaço é o príncipe-sacerdote a Besta”.

Essa descrição do “sacerdote escolhido” deve ter assustado Crowley forçosamente, pois em sua adolescência ele havia passado por uma experiência interior vívida que ele descreveu como “um sentimento apaixonado de identificação com a Besta 666”.

A Besta 666 é o Dragão com sete cabeças mencionado na Revelação. Seu significado oculto mostra de que maneira o número 666 é “o número do homem”, pois as sete cabeças representam as sete estações da Estrela Polar, cada uma da qual “caía” ou afundava em vastos intervalos periódicos que duravam um período de vinte e seis mil anos para se completar o processo inteiro. Isso constitui um Grande Ano no Ciclo de Precessão. O simbolismo é astronômico bem como místico. As sete cabeças da besta foram tipificadas por várias imagens que possuíam seus protótipos terrestres como símbolos de poder mágico. A queda e desaparecimento final da sexta cabeça abriu caminho para o homem, i.e. a estrela representada pela primeira imagem humana que havia sido constelada nos céus, o sinal de Heru, Horus, o herói ou Hércules de uma astro-mitologia Grega posterior.[14]

A imagem da Besta, Dragão ou Serpente de sete cabeças formava o desenho no Piso da Cripta dos Adeptos[i] na Golden Dawn. Para cada uma das cabeças fora designado um nome de uma força demoníaca ou qliphótica, o número o qual é onze.

Uma outra afinidade entre o AL e os Tantras é que os Tantras são aceitos, não somente por sua antiguidade, mas porque eles provêm de uma autoridade supra-humana que comprova suas origens. Existem outras similaridades aos Tantras, mas também uma grande dissimilaridade no fato de que os tântricos (especialmente aqueles da Divisão Sakta) evitam o uso do número onze porque ele é considerado nefasto. Este número, que desempenha um fator fundamental no Culto de Crowley, foi comentado de maneira adversa por Dion Fortune:

Magick de Crowley é valioso para o estudante, mas somente o avançado poderá usá-lo com proveito. A fórmula com que Crowley trabalha seria considerada adversa e maligna pelos ocultistas acostumados à tradição qabalistica, já que usa o 11 no lugar de 10 como base para a bateria de golpes nas suas cerimônias mágicas, sendo o 11 o número dos Qliphoth. Nenhum aviso como este é dado em seus textos e é uma brincadeira de muito mau gosto para o estudante desprevenido.[15]

Onze é o número dos Qliphoth, o resíduo desequilibrado, descartado e, portanto exterior, aos dez Sephiroth, mas o homem deve triunfar sobre estas forças desequilibradas em sua própria natureza antes que ele se transforme em um mestre magista. A fim de fazê-lo ele primeiro deve evocar os Qliphoth, o que ele faz no traçar o Pentagrama invertido (a Estrela de Seth) após ele ter estabelecido sua supremacia mágica equilibrando em si mesmo os cinco elementos representados pelo Pentagrama com a ponta para cima (a Estrela de Nuit). O magista é em si o onze porque ele está para sempre fora e além da operação dos dez, i.e. os dois Pentagramas.

Similarmente, a Besta com Sete Cabeças alcança sua apoteose no poder óctuplo chamado Baphomet, o glifo do andrógeno que oculta o segredo da fórmula secreta de Mudança através da polaridade sexual na forma humana. Esta é a fórmula da magick sexual baseada na Resurgência Atávica (veja Capítulo 8).

Crowley sempre manteve uma atitude positiva considerando o fato importante que onze implica o Caminho de Aleph na Árvore da Vida, o Caminho que transmite a Luz de Kether, o Pai, para Tiphereth, o Filho. Esse Caminho simboliza a transmissão da Luz Superna para o Magus (Chokmah) através da fórmula da Loucura Divina. O Caminho de Aleph é o Caminho da Sabedoria ou da Loucura. Aleph é soletrada – [la – totalizando 111; onze na grande escala.

No Livro de Thoth a letra ‘A’ é atribuída a Primeira Chave, O Louco, e o número desta Chave é Zero. Nós assim alcançamos a raiz da fórmula chave de Crowley: 0=2, que é uma antiga fórmula Chinesa.[16]

A soma da Unidade (1) e seu reflexo (também 1) simbolizado pelo número 11 é a Díada, o número Místico da Mulher, o divisor em dois (i.e. como mãe e criança). Para mulher é atribuída a letra Beth, que significa ‘casa’ ou ‘ventre’ e 2 é o seu número. Então onze, a forma dinâmica de dois, é o número da magick que utiliza as forças sexuais e a mulher para recriar a ilusão do universo.

O Selo Secreto da A\A\ é uma Estrela de onze partes; novamente, o Um além do Dez. A Palavra da Lei anunciada por Aiwass é Thelema (Vontade) e é expressa no AL na frase de onze palavras “Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei!”

Existem onze linhas no lado oposto da Estela da Revelação que é o talismã mágico do presente Aeon de Horus; Crowley se tornou um Magus 9°=2 A\A\ com o mote To Mega Therion – A Grande Besta – onze anos após a recepção do AL por Aiwass.

A magick do Aeon de Horus consiste na realização da identidade de Kether (Nuit) e Malkuth (Hadit); os números destes Sephiroth são 1 e 10 respectivamente. Sua união na consciência do magista produz Tiphereth, o Filho-Sol, Horus, Senhor do Aeon.

A fórmula mágica da Grande Obra que é o processo de unir ambos na consciência é Abrahadabra, a Palavra de Poder de onze letras. Na Operação Cephaloedium Crowley descreve “O Forte” ou Casa de Horus (a “Casa de Deus” mencionada no AL) como o “Aeon de onze torres”. Em vista as referências de Crowley em relação à adoração de Shaitan como sendo equivalente a adoração de Had ou Hadit, é interessante comparar os onze templos conectados a seita dos devotos de Shaitan que ainda existem no deserto Sírio nas vizinhanças de Bagdá.

O nome mágico de Crowley na O.T.O. foi Baphomet, o nome óctuplo, Octinomos, o Mestre Magista. Baphomet também possui onze partes, conforme representado pela Cruz Baphomética. Ele simboliza não somente os onze Sephiroth, mas também o Um além do Dez que penetra no sistema a partir de Fora (Nuit).

“A Fórmula da Força é Onze-em-Um e Um-em-Onze, que é 418.”[17] Isso significa que Abrahadabra que possui a numeração de 418 (número da Grande Obra) é Uma Palavra consistindo de Onze letras – portanto Onze-em-Um. Achad, o centro ou coração de Abrahadabra é Hadit ou Shaitan; ele é também a palavra Caldeia que significa Um (Unidade): assim, Um-em-Onze.

As teorias mágicas que sustentam as fórmulas da assunção de formas divinas são de uma importância vital para compreensão de seu refinamento e de sua posterior revitalização feita por Crowley. O mascarar-se com deidades com cabeça de animais, o uso de pelos, chifres, peles, órgãos bestiais e etc. eram atitudes tomadas com a finalidade de assimilar os poderes super-humanos possuídos por certos animais.

Essa fórmula que era muito utilizada pelos feiticeiros do mundo antigo causava um efeito profundo sobre a psicologia do operador. Isso porque o homem evoluiu das bestas, ele possui – profundamente aterrado em seu subconsciente – as memórias de poderes super-humanos de que uma vez possuiu. Cada animal tipifica um ou mais poderes: força e sutileza para o leopardo; visão noturna para o gato, coruja e morcego; poder de lidar rapidamente com a morte para serpente; o poder de transformação para hiena e assim por diante. Qualquer atavismo requerido poderia ser evocado pela assunção da forma divina apropriada.[18]

O processo era conhecido a Iniciados como a fórmula do Macaco Divino, sendo o macaco uma imagem da ligação primitiva entre o homem e a besta. Ele fora também um símbolo do corpo astral e da qualidade reflexiva da luz astral que imitava as imagens impressas nela através da vontade do magista. A assunção da forma divina é, portanto uma imitação do poder super-humano que é desejado evocar.

Em um trabalho sobre Clarividência, MacGregor Mathers observou que as formas específicas de animais são significativas, mesmo no plano mundano, e no plano astral uma ênfase maior é dada ao caso. No caso do macaco a fórmula foi realmente representada em um rito sexual a que Crowley se refere em seus comentários sobre Liber 418.

A Mitologia Clássica é repleta de exemplos da assunção sexual de formas divinas. Zeus se unia a Europa como um touro, Leda como um cisne, Asterie como uma águia e Deois como uma serpente pintada. Poseidon, como um touro, seduziu Arne; como um carneiro, Teofane. Cronos como um cavalo, cobriu Filyra gerando o centauro Chiron e etc. Existe também o mistério bíblico de Maria e a Pomba.

Crowley interpreta esta fórmula como uma unificação mágica de consciência larval, característica das fases pré-humanas de vida, como o produto último de uma vontade humana exaltada e iluminada: a exaltação dos atavismos pré-evais[ii] para a consciência cósmica através da magick psico-sexual. A Esfinge é a mais celebrada imagem deste conceito. Crowley a descreve como a “deificação do bestial, portanto um hieróglifo apto para Magnum Opus”.[19] Em outras palavras, ela simboliza a fórmula que une e causa pela força cósmica o encontro da besta e deus através do intermédio do homem.

O uso ritual de máscaras, particularmente aquelas dos deuses do antigo Egito – um falcão para Horus, um chacal ou raposa para Anúbis, uma íbis ou macaco para Thoth, um crocodilo, dragão ou asno para Seth, um hipopótamo para Ta-Urt – é um meio de identificação com os estratos subconscientes correspondentes aos atavismos remotos.

O subconsciente responde a Theurgia Mágica apropriadamente aplicada, em alguns casos, mesmo para cirurgias cerebrais. O trabalho de Wilder Penfield “tem demonstrado isso durante as operações cerebrais [...] o estimulo do lóbulo temporal do cérebro pode realmente reproduzir um sentido de experiência plena de vidas passadas como se as lembranças ocorressem há poucos dias. Isso fora descoberto quando pacientes epiléticos foram tratados cirurgicamente.”[20]

Está claro a partir da natureza de algumas instruções da Golden Dawn que seus Chefes eram completamente conscientes da significação oculta dos animais em tradições arcanas antigas. Em um resumo de tais instruções Perdurabo observa que, macacos p.e. são “o resultado adulterado de antigos esforços mágicos para se formar uma ligação direta com animais”, i.e. com estratos pré-humanos de consciência, aqueles estratos que continham energias super-humanas em forma latente.

Em Magick without Tears,[21] Crowley observa que “em certos tipos de animais parece, se a tradição tiver algum peso, haver uma curiosa qualidade [...] que os capacita a assumir às vezes a forma humana. [...] Lobos, hienas, grandes cães de caça e ocasionalmente leopardos. Contos de gatos e serpentes são usualmente invertidos; é o humano (quase sempre feminino) que adota estas formas através da bruxaria. Mas no antigo Egito [...] os papiros estavam repletos de fórmulas para se operar tais transformações.”

Os magistas da antiguidade eram profundamente versados nesta técnica e formas aliadas. Através da assunção da forma e natureza da deidade, eles se transformavam em veículos da energia elemental tipificada pela deidade. Foi a freqüente assunção de Crowley da forma divina de Horus, como o falcão dourado, que o capacitou a invocar as energias mágicas do Novo Aeon que estavam latentes no subconsciente racial na forma de atavismos animais.

Os animais foram às primeiras formas sensientes da corrente primitiva de consciência que procedeu de uma fonte extraterrestre. Eles eram na verdade as formas primitivas das energias cósmicas ou “deuses”, suas formas divinas literais, e posteriormente à assunção destas formas pelo homem foi um método mágico de contatar a corrente de consciência que primeiro penetrou neste planeta através de “fora”.

Aiwass é a ligação, o corredor através do qual o Impulso foi transmitido da fonte de consciência extraterrestre, i.e. Aiwass foi um “mensageiro das forças que regulavam a terra no presente”.[22] A locação daquela fonte e a natureza daquelas forças ou “deuses” são mistérios ocultos no AL.

Antes que se originasse com Crowley, este Impulso o incluiu e expandiu seu alcance. Aiwass é tanto um conceito subjetivo e individualizado e uma entidade objetiva e cósmica. Isso explica como Aiwass é uma parte da consciência subliminar de Crowley e uma entidade independente identificada com a energia cósmica.

A partir da época em que Crowley adentrou a Golden Dawn em 1898 até a recepção do AL em 1904 e por diversos anos após, o sexo não havia tido para ele nenhuma significação oculta, ele o usava no curso normal das eventualidades de sua vida. Sua utilização casual, contudo, durante o seu período de treinamento mágico explica seu progresso rápido na Ordem. Os efeitos da fórmula do Macaco Divino, aumentados pelo uso do sexo em sua vida pessoal, misteriosamente libertaram sua Serpente de Poder (Kundalini). Entretanto foram muitos os anos antes que Crowley reconhecesse Aiwass como um ser idêntico a seu Daemon, seu Gênio ou Sagrado Anjo Guardião.

Aiwass, o “ministro de Hoor-paar-Kraat”, portanto equipara-se com o “Lúcifer solar-fálico-hermético; O Demônio, Satã ou Hadit de nossa unidade particular do Universo Estrelado. Esta serpente, Satã, não é inimigo do Homem, foi Ele quem fez os Deuses de nossa raça, conhecendo o Bem e o Mal, Ele declarou ‘Conhece-te a ti Mesmo!’ e ensinou a Iniciação.”[23]

Crowley tipifica a Verdadeira Natureza em todo homem e mulher, a Verdadeira Vontade, por um Sátiro,[24] uma forma de Sat-An ou Seth, Shaitan-Aiwass, o Deus Oculto.

Notas do tradutor

[1] Em Livro Quatro, parte II. Incorporado em Magick em Teoria & Prática.
[2] P.e. o alfabeto Caldeu, Grego e Latim.
[3] Babalon, a Mulher Escarlate, o veículo ou sakti da Besta 666. Veja Capítulo 2.
[4] Veja o Sistema de Graus atribuído à Árvore da Vida, Figura 1.
[5] The Equinox, o órgão ‘oficial’ de divulgação da A\A\, ou Estrela de Prata, aparecia semestralmente nos equinócios de primavera e outono. O conteúdo da revista era composto em grande parte de escritos do próprio Crowley. O primeiro volume consistiu de dez números publicados entre 1909 e 1913.
[6] Irmandade fanático-religiosa Calvinista originada em 1830 em Plymouth.
[7] Veja Glossário.
[8] Mathers era um Adepto Exempto, 7°=4, da Ordem Interna, o Grau imediatamente abaixo do Abismo, o Véu que separa a A\A\ das outras Ordens, Rosa Cruz e Golden Dawn. (Veja Árvore da Vida, Figura 1.)
[9] Veja Glossário.
[10] Os aethyrs são dimensões extraterrestres e transfinitas. Eles formam a base do sistema Enochiano do Dr. Dee. Algumas das visões de Crowley em suas explorações dos aethyrs são descritas em Liber 418. Veja também a invocação que começa “Eu subi! Eu subi! Como um poderoso falcão de ouro...” Orpheus, um poema de Crowley, 1905.
[11] Veja glossário.
[12] Para um relato deste aspecto de Horus veja O Renascer da Magia, Kenneth Grant, Madras 1999.
[13] Uma forma Egípcia do Deus Grego Harpocrates.
[14] Veja Egito Antigo, Gerald Massey, Capítulo 9, onde este assunto é tratado em detalhes.
[15] Magia Aplicada (Fortune).
[16] (+1)+(-1), ou 2, quando unidos, anulam um ao outro se tornando o Nada. Esta é a expressão matemática da polaridade que está por trás da união dos opostos, as cargas ativas e passivas ou positivas e negativas de energia elétrica. É, portanto uma fórmula mística da magick sexual. Os antigos Chineses inventaram-na para explicar a emergência da manifestação (ou dualidade) do vazio (zero) e seu retorno a este estado após o ato de criação ter sido realizado.
[17] Veja The Magical Record of Beast 666.
[18] Patanjali, que formulou um grande sistema de Filosofia Yogi, declara que “através do samyama sobre a força de um elefante ou um tigre, o estudante adquire aquela força”. (Citado por Crowley em Magick em Teoria & Prática).
[19] Veja The Bagh-i-Muattar, por Aleister Crowley, cap. 40.
[20] Veja Mecanismos da Memória, Wilder Penfield.
[21] Uma coleção de cartas escritas por Mestre Therion a membros da O.T.O.
[22] Crowley, introdução do AL de uma edição limitada de 1938.
[23] Magick em Teoria & Prática. Compare com a Doutrina Secreta de Blavatsky, vol. II, onde será visto que os ensinamentos de Blavatsky influenciaram Crowley profundamente.
[24] Veja The Equinox vol. III, no. 1, a descrição do frontispício.

[i] Veja O Renascer da Magia de Kenneth Grant. Madras, 1999. Veja o desenho no frontispício da capa. Veja também Hidden Lore, Capítulo 10.
[ii] Grant utiliza o termo para definir formas de consciência primitiva profundamente aterradas no subconsciente.