segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Yoga,Shakti e Tantra


A palavra yoga vem da raiz sânscrita yuj que significa atrelar, unir, juntar. É um ensinamento prático e científico que inclui um sistema de exercícios que visam o controle físico e mental, além de proporcionar bem-estar, com o objetivo de realizar a união do espírito humano com o Espírito Universal. Seria então a união do ser individual  (jivatman) ao Ser Supremo (paratman).

"Yoga chitta vritti nirodha" (Yoga-Sutra I.2) 
"Yoga é a cessação (nirodha) dos vórtices (vrittis) da substância mental (chitta)".

O Yoga tem por objetivo promover condições mentais indispensáveis para que chitta (a substância mental) cesse todos os seus movimentos, os quais impedem o Eu Supremo (Purusha) de alcançar sua verdadeira natureza. A mente oscilante é o grande obstáculo à percepção do Eu Real. Segundo o Vedanta, este Eu é a base de tudo o que existe e sem esse Eu, que é consciência, a mente não seria possível, mas a mente não é real e encobre o Eu. Por essa razão o Yoga tem por objetivo interromper esse fluxo de pensamento e a identificação com a mente, percebendo assim a base da mente que é a consciência e alcançar o Samadhi (união, êxtase, superconsciência).

O Yoga foi codificado por Patanjali no texto conhecido como Yoga Sutra, que ensina o Ashtanga Yoga (Yoga dos oito - ashta - membros - anga) ou Raja Yoga (Yoga Real). 

Patañjali expõe o conhecimento nos quatro capítulos de seu Yoga Sutra. Eles são: 

1) Samadhi-pada, que estuda o conceito e as técnicas mais elevadas do Yoga; 
2) Sadhana-pada, que expõe o caminho geral que deve ser seguido pelo yogue, apresentando o conhecimento dos kleshas (obstáculos que sujeitam a mente e geram o sofrimento), e propõe as etapas iniciais (bahiranga) do método;           .  
3) Vibhuti-pada, que ensina as etapas últimas (antaranga) do método, e sobre as perfeições (siddhis) ou poderes extraordinários que daí resultam; 
4) Kaivalya-pada, que trata dos problemas essenciais da filosofia, da natureza da mente e da libertação espiritual do yogue.

O Yoga Sutra explica também os 8 membros (angas) do Yoga de Patanjali que são: 
• Yamas (regras de conduta do homem com a sociedade)  
• Niyamas (regras de conduta interna do homem com ele mesmo)  
• Asanas (exercícios físicos)  
• Pranayama (exercícios respiratórios)  
• Pratyahara (abstração e interiorização dos sentidos)  
• Dharana (concentração da mente)  
• Dhyana (meditação)  
• Samadhi (estado em que se destruiu a ignorância sobre nossa verdadeira natureza). 

Yoga é um estado mental de supra-consciência onde o seu eu individual é dissolvido na "consciência cósmica". O individuo passa a ser o observador, o objeto observado e a consciência sobre a observação. Tudo passa a ser uma coisa só. A mudança não ocorre de um dia para o outro, requer desenvolvimento, aprimoramento, prática regular e constante.  
Há vários caminhos no Yoga, adequados ao temperamento de cada praticante: Karma-Yoga, Bhakti-Yoga, Jñana-Yoga, Hatha-Yoga, Kriya-Yoga, Laya-Yoga, Kundalini-Yoga, Raja-Yoga e muitos outros caminhos e derivações. 
  
Hatha Yoga 

É o tipo de Yoga mais conhecido e difundido no ocidente por ser um Yoga vigoroso, de natureza principalmente física, que tem como base principal o uso de asanas, mudras e bandhas, bem como exercícios de respiração (pranayama) para preparar o corpo e desobstruir o sistema nervoso. Seus objetivos estão relacionados com o bem-estar físico e a saúde, beneficiando todo o sistema biológico, visando um desenvolvimento harmônico do corpo-mente e alma.

A palavra Hatha significa a união entre “Ha” e “Tha”, isto é, o Sol e a Lua. Uma das forças vitais, o prana, é conhecido pelo nome do Sol, e outra das forças vitais, apana pelo nome da Lua. Em tal sentido, Hatha-Yoga expressa a união do Prana com o Apana. Isso possibilita adquirir um controle sobre si mesmo, perfeita concentração mental e desenvolvimento das potencialidades físicas e psíquicos. Numa etapa avançada, a prática de Hatha Yoga leva ao Raja-Yoga e ajuda o praticante a entrar em comunhão consciente com o divino, mediante o Samadhi, a desligar-se do domínio das forças da natureza (gunas), e alcançar Kaivalya, ou liberação. 

Kriya Yoga 

Kriya-Yoga é uma ciência antiqüíssima. Os antigos iogues descobriram que o segredo da consciência cósmica se liga intimamente ao domínio da respiração. Esta é uma contribuição sem par, e imortal, da Índia, ao tesouro de conhecimento do mundo.

Nesse yoga o praticante executa uma seqüência definida de técnicas fornecida por um guru. São praticas (kriyas) muito potentes. É o Yoga para quem realmente quer "transcender". O sistema consiste em técnicas yóguicas que aceleram o desenvolvimento espiritual e ajudam a alcançar um profundo estado de tranquilidade e comunicação com o divino. Kriya Yoga é um método simples, psicofisiológico, pelo qual o sangue humano se descarboniza e volta a oxigenar-se. Os átomos deste extra-oxigênio transmutam-se em corrente vital para rejuvenescer o cérebro e os centros da espinha. 

O Kriya Yogi dirige mentalmente sua energia vital para cima e para baixo, a fim de fazê-la girar em torno dos seis centros espinhais (plexos medular, cervical, dorsal, lombar, sacro e coccígeo) purificando todos os nadis e chakras. Esta antiga técnica iogue converte a respiração em substância espiritual. 

Bhakti Yoga  

É o caminho do Yoga Devocional, do amor à divindade. A palavra Bhakti origina-se da raiz “bhaj”, tendo a intenção de “ligar a Deus”. Bhajan, adoração, Bhakti, Anurag, Prema, Priti, Suddha Prema, são considerados sinônimos. Bhakti é o amor divino (prema), sem pedir nada, sem nenhum desejo de recompensa.  
Através de Bhakti Yoga, do caminho de Prema ou Amor, através de sua devoção, sentimento, emoção, oração, fé, adoração, o praticante conecta seu coração a Deus. Bhakti é o supremo amor por Deus. É uma chuva espontânea de Prem em direção ao Amado. É uma ação pura, livre de egoísmo, plena de amor divino, e não há nenhum tipo de negociação ou expectativa de qualquer coisa e tampouco medo.

Na tradição indiana, o praticante do Bhakti Yoga se dedica à divindade com a qual tem maior afinidade, que pode ser masculina ou feminina.  
Bhakti está geralmente associado ao Karma-Yoga (ver abaixo), que se desenvolve o amor ao próximo, a caridade e a reconciliação através da prestação de serviços altruísticos. A vivência destes elevados propósitos conduz o praticante à libertação.

Karma Yoga 

Karma Yoga, ou Yoga da Ação é a Yoga do reto agir, é a consagração de todas ações e de seus resultados, de todas as suas atividades diárias para o divino. É a execução destas ações de forma consciente e enfatizando a união com o Divino em tudo, removendo o apego, permanecendo sempre equilibrado, no sucesso ou no insucesso. Esse processo purifica o coração e prepara o Antakharana (o coração e a mente) para a recepção da Divina Luz, ou obtenção do conhecimento do Ser. O ponto importante é este: serviço para a humanidade sem qualquer apego ou egoísmo. Os praticantes desse tipo de Yoga procuram atuar corretamente no mundo, tanto nas coisas materiais como espirituais, são pessoas de natureza altruísta. 

Kundalini Yoga  

Segundo Swami Sivananda, Kundalini yoga é o yoga com ênfase em asanas e canto de mantras para elevar Kundaliní do primeiro para o sétimo chakra, situado no alto da cabeça.  
É praticado pelos estudantes com a finalidade de despertar a Kundalini, ou energia primordial da Shakti, que se encontra numa cavidade triangular chamada "triângulo celestial" (trikona) no Chakra básico (Muladhara), em estado potencial ou adormecido  e conduzi-la pelo canal principal (sushumna) até o Sahasrara Chakra, e assim a Shakti  se une com o Senhor Shiva no topo da cabeça.

O Yogi abre a boca de sushumna mediante o Pranayama, os Bhandas e os Mudras, e desperta a Kundalini adormecida. A Kundalini não permanece muito tempo no Saharara, pois sua permanência depende do grau de pureza do Sadhana, da fortaleza espiritual e introspectiva do praticante de Yoga. Muitos estudantes não passam além dos Chakras inferiores e, por tal razão, não prosseguem em seus intentos de alcançar o Sahasrara.  

Swami Sivananda diz que a mente, o Prana, o Jiva e a Kundalini se movem em conjunto até o alto. Em suma, o praticante demandará ajuda introspectiva, quando se move de Chakra em Chakra; em tal estado uma voz misteriosa, um força mais misteriosa ainda, o guiarão em cada passo. Será necessário em cada caso possuir uma fé perfeita e equilibrada na Divina Mãe. Ela é quem guia o Sadhaka. É ela que conduz seu filho de Chakra em Chakra. Sintamos seu caloroso abraço. Sintamos sua Graça em cada passo. Falemos como se fôssemos crianças. Abramos-lhe plenamente nossos corações. Sejamos simples e cândidos. Digamos-lhe fervorosamente: “Mãe Divina, eu sou Teu; Tu és meu único refúgio e sustentação. Protege-me; Tem piedade de mim”. 
Todas nossas dúvidas se dissiparão com o conjuro de nossas preces. Sem a Sua graça nos resultará impossível avançar, ainda que seja uma polegada, no sendeiro do Shushumna, até o Sahasrara que quando ascende, inunda os Chakras com o néctar da refulgência. 
A intrepidez, o imperturbável estado mental, a ausência de paixão e desejos, a constante introspecção, a concentração, a felicidade espiritual, paz, íntima fortaleza, discriminação, o equilíbrio e ajuste da mente, a inquebrantável fé na existência do Senhor Supremo (Ishvara), devoção, firmeza mental, domínio dos Asanas, pureza, as ânsias infinitas de liberação, misericórdia, doce voz, brilho nos olhos, serão os sinais indicadores do despertar de Kundalini, e que o Sushumna perfurou o Chakra Muladhara. Quanto mais ascende esta força, tanto mais forte será a experiência espiritual, e a evidência das qualidades e dos sinais de tão sublime despertar.

A Kundalini, em última instância, se une com seu Senhor Parama Shiva e é então quando o Nirvikalpa Samadhi tem lugar. É neste momento quando o Yogi alcança a Liberação e o mais elevado conhecimento e felicidade.

Jñana Yoga 

É um sistema de yoga que busca a comunhão com o divino pela via do conhecimento da Verdade e da Sabedoria. Jñana é obtido pelo intermédio do Conhecimento do Ser. 

Após adquirir instrução teórica, o praticante busca conhecer a verdade diretamente por meio da experiência intuitiva, cortando o véu da ignorância pela meditação no Ser. Seus métodos, através de questionamento (vichara), discernimento (viveka), reflexão, análise, investigação, austeridades, ética de conduta, estudos e da meditação, tem como meta a compreensão da Divindade, da Sua manifestação cósmica. Então o praticante irá brilhar em sua pureza e Divindade.

Tantra Yoga 

É um caminho ligado ao domínio das energias latentes do ser humano, que também desperta o chamado "fogo sagrado" (a kundalini), ou a "serpente que jaz adormecida" no cóccix. O Tantra Yoga coloca ênfase especial no desenvolvimento dos poderes latentes nos seis Chakras, do Muladhara ao Ajña. O Kundalini Yoga pertence ao Sadhana Tântrico, o qual fornece uma detalhada descrição sobre o poder serpentino e os Chakras (plexos). O Sadhana Tântrico desperta Kundalini, e faz com que ela se una com o Senhor Sadashiva, no Sahasrara Chakra. O método adotado para alcançar este fim no Sadhana Tântrico é a repetição (japa) de mantras como o Nome da Grande Deusa e vários rituais. 

O Tantra, em alguns dos seus aspectos, é uma doutrina secreta, é um Gupta Vidya. Você não poderá aprender sobre esses aspectos do estudo de livros. Você precisará adquirir o conhecimento e a prática de um Tantrika prático, o mestre Tântrico, e de Gurus que possuem a chave para isto. O estudante tântrico deve doar-se com pureza, fé, devoção, dedicação ao Guru, com ausência de paixão, humildade, coragem, amor cósmico, honestidade, contentamento, e sem cobiça. A ausência destas qualidades no praticante significa um grosso e mau uso do Shaktismo. 

Laya Yoga 

O Laya Yoga, segundo Swami Sivananda, é também um tipo de Kundalini Yoga. "É o processo de transmutar a energia física em luz (ojas). A consciência humana é levada através de graus diferentes de percepção até que se una ao Absoluto". Trata-se de uma modalidade de controle da natureza mental, partindo do pressuposto que se podem dominar as funções físicas e psíquicas e, assim, eliminar todos os bloqueios e barreiras no caminho espiritual.

A sua prática implica em pranayamas e bhandhas. Apenas o praticante pode sentir seus efeitos. O praticante desta técnica geralmente encontra-se sentado. Isso levou muitos livros a sugerirem que a postura sentada seja a melhor maneira de se praticar Yoga - imagem que se transformou no estereótipo ocidental do praticante de Yoga. Essa técnica consiste em práticas de respiração para eliminar as desarmonias físico-psíquicas, dominar o corpo físico, permitir ao Espírito Divino, que está eternamente unido ao ser, manifestar-se.

Raja Yoga 

O Raja Yoga, Dhyana Yoga,  "Yoga real" ou "união real", é um dos caminhos do yoga que se utiliza do domínio interno das atividades mentais, portanto é voltada para pessoas que tenham uma tendência à meditação. Através do Raja Yoga, pela reta-ação da mente, tornando-a introvertida, controlando e superando sua natureza e tornando-a estável, concentrando-a e meditando, o praticante atravessa o véu da ignorância e atinge a iluminação.

É considerada a síntese dos Yogas. Seu objetivo é a comunhão com o Divino, através da prática da meditação, conduta ética, serviço impessoal no mundo e veracidade. Nela estão incluídos os sistemas Karma (reta ação), Jñana (sabedoria) e Bhakti (amor). A prática do Raja Yoga consiste em pranayamas (controle do alento), irradiação de amor universal, namaskara (rendição total e irrestrita a Deus) e a compreensão do bhavana (conceito da Unidade Divina). A meditação proporciona ao praticante o despertar das potencialidades latentes e divinas do ser.

A Grande Deusa (Maha Devi)

No pensamento indiano existem muitos seres divinos (Devas), masculinos e femininos; e um Ser Absoluto (neutro), que é Brahman. Todas as divindades, como Brahma, Vishnu e Shiva, são manifestações de Brahman, não são independentes dele. Brahman está além da compreensão conceitual e racional, mas é descrito como tendo a essência da existência (Sat), da consciência (Cit) e da completude ou não-dualidade, que se manifesta como uma felicidade plena (Ananda). 

De acordo com a tradição indiana, todo o universo e todos os seres são também uma manifestação de Brahman. Existem períodos em que o universo é criado, se mantém durante um certo tempo, depois é destruído – e todos os Devas também desaparecem. Quando isso ocorre, resta apenas Brahman, indiferenciado, e nada acontece. É como se tudo estivesse adormecido – é a noite cósmica, ou noite de Brahman. Depois, Brahman se manifesta, o universo começa a surgir novamente, iniciando-se um novo ciclo cósmico. Brahma (um Deva masculino) é quem atua criando o universo, depois Vishnu é quem o mantém ou sustenta, e Shiva o destruirá. 

Segundo uma das tradições indianas (no Tantra), existe uma Deusa (Devi) que está acima de todos os Deuses. Ela é chamada de Maha Devi (a Grande Deusa), ou Shakti (a Poderosa). Sua característica principal, como o seu próprio nome diz, é o Poder. Ela é ativa, dinâmica, é considerada como a energia que move todo o universo (inclusive os Devas). Em comparação com ela, os Devas são inertes, inativos, passivos. Nessa visão, temos um conceito exatamente oposto ao que se desenvolveu no ocidente (e em outros lugares, como a China), segundo o qual a energia ou atividade seria uma característica masculina e a receptividade ou passividade seria uma característica feminina. 

Podemos encontrar alguns aspectos dessa concepção básica indiana na filosofia Sankhya, por exemplo. De acordo com o Sankhya, existem dois princípios cósmicos fundamentais. Um deles é a consciência (Purusha), que é um princípio masculino; o outro é o poder da natureza (Prakriti), que é um princípio feminino. Purusha é passivo, Prakriti é ativa. Todo o desenvolvimento do universo ocorre apenas por causa dos poderes da Natureza. Esses poderes (gunas) são três: tamas, rajas e sattva. Tamas é o poder da inércia, da tristeza, das trevas, da morte; rajas é o poder da vitalidade, do ego, da força, do prazer e da violência; sattva é o poder da luz, da felicidade e da sabedoria. Os três Devas principais do hinduísmo (Shiva, Brahma e Vishnu) estão associados respectivamente a esses três poderes (tamas, rajas, sattva). Esses Devas são seres que só podem atuar no universo porque a Grande Deusa lhe empresta uma parte de seu Poder. Nenhum deles tem todo o poder da Shakti. 

A mitologia indiana tem também muitas histórias que mostram que os Devas não são tão poderosos quanto a Shakti. Em alguns mitos, um demônio (Asura) muito poderoso vence todos os Devas (masculinos) e eles vão então pedir ajuda à Grande Deusa, que assume uma de suas formas mais terríveis (como Durga ou Kali) e destrói todos os demônios. 

A Shakti, ou Maha Devi, é o poder feminino absoluto. Há, no entanto, muitas deusas (Devis) diferentes. Cada um dos Devas, por exemplo, tem sua companheira (sua Shakti), sem a qual ele é incompleto. A Shakti de Brahma é Sarasvati, a de Vishnu é Lakshmi, a de Shiva é Parvati. Essas Devis são manifestações ou aspectos parciais, limitados, da Grande Deusa. No entanto, muitas vezes se identifica Parvati com a própria Shakti. 

Embora Shiva seja um Deva muito poderoso, ele não é nada, comparado com a Shakti. Ela é ativa, ela tem todos os poderes, ele não tem nenhum poder sem ela. Por isso, muitas vezes ele é representado como um cadáver acima do qual Shakti dança, ou com o qual ela tem relações sexuais. 

Enquanto Shiva e Shakti estão separados, o universo é dinâmico, ele se transforma, está ativo. Quando Shiva e Shakti se unem e se fundem em uma unidade, toda multiplicidade desaparece, o tempo pára. 

Shakti, o poder feminino, está presente, de acordo com o Tantra, em todas as coisas e todos os seres do universo – mas de forma muito mais forte e significativa nas mulheres. Da mesma forma, Shiva, seu complemento masculino, está presente também em todos os seres, mas especialmente nos homens. 

Manifestações da Shakti 

Vamos apresentar a seguir algumas das principais Devis, ou manifestações da Grande Deusa:

Sarasvati é a Deusa associada ao conhecimento, à música e às artes. Ela é a companheira de Brahma, o Deva responsável pela criação do universo. Juntamente com Lakshmi e Parvati, formam a trindade de Deusas (Tridevi). É geralmente representada com roupas brancas (às vezes amarelas), sendo associada a um cisne ou a um pavão. É identificada, muitas vezes, com deusas que aparecem nos textos indianos mais antigos (Vedas): Vak (a Palavra), Savitri ou Gayatri (nome da oração mais sagrada dos Vedas). É a Deusa asssciada à sabedoria sagrada, e por isso se diz que os Vedas são seus filhos. Seu nome quer dizer, literalmente, "aquela que flui", e estava associada a um rio, na mitologia antiga. Muitas imagens de Sarasvati a representam com quatro braços, em um dos quais segura um livro (os Vedas), em outra um rosário indiano (mala) com contas de cristal, representando meditação e espiritualidade, em outro um pote com água sagrada, representando purificação, e por fim um instrumento musical de cordas (Vina) que representa a perfeição nas artes. 

O nome Gayatri representa um tipo especial de métrica utilizada nos Vedas. Muitos hinos dos Vedas utilizam essa métrica, mas há um hino em especial que é chamado Gayatri Mantra. A deusa Gayatri é uma forma de Sarasvati, associada aos Vedas, uma representação feminina de Brahma. Ela costuma ser representada sentada sobre um lótus vermelho, com cinco cabeças. 

Lakshmi é uma deusa associada à riqueza, à prosperidade e à generosidade, protegendo seus devotos de problemas financeiros. Também está associada à beleza e encanto. É também chamada de Shri. Ela é a companheira de Vishnu, e tem diferentes nomes quando se casa com as diferentes encarnações (avataras) de Vishnu. Assim, ela é Sita, companheira de Rama, e Rukmini, esposa de Krishna. Com o nome de Mahalakshmi, ela é identificada à Shakti, ou Grande Deusa. Dois de seus aspectos são Bhudevi (a Deusa da Terra) e Shridevi (a Deusa luminosa), que são os aspectos complementares das forças da Natureza (Prakriti). Ela é representada em imagens que mostram uma linda mulher, com quatro braços, sobre um lótus, com bonitas roupas e jóias, distribuindo moedas (significando prosperidade) e acompanhada por elefantes que indicam seu poder real. O lótus representa perfeição espiritual e pureza. 

Radha é a principal companheira de Krishna, em muitos textos tradicionais. Ela é considerada a Shakti de Krishna e, algumas vezes, é identificada com a Grande Deusa. Assim como Shiva e Parvati, juntos, constituem o Absoluto, há uma tradição que considera que Radha e Krishna juntos constituem a Realidade Absoluta. Às vezes se descreve Radha como tendo se tornado uma esposa de Krishna, às vezes sua relação é descrita como um "amor eterno" (parakiya-rasa). O amor entre Radha e Krishna tem um significado esotérico, representando um amor divino e não mundano. 

Parvati é a deusa associada a Shiva. Ela é considerada uma representação da Shakti, ou Grande Deusa, especialmente nos seus aspectos de Mãe divina. As outras Devis são consideradas como suas filhas ou manifestações. Os devotos da Shakti a consideram como a Shakti suprema, incorporando toda a energia do universo. Embora seja apresentada como uma divindade benigna, Parvati também tem aspectos terríveis, como Durga, Kali, Chandi. Ela também tem dez aspectos complementares, as Mahavidyas. Suas formas benevolentes são Mahagauri, Shailputri e Lalita. O nome Parvati significa "a das montanhas", pois é considerada filha do Senhor das Montanhas (Himavan). Ela tem muitos outros nomes, como Gauri (a dourada), Ambika (a mãe), Bhairavi (a terrível), Kali (a negra), Uma, Lalita, etc. Na mitologia, Parvati tem dois filhos, Ganesha e Skanda, mas na tradição Shakta ela é a mãe de todos os Devas e Devis. O veículo (vahana) de Parvati é um leão ou tigre. A união de Shiva com Parvati é considerada como equivalente ao Absoluto, ou Brahman. 

O nome Durga significa "a invencível" ou "a inatingível". Ela é uma forma da Shakti invocada para superar situações de dificuldade e sofrimento. É uma forma guerreira de Parvati. É representada com dez braços, e seu veículo é um tigre ou um leão. Ela é considerada um poder auto-suficiente (svatantrya). Pode ser considerada como uma forma de Kali, embora suas aparências sejam distintas: Kali é negra, Durga é branca e radiante. Kali tem uma aparência horrível e é representada com símbolos associados à morte, Durga é linda e tem belos ornamentos de ouro, pérolas e pedras preciosas. Durga é uma representação da Shakti, e por isso é descrita como possuindo todos os poderes de todos os Devas. Na mitologia, ela surge para combater um demônio invencível, Mahishasura. 

Kali, também conhecida como Kalika, é uma Devi associada à morte e à destruição. Seu nome significa "a Negra", mas também está associado à palavra Tempo (Kala), podendo ser interpretada como o Poder do Tempo. Ela é uma forma terrível, guerreira e destruidora de Parvati, e é também a principal das Mahavidyas, as dez formas tântricas da Grande Deusa. Está associada a cadáveres, ao sangue, aos chacais e aos terreiros de cremação de corpos. Seus adornos são de cabeças humanas decepadas. Na literatura tântrica, Kali tem um papel central nos textos, nos rituais e na iconografia, sendo considerada como uma representação da Grande Deusa (Maha Devi) ou Shakti. Embora geralmente seja representada sob uma forma terrível, às vezes assume uma forma jovem e bela e seus aspectos positivos são indicados, por exemplo, na expressão Kali Ma (Mãe Kali). 

Chamunda é o nome de uma forma terrível da Grande Deusa, sendo uma das sete Deusas Mães e uma das principais Yoginis (um grupo de deusas do Tantra, que acompanham Durga). O nome Chamunda é uma combinação dos nomes dos demônios Chanda e Munda, que ela destruiu numa batalha. Muitas vezes, Chamunda é identificada com Kali. Ela é cultuada com sacrifícios de animais e oferecimento de vinho. Ela é representada com uma cor negra ou vermelha, com uma guirlanda de cabeças decepadas (como Kali). 

Lalita, "Aquela que Brinca", é o nome de uma forma benigna de Parvati. Ela é também chamada de Tripura Sundari, Shodashi e Rajarajeshvari. Pertence ao grupo das dez Mahavidyas. O nome Shodashi significa uma jovem com dezesseis anos, e representa dezesseis tipos de desejos. Lalita, ou Tripura Sundari, está associada ao Shri Yantra e ao Shri Mantra. O nome Tripura significa "Os Três Mundos" (Terra, Atmosfera, Céu) e Sundari significa "A Mais Atraente", ou "A Mais Bela". Assim, Tripura Sundari é a Deusa mais bela dos três mundos. Na iconografia, é sempre representada como uma linda jovem, geralmente com roupas vermelhas. O hino Lalita Sahasranama (os mil nomes de Lalita) descreve todos os seus atributos. 

O nome Mahavidya vem das palavras Maha (grande) e Vidya (sabedoria, revelação, conhecimento). É um grupo de dez deusas conhecidas como Deusas da Sabedoria por revelarem aspectos auspiciosos do conhecimento da Grande Deusa. Elas são: Kali, Tara, Tripura Sundari (ou Lalita), Bhuvaneshvari, Bhairavi, Chhinnamasta, Dhumavati, Bagalamukhi, Matangi, Kamalatmika. Cada um dos nomes da Deusa possui uma vibração especial. Eles são Mantras, e entonação correta, sob a orientação de um Guru, confere realização espiritual. A forma feminina confere bênçãos ao devoto, liberando-o do mundo material e da roda de reencarnações. 

A palavra Tantra significa teia (como a teia de aranha), tecido, rede. Indica a idéia de fios entrelaçados, unidos e formando um todo. Representa a idéia de que todas as coisas do universo estão conectadas, entrelaçadas, unidas entre si, através de uma espécie de fio invisível que forma essa união íntima de todas as coisas. 

Aquilo que une tudo, que está dentro de tudo, é o Poder divino (Shakti). Esse Poder está dentro de cada um de nós, e está também fora de nós. Penetrando em tudo, o Poder torna todas as coisas divinas. Porém, nosso modo comum de ver o universo e de vermos a nós mesmos não permite que enxerguemos essa perfeição de tudo. O Tantra, como prática, leva a uma transformação da pessoa, permitindo-lhe ver além das aparências e perceber a realidade divina em tudo. 

Uma parte da base do Tantra vem do pensamento indiano tradicional, podendo ser encontrada nas Upanishads, por exemplo, que enfatizam o conhecimento do Absoluto, Brahman, que está presente em todas as coisas, em todos os seres do universo. Outra parte, no entanto, é diferente. Pois o Tantra é essencialmente não-dualista, ele rompe com todo tipo de limitações impostas pelo pensamento racional, conceitual. E isso se reflete também nas práticas do Tantra, que não respeitam regras morais e éticas. Tudo aquilo que existe pode ser utilizado como um veículo para entrar em contato com a Divindade, nada é errado ou impuro. Desde que tenha desenvolvido a atitude espiritual correta, o praticante do Tantra pode vivenciar a perfeição em tudo. 

“Não existe nada que não se possa fazer e nada que não se possa comer. Não há nada que não se possa pensar ou falar, seja agradável ou desagradável. O Eu supremo existe dentro dele assim como nos outros seres. Assim considerando, o Yogi deve se aproximar da comida e da bebida e das outras coisas.” 

No ocidente, o nome Tantra está fortemente associado ao sexo. É utilizado às vezes como uma simples desculpa teórica para práticas sexuais sem objetivo espiritual. O Tantra indiano tem, é verdade, práticas de natureza sexual, mas isso é apenas um dos seus múltiplos aspectos. Fazer sexo e ter prazer não é nem o objetivo, nem o principal instrumento do Tantra. 

A tradição indiana nunca considerou o sexo como algo errado: os objetivos humanos listados nos textos clássicos indicam que as pessoas podem buscar a libertação espiritual (moksha), a ação correta no mundo (dharma), riquezas (artha) e prazer (kama). O famoso manual indiano sobre práticas sexuais, Kama Sutra, é um texto que fala sobre os modos de obter prazer – mas não é um texto tântrico. O que o Tantra adicionou foi o uso do sexo como um dos muitos modos de obter desenvolvimento espiritual através daquilo que nos atrai – pela união de moksha e kama.  

No entanto, sexo não é o centro do Tantra. O ponto central é obter uma transformação de nosso modo de ver a realidade, através de práticas que podem utilizar aquilo que desperta em nós emoções e sensações muito fortes. Através dessas práticas, o modo comum de funcionamento de nossa mente é ultrapassado, e surgem vivências espirituais completamente diferentes. Gradualmente, abre-se um canal de comunicação com a realidade divina, e por fim se estabelece um contato constante com esse estado de consciência. 

TEORIA DO TANTRA 

A filosofia tântrica é ensinada em muitos textos antigos, como os Puranas, e também em textos específicos, que se chamam também Tantras. Apenas no início do século XX alguns textos tântricos começaram a ser traduzidos para idiomas ocidentais, especialmente através do trabalho de John Woodroffe (mais conhecido por seu pseudônimo Arthur Avalon). As obras deste autor são o resultado de uma pesquisa muito profunda e séria sobre o Tantra. Atualmente, no entanto, há muitos livros sobre Tantra que são equivocados e que distorcem sua doutrina. 

Dentro do Tantra há diversas linhas ou correntes de pensamento e de prática. Pode-se dizer que os dois maiores grupos de pensamento tântrico são o Shivaísta (no qual Shiva é considerado a principal divindade) e o Shakta (no qual Shakti, a Grande Deusa, é considerada a principal divindade). Vamos apresentar aqui um esboço da doutrina tântrica Shakta.

Segundo essa doutrina, tudo o que se manifesta no universo como matéria, vida e consciência é o Poder Divino (Shakti). O Poder é feminino. É a Grande Deusa (Maha Devi), a Mãe de todos os seres e dos próprios Devas. Tudo o que existe brota dos órgãos genitais (Yoni) da Grande Mãe. 

Aquele que possui o poder é Shiva. Não existe Shiva sem Shakti, nem Shakti sem Shiva (Na shivah shaktirahito na shaktih shivavarjita). Shiva, sozinho, é semelhante a um cadáver (shava), pois ele próprio não tem poder. Apenas quando está unido à sua Shakti, Shiva se torna o Deva poderoso. Shiva é, essencialmente, a consciência inativa, é aquele que testemunha a ação da Shakti. 

A fusão íntima entre Shakti e Shiva é representada pela união sexual entre eles, ou por uma figura com os dois sexos (Ardhanarishvara), um lado sendo masculino, e o outro feminino. 

Shiva e Shakti, unidos, formam o Absoluto não-manifesto, ou Brahman, que pode ser descrito por Sat, Cit, Ananda. Quando estão unidos em um só, Parashiva e Parashakti são inativos e invisíveis. 

Esse estado corresponde à noite de Brahman, em outras tradições. Nessa união, Shiva pode ser pensado como um ponto, e Shakti como uma linha enrolada em torno deste ponto. Como a linha não tem espessura, é impossível distinguir o ponto e a linha. São uma única coisa. A criação do universo se dá quando Shiva e Shakti se separam, ou seja, com o surgimento da dualidade. Quando a linha (Shakti) se desenrola do ponto central (Shiva), surgem a meia-lua (Candra) e o ponto (Bindu) que aparecem na parte superior do símbolo OM.

À medida que se desenrola, a Shakti se manifesta sob a forma de um som primordial (Nada), e através do som ela começa a criar o universo. O som é um dos principais instrumentos do Poder, no Tantra. Através de algumas práticas, o Tantrika pode ouvir os sons primordiais produzidos pela Grande Deusa.  

Os seres do universo são descritos por nome (nama) e possuem uma forma (rupa). O som (shabda) e a palavra (vac) são manifestações da Shakti, que dão forma aos seres. 

A Shakti não apenas cria todos os seres, ela permanece dentro deles. A Shakti imagina o universo, por sua própria vontade, pelo prazer de criar, e se incorpora nele. O universo não tem essência própria, é vazio, mas ao mesmo tempo contém o absoluto. 

Em todos os seres do universo se manifesta o poder de Shakti e a consciência de Shiva. O Absoluto está presente em todas as manifestações do universo. Portanto, tudo o que existe é sagrado. No centro de cada coisa estão Shiva e Shakti, que contêm tudo o que existe. Por isso o Tantra afirma: “Aquilo que está aqui está em toda parte. Aquilo que não está aqui não está em lugar nenhum” (yad ihasti tad anyatra, yannehasti na tat kvacit). Tudo o que existe no universo é perfeito, divino, e Eu sou tudo isso, e tudo isso existe em mim. 
Toda a realidade e toda pessoa é, essencialmente, Shiva-Shakti, mas de forma específica todo homem é Shiva e toda mulher é Shakti. Perceber a realidade mais profunda disso é um dos caminhos para a libertação espiritual.

Embora nossa natureza seja divina, e tudo o que nos cerca também seja, nossa percepção usual da realidade é limitada, dualista, pobre. É a própria magia (maya) da Shakti que dá a aparência de finito ao infinito, de múltiplo àquilo que é uno, de específico (dotado de nome e forma) àquilo que não tem nome nem forma, de destrutível ao que é eterno. Ela envolve toda a criação divina, perfeita e ilimitada com um véu mágico, mas ela própria cria por toda parte as portas através das quais podemos atravessar a ilusão e chegar à percepção clara da realidade divina. Penetrando através de Maya-Shakti é possível atingir o absoluto, ultrapassando as limitações e dualidades.

A compreensão e o contato direto (vivência) da Shakti é um dos aspectos centrais do Tantra. A Shakti pode ser vista sob seus aspectos bondosos, como a Mãe (Ma) ou como a esposa / amante de Shiva, extremamente bela e sábia. No entanto, ela pode também ser vista sob seu aspecto destruidor, horrível, como Kali, que destrói as ilusões, aniquila as forças do egoísmo e leva as pessoas a verem a realidade divina. 

A pessoa em um corpo (jiva) conhece apenas os níveis mais baixos da realidade e se confunde com eles. No entanto, é possível se transformar, atingindo uma compreensão diferente da realidade. Às vezes se descreve essa transformação como uma libertação (kaivalya) ou como a união ao Eu Supremo (Paramatma). No entanto, o Tantra descreve esses processos de uma forma diferente. A pessoa viva (jiva) e o Eu Supremo possuem a mesma natureza, por isso eles não podem se unir. O Jiva não se liberta, ele pode apenas perceber que nunca esteve preso. Para isso, ele precisa penetrar através dos véus de Maya, a magia da Shakti, através da sabedoria (jñana) obtida através da vivência (vijñana), conhecendo diretamente a Shakti e tornando-se um jivanmukta e mantendo-se no mundo.

O objetivo não consiste em se afastar do universo criado por Shakti, e sim percebê-lo como ele é: infinito, absoluto, eterno, sem dualidades. Através do Shakti-Tantra, o adepto atinge a libertação voltando-se para fora e não para dentro. Adotando uma visão não-dualista (advaita), a doutrina do Tantra admite que tudo é igualmente puro e perfeito. Por isso, o Tantra permite obter a iluminação (moksha) desfrutando do mundo (bhoga).

PRÁTICA DO TANTRA 

Sob o ponto de vista prático, o Tantra desenvolve uma série de atividades que induzem estados alterados de consciência, transformam o praticante e o levam a uma percepção diferente da realidade. Essas vivências precisam ser compreendidas, para serem integradas à sua vida, e por isso o estudo teórico também é importante. Pela prática constante, a transformação do Tantrika vai se fortalecendo, levando a um contato contínuo com a Shakti. 

O Tantra utiliza muitos recursos empregados nas diferentes linhas do Yoga, como posturas (asanas), práticas de respiração (pranayama), meditação (dhyana), etc. A parte ética do Yoga de Patañjali (yama e niyama) não faz parte do Tantra propriamente dito; mas apenas pessoas que já tenham obtido um grande desenvolvimento ético podem ser admitidas no Tantra. 

Algumas das características centrais do Tantra são a utilização de rituais, o uso das coisas do mundo profano para atingir a realidade divina, e a identificação entre o microcosmo (o ser humano) com o macrocosmo. Um dos aspectos importantes das práticas tânticas é o controle da energia interna, que é um reflexo do Poder Cósmico (Shakti). 

Dentro do corpo, essa energia é representada por Kundalini, a energia em forma de uma serpente enrolada, que fica normalmente adormecida no chakra inferior (Muladhara). Através de práticas envolvendo respiração, posturas, meditação, mantras e outros elementos, o Tantrika desperta Kundalini e faz com que essa energia ative sucessivamente os vários chakras corporais, transformando o corpo energético  do yogi (a estrutura sutil, constituída pelos chakras e pelos canais – nadis – onde circulam os diversos tipos de prana). Este aspecto do Tantra está também presente no Hatha Yoga tradicional indiano, já que o Hatha Yoga surgiu como um ramo especial dentro do Tantra. 

São muito importantes no Tantra a recitação de mantras, o uso de imagens de devas e especialmente da Shakti, o uso de diagramas (yantras) para meditação, purificação (nyasa) do corpo, e muitos rituais especiais utilizando mantras e gestos com as mãos (mudras), geralmente feitos dentro de círculos especiais (mandalas). O culto e adoração (puja) da Grande Deusa é também essencial, no Tantra. 

Há rituais e práticas extremamente complexos, dentro do Tantra, e outras práticas que parecem simples. Todas devem ser aprendidas através dos ensinamentos diretos de um mestre (guru) que já tenha praticado e dominado essas técnicas. A união entre o discípulo e o mestre é fundamental, pois através dessa união o Guru consegue induzir estados alterados de consciência no discípulo e fazê-lo vivenciar coisas que ele não teria condições de conseguir sozinho, por seu próprio esforço. Práticas em grupo também são consideradas muito importantes, pois a união espiritual de várias pessoas, no Tantra, multiplica os resultados obtidos. 

Não existe Tantra sem vivências diretas dos aspectos sagrados do universo e de si próprio. E isso ocorre através de estados alterados de consciência, especialmente através de experiências de samadhi. Deve-se compreender que o samadhi não é o objetivo do Tantra (nem de nenhuma outra linha de Yoga), e sim uma prática especial, acompanhada por um estado alterado de consciência, que deve ser atingido repetidas vezes, produzindo aos poucos importantes efeitos no praticante.

A devoção à Grande Deusa (ou a Shiva, no caso da linha tântrica shivaísta) é também essencial, no Tantra. O praticante desenvolve um enorme respeito, admiração, amor e adoração pela Grande Deusa, e Ela se torna um foco central de sua vida. Sem essa devoção (bhakti) e sem a ajuda direta da própria Deusa, o Tantrika não atinge seu objetivo.  
Embora não se possa aprender as práticas do Tantra através da leitura de livros, é muito útil estudar os textos tântricos tradicionais para obter uma compreensão teórica daquilo que essa linha espiritual significa. 

Algumas linhas do Yoga possuem práticas “leves”, destinadas a melhorar a saúde física e psíquica da pessoa. O Tantra, no entanto, não está voltado para a obtenção de resultados desse tipo. É uma linha de trabalho mais radical, destinada a mudar toda a consciência do praticante. Por isso, não se deve iniciar práticas tântricas a menos que a pessoa queira deixar para trás seus valores, suas crenças e sua vida antiga, iniciando uma nova. É um caminho poderoso, mas que tem também riscos e um custo alto – ele exige uma morte do ego, para levar a uma transformação espiritual completa.

Kali


Kali personifica os três aspectos do ato cósmico, que se revelam na criação, na preservação e na aniquilação. Ela é a divindade mais misteriosa de todas as ordens religiosas indianas – no Budismo, no Jainismo, entre os seguidores de Vishnu ou Shiva, ou qualquer outra. Ela faz gestos que asseguram a ausência de medo (abhaya) e benevolência (varada), definindo perpetuamente sua disposição mental mais profunda. Porém, em contraste, a aparência da Deusa inspira sentimentos de espanto e terror, espalhando a morte com a espada nua que carrega em uma de suas mãos e se alimentando com o sangue que jorra dos corpos que mata. Os instrumentos de destruição, para ela, são meios de preservação. Seu caminho de passagem para a vida é através da moradia que Ela escolheu – o terreno de cremação, iluminado por piras queimando e cheio dos ecos de gritos dos chacais e dos fantasmas, que pairam sobre cadáveres desmembrados. 

A Deusa mais sagrada, Kali, partilha sua moradia com terríveis monstros que comem carne humana (pishachas) e é representada montada sobre um cadáver. Ela ama Shiva, mas só se une com o seu cadáver (shava), seu corpo passivo e morto, sendo ela própria o agente ativo. Ela se alegra com a destruição e ri, mas apenas para fazer com que os quatro cantos da Terra e do Céu tremam de terror. Sendo uma mulher, Kali gosta de se enfeitar, mas seus ornamentos são uma guirlanda ou um colar de cabeças humanas decepadas, um cinto com braços humanos cortados, brincos com cadáveres de crianças, braceletes de serpentes – tudo com aparência horrível e lamentável. A essência de Kali é essa fusão de contradições, um misticismo com o qual nenhuma outra divindade foi dotada. Vashishtha Ganapati Muni disse corretamente sobre ela:
"Tudo aqui é um mistério de contrários, trevas, uma luz mágica que oculta a si própria, sofrimento, uma máscara secreta do êxtase trágico, e morte, um instrumento de vida perpétua." 

O que define Kali e também o cosmos que Ela manifesta, é a fusão de contrários – não apenas como duas coisas que existem juntas, mas como dois aspectos essênciais da unidade. Do útero, que é mais escuro do que os recessos mais pro-fundos do oceano, onde nenhum raio de luz jamais chega, surge a vida. Da mesma forma, das trevas nasce a luz brilhante, e quanto mais profunda a escuridão, mais brilhante essa luz. Uma realização que contrasta com o sofrimento, pois a alegria é a face brilhante do sofrimento – o filho que nasce dela, por contraste. A árvore nasce quando a semente explode e sua forma é destruída, isto é, a vida é o renascimento da morte, e sua forma, toda sua beleza e vigor, é a deformação incarnada. A unidade interrelacionada dos contrários define ambos, cosmos e Kali. A Deusa de tonalidade escura, que representa nela própria as trevas, o sofrimento, a morte, a deformação e a feiúra, é a fonte mais poderosa de vida, luz, alegria e beleza – o aspecto positivo da criação. Ela destrói para recriar, produz sofrimento para que a alegria se revele melhor, e em sua forma assustadora deve-se ultrapassar todos os medos, não escapando deles, mas aceitando-os como bem-vindos. 

A invocação da luz é comum a todas as ordens religiosas e todas as divindades. Na invocação a Kali, o devoto se confronta com as trevas que agregam morte, destruição, sofrimento, medo e todos os aspectos negativos do universo. Não sendo sua presa mas sim um guerreiro valioso, o devoto procura superar as trevas e descobrir tudo o que elas ocultam – luz, vida, alegria e até mesmo a libertação do ciclo de nascimentos e mortes. Kali lhe dá assistência em sua batalha. Ela concede sua graça ao seu devoto que adquire assim o domínio sobre todas as trevas cósmicas – acessíveis ou inacessíveis, conhecidas ou desconhecidas, ou impossívels de conhecer, que Ela condensa em si própria. Se não estivessem condensadas assim, o devoto não poderia apreender e controlar sua imensidão cósmica. Kali é a divindade suprema dos Tantrikas, pois nela eles descobrem o instrumento que lhes permite comandar diversas forças cósmicas de uma única vez. A antiga popularidade de Kali entre as tribos primitivas ignorantes foi inspirada, talvez, por seu poder de revelar a luz a partir das trevas, algo que eles possuem dentro e fora e em grande abundância. Por outro lado, Kali assegura a luz perpetuamente. Em cada ciclo, uma caminhada que parte da luz termina nas trevas, mas aquela que se inicia nas trevas deve necessariamente chegar aos vales da luz ilimitada. 

Invocar e associar-se ao terrível – o aspecto negativo da criação – afastando assim os males e sua influência, é um culto primitivo que ainda permanece em vários grupos étnicos e mesmo nas tradições clássicas como o Budismo, que tem muitas divindades que inspiram terror, como Kali, ou na tradição grega de Nemeses, as mulheres cheias de ira que infligiam castigos pelos erros e realizavam a purificação através de um azar vingativo. Mesmo sem ter a amplitude cósmica de Kali, nem atingindo objetivos tão amplos quanto o comando dos elementos cósmicos, há temas como o dragão chinês, ou o memento mori, na forma de um esqueleto considerado muito auspicioso por alguns setores da sociedade russa, ou a semurga do mundo islâmico, formas animais grotestas e temíveis, máscaras de fantasmas... veneradas em todo o mundo, todas revelam a busca humana para se tornar benéfica ou mais branda a influência de algum aspecto terrível da natureza – do cosmos manifesto.

ORIGEM DE KALI 

O misticismo encobre não apenas sua forma, mas também a origem de Kali. Há três linhas mais significantes que foram traçadas para encontrar sua origem, embora Ela transcenda mesmo essas fontes. Algumas vezes Ela é vista como uma transformação, ou uma forma que se desenvolveu a partir de alguma das divindades dos Vedas citada nos Brahmanas e Upanishads, especialmente Ratridevi, a Deusa da noite profunda, também chamada Maharatri, a Noite Transcendental, e Nirtti, a dançarina cósmica. Alega-se que o aspecto mais sombrio de Kali se desenvolveu a partir de Ratridevi, e sua dança, que ele realiza para destruir, teria se originado na dança cósmica de Nirtti que também pisava sobre tudo o que caía sob seus pés. A Mundaka Upanishad fala sobre as sete línguas de Agni, sendo que uma delas atua no local de cremação e devora os mortos. Dando grande ênfase à associação entre Kali e esta língua de Agni com o local de cremação, alguns eruditos procuraram na língua de Agni a origem da forma de Kali. 

Embora variem em suas versões, os Puranas percebem Kali como um aspecto da Devi – a Deusa, uma divindade que agora está quase completamente fundida com Durga. No entanto, considerando o status da própria Kali como uma Deusa, assim como o culto muito difundido dela, que prevalece entre várias tribos e grupos étnicos espalhados em áreas rurais remotas, Kali parece ser uma divindade antiga e talvez pré-Vêdica.  

Como seu nome sugere, ela parece ser o aspecto feminino de Kala – o tempo – aquele ser invencível, imensurável e infinito que tem sido venerado como Mahakala – o tempo transcendental – representado na tradição indiana metafísica e religiosa por Shiva. Na terminologia religiosa, Mahakala é apenas outro nome de Shiva. Alguns ícones do vale do Indus parecem representar, além de Shiva, uma divindade feminina feroz, que poderia ser Kali uma provavelmente uma forma que a precedeu.

 O Budismo, uma corrente de pensamento que se opôs à percepção dos Vedas na maioria das coisas, introduziu no seu panteão Mahakala e um divindade feminina feroz que se manifesta sob várias formas, como sendo a contraparte feminina de Mahakala. Obviamente, o Budismo deve tê-la introduzido a partir de uma fonte não Vêdica, já que se opunha veementemente aos Vedas. Invocada com grande fervor em muitas ocasiões no Mahabharata, mais especialmente no Bhishma-Parva, um pouco antes do ponto onde o Senhor Krishna apresenta seu sermão do Gita, Kali parce ser uma divindade bem estabelecida durante os dias do épico, ou seja, séculos antes do início da era dos Puranas. Embora invocada como "arya", um termo que indica grande reverência, Arjuna a louva como uma mulher tenebrosa com guirlanda de crânios, com a pele semelhante ao bronze escuro... e com epítetos como Mahakali, Bhadrakali, Chandi, Kapali... características que ainda são relevantes na iconografia de Kali.  

Um grande número de textos do período que vai do século II ao IX, como Kumarasambhava de Kalidasa, Vasavadatta de Subandhu, Kadambari de Banabhatta, Malitimadhava de Bhavabhuti e Yashatilaka de Somadeva, também fazem alusão a Kali, um fato que indica sua grande popularidade em domínios diferentes da religião. Esta Kali transcende de forma essencial Ratridevi, Maharatri e Nritti dos Vedas, ou uma das sete línguas de Agni, ou uma forma divina que tivesse surgido a partir delas. 

 No entanto, não se pode atribuir esta ou aquela origem a Kali. Mesmo se tiver sido uma deusa de origem antiga das tribos primitivas, ela tem uma amplitude e poder muito superior ao que as divindades primitivas benfazejas geralmente tinham. Ela não pode ser tratada como uma mera divindade tribal de origem indígena, a menos que se sacrifique sua absoluta familiaridade e seu status na linha Hindu tradicional. Além disso, não podemos atribuir à tradição sua criação absoluta, pois isso comprometeria seu status de Deusa e ela seria reduzida a algo que não é.  

Seja qual for sua origem, talvez indígena, Kali surge na tradição com uma reverência e impulso muito maior do que se atribui aos demais deuses. Ela não é um mero epíteto ou aspecto de outra Deusa. Ela foi concebida como o poder (Shakti) do Tempo (Kala). Como Kala, Ela permeia todas as coisas, manifestas ou ocultas. Os Puranas percebem Kali como a cólera personificada de Durga – a incorporação da fúria – mas de qualquer forma Ela é sua verdadeira Shakti. Mesmo furiosa, Durga invoca Kali para realizar o que ela própria não consegue fazer. Depois que Durga separa Kali de si própria e Kali emerge com sua própria forma – um ser independente – Ela reina suprema em todo o panteão Hindu, com relação ao seu poder de destruir e vencer os inimigos. 

Kali não é meramente o poder de Durga, ela também foi concebida como o aspecto dinâmico do Senhor Shiva. Em uma relação deliciosa, o "a" de Shava e Kala nega o que é realizado pelo "i", o componente principal de Shiva e Kali. Shava é o corpo sem vida, aquilo que sobra no universo manifesto quando o Poder do Tempo o toma sob seu controle, e Kala é o que se revela apenas no aspecto manifesto do universo, e assim ambos são limitados. Quando o "i", simbólico da energia feminina, que se manifesta como Kali, se une a eles e transforma Shava em Shiva e Kala em Kali, ambos emergem como ilimitados, atemporais. Este universo está contido em Shiva, e assim, nele ocorre a transição do que é temporal para o atemporal. Kali, que é o Poder do Tempo, não sofre essa transição.

KALI NOS PURANAS

Ocorrem alusões a Kali em alguns Puranas antigos. No entanto, a visão mais elaborada a respeito de sua origem, aparência, personalidade, poder e feitos aparece no Devi Mahatmya, do século V ou VI, uma parte do Markandeya Purana.  

O Devi Mahatmya contém uma meditação (dhyana) independente sobre Mahakali, e usa os nomes de Kali como Bhadrakali, Kalika, Chandika, ... como epítetos da Devi, em suas diferentes partes. Há, no entanto, dois episódios que expõem de forma mais completa sua origem, papel e outras coisas. Um deles está relacionado com Chanda e Munda, os ferozes demônios que ela mata, e outro, a Rakta-bija.  

Os deuses haviam sido derrotados e atirados para fora de sua moradia divina (devaloka) pelos demônios Shumbha e Nishumbha, generais de Mahisha. Os Devas louvaram a Devi e a invocaram para que viesse em seu socorro e libertasse sua morada dos terríveis demônios. Devi, que estava se banhando no rio Ganga sob a forma de Parvati, ouviu o louvor dos deuses e se perguntou a quem eles estavam louvando. Quando ela perguntou isso, brotou dela própria uma forma feminina – uma beleza encantadora que tinha um brilho único, envolta em juventude, ricamente adornada por jóias e com roupas brilhantes. Ela respondeu que era a ela que eles louvavam. Então ela foi para a região que estava infestada pelo exército de Shumbha e se assentou sozinha sob uma árvore. Ouvindo um mensageiro falar sobre sua aparência, Shumbha desejou intensamente se casar com ela e lhe mandou sua proposta. No entanto, a jovem divina enviou de volta seu mensageiro dizendo que ela somente se casaria com alguém que a vencesse em uma batalha.

 Pensando que uma jovem sem armas nas mãos não era um desafio significativo, Shumbha mandou um pequeno contingente para lutar com ela e capturá-la. A Deusa o derrotou e destruiu, e também um após outro, todos os contingentes que vieram depois. Finalmente, com um enorme exército de demônios comandados pelos generais Chanda e Munda, os próprios Shumbha e Nishumbha vieram lutar contra a Deusa. Vendo Chanda e Munda avançando contra ela, a Deusa se incendiou de fúria. Como o Devi Mahatmya descreve, 
"Das sobrancelhas de sua testa brotou imediatamente Kali, com sua face assustadora, carregando espada e laço. Ela portava um estranho bastão coroado por um crânio e tinha uma guirlanda de cabeças humanas, estava envolta em uma pele de tigre, e parecia horrorosa com sua pele macilenta, sua boca escancarada, aterrorizando com sua língua para fora, com olhos afundados e vermelhos, e uma boca que enchia os quatro cantos com rugidos." 

 A Deusa pediu a Kali que destruísse o exército dos demônios, em particular Chanda e Munda. Kali infligiu grande destruição à sua volta, dançou sobre os cadáveres, matou Chanda e Munda e como troféus de guerra trouxe à Deusa suas cabeças decepadas. A Deusa atribuiu a Kali o epíteto de Chamunda – destruidora de Chanda e Munda. As mortes de Chanda e Munda enfureceram fortemente Shumbha e Nishumbha e eles, com os demônios sob seu comando, incluindo Rakta-bija e outros de seu clã, atacaram a Deusa e a cercaram, juntamente com Kali, por todos os lados. Para enfrentar seu imenso número, a Deusa invocou as Sete Mães (Sapta Matrikas) Brahmani, Maheshvari, Kumari, Vaishnavi, Varahi, Narsimhi e Aindri, os poderes de todos os grandes Devas, Brahma, Shiva, Skanda, Vishnu e Indra. 

Seguiu-se uma batalha feroz, porém o que mais perturbou a Deusa foi a multiplicação de Rakta-bija, pois este tinha um dom pelo qual surgia um novo demônio Rakta-bija de todos os lugares onde caísse uma gota de seu sangue. Finalmente, a Deusa chamou Kali para beber o sangue de Rakta-bija antes que caísse sobre o solo. Com uma boca escancarada, devorando multidões de demônios, e com uma língua que se estendia em todas as direções e que se movia mais depressa do que o demônio, Kali consumiu cada gota de sangue que saía das feridas de Rakta-bija.  
Kali é venerada como a Deusa que garante sucesso na guerra e elimina os inimigos – não apenas no Devi Mahatmya, mas em quase todos os Puranas, particularmente no Agni Purana e no Garuda Purana. 

O Skanda Purana associa a origem de Kali a Parvati. Inicialmente, Parvati tinha uma aparência escura, e por isso Shiva costumava caçoar dela de vez em quando. Um dia, depois de ser chamada duas vezes de Kali (a Negra), Parvati abandonou Shiva e disse que não retornaria a menos que se livrasse de sua aparência escura. Depois que Parvati partiu, Shiva se sentiu muito só. Aproveitando sua ausência e a solidão de Shiva, um demônio chamado Adi, que estava procurando uma oportunidade para matá-lo e se vingar da morte de seu pai, disfarçou-se como se fosse Parvati e conseguiu entrar no quarto de Shiva. Depois de algum tempo, Shiva identificou o demônio e o matou. Enquanto isso, por um ascetismo rigoroso (tapas) e com a ajuda de Brahma, Parvati foi capaz de se desfazer de sua camada externa negra, e de dentro emergiu sua forma dourada. Transformada em Gauri (a dourada), ela retornou a Shiva. Os Deuses, procurando uma forma feminina que pudesse matar Mahisha, transformaram com sua luz esta casca negra de Parvati em Kali, e depois que ela realizou o desejo dos Deuses, Parvati a baniu para a região que fica depois da montanha Vindhya, onde ela se tornou conhecida como Katyayani.

  O Linga Purana contém ainda um outro episódio responsável pela origem de Kali. Um demônio chamado Daruka tinha um dom de que apenas uma mulher poderia matá-lo. Quando chegaram relatos de suas atrocidades, Shiva pediu a Parvati que o matasse. Então Parvati entrou no corpo de Shiva, e a partir do veneno que estava contido em sua garganta ela se transformou e reapareceu como Kali. Ela reuniu um exército de Pishachas que comem carne humana e com sua ajuda destruiu Daruka. O Skanda Purana amplia mais essa história. Kali não parou a destruição mesmo depois de matar Daruka. Embriagada pelo consumo do veneno e pelo sangue do demônio, Kali se tornou incontrolável, enlouquecida, e por suas atividades destrutivas colocou em perigo o equilíbrio cósmico. Finalmente, Shiva assumiu uma das formas da própria Kali e sugou dos seios dela todo o veneno. Depois disso, ela se acalmou.

No Sul da Índia prevalece uma tradição semelhante, embora em um contexto diferente. Depois de derrotar Shumbha e Nishumbha, Kali se retirou para uma floresta com sua escolta de companheiros terríveis e começou a aterrorizar a vizinhança e seus habitantes. Um devoto de Shiva foi até ele com o pedido de livrar a floresta do terror de Kali. Quando Kali se recusou a obedecer a Shiva, alegando que estava no seu próprio território, Shiva lhe pediu que competisse com ele dançando. Ela concordou, mas não conseguindo (ou não querendo) atingir o nível de energia de Shiva, Kali foi vencida e saiu.  

A origem de Kali também foi associada a Sati (a primeira esposa de Shiva) e com Sita (esposa do Senhor Rama) – embora não seja uma conexão muito significativa. Em um relato, quando é insultada por seu pai Daksha, Sati se torna furiosa, esfregou seu próprio nariz e daí apareceu Kali. Em outro relato, Rama estava retornando a Ayodhya depois de vencer Ravana. Em seu caminho ele encontrou um monstro que o assustou tanto que o sangue de Rama se congelou de medo. Então Sita se transformou em Kali e o derrotou. 

KALI: APARÊNCIA E PERSONALIDADE

As manifestações de Kali são numerosas. No entanto, sua aparência externa, tanto nos textos quando na arte, assim como sua natureza básica e personalidade geral, não variam muito. Na sua forma usual de cor negra, Kali é uma divindade terrível que inspira temor, que assusta a todos por sua aparência. Ela está sempre nua, embora algumas partes de seu corpo sejam cobertas por seus ornamentos. Uma figura macilenta, com longo cabelo desgrenhado e uma face repulsiva, Kali já foi concebida com qualquer número de braços, de dois até dezoito, e algumas vezes até mais de vinte, embora sua forma mais usual tenha quatro braços. Eles são interpretados como simbolizando sua capacidade de agir e dirigir as quatro direções do espaço, ou seja, todo o cosmos.  

Ela tem longas presas afiadas, e longas e feias unhas, um terceiro olho na testa que emite fogo, uma língua esticada e uma boca suja de sangue que, quando se expande, não apenas engole multidões de demônios, mas que abrange desde as profundezas do oceano com sua parte inferior até o fim dos céus, com a superior. Quando precisa lamber o sangue que cai do corpo de um demônio que foge, ela estica sua língua tanto quanto seja necessário e a gira mais depressa do que o vento, para qualquer direção em que o sangue caia. 

Na sua iconografia mais usual, Kali carrega em uma de suas quatro mãos uma espada desnuda – seu instrumento para vencer os inimigos e comandar os males; em outra, a cabeça cortada de um demônio, e as outras duas mostram gestos que indicam ausência de medo e benevolência (abhaya e varada). Algumas vezes, a cabeça decepada é substituída por uma cuia feita de crânio, cheia de sangue.  

Abhaya é a essência de todo o ser de Kali. Abhaya é uma das suas disposições mentais permanentes, é sua garantia contra todos os temores que, incorporados nela, se tornam inoperantes ou que apenas agem sob o seu comando. Indicando seu poder ilimitado de destruição, o aspecto assustador de Kali é seu poder para dispersar o mal e o perverso, e com isso se assegura novamente a ausência de medo.  

O lugar usual de Kali é um campo de batalha, onde estão espalhados por toda parte lagos de sangue, corpos sem cabeça, cabeças decepadas, braços e outras partes cortadas. Quando não está no campo de batalha, Kali vagueia pelos campos de cremação, onde reina o silêncio da morte, exceto quando ele é quebrado pelos ventos que assobiam, pelos resmungos dos chacais e pelo som das asas dos abutres que rasgam os cadáveres. A escuridão abissal desses lugares, ocasionalmente iluminada pelas chamas das piras funerárias, é o que mais convém a Kali. No campo de batalha e em outras situações, ela caminha descalça. Exceto raramente, quando toma emprestado ou pela força o leão de Durga ou o búfalo Nandi de Shiva, Kali não usa um veículo, um animal ou qualquer outra coisa, seja para se deslocar ou para ajudá-la na sua batalha.  

Ela dança para destruir, e sob seus pés que dançam há o cadáver da destruição. De pé ou sentada, ela tem debaixo de si um cadáver esticado com o pênis ereto – não a flor de lótus, que é o assento favorito da maioria das divindades. Ela se coloca sobre a não-existência – o cadáver do universo destruído, mas que apesar disso contém a semente de um novo nascimento. 

Na sua iconografia, enquanto o cadáver representa a não-existência ou o universo destruído, a figura de Kali unida a Shiva ou ao seu cadáver (Shava) simboliza o contínuo processo de criação. O universo manifesto é aquilo que é envolto pelo tempo, mas quando Kali, o Poder do Tempo, destruiu o universo manifesto, esse véu se ergue e o Tempo, assim como Kali, o Poder do Tempo, se torna des-nudo, um fenômeno indicado pela nudez de Kali.  

Por sua natureza, Kali está sempre faminta e nunca é saciada. Ela ri tão alto que todos os três mundos estremecem de terror. Ela dança loucamente, não apenas pisando sobre cadáveres, mas também sobre o cosmos vivo, reduzindo-o à não-existência. Ela espreme, quebra, pisa e queima seus inimigos ou os de seus devotos.  

Kali não apenas é uma divindade de natureza independente, mas é também indomável, ou melhor, ela domina tudo. Ela é poderosa como Shiva, foge às convenções e fica mais à vontade quando reside à margem da sociedade. Seu estilo de vida não tem aspectos de nobreza ou do modo de vida da elite. Ela é consorte ou companheira de Shiva, mas não tem o jeito meigo e humilde de Parvati. Sendo ela própria selvagem e destruidora, ela incita Shiva a um comportamento selvagem, perigoso e destrutivo, ameaçando a estabilidade do cosmos. Eternamente uma guerreira, Kali não perde uma oportunidade para lutar. Ela é um dos guerreiros de Shiva em sua batalha contra Tripura.  

AS FORMAS DE KALI 



Um imenso corpo de mitologia sobre Kali se desenvolveu na tradição popular, mais do que nos textos. Em toda aldeia, mesmo que tenha apenas uma dúzia de cabanas, há um canto no qual se vê uma imagem grosseira de Kali pintada em preto, com a língua vermelha como o sangue. Também se espalham por toda parte as histórias de seus poderes misteriosos, tanto de produzir danos quanto de proteger dos males. Sua presença é mais significativa ainda na arte indiana, onde ela aparece associada a muitos temas hindus importantes. Aquilo que algumas vezes aparece nos textos como meros epítetos de Kali, são formas bem esta-belecidas dela, na arte indiana. Mahakali, Bhadrakali, Dakshina Kali, Guhyakali, Shmashana Kali, Bhairavi, Tripura-Bhairavi, Chamunda... são algumas de suas formas mais populares, tanto nos textos quanto nas artes.  

Na sua forma de Mahakali, ela é equivalente a Mahakala – o aspecto onipotente de Shiva, que devora o tempo e dissolve tudo. Kali é a transformação feminina de Mahakala. Em sua forma de Mahakali, ela preside à Grande Dissolução que é simbolizada por Shiva sob a forma de Shava. Na arte, Kali invariavelmente o conserva como uma relíquia. Inicialmente, como Mahakali, seu papel estava limitado à destruição do demônio. Nos Puranas, embora ainda representando dissolução, destruição, morte e envelhecimento, ela personifica mais enfaticamente horror, medo, repugnância. Ela ainda mata demônios, mas principalmente quando é convocada, e mantida sob controle. Em sua forma de Chamunda – a destruidora de Chanda e Munda – ela era um matador de demônios feroz, com muitos braços. Ela carregava nas suas mãos muitas armas mortais e em seus olhos uma luz que queimava seus inimigos.  

Sob a forma de Shmashana Kali, mais popular no Tantrismo, Kali freqüenta um terreiro de cremação entre as piras que queimam – o domínio intermediário entre este mundo e o próximo, onde a morte e a dissolução reinam. 

Como Tripura Bhairavi, consorte da morte, Kali é concebida com uma forma que porta um longo colar de corpos humanos, um menor de crânios, uma guirlanda de mãos cortadas, e brincos de cadáveres de crianças. Em volta dela há muitos cadáveres dos quais se alimentam chacais astutos e abutres repulsivos. Tripura Bhairavi às vezes usa uma tanga, mais geralmente está coberta por uma pele de elefante, e tem outros atributos associados a Shiva.  

Dakshina Kali, que é enfeitada por jóias, também usa um longo colar de cabeças cortadas, uma guirlanda de braços muito pequenos cortados, e um par de cadáveres como brincos, mas em vez de ser repulsiva sua aparência expõe membros jovens e macios, com proporções perfeitas. Ela está sobre o corpo de um Shiva deitado, com o pênis ereto, em uma pira queimando no terreiro de cremação, onde aves de rapina pairam e os chacais vagueiam. Em uma de suas mãos, Dakshina Kali tem uma espada, em outra uma cabeça humana, e nas outras duas mostra os gestos de Abhaya e Varada. 

Bhadra Kali, a auspiciosa, que é a forma majestosa, benigna, benevolente e suave de Kali, foi concebida com um número de braços que costuma variar de dois a quatro. Ela geralmente carrega duas tigelas, uma para vinho e a outra para sangue. A forma de Kali que os deuses cultuam invariavelmente, mesmo Shiva, Vishnu e Brahma, é a de Bhadra Kali. Ela se delicia, ela bebe, dança e canta com alegria.  

Guhyakali, que significa literalmente “a Kali secreta”, é o aspecto esotérico de Kali, que é conhecido apenas pelos que conhecem bem a tradição de Kali. Na sua forma que se revela quando se medita nela (dhyana), as serpentes constituem uma parte significativa de seus adornos. Seu colar, o cordão sagrado e o cinto são todos feitos de serpentes, e a serpente Ananta com mil cabeças é seu guarda-sol. Além disso, sua forma assimila outros atributos de Shiva, incluindo um crescente lunar na sua testa. Na representação visual, em vez da ênfase em serpentes, Guhyakali é identificada pelo Kali Yantra, com o qual é invariavelmente representada.

KALI NO YOGA E NO TANTRA 

Kali tem um lugar muito significativo no Yoga e no Tantra, embora no Yoga seu status não seja tão elevado quanto no Tantra. O despertar da Kundalini (Kundalini sadhana), da energia adormecida que é vista como uma serpente negra que faz enrolada e adormecida no corpo interno, é uma prática principal em ambos, mas é a verdadeira base do Yoga. O Yoga percebe Kali como o poder enrolado, Kundalini Shakti. Kali é assim a base do Yoga, embora além dessa equivalência ele não invoque mais Kali.  

O Tantra procura sua realização nas dez Grandes Sabedorias (Mahavidyas). Kali, sendo a principal delas, é a divindade mais significativa do Tantra. O comportamento disruptivo de Kali, sua aparência descuidada, atividades de confronto e envolvimento com morte e impureza, são o que convém mais ao Tantra, especialmente o da mão esquerda (vamachara). A forma de Kali que contém em uma estrutura corporal impura e mesmo pecaminosa a maior santidade espiritual ajuda o seguidor do Tantra a superar a noção convencional de puro e impuro, sagrado e profano, e outros conceitos dualísticos que levam a uma natureza incorreta da realidade. Os textos Yogini Tantra, Kamakhya Tantra e Nirvana Tantra veneram Kali como a divindade suprema, e o Nirvana Tantra percebe Brahma, Vishnu e Shiva como provenientes de Kali, como bolhas brotam do mar.

Para o seguidor do Tantra, a cor negra de Kali é um símbolo de desintegração: como todas as cores desaparecem no preto, assim todos os nomes e formas se misturam nela. A densidade do negro – massivo, compacto e sem mistura – representa a consciência pura. Kali, vestida de espaço (digambari), em sua nudez, livre de toda cobertura ilusória, define para o seguidor do Tantra a caminhada do irreal para o real. Em Kali com seios repletos, que simbolizam sua maternidade incessante, o seguidor do Tantra descobre seu poder de preservar. Seu cabelo desgrenhado (elokeshi) representa a cortina da morte que cerca a vida com mistério. Em sua guirlanda de cinqüenta e duas cabeças humanas, cada uma representando uma das cinqüenta e duas letras do alfabeto sânscrito, o seguidor do Tantra percebe um tesouro de poder e conhecimento. O cinto de mãos, o principal instrumento de trabalho, revela seu poder com o qual o cosmos atua, e em seus três olhos, sua atividade tríplice – criação, preservação e destruição. Tanto Kali quanto Tantra são uma síntese da unidade do dualismo aparente. Assim como na sua imagem aterrorizante, o aspecto negativo de seu ser (e, portanto, do cosmos), é a força vital criadora, a fonte da criação, da mesma forma no caminho do Tantra a viagem começa a partir daquilo que é material, até o ápice – o supremo.

PARA APROFUNDAMENTO:
1. Mahabharata, Gita Press Gorakhpur  
2. Shrimad Devi Bhagavata, Chaukhambha Sanskrit Pratishthan, Delhi  
3. Devimahatmyam, tr. By Devadatta Kali, Delhi  
4. Dahejia, Vidya : Devi, The Great Goddess, Washington D.C.  
5. Menzies, Jackie : Goddess, Divine Energy, Art Gallery, NSW  
6. Kinsley, David : Hindu Goddesses, Delhi  
7. Kinsley, David : The Ten Mahavidyas : Tantric Vision of Divine Feminine, Delhi  
8. Hawley, J. S. & Wulff, Monna Marie (ed) : Devi, Goddesses of India, Delhi  
9. Hawley, John S. & Donna M. Wolfe (ed) : Devi : Goddesses of India, Delhi  
10. Rosen, Steven J. (ed) : Vaishnavi, Delhi  
11. Mitchell, A. G.: Hindu Gods and Goddesses, London  
12. Mookarjee, Ajit & Khanna, Madhu: The Tantrika Way, Boston  
13. Kanwar Lal : Kanya and the Yogi, Delhi  
14. Upadhyaya, Padma : Female Images in Museums of Uttar Pradesh and Their Social Background, Delhi  

FONTE:

O original deste artigo, em inglês (Kali: The Most Powerful Cosmic Female. Article of the Month – February 2009), foi escrito pelo Prof. P. C. Jain e pelo Dr. Daljeet e está disponível no site Exotic India, que gentilmente nos autorizou a traduzir e publicar na Internet esta tradução para o português. 


El Culto De La Culebra Negra


(La Couleuvre Noire) 

Con Michael Bertiaux (1), el Maestro Gnóstico-Vudú del Culto de la Culebra Negra (Couleuvre Noire) nos introducimos en la atmósfera pesadamente cargada que se percibe en el despertar de los Magos de la Decadencia Francesa. La vuelta de la vida de la Decadencia y de sus equivalentes de hoy en día en la zona comercial de Chicago, está presidida por las sombras de Joseph Péladan, Stanislas de Guaita, Pierre Vintras, J.K. Huysmans y el siniestro original de Canon Docre (2) -el Abbé Boullan- con quien Bertiaux afirma estar en directa comunicación astral. Aunque esta atmósfera de nostalgia que rodea al Monasterio de los Siete Rayos, que asimismo dirige Bertiaux, no solo tiene la fragancia de los extraños y diabólicos ritos realizados por un Gaufridi, o por un Guibourg cuando tramó las siniestras encantaciones a las que la diabólica fascinación de Madame Montespan añadió su buqué de mórbido encanto, sino también un poder más vital y elemental que eleva a su más alto grado la blanqueada atmósfera de la decadencia. Me refiero a las sombras monstruosas conjuradas por el hechicero de Nueva Inglaterra, Howard Phillips Lovecraft (3), por que Michael Bertiaux declara haber establecido contacto con los "Profundos", terribles guardianes de los Espacios Exteriores, que han sido atraídos hacia la tierra por Lovecraft a través de sus ficciones terroríficas.

El sistema iniciatico de La Culebra Negra no tiene el mismo acceso fácil que el sistema de Crowley. Para encontrar el sistema de la Bestia, el chela tenía, en vida de Crowley, simplemente que dirigirse a Cefalú y visitar la Abadía de Thelema, y hoy día dirigirse a cualquiera de las Órdenes y Fraternidades
crowleyanas mundialmente conocidas. Sin embargo la central del Culto de la Culebra Negra, aunque situada en una de las ciudades más populosas de América, está dirigida desde Leogane (Haití), la zona de poder de los misterios sombríos de los que Michael Bertiaux es el Adepto Jefe. En un estilo característico de Chicago, el aspirante aprende sus Primeras lecciones por medio de un curso por correspondencia que lleva algo más de cinco años para completarse, pero que, de manera diferente a la mayoría de los cursos de esta naturaleza, ofrece conocimiento mágico que sobrepasa
bastante el campo de lo que suelen ofrecer muchas fraternidades "ocultas". Este curso es enviado por el Monasterio de los Siete Rayos, que es el Atrio Exterior del Culto de la Culebra Negra. El Monasterio es una célula de la O.T.O.A. (Ordo Templi Orientis Antiqua), que ha incorporado en sus
enseñanzas las doctrinas mágicas de Aleister Crowley. El 15 de Agosto de 1.973 e.v., la O.T.O.A. se unió en los planos internos a la Corriente 93 y anunció su aceptación oficial de la Ley de Thelema (Hacer Tu Voluntad). Se celebró esta ocasión aboliendo su norma anterior de no admitir mujeres en sus grados superiores.

Michael Bertiaux, que es uno de los Adeptos Jefes de la O.T.O.A., el Monasterio de los Siete Rayos, y Gran Sacerdote del Culto de La Culebra Negra, es indudablemente uno de los ocultistas contemporáneos de más creatividad. Su curso de instrucción comienza con la máxima oculta:- "Lo que está fuera es como lo que está dentro y lo que está dentro es como lo que está fueran”, y está planteado en un estilo que recuerda el de Jiddu Krishnamurti.
Krishnamurti, el "hijo mágico" de Besant y Leadbeater fue la prueba de la eficacia mágica de la Sociedad Teos6fica; él tuvo en cierta forma la misma relación con esa sociedad que Crowley con la Golden Dawn; en cada caso fueron lo único real que ambas sociedades produjeron. Pero aquí termina laanalogía, porque mientras Krishnamurti y Crowley, en sus respectivas esferas, estaban limitados por su herencia racial, Michael Bertiaux es una combinación de raza blanca y negra que se mezclan en él para producir un sistema de ocultismo creativo y original.

Puesto que este libro, como sus dos predecesores (4), trata de la exploración por parte del hombre de regiones poco conocidas de la consciencia y de sus relaciones con entidades extra-terrestres, la concepción de Bertiaux del demonio Choronzon tiene particular interés y valor. Choronzon, como guardián de la puerta entre el universo conocido y desconocido (A y B) se equipara con las ideas de otros cultos de la Sombra que sin excepción, utilizan este concepto de una forma u otra. Los ritos Petro del Vudú, por ejemplo, invocan a los Loa mediante ritmos desacompasados existentes entre los que son vibrados en las ceremonias Rada; los Loa acechan, por así decir, en los intersticios o vacíos que separan la luz y la oscuridad, el día y la noche. La fórmula desarrollada por Austin Spare para reactivar antiguos atavismos, entraña el uso de tales “conceptos de estado intermedio", y H.P. Lovecraft sugiere la existencia de seres no humanos que pisan las profundidades del espacio entre las estrellas. Históricamente hablando, el Dr. John Dee (1.527-1.608) fue el primero en dejar un relato detallado del tráfico humano con habitantes de los vacíos adimensionales entre universos. Tres siglos más tarde, Crowley invocó una de estas entidades del Abismo, y probablemente este encuentro produjo más trastorno en su vida mágica que el que resultó de su tráfico con los demonios de Abramelin, como algunos han supuesto. Bertiaux describe este Abismo como "las regiones heladas de la nada llamadas el Maion". Este precipicio es la analogía cósmica, en términos de infinidad, duración y lejanía, de lo infinitesimalmente cerca y lo infinitamente fugaz: el hueco normalmente imperceptible que existe entre los pensamientos, que da lugar a la consciencia hipersensible, un conocimiento brusco del substrato real de la existencia. Solamente esto es la Realidad, la única Realidad, y es No-Existencia, la fuente nouménica de la que surge el mundo de las apariencias. Crowley entendió a Choronzon como la encarnación de las energías terroríficas del caos cósmico; una entidad contradictoria que reduce cada concepto con el que entra en contacto a su estado indescriptible de nada amorfa y fluida. Fue una característica de Crowley ver esta fuerza como básicamente de difusión, dispersión y pérdida de control; y Sir Edward Kelly anteriormente lo había llamado "el poderoso demonio Choronzon". Bertiaux por otra parte ve a Choronzon como el guardián de la entrada al paso entre el mundo de la existencia y el de la no existencia, tratándolo como un sistema matemático-mágico de negación dinámica más que como una fuerza positiva de disrrupción. Esta interpretación se aproxima estrechamente a lo sugerido por Lovecraft, quien sin embargo no menciona específicamente a Choronzón, pero que se refiere a los habitantes de dimensiones sin espacio entre sistemas de universos. Pero mucho antes de que apareciesen estos puntos de vista, los
adeptos Ch'an chinos conocían este guardián choronzónico de la región de la no existencia como una experiencia meditacional de la consciencia del no ego, porque ser y no ser son contrapartes interdependientes y como tales tienen validez solamente para la consciencia limitada al objeto o ego.

Esta interpretación, aunque aligere el concepto de cualquier estigma moral, no lo priva del horror esencial que la consciencia de la Nada pura debe evocar necesariamente en la mente no preparada para disolverse en la consciencia cósmica. En el Ch'an, la construcción mágica está total y naturalmente ausente, porque el Ch'an es un culto místico y más allá de todas las características de mentalismo. Michael Bertiaux ha desarrollado una interpretación que parece caer precisamente entre esas dos, perteneciendo a ambas, pero sin representar a ninguna. Ha desarrollado un medio mágico de control del Maion que le hace ser fundador de un Culto de Choronzon muy de acuerdo con los principios ocultos formulados por H.P. Lovecraft. Lovecraft usó la ficción para proyectar conceptos de realidad que fueron en su día considerados demasiado fantásticos como para ser usados por cualquier otro medium. Bertiaux, hoy, no tiene escrúpulos en trasladar valores choronzónicos desde las regiones de la fantasía a dimensiones de "realidad metamatemática", un traslado que es perfectamente legítimo en una era como la nuestra en la que un físico prominente (6): Erwin Schrodinger afirma: "la consciencia nunca es experimentada en plural, solo en singular". Esto implica que nada, ni siquiera la no existencia, existe fuera de la mente. El foco mágico de este poder que emana de "regiones de oscuridad metacósmicas" está localizado en el Abismo, en un centro conocido como Daath (7), que a veces se llama el "falso Sephirah" y es la onceava zona de poder del Árbol de la Vida. Once es el número de los qliphoth, "el mundo de los cascarones", que está habitado por las "sombras de oscuridad"; es la entrada que da paso a los espacios exteriores del más allá, o parte trasera del Árbol mismo. Los Adeptos de la Culebra Negra han puesto el pie en esta "entrada secreta hacia la parte trasera del Árbol, que es muy importante para la creación mágica". Daath, que significa Conocimiento, está simbolizado por la octava cabeza del Dragón enroscado que se levantó cuando se quebró el Árbol de la Vida.(8) Quizás sea significativo que el número de Daath, 474, cuando es sumado al de Choronzon, 333. (9), produce 801, el número "entre" 806 (Thoth) y 808 (La Serpiente de Bronce), la interpretación mágica de lo cual es que la fórmula de la Serpiente de Fuego y el Dios Set (Thoth) es activada por la evocación de Choronzon. Esto abre la puerta a influencias extracósmicas. El ascenso del Árbol de la Vida se realiza "elevándose por los planos" hasta que la consciencia emerge en lo Superior (Kether). Para materializar este estado en Malkuth (10), tiene que invertirse el proceso y descenderse el Árbol por la parte de atrás del Pilar Medio. Esto equivale al Viparita Karani (11), ya tratado en los capítulos 4 y 5, en conexión con el Círculo Kaula. De forma similar, la Serpiente de Fuego se eleva por el canal vertebral, el Pilar Medio, recogiendo la consciencia mágica de los chakras, por los que pasa durante su ascenso. El Místico retiene la consciencia en el Brahmandra (12), pero el Mago la hace descender de nuevo a la tierra (13). Esta es la fórmula de Prometeo, que trajo el fuego de los cielos a la tierra, descendiendo por un tubo hueco(14). De la misma forma el adepto Tántrico hace bajar la luz para que se manifieste en Maya, el mundo sombrío de las imágenes ilusorias. Lo mismo que el Tántrico descubre los poderes mágicos en cada zona de poder iluminada por la marcha ascendente de la Kundalini, el Mago asume las formas divinas apropiadas para cada Sephirah que alcanza en su elevación por los planos del Árbol de la Vida. Las formas divinas están normalmente asociadas con deidades con cabezas de animales. En esta forma, los atavismos o poderes pre-humanos se manifiestan en el Mago que experimenta y actualiza en el mundo astral, los poderes y energías que poseen los animales en cuestión. Los Adeptos del Culto de la Culebra Negra se refieren a este proceso con el nombre de "Mystere Lycanthropique", y constituye uno de los "puntos calientes" conectados con el Tantra y el Vudú. "Mystere Lycanthropique" es también el "Misterio del Templo Rojo" de la Magia de Atlantis en su primera forma; su forma segunda es la de "L'ataviqier", que tiene, como sugiere su nombre afinidades con la fórmula de Resurgencia Atávica de Spare.

NOTAS
01.- Nacido en Chicago, lllinois, 1935.
02.- El aparece en Lá-Bas, la novela de J-K. Huysmans basada sobre la actual
experiencia del autor de los senderos oscuros del ocultismo. Ver también pag.
174, nota 22, infra.
03.-1890-1937. Ver pag. 186, nota 14.
04.- idem.
05.- El Renacimiento Mágico y Aleister Crowley y el Dios Oculto.
1973.
06.- El término es de Spare. Ver el último capítulo. Erwin Schrôdinger.
07.- Ver el Árbol de la Vida.
08.- En su comentario al Décimo Aetiro, Liber 418, Crowlev escribe: "La
doctrina de la "Caída" y el "Stooping Dragon" debe ser estudiado
cuidadosamente. El Equinocio, vol. 1, nº 2 y 3, tiene mucha información, con
diagramas. Ver también Liber 777.
09.- Ver pag. 172.
10.- Esto es, en orden a la consciencia magia ‘terrestre'.
11.- Retroversión de los sentidos.
144
12.- Chakra más alto, en la región de la sutura craneal.
13.- Malkuth-Muladhara.
14.- El Pilar Central, Columna Vertebral o Sushumna-nadi.

Tarot Vudu


Introducción
"Hay dos senderos: uno que viene y otro que va."
Liber Berachat I, 1.

Hay dos métodos gnósticos en el sistema de contemplación de la O.T.O.A.: Noesis y Zothyria. Ambos son dos métodos muy provechosos en la tradición gnóstica de dicha orden y cada uno de ellos tiene su propio punto de partida, aunque ambos confluyen en la misma meta, la iluminación espiritual, la Gnosis.
La Noesis está relacionada con la búsqueda del conocimiento directamente en los mundos ideales de su propia existencia ideal. Es de esta forma directa como asciende el iniciado al mundo espiritual, donde reside su Ego transcendental, y hace descender a su mundo de experiencia física estos elementos ideales. En realidad lo que hace el mago en la Noesis es ascender a la fuente misma del la existencia y recorrer hacia abajo el sendero involutivo de la emanación. Para ello tiene que recurrir a los seres ideales que habitan el mundo arquetípico (dioses, loas, ángeles, orishas o devas), los cuales le ayudan en su trabajo de hacer descender la idealidad a su realidad objetiva y transformarla de  acuerdo con ella. Para esto debe introducir en su realidad física los elementos necesarios de cambio que percibe a través de los contenidos ideales, pero de forma muy cuidadosa para no perturbar el presente de una forma drástica y brusca, sino a través de elementos que actúen en el futuro. Pero para ello el gnóstico noético debe querer, saber y atreverse a ascender a los planos superiores y posteriormente callar los resultados obtenidos, es decir, no divulgarlos a los no iniciados. Estos cuatro axiomas clásicos del Hermetismo son aplicables siempre al trabajo gnóstico y mágico.

 Nada es posible en la magia sin que el practicante posea la VOLUNTAD necesaria para realizar los procesos que harán posible su obra. Asimismo debe obtener el CONOCIMIENTO imprescindible de la técnica que debe emplear, porque sin una sistemática derivada de la experiencia de los que antes que él recorrieron el Sendero, puede dar vueltas eternamente por mundos extraños sin llegar a su meta. Sobre todo debe ATREVERSE a realizar las prácticas imprescindibles para su ejecución, porque no hay experiencia si uno no se atreve a operar de forma práctica y porque el conocimiento sin experiencia solo es pura teoría. Por último, una vez conseguida dicha experiencia, es decir conocimiento coagulado a través de la acción, debe CALLAR, o sea que no debe gritar a los cuatro vientos sus resultados, para que estos adquieran fuerza y vigor y además no irrumpan de forma brusca en el mundo que le rodea. Deberá comunicar sus resultados exclusivamente a aquellos que se encuentran en un nivel de desarrollo suficiente como para que estos conocimientos no les sean perturbadores o peligrosos. Empleará para ello un lenguaje "hermético" en el que el símbolo y la analogía sean los supremos reveladores de la realidad oculta. La Zothyria, el otro método gnóstico usado en la O.T.O.A., tiene un punto de comienzo completamente opuesto a la Noesis, pues parte de los niveles inferiores para seguir el sendero de la evolución.
En el método zothyriano se realiza un proceso de construcción contemplativa por el que se levanta una estructura de forma análoga al método científico. Para ello hay que seguir unas líneas de dirección que partiendo del mundo material van más allá, a los mundos sutiles. Ello va acompañado de un incremento del espectro de la consciencia del mago, que le hace posible seguir estas líneas. El mago zothyriano trabaja sobre su propia naturaleza, su propia existencia física, purificándola y perfeccionándola para que en dicho crisol puedan cristalizar las realidades que oculta.
Por eso el mago de la O.T.O.A. debe usar ambos senderos del conocimiento gnóstico, porque ambos producen una unidad armónica y perfecta entre las fuerzas cósmicas lunares o magnéticas y las fuerzas cósmicas eléctricas o solares, que existen dentro de sí mismo, estableciendo además una perfecta conjunción mágica entre el mundo tal como es (Zothyria) y el mundo tal como llegará a ser (Noesis) pero que ya es de forma ideal.
En el sistema del Tarot vuduista usado por la O.T.O.A., el método zothyriano está principalmente representado por las 16 cartas del llamado "Tarot de Racine" y el método noético por las 16 cartas del "Tarot de Padern". Estos Tarots recogen y exponen de forma simbólica los antiguos modelos heredados de Atlantis por los iniciados de Africa Occidental y llevados posteriormente a las Antillas con el comercio de esclavos. Estos modelos simbólicos enseñan las verdades fundamentales que subyacen en la existencia física y en los mundos ideales.
Los Tarots están basados en una especie de Cábala denominada "Cábala Criolla",desarrollada en Haití, Jamaica, Martinica y Guadalupe, con la mezcla de elementos afroatlantes y otros derivados del mundo esotérico europeo llevado por los colonos franceses: francmasonería, rosicrucianismo, martinismo, cabalismo, etc.

El Tarot Vudú de 32 cartas es una proyección de dos campos: uno de magnetismo negativo o lunar (Tarot de Racine) y otro de electricidad positiva o solar (Tarot de Padern), ambos de 16 cartas, correspondientes a los 16 niveles del sistema Vudú. Estos Tarots son los Misterios de la enseñanza esotérica criolla y a través de sus símbolos se accede a las fuerzas invisibles que subyacen tras ellos. El Tarot de Racine, que expresa el método zothyriano, erige sus ideas o formas a partir de la propia existencia del llamado mundo de Assiah por los cabalistas e Id transcendental por la psicología esotérica de la O.T.O.A. El Tarot de Padern, que expresa el método noético, extrae las ideas o fuerzas arquetípicas del mundo llamado por los cabalistas Atziluth y Ego transcendental por la psicología esotérica de la O.T.O.A., para hacerlas descender hacia el mundo de la existencia del mago.
El Tarot de Racine se origina en el Malkuth de Assiah del Arbol de la Vida cabalístico y asciende a Yesod de Yetzirah y el Tarot de Padern se origina en el Kether de Atziluth y desciende hacia Tiphareth de Briah. Ambos se unen en la consciencia del mago produciendo en ella un cambio que convierte a éste en un adepto. El resultado es lo que los antiguos alquimistas y rosacruces denominaban la Gran Obra. Esta Gran Obra es el producto de la unión o fusión de los "contrarios", corrientes lunar y solar.
Los procesos iniciáticos que se producen al trabajar con las fuerzas sutiles a través de estos Tarots, tienen como resultado la consagración del iniciado. El mismo encuentra la representación ideal de sí mismo en el Templo o diagrama simbólico de su propia individualidad ideal. Este Templo mandálico se denomina en el Vudú: Peristyle, y es en éste donde se realiza la consagración mediante la unión de las energías lunares y solares que representan estos Tarots.
De ahí que la confección del diagrama del Peristyle sea algo básico e imprescindible para la manifestación de estas fuerzas sutiles. Pero siempre debemos tener en cuenta que el Peristyle es la representación física de la existencia individual del propio iniciado.
En el diagrama del Peristyle Vudú, se llama "Midi" al punto central del mismo, allí donde se entrecruzan las energías que provienen de distintas direcciones simbólicas. Asimismo dos líneas que se cruzan en el "Midi", formando una cruz, separan el diagrama en cuatro cuadrantes, dos de ellos llamados del "Día" y otros dos llamados de la "Noche", correspondiendo los primeros a las zonas "positivas" o luminosas de la existencia y los segundos a zonas "negativas" u oscuras de la existencia.
El Día y la Noche son más bien realidades metafísicas y como hemos dicho tienen dos cuadrantes cada uno, correspondiendo cada cuadrante a un poder, por lo que puede decirse que hay dos poderes mágicos del Día y dos poderes mágicos de la Noche.
Cada uno de estos cuatro poderes está a su vez formado por dos fuerzas opuestas que se representan en el Vudú como parejas de Loas (dioses) llamados Gemelos (Marassas). Hay dos Gemelos del Día (Marassas du Jour) y dos Gemelos de la Noche (Marassas du Nuit). Los Gemelos del Día corresponden a cuatro principios metafísicos positivos del universo que se encuentran en equilibrio entre si por parejas. Los Gemelos de la Noche corresponden a cuatro principios metafísicos negativos del universo que se encuentran también equilibrados por parejas. Al mismo tiempo las cuatro parejas de Gemelos se encuentran equilibradas entre sí, de tal forma que cada dos de estos ocho principios, que forman una pareja de Gemelos, son entre sí uno positivo y otro negativo, y asimismo cada pareja de Gemelos se complementa con la que se encuentra enfrente suya al otro lado del "Midi". Las propiedades mágicas de estos Gemelos del diagrama del Peristyle se relacionan con influencias planetarias y lunares sobre los signos zodiacales, pero se trata de influencias mágicas astrofísicas y no astrológicas.

Las cuatro direcciones simbólicas del diagrama mágico se denominan en el Vudú: "cruces", habiendo una cruz (Croix) para cada una de estas cuatro direcciones: Norte, Oeste, Sur y Este. Estas cuatro Cruces forman la base esquemática del Tarot Vudú y son las siguientes:
I. La Cruz del Norte.
Es la síntesis del Loa Guedhé Nibbhó (Saturno en Capricornio) y del Loa Mait' Grand Bois d'Ilet (Luna en Escorpio). Ambos constituyen el primer par de Gemelos de la Noche.
II. La Cruz del Oeste.
Es la síntesis del Loa Ogou-Fer (Marte en Cáncer) y del Loa Erzulie (Luna en Tauro). Es el primer par de Gemelos del Día.
III. La Cruz del Sur.
Es la síntesis del Loa Simbi (Mercurio en Géminis) y el Loa Agwe (Luna en Leo). Este es el segundo par de Gemelos de la Noche.
IV. La Cruz del Este.
Es la síntesis del Loa Damballah-Wedo (Mercurio en Leo) y Aida-Wedo (Luna en Géminis). Este es el segundo par de Gemelos del Día.
Los Tarots de Racine y de Padern pueden ser considerados como un medio simbólico, o aun mejor, como un "instrumento" compuesto de símbolos mágicos y realidades iniciáticas, que han de servirnos de gran ayuda para la realización de nuestra empresa espiritual. Como sabemos, el objetivo de dicha empresa consiste en la unión de la consciencia individual con lo Absoluto, con el Creador Eterno, que es el origen y la meta del ser. Este proceso de unión se realiza cuando el iniciado une su propia consciencia individual con la consciencia transcendental de Legbha.
Legbha es el Cristo de nuestro Vudú Esotérico, es el Cristo del Mediodía, cuyo color sagrado es el blanco. Su ciencia es la más alta forma de Sabiduría, pues El es la esencia del Fa. El Fa, o Ifa, emana de Legbha como el sistema de leyes que conforma la mente Cósmica y rige el universo. Los Tarots de Racine y de Padern son una expresión de Ifa, ya que a través de las ideas de iniciación que contienen, representan el sendero de entrada a los aspectos superiores de la consciencia transcendental de Legbha, que está representada por los 16 Espíritus de Ifa. De este modo, los Tarots de Racine y de Padern son el puente de fuego que se tiende desde lo visible a lo invisible, desde lo real a lo ideal. En el Peristyle, o Templo (que es el propio iniciado), Legbha está representado como el "Midi", ya que las ideas de "centro" y "medio" le son propiamente características. Por un lado El es el "centro" de "todo", ya que todo emana desde el centro hacia la periferia y todo regresa desde la periferia hacia el centro, por esto "El es el Primero y el Ultimo". Por otro lado, El es el punto medio y síntesis entre los distintos pares de complementos, por eso se le llama "el punto medio entre los mundos". Tras alcanzar la unidad de consciencia, el iniciado comienza a moverse en el mundo mágico de la consciencia universal, donde Legbha, como Saturno o Guedhé, nos hace comprender la verdad del ser, de las esencias y substancias, permitiéndonos pasar desde el mundo actual de los Arqueones al mundo universal de los Eones. Este proceso está representado por las 32 cartas del Tarot.
En este Apéndice presentamos el Tarot de Racine y el Tarot de Padern.
Las cartas del Tarot de Racine son:

I. Maestro de la Cruz del Norte.
II. Gemelos del Templo.
III. Maestro de las Cuatro Cruces.
IV. Legbha Capricornio.
V. Legbha Escorpio.
VI. Maestro de la Cruz del Oeste.
VII. Gemelos del Diseño Ritual.
VIII. Mago del Triángulo Azul.
IX. Gemelos del Pilar Central.
X. Legbha Acuario.
XI. Maestro de la Cruz del Sur.
XII. Mago de los 16 FA.
XIII. Gemelos del Altar.
XIV. Mago del Triángulo Rojo.
XV. Legbha Leo.
XVI. Maestro de la Cruz del Este.
Las cartas del Tarot de Padern son:
I. Iniciado de la Cruz del Norte.
II. Acólito de la Cruz del Norte.
III. Sacerdote de la Cruz del Norte.
IV. Hierofante de la Cruz del Norte.
V. Iniciado de la Cruz del Oeste.
VI. Acólito de la Cruz del Oeste.
VII. Sacerdote de la Cruz del Oeste.
VIII. Hierofante de la Cruz del Oeste.
IX. Iniciado de la Cruz del Sur.
X. Acólito de la Cruz del Sur.
XI. Sacerdote de la Cruz del Sur.
XII. Hierofante de la Cruz del Sur.
XIII. Iniciado de la Cruz del Este.
XIV. Acólito de la Cruz del Este.
XV. Sacerdote de la Cruz del Este.
XVI. Hierofante de la Cruz del Este.

La descripción de los Tarots de Racine y de Padern que damos a continuación deriva de los trabajos de meditación-investigación de varios iniciados de la Gran Logia Zariguin de la O.T.O.A. en España, a partir de las líneas de meditación que sobre los mismos facilitó Michael Bertiaux en sus cursos de enseñanzas para El Monasterio de los Siete Rayos. Asimismo está fuertemente basada en los versículos de Liber Berachat, que es en sí mismo el conjunto de los mensajes recibidos de los espíritus Voudous, por el Maestro At- Al, Soberano Gran Maestro Absoluto de la O.T.O.A, así como por los mensajes recibidos de los mismos espíritus por varios de sus discípulos. Liber Berachat, llamado también "Libro del Trono del Poder", posee las claves del trabajo esotérico que el iniciado del Vudú debe realizar. Estas claves están simbolizadas en los Tarots de Racine y Padern. Con estas claves en su mano, el iniciado realizará su trabajo mágico y quedará preparado para trabajos posteriores de naturaleza superior y especializada.

NOTA: Como se ha explicado en anterior entrada, en el Templo TZ de Buenos Aires-Argentina, utilizamos Aida-Wedo al O, pasando Ogu Fer al S.

Los Grados en L.C.N

Los Grados de L.C.N. son cuatro:

1. LAVE-TETE o INICIADO.
2. CANZO o SERVIDOR.
3. HOUN'GAN o SACERDOTE.
4. BAILLE-GE o HIEROFANTE.

Estos grados reflejan la estructura de la ciencia iniciática atlante y corresponden a las cuatro iniciaciones en los Cuatro Elementos y las cuatro direcciones simbólicas de la consciencia espacial, así cómo a los cuatro planos de manifestación.
Los templos del Vudú actúan como instrumentos mágicos de poder oculto. No nos referimos aquí a los templos de la religión Vudú Haitiana, sino a los del Vudú Esotérico.
Durante la iniciación en este sistema mágico, se crea una fuerza que sigue unas líneas de movimiento geométricas muy precisas. Como la iniciación ocurre dentro del templo Vudú, éste toma una significación muy importante y es por ello que tiene que tener una estructura geométrica para que las energías fluyan siguiendo las líneas de un esquema exacto. En cada punto del espacio surge una fuerza oculta que depende del emplazamiento en que se encuentra dicho punto. El poder, durante la iniciación, deriva su fuerza de la localización de cada punto.
Tenemos pues unas fuerzas y una estructura en el espacio del templo. En el Perystile del Vudú, hay influencias ocultas que actúan como campos de fuerza invisibles que están bajo el control de los Maestros.
La energía especial se estructura de acuerdo con estos campos de fuerza de una forma geométrica exacta y esta estructura geométrica deriva del orden y equilibrio que producen las formas de pensamiento e imágenes simbólicas que los Maestros han proyectado en el esquema ritual. Las formas de pensamiento de los Maestros se convierten en las fuerzas espaciales y en los campos de energía que forman un modelo exacto que está de acuerdo con las leyes ocultas del universo.
En el templo Vudú, la estructura de la fuerza espacial, obedece a una división cuádruple representada por las cuatro Cruces de la Cábala Criolla. Es decir, que la estructura mágica que ha sido proyectada en el templo, es la estructura cabalística de las cuatro Cruces, en la que el espacio es repartido de acuerdo a un plano oculto que está dividido en cuatro secciones: Norte, Oeste, Sur y Este.
Cada una de estas cuatro secciones del espacio, tiene un valor determinado, de tal forma que a cada región, pertenece cierto tipo de operación oculta. Esta asignación es exclusiva para cada región, ya que de cada una se extraen solamente las energías que surgen en ella como fuerzas espaciales. Cada estructura y cada función son exclusivas de su propia región, aunque existe cierta relación con las demás.
Independientemente de la cualificación de las energías en cada región del esquema del templo, hay también un movimiento de las fuerzas espaciales desde lo inferior hacia lo superior, es decir, desde el Norte hacia el Este, a través del Oeste y del Sur. Este movimiento se llama evolución, porque lo inferior busca la perfección de lo superior. Hay aquí una transferencia de energía desde el Norte hacia el Este. Entonces se desarrolla un centro de energía oculta, mediante el cual las formas de pensamiento son impuestas sobre las fuerzas espaciales y el templo entero funciona como una unidad, como un instrumento mágico perfecto, como un mandala de energía oculta.

RECTIFCANDO EL ERROR:
El anterior formato del Templo, era el siguiente:

Lave-Tête (Señor de la Cruz del Norte), representa al Loa Guedhe-Nibbhó, y corresponde al subdiaconado de la Ecclesia Gnóstica Spiritualis.
Canzó (Señor de la Cruz del Oeste), representa al Loa Ogou-Fer, y corresponde al diaconado de la Ecclesia Gnóstica Spiritualis.
Houn'gan o Mambo (Señor de la Cruz del Sur), representa al Loa Simbí, y corresponde al sacerdocio de la Ecclesia Gnóstica Spiritualis.
Baille-ge (Señor de la Cruz del Este), representa al Loa Damballah-Wedo, y corresponde al episcopado de la Ecclesia Gnóstica Spiritualis.

ACUTALMENTE SE CORRIGE EL HISTORICO ERROR:

La OTOFH, Orden Soberana dentro de los linajes franco-haitianos y afro-atlantes; utiliza la Revisión Eclesiástica de 1921 del Rito Antiguo y Primitivo de Memphis-Misraim. Siguiendo la lógica mágicko-matemática y el sistema intuitivo de apercepción de las retículas y entramados de los 4 Grandes Patriarcados Gnósticos, utiliza una liturgia totalmente coherente con los sistemas de Voudun Gnóstico, heredero de los sacerdocios del Antiguo Egipto. Dentro de esa coherencia, cabe destacar la interpretación correcta de los Lwa como energías puras en correlación con los puntos cardinales. En dicha situación, y respetando el Secreto Iniciático, nos permitimos destacar la Invocación del Lwa Ogou Fer en el Punto Cardinal Sur, siendo Fuego Esencial. No son satisfactorias ni efectivas iniciática y mágickamente las explicaciones que no feminizan la región Oeste, faltando a la indispensable complementariedad de este plano de manifestación .
(c) OTOFH- Soberano Santuario de la Gnosis, Sede Sudamericana.


De esta manera y ACORDE A ESTA CORECCIÓN, los grados de L.C.N. se corresponden con las cuatro regiones del templo de la forma siguiente:
Lave-Tête (Señor de la Cruz del Norte), representa al Loa Guedhe-Nibbhó.
Canzó (Señor de la Cruz del Oeste), representa a la lwa femenina Aida Wedo.
Houn'gan o Mambo (Señor de la Cruz del Sur), representa a la lwa Ogu Fer.
Baille-ge (Señor de la Cruz del Este), representa al Loa Damballah-Wedo.


PARAMPARA


Es tarea de un sucesor desarrollar el trabajo de su predecesor, y éste es el principio que subyace en la doctrina hindú de parampara, o linaje espiritual. Con frecuencia esto se interpreta en el sentido de que un gran hombre o una gran mujer es sucedido por alguien igualmente ilustrado que amplía el trabajo del ilustre antepasado. No obstante, hay un significado más profundo en esto, y es que cada uno tiene una serie de predecesores y una multitud de sucesores; así la cadena de penetración iniciática es pasada no mediante una sucesión directa de estrechos canales, sino a través de gran número de afluentes que a menudo parecen serpenteantes y rezagados, pero que vistos de forma retrospectiva parecen fluir junto con el curso óptimo que cruza el terreno.

Cada uno toma la inspiración de una variedad de fuentes, las cuales son trigo para moler. Sin embargo, el catalizador que sintetiza esto en una forma coherente es el trabajo práctico que emprendemos en misticismo y magia, mediante los cuales forjamos lazos con lo que suele ser referido como conexiones en los planos internos, inteligencias preterhumanas, fuerzas espirituales, corriente mágica, etc. Esto no quiere decir que estos términos sean equivalentes; lo que hacen es indicar la conexión con algo más profundo que lo que podemos recabar del simple estudio intelectual. Más profundo porque hay una conexión con fuerzas más allá del individuo.

Este principio de parampara puede verse por ejemplo operando en el progreso de Aleister Crowley. Dotado de una mente ágil y con un buen conocimiento de la religión comparada y la mitología, experimentó con una variada cantidad de senderos; y mediante el catalizador de su propia experiencia, sintetizó un único cuerpo de trabajo que, lejos de “venir del cielo” estaba enraizado en el trabajo de otros antes que él. En algunas ocasiones se consideró a sí mismo como que estaba desarrollando la obra de Blavatsky; en otras que estaba restaurando la tradición sumeria. No obstante, siempre fue consciente de que su trabajo derivaba de una gran variedad de fuentes, y que su trabajo a
su vez sería uno entre una gran variedad de piedras con las que otros erigirían sus templos.

Otro ejemplo es Kenneth Grant, que ya era erudito en estas materias cuando encontró por primera vez a Crowley y después a Austin Osman Spare. Basándose en la obra de Crowley, de Spare, de exponentes de Advaida Vedanta tales como Ramana Maharshi, escritores como H. P. Lovecraft y Arthur Machen, su trabajo se fue sintetizando mediante el catalizador de su Logia Nueva Isis, y el resultado es la visión arrolladora e intoxicante articulada en sus Trilogías Tifonianas, su poesía y sus relatos cortos.

No se trata de sugerir que hay algo único en este proceso – que iniciados tales como Crowley, Grant, Spare o Bertiaux han escalado vertiginosas alturas que nosotros no podemos escalar. Al contrario: esta asimilación continua y re-evaluación de la experiencia es algo que pueden hacer todos los iniciados. Sólo de esta forma puede el trabajo continuar.

Éste entonces, es el significado real de parampara.