sexta-feira, 2 de junho de 2023

Luciferianismo - A Virgem Negra e o Sangue Sagrado

Em 1982, Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln publicaram o mega-bestseller Sangue Sagrado, Cálice Sagrado e, dezenove anos mais tarde, ele continua sendo publicado. O livro saiu após uma série de documentários televisivos para a BBC2 apresentados por Lincoln e palestras dadas em Londres pelos três autores. Os filmes e palestras investigavam o mistério acerca do pastor de uma paróquia em uma pequena vila francesa em Rennes-le-Chateau, no século XIX. Esse mistério girava em tomo de sua alegada descoberta de um tesouro escondido e seus extensos contatos com sociedades secretas, ocultistas e nobres europeus.

O tema principal do livro era que o Santo Graal era uma referência codificada para o sang rael ou sangue real dos descendentes europeus de Jesus e Maria Madalena. Esses descendentes aparentemente encontraram a dinastia merovíngia da França medieval. Desde 1982, outros autores tentaram traçar essa linhagem de sangue por meio das lendas Arthurianas, a casa real francesa, os Tudors, os Stuarts e os Habsburgos. Esse conceito da linhagem de sangue de Maria Madalena foi amplamente baseado em documentos fornecidos pela sociedade secreta francesa chamada Priorado de Sião. Esse grupo tinha documentado uma genealogia histórica impressionante ligada aos Templários, aos rosa-cruzes e aos maçons. Politicamente, o Priorado apoiava os Estados Unidos da Europa governados por uma monarquia pan-européia.

Recentemente foi alegado por Robert Richardson, em um artigo no jornal americano esotérico Gnosis #51 (primavera de 1999), que essa “falsa historia se originou em documentos fraudulentos criados por uma seita de extrema-direita francesa”. Richardson alega que o Priorado era urna farsa elaborada, e o grupo só foi criado nos anos de 1950. Foi a criação de um francés chamado Pierre de Plantard, que tinha anteriormente fundado uma sociedade secreta anti-semita e, estranhamente, antimaçônica na França de Vichy em guerra. O Priorado, segundo Richardson, só foi fundado em 1956, quando Plantard começou a circular documentos falsos sobre Rennes-le-Chateau e seu famoso tesouro. Entretanto, dizem que ele obteve o material dos arquivos de sociedades secretas e ordens mágicas que foram apreendidos pela polícia secreta de Vichy durante a guerra.

Se existe alguma verdade no que foi mencionado há pouco, a idéia de um casamento entre Jesus e Maria Madalena e sua linhagem de sangue descendendo da nobreza européia não foi uma completa invenção de Plantard. Esse conceito de um reino divino e uma linhagem de sangue sagrada é um ensinamento esotérico antigo. Em anos mais contemporâneos, antes da Segunda Guerra Mundial, iniciados ocultos como Julius Evola na Itália e o dr. Walter Stein na Alemanha escreviam sobre tais assuntos, ainda que com pontos de vista políticos diferentes. Em um livro publicado no começo de 1928, o dr. Stein escreveu sobre a linhagem de sangue do Graal que envolvia tanto os Templários quanto a casa real francesa. Os membros dessa antiga família estavam, segundo ele, com espíritos antigos altamente evoluídos que possuíam poderes psíquicos que os diferenciavam das demais pessoas. E interessante que o rei Luís da França (1461-83) tenha insistido que sua família descendia de Maria Madalena.

Maria Madalena é um dos personagens mais fascinantes, ainda que enigmáticos, mencionados no Novo Testamento. Nos Evangelhos, ela também é conhecida como Maria de Betânia, o lugar onde os discípulos dizem ter visto Jesus subir aos céus. Ela é (mal) representada pela Igreja como uma prostituta e adúltera. Em João 11:2, ela é descrita como a irmã de Lázaro, a quem Jesus ressuscitou. No secreto Evangelho de Marcos, esse evento é visto como uma iniciação nos Mistérios Cristãos, apresentando uma morte simbólica e um renascimento. Os Evangelhos ortodoxos de Mateus e Marcos descrevem como Jesus visitou Betânia e a casa de um leproso chamado Simão. Enquanto estava sentado à mesa na casa, uma mulher ungiu sua cabeça e pés com um perfume caro. De fato, ela usou um ungüento feito de nardo guardado em um jarro de alabastro. Essa mulher com o jarro de alabastro foi identificada como Madalena. De acordo com o proibido Primeiro Evangelho da Infância de Jesus Cristo, esse jarro foi dado por uma velha senhora que tinha sido a parteira da Virgem Maria (Jesus Cristo 2:2-5). Pelo seu ato simbólico, Maria reconhecia Cristo como o Christos, o ungido, ou messias que salvaria os judeus do Império Romano. Ele era o rei sagrado que deveria morrer como bode expiatório pelos pecados de seu povo. Até mesmo Jesus reconhecia esse fato, quando exclamou a todos os presentes que a mulher o tinha preparado para o enterro com suas ações.

Nardo era um perfume caro extraído da uma planta originária da índia. Por conta de seu custo, apenas era usado por mulheres ricas e isso traz alguma luz sobre o status social de quem o possui. Seu custo era notado por murmúrios de desaprovação entre outros presentes, incluindo Judas. Ele se referiu a seu uso para ungir Jesus como um desperdício de dinheiro. Outros presentes, entretanto, viram além das considerações puramente materiais e entenderam perfeitamente o significado e a importância do ritual que haviam presenciado. De fato, era costume judaico o parceiro sobrevivente ungir o cadáver de seu marido ou esposa antes do enterro. Maria não estava apenas ungindo o rei sagrado para prepará-lo para o ritual da morte, como a sacerdotisa da Deusa, mas ela também estava indicando para todos os presentes que era a esposa do ungido.

Na antiga Canção das Canções, creditada a Salomão e escrita pela rainha de Sabá, o nardo é mencionado como a fragrancia usada no banquete do rei. Isso se refere ao casamento sagrado entre Salomão e Sabá como o rei-sacerdote/deus e a sacerdotisa/deusa. No século XII, São Bernardo de Clairveax identificou nessa canção a irmã de Lázaro, Maria de Betânia, que era Maria Madalena. São Bernardo era um grande partidário dos Tem- plários e um devoto da Madonna Negra, que foi identificada como Madalena. Quando ela deu autonomia aos Templários, eles juraram obediência a Betânia, o castelo de Maria e Marta, não para a Virgem Maria.

Quem era Maria Madalena? Uma grande pista é fornecida pelo seu segundo nome ou título. É traduzido como “observadora” ou “torre do rebanho”. O uso comum se refere a um lugar alto, usado pelos pastores para observar seus rebanhos. Em termos esotéricos, refere-se aos reis pastores da linhagem de sangue mística dos angelicais Vigias que, literalmente, observavam a humanidade. Isso também tem ligações simbólicas óbvias com a Torre de Babel, a Torre Atingida pelo Raio no taró, os quatro Vigias no círculo mágico, o Castelo das Rosas na bruxaria tradicional e as torres dos contos de fadas, em que princesas são aprisionadas por madrastas perversas ou duendes. No plano físico, Maria e sua família possuíam sete castelos na vila de Betânia e outros terrenos nos arredores de Jerusalém. A própria Maria viveu em um castelo ou torre na costa do Mar de Galiléia, onde Jesus fez muitas de suas pregações. O profeta hebreu Miquéias também usava o termo observador dos rebanhos como alusão à futura restauração de Jerusalém como uma cidade sagrada da filha de Sião.

Dizem que Maria Madalena veio da tribo de Benjamim e era uma princesa de sangue real. Todos os rabinos judaicos tinham de se casar e é lógico que Jesus, como descendente da casa real do rei Davi, deveria conceber um herdeiro para perpetuar a linhagem de sangue. Também é lógico que tal casamento deveria acontecer com alguém de origem real. Foi insinuado que a profecia de Miquéias não se refere de forma alguma a Jemsalém, e sim ao exílio forçado da princesa real depois da execução de seu marido. No século IX, o arcebispo de Mayence escreveu A Vida de Maria Madalena, no qual alega que a mãe dela, Euchania, tinha ligações com a casa real dos Macabeus de Israel.

Escritos do século XIII do arcebispo de Gênova, James de Vorágine, afirmam abertamente que Maria havia sido uma nobre rica com genealogia real. O arcebispo alegou que o pai dela tinha sido um aristocrata sírio. O nome da mãe de Maria, Euchania, também era um dos nomes da versão grega de Vênus-Affodite. Alguns escritores modernos têm visto alguma verdade na difamação da Igreja de que Maria era uma prostituta. Eles a ligaram com as chamadas prostitutas do templo que serviram às deusas do Oriente Médio, tais como as mulheres que choraram por Tamuz do lado de fora do templo em Jerusalém.

O papel de Maria Madalena na crucificação e suas conseqüências são um tanto quanto incomuns. Em três dos Evangelhos ortodoxos de Mateus, Marcos e João, ela é apresentada ao pé da cruz com outros membros da família de Jesus. Todos os quatro Evangelhos dizem que ela sozinha ou com outros membros da família foi para a sua tumba no terceiro dia. A história inventada foi que ela visitou a tumba para preparar o corpo dele para a embalsamação. Essa era tradicionalmente a tarefa da esposa do falecido. O Evangelho de João diz que ela foi para a tumba sozinha e a encontrou vazia. Ela é, de forma significativa, a primeira pessoa a encontrar o Cristo Ressuscitado, mas não reconhece o seu Mestre, acreditando a princípio que se tratava de um jardineiro. Esse é um episódio curioso que simbolicamente liga Jesus aos primeiros jardineiros Adão e Caim. Enquanto Adão e Eva eram expulsos de seu jardim paradisíaco e Lúcifer era expulso do paraíso celestial, Jesus simbolicamente caminha no jardim. Jesus é relacionado com Caim, o Viajante, porque, com o seu ato supremo de auto-sacrificio, o Cristo toma redundantes as oferendas de sangue feitas pelos judeus e pagãos.

Maria é responsável então por levar as boas novas ou o evangelho do renascimento de Jesus para os outros discípulos. Isso mostra o papel importante dela no grupo, algo que é enfatizado quando alguns dos discípulos se recusam a acreditar no relato dela. Quando Jesus estava vivo, ela tinha reclamado com ele sobre a atitude machista de alguns dos discípulos. Incluindo Pedro, que iria trair seu Mestre três vezes antes do amanhecer. É evidente que Jesus tinha um círculo intemo de discípulos para os quais ensinava os mistérios do reino de Deus. Em Marcos 4:11, ele afirma abertamente: “A vós é confiado o mistério do reino de Deus, mas aos defora tudo se lhes diz por parábolas Esse método de ensino fechado e aberto é comum nas antigas escolas de mistérios e entre professores espirituais em todas as culturas.

Nos evangelhos Gnósticos, encontrados emNag Hammadi,* no Egito, em 1945, há várias referências a Maria Madalena. De fato, um dos textos, o Evangelho de Maria, era dedicado a ela. Ele alega que foi escolhida por Jesus como sua representante entre os discípulos. É por esse motivo que o evangelho diz que Pedro a temia e odiava, pois ele acreditava que iria suceder Jesus. No Evangelho Gnóstico de Felipe, há uma descrição de Jesus beijando uma discípula, identificada como Maria, porque ele a amava mais que a todos os outros discípulos. No mesmo evangelho, ela é descrita como sua companheira e no original grego isso significava uma parceira ou uma amante. Ela também foi descrita como uma iluminatriz e iluminadora chamada Maria Lucífera, a portadora da luz, a doadora da iluminação por meio da união sexual sagrada. (Picknett ePrince, 1997:259)

No confuso período imediatamente posterior à crucificação, a Igreja nazarena em Jerusalém, liderada por um dos irmãos de Jesus, Tiago, o Justo, enredou-se em conflito com grupos cristãos rivais e o sacerdócio judaico. Alguns dos gmpos rivais, incluindo a facção criada por Paulo, queriam divulgar os evangelhos para os pagãos. Os seguidores de Tiago, entretanto, continuavam seguindo costumes judaicos. Realmente, a insistência de Tiago de que ele era um rabino judeu legítimo eventualmente o levou a ser apedrejado até a morte por blasfêmia. Um dos primeiros convertidos cristãos, José de Arimatéia, que havia persuadido seu amigo Pôncio Pilatos a ceder o corpo de Jesus para ser sepultado em sua tumba particular, foi preso quando suas crenças se tomaram conhecidas. Após sua soltura, ou fuga, dizem que José percorreu o país com Maria Madalena, a irmã dela Marta e o irmão Lázaro. De acordo com o chamado Documento Montgomery, que pertence a uma antiga família escocesa, Maria, descrita como esposa de Jesus, também foi presa pelos romanos. Eles a soltaram, aparentemente, porque ela estava em avançado estado de gravidez. No documento, Maria é chamada de sacerdotisa de um culto de mulheres. Podem ter sido os nazarenos, mas sugere algum tipo de grupo ou religião pagã.

A princípio, como a Família Sagrada antes deles, José, Maria e os parentes dela fugiram em busca de abrigo no Egito. Em seguida, velejaram para o sudoeste da França onde aparentemente Maria, Marta e Lázaro decidiram ficar. José seguiu viagem até a Grã-Bretanha, onde ele tinha contatos desde os dias em que era um comerciante de estanho e mercador de metais. Existe a famosa lenda de West Country que diz que José trouxe seu sobrinho Jesus para a Grã-Bretanha como um jovem a ser iniciado nos mistérios druidas. Também se diz que a avó materna de Jesus, Santa Ana, era na verdade uma princesa de uma tribo Silure no sul do País de Gales. Quando José chegou na Grã-Bretanha, dizem que ele trazia consigo o Santo Graal e que foi posteriormente enterrado em GlastonburyTor.

Maria chegou ao pequeno vilarejo francês de Les Saintes Maries de la Mer (Santa Maria dos Mares), na área de Carmargue. 

Quando Maria chegou, dizem que ela estava acompanhada por uma jovem criada chamada Sara ou Sarah. Em hebraico, esse nome significa “princesa” e hoje os ciganos continuam celebrando o festival em que a chamam de “a Rainha Negra”. Uma imagem da Madonna Negra é carregada pelas mas e acredita-se que ela representa Santa Sara ou Madalena. Quando a Igreja romana celebra o dia de Santa Maria Madalena, é feita uma leitura da Canção das Canções, referindo-se à noiva em busca do seu noivo, de quem foi separada (como ísis de Osíris). Aparentemente, Sara era a filha de Jesus e Maria.


Alguns relatos dizem que eles também tiveram uma segunda criança, um menino chamado Tiago, que tinha 2,5 anos na época da crucificação. Seu tio paterno, Judas Tomé, o São Tomé dos evangelhos, tomou-se seu guardião após Maria ser forçada a se exilar no deserto egípcio. Judas Tomé levou seu sobrinho até Compostela, na Espanha, que mais tarde se tomou um local de peregrinação famoso dedicado ao apóstolo São Tiago. O interessante é que esse São Tiago de Santiago de Compostela era o santo protetor dos físicos e alquimistas. E por isso que no século XV o alquimista Nicholas Flamel fez uma peregrinação especial até o túmulo dele.

Uma antiga tradição cristã diz que São Tiago derrotou Hermes Trismegisto e roubou todo o seu conhecimento secreto. Na tradição esotérica, dizia-se que a rota para Santiago representava a Via Láctea, e o peregrino ou viajante que a seguia representava o viajante divino Hermes- Mercúrio. De fato, alguns dos peregrinos que para lá viajaram na Idade Média não o fizeram por devoção cristã, mas por causa da iluminação hermética oferecida pelos ocultistas judaicos e árabes na Espanha Moura. Simbolicamente, eles estavam procurando possuir a estrela do latino compás, ou posse, e stella ou estrela. (Roob, 1997: 700-707)

Maria Madalena eventualmente se mudou para Marselha e em seguida para Aix-on-Provence. Ali, ela evangelizou por muitos anos antes de se tomar uma eremita em uma caverna, anteriormente associada à adoração pagã de Diana-Lucíferas, onde ela faleceu. No final do século XIII, o conde de Provence, Charles II, alegou ter descoberto o corpo dela na cripta de St. Máxime la Baume. Um crânio envolto em uma máscara dourada que supostamente pertenceu a Maria continua sendo carregado pelas mas no dia do seu festival. A caverna na qual ela morreu se tomou um lugar de peregrinação para o gremio maçônico medieval conhecido como Crianças de Salomão. Hoje os seus sosias modernos, a Companhia da Volta da França, continuam realizando essa peregrinação como parte de sua iniciação.

Na Idade Média, os heréticos Cátaros também conheciam Maria Madalena como esposa de Jesus. Foi dito que esse é um dos motivos pelos quais a Inquisição os perseguiu até a sua extinção. Maria foi uma das santas especiais dos Cátaros, e eles sempre comemoraram o seu dia em 22 de julho. Provavelmente não foi coincidência que os cruzados cristãos tenham escolhido assassinar 20 mil habitantes da cidade francesa de Beziers naquele dia em 1209.0 crime deles foi abrigar heréticos Cátaros dos grupos de busca cruzados.

Mesmo que o Priorado de Sião seja uma farsa moderna e que a lenda de uma linhagem de sangue física de Jesus tendo sobrevivido na Idade Média seja demais para ser considerada, ainda ficamos com os traços de uma herança espiritual poderosa. O conceito do sangue sagrado, o mito antigo do rei divino casado com uma deusa da terra e a encarnação recorrente do Senhor da Luz na Terra, é um tema mítico que não pode ser facilmente descartado ou ignorado.