quinta-feira, 1 de junho de 2023

Luciferianismo - O Senhor Da Estrela Da Manha

Na Biblia, existe apenas uma referência explícita ao arcanjo e ser celestial conhecido popularmente como Lúcifer. Em Isaías 14:12, o profeta diz: “Como caíste do céu, ó Lúcifer, filho da manha Essa frase tem sido vista por alguns estudiosos bíblicos como uma referência a um rei da Babilonia e sua queda do poder. Hoje o nome Lúcifer se tomou intercambiável com o demonio cristão Satã, mas uma análise cuidadosa desse ser divino sugere que ele tem pouco ou nada a ver com esse conceito dualístico de mal cósmico. Como Aleister Crowley disse: “Essa serpente, Satã, não é o inimigo do Homem, mas Ele que fez Deuses de nossa raça, conhecendo o Bem e o Mal; Ele ordenou ‘Conhece a Ti Mesmo! ’ e ensinou a Iniciação” (Magick in Theory and Practice).

Uma visão alternativa de Lúcifer também pode ser encontrada em Aradia: o Evangelho das Bruxas, compilado pelo folclorista americano na década de 1890. Uma bruxa toscana chamada Maddalena supostamente forneceu o material desse livro para Leland e alegou seguir tradição familiar hereditária no norte da Itália. Essa tradição de magia parece ter sido uma combinação rica do paganismo etrusco e romano ainda existente e de magia popular revestida com um toque de Cristianismo e elementos gnósticos. Essa tradição é única se a compararmos com a Wicca moderna em seu ponto de vista anticristão, com Cristo e a Virgem Maria sendo rejeitados como “falsos deuses”. No Evangelho, a bruxa é enaltecida a dizer aos membros do clero que “Seu Deus, o Pai e Maria são três demonios (..) porque o verdadeiro Deus, o Pai, não é o seu”.

No primeiro capítulo do livro, é contada a historia de como a deusa clássica romana da Lua e da caça Diana engravidou e deu à luz uma filha chamada de Aradia ou Herodias. É assim contado: “Diana amava muito o seu irmão Lúcifer, o deus do Sol e da Lua, o deus da luz (esplendor), que era vaidoso por sua beleza, e que pela sua vaidade foi expulso do Paraíso. Diana teve com seu irmão uma filha, a quem eles deram o nome de Aradia (ou também Herodias)”. A missão de Aradia era encamar na terra e ensinar aos camponeses oprimidos pelo sistema feudal as artes mágicas, para que eles pudessem combater os nobres corruptos e os padres maldosos. Nas palavras de Diana para sua filha: “É verdade que você é sem dúvida um espírito, mas você nasceu para se tomar uma mortal novamente. Você deve ir à Terra abaixo e ser uma professora para mulheres e homens que têm anseio de estudar bruxaria em sua escola.’’’

Diana diz a Aradia que ela nunca será como a “filha de Caim” ou os Judeus e ciganos que vagam pela Terra. Curiosamente, o Evangelho também possui uma conjuração de Caim, que dizem estar preso na Lua. Na tradição esotérica, a Lua é observada às vezes como o lugar aonde os espíritos dos mortos vão, como uma escala para o mundo espiritual. Caim é descendente de Vigias e aqui ele é intimamente associado tanto a Lúcifer quanto a uma deusa da Lua pagã em um mito que é uma variação da história dos anjos caídos.

O Evangelho também inclui um mito de criação, envolvendo Diana e Lúcifer, que possui alguns aspectos gnósticos impressionantes e elementos sobre Vigias. Ele afirma que Diana foi criada antes de toda a criação e “nela estavam todas as coisas”. A partir dela mesmo, as trevas iniciais, ela se dividiu em luz e trevas.

Lúcifer, descrito como seu irmão, filho e outro eu, era a luz. Quando Diana viu a luz, esta era tão bonita que Diana imediatamente se apaixonou por ela. A deusa queria receber a luz de volta dentro dela e tremulava de desejo. Esse desejo foi a aurora. Infelizmente, Lúcifer, como um rato diante de um gato, fugiu dela.

De acordo com o Evangelho, Diana foi consultar “os pais e as mães do Começo”. Eles são descritos como “os espíritos que existiam antes do primeiro espírito”, soando como versões dos Deuses Antigos. Eles disseram a ela que, para conquistar o coração de Lúcifer, ela deveria descer à Terra e se tomar uma mulher mortal. O Evangelho prossegue dizendo que, depois que a Terra foi criada e Lúcifer caiu do Céu, Diana encarnou em forma humana. Ela ensinou magia e feitiçaria “às crianças da Terra”. Dos ensinamentos dela, surgiram todas as bruxas e também as fadas e os duendes.

Naquela época, Lúcifer tinha um gato de estimação que ele amava sobre todas as outras criaturas e dormia com ele em sua cama todas as noites. Diana mudou sua forma para a forma do gato e engatinhou para a cama de Lúcifer. Uma vez na cama, ela voltou para forma humana e fez amor com ele. Quando Lúcifer acordou de manhã, ele percebeu o que tinha acontecido e que a luz tinha sido conquistada pelas trevas. Ele ficou muito bravo, mas a deusa o acalmou com um feitiço poderoso chamado Canção da Noite. Ela cantarolou a canção com os lábios fechados, parecendo um zunido de abelhas, um peão ou uma roda de fiar. E Diana esticou todas as vidas dos homens em sua roda de fiar (A Roda da Fortuna no Taró), e era o encantado e fascinado Lúcifer que rodava a alça.

Uma versão levemente diferente da descrita é dada pelo mago hermético do século XVI Giordano Bruno, que foi martirizado pelas suas crenças pagãs pela Inquisição em 1600. Ele disse: “Vão épossível ver o Sol, o universal Apollo, luz pura, em sua melhor e mais alta forma. E possível, no entanto, ver a sombra dele, a Diana dele, o mundo, o Universo, a natureza, que está dentro das coisas [o anima mundi ou ‘espírito do mundo’], que é a luz dentro das trevas da matéria, brilhando nas trevas.” (citado em Couliano, 1987:75-76)

Poucos Wiccanos modernos que leram o livro de Leland indagaram sobre por que as bruxas italianas do século XIX deviam aceitar Lúcifer - identificado como o Satã na demonologia Cristã - como o companheiro da deusa bruxa Diana e o pai de Aradia. Na verdade, Aradia foi um dos nomes da deusa usado originalmente na Wicca Gardneriana. Uma resposta possível é que neo-pagãos e Wiccanos modernos são extremamente paranóicos sobre qualquer coisa que possa arruinar a imagem pública de “luz branca” deles, por associar suas tradições com algo popularmente percebido como “Satânico” ou de “adoração demoníaca”. Ainda, em alguns círculos tradicionais de magia, Lúcifer é venerado com o salvador e redentor da raça humana.

A tradição Luciferiana tem pouco em comum com a heresia cristã do Satanismo, especialmente em suas manifestações juvenis, em nossa sociedade moderna. Na mitologia hebraica, um satã era um anjo tentador menor enviado por Javé para testar a fé das “pessoas escolhidas”. No Livro dejó, Satã é descrito como um dos “filhos de Deus” (anjos), e ele aparece diante do trono de Deus com todos os outros. Javé envia Satã para a Terra para testar Jó e ver se ele iria amaldiçoar seu Deus (2:3-6). No Novo Testamento, Satã aparece para tentar e testar Jesus durante sua provação iniciática no deserto. Considerando a verdadeira identidade do Cristo, Satã e Lúcifer são necessariamente duas entidades diferentes.

Foi somente com o estabelecimento político da Igreja em seus primórdios e sua demonização dos antigos deuses pagãos que Satã é confundido com o mito do anjo caído. Esse mito tomou como bases as ideias dualísticas do Zoroastrismo e a heresia Maniqueísta sobre a luta entre as forças da luz e os poderes das trevas. Ele criou uma personificação satânica de mal cósmico que, às vezes, na Idade Média parecia mais poderosa que o próprio Deus. Lúcifer não é uma figura satânica que conduz a humanidade para a tentação e o mal. Ele é o “guardião do Tempo e da Eternidade” e “o anjo de Deus (que) se rebelou contra a ordem cósmica estática e estabelecida e colocou em movimento as forças da mudança e evolução que também implicam morte e destruição.” (Flowers, 1990:43-44) Madame Blavatsky o descreveu como “a entidade angelical regendo sobre a luz da Verdade como se fosse sobre o dia de luz”. Ela ainda diz: “Lúcifer, ou Portador da Luz, está em nós; é a nossa mente, nosso tentador e redentor, nossa inteligência e salvador do animalismopuro” (1893, Volume II: 539-540). Ele é o primogênito da criação, o Logos Solar, a energia fálica do Sol que vitaliza e sustenta a Terra.

É possível que Lúcifer possa ter surgido em Canaã como Shahar, o deus da Estrela da Manhã. Ele tinha um gêmeo chamado Shalim, que também era Vênus, mas como a Estrela Vespertina. Esses gêmeos divinos representavam a luz solar na aurora e no crepúsculo e seu ciclo de (aparente) morte e renascimento a cada dia. Eles eram os filhos da Grande Deusa Mãe, Asherah, e há evidência arqueológica de que sua adoração foi adotada pelos hebreus. O Velho Testamento tem diversas referências à adoração da deusa como a Rainha do Céu em santuarios construidos em colinas e em bosques sagrados. Sugeriu-se que ela foi por um período considerável a consorte de Javé, embora a ortodoxia se esforce em dizer que, após Moisés e o incidente com o Bezerro de Ouro, os Israelitas tomaram-se monoteístas fervorosos.

No mito canaanita, Shahar, o Senhor da Estrela da Manhã, foi lançado do Céu na forma de um raio, que fertilizou a Mãe Terra. Ele foi associado ao deus da tempestade assírio-babilônico Zu, que foi punido por ter roubado as Tábuas do Destino. Estas foram dadas pela Grande Deusa Mãe Tiamat para seu primogénito, o pai dos Deuses. Zu planejava usar os oráculos divinos para dominar os espíritos ou deuses do Céu. A própria Tiamat era conhecida como a “rainha dragão”. Ela foi gerada nas profundidades do oceano e deu origem a uma raça de homens-serpentes. Serpentes sempre foram associadas a Lúcifer e aos anjos caídos.

Como o arauto do amanhecer, Lúcifer pode ter sido o filho/amante da deusa do amanhecer Aurora, que era conhecida por muitos nomes nas culturas indo-européias. Ela foi a filha do acasalamento de um Titã e a Mãe Terra. Os gregos representavam o arauto do amanhecer como um jovem radiante cruzando o céu da manhã em um cavalo branco. Seu gêmeo das trevas, Vênus como a Estrela Vespertina, anunciava a “morte” do sol no crepúsculo. Entre eles, existe o mistério eterno do balanço cósmico entre luz e escuridão que se encontra no centro da criação.

O mito do Velho Testamento do Jardim do Éden e de como a primeira mulher e mãe da humanidade foi supostamente seduzida pela serpente perversa foi também usado pelos padres da Igreja em seus primordios para desonrar Lúcifer e taxá-lo como Satã. Durante a caça às bruxas na Europa, teólogos tentaram dar explicações sobre o número de mulheres acusadas dizendo que, “como o Diabo, já que ele primeiro tentou Eva, era propenso a oferecer seus Engodos a tais paladares, pois elas são mais desejosas em experimentar Frutos proibidos; e mais negligentes em Questionar a Natureza daquilo que elas Engolem”

(Richard Bovet 1684). A doutrina Católica medieval também acusava as mulheres, especialmente aquelas que eram acusadas de bruxaria, de terem relações com íncubos ou demonios masculinos. Isso novamente se associa à lenda dos Vigias e sobrevive hoje no folclore como os “casamentos de fadas” entre humanos de ambos os sexos e o Povo Bom.

Embora a serpente no mito edênico geralmente fosse identificada com Satã e lembrada como uma criatura maligna, em muitas sociedades não-cristãs, ou que existiram antes do Cristianismo, a serpente não era vista sob esse ponto de vista. Como veremos mais tarde neste livro, quando examinarmos o mito do Jardim do Éden mais detalhadamente, os gnósticos consideravam a serpente como a encarnação do conhecimento, da sabedoria e do esclarecimento. Ao contrário de ser uma criatura maligna, ela era vista como uma libertadora que “abriu os olhos” de Adão e Eva para a realidade do Universo e de suas maravilhas.

A serpente é um símbolo antigo para o poder fálico solar, que é associado a Lúcifer. Quando Adão e Eva perceberam que estavam nus e correram para cobrir seus genitais, eles se tomaram conscientes do “poder da serpente”, que pode ser criado pela relação sexual e outros atos sexuais não reprodutivos. Se for controlada por um mago experiente, a serpente ou a força sexual pode ser usada para fins mágicos e como um auxílio para alcançar a gnose ou o autoconhecimento. Esse foi também o começo do ciclo de nascimento, vida, morte e renascimento, pois “com a procriação a morte veio, mas claro que sem morte não há mudanças nem evolução. Então a abertura do portão da morte, o ato de ‘afundar na matéria ’, era um passo necessário para ligar o homem ao fluxo por meio do qual o Paraíso pode ser recuperado. Mas dessa vez a humanidade vai fazer isso de forma consciente e de própria vontade, ganhando então vida e sabedoria eternas. Dessa forma, o homem, verdadeiramente, tornar-se-á seupróprio deus”. (Flowers, 1990:56)

O mito do Éden, Eva e a serpente é também o mito da Queda humana, que é o fim da “Era de Ouro” inicial de harmonia cósmica e a inocência original que pode ou não ter existido. É a destruição simbólica de um paraíso terreno ou de outro mundo no qual animais e humanos viviam juntos, em paz e contentamento, falando uma língua universal. Em termos Xamânicos, isso é chamado de a Grande Separação, quando os humanos não sabiam ou não entendiam mais como falar a língua dos animais. Ele intimamente se iguala e está conectado com a Queda de Lúcifer do Céu para se tomar o Senhor Deste Mundo. Foi a intervenção deliberada dele na evolução humana em desafio à ordem cósmica, e não por qualquer pecado de vaidade ou tentativa de usurpar a autoridade divina, que o fez cair em desgraça. O único crime de Lúcifer e seus anjos caídos foi querer ajudar a humanidade a progredir tanto espiritualmente quanto materialmente.

O líder dos Vigias ou anjos caídos era Semyasa ou Azazel - “separado de Deus”. O nome dele aparece no Velho Testamento e está associado ao bode expiatório sacrificado como uma “oferta pelo pecado” por Arão e lançado ao deserto para morrer. Por esse sacrifício, o bode era oferecido a Azazel e levava os pecados da tribo.

O sacrifício é descrito com certo detalhe. Dois bodes eram escolhidos, e era tirada a sorte para escolher um para Javé e um para Azazel. O animal escolhido para Javé era morto, mas o bode de Azazel, o bode expiatório, era solto no deserto onde supostamente o anjo caído residia com seus demônios em forma de bode, os Seirim. Antes de ser mandado para o deserto, Arão, como sumo sacerdote, colocava suas mãos sobre a cabeça do bode e confessava todos os pecados dos israelitas. No Livro de Enoch, Semyaza-Azazel foi acusado por Javé de revelar para a humanidade “todas as coisas secretas que estão no Céu”. Por causa desse crime, Azazel foi expulso do Céu e deixado para vagar pelo mundo.

Azazel foi uma forma inicial do rei de sacrifício ou divino que tinha de morrer para que a terra pudesse ser tratada e fertilizada. O simbolismo do rei sagrado é muito antigo e poderoso. Originalmente, o detentor do cargo morrería ao fim do seu reinado predeterminado. Ele simbolicamente se acasalava com Soberania, ou a deusa da terra, no “casamento sagrado” antes de ser ritualisticamente morto, e seu sangue era usado para fertilizar as plantações. Um exemplo famoso do rei sagrado foi o guardião do bosque sagrado de Diana na Itália clássica. Conhecido como Rex Nemorensis, ou “Rei da Floresta”, ele tinha de lutar com um desafiante ao seu cargo a cada sete anos para ter a posse do célebre “ramo de ouro” de uma árvore de carvalho no bosque. 

Nas demonologias hebraica e árabe, Azazel era conhecido como o pai dos djinns ou jinns (espíritos), que geralmente se acreditava que moraram nas regiões áridas e desertas. Como vimos, ele também era o líder dos Seirim. Estes eram demônios na forma de sátiro ou meio humano e meio bode. Não é coincidência que uma das formas tomadas pelo Deus Comífero no sabá das bruxas era a de um bode preto. É também uma das diversas formas tomadas pelo Baphomet, o deus supostamente adorado pelos heréticos Cavaleiros Templários que, de acordo com o que se acredita, obtiveram informações secretas do antigo “conhecimento proibido” dos hebreus e árabes no Oriente Médio.

No que diz respeito ao Igrejismo, um dos maiores crimes de Azazel- Lúcifer e dos anjos caídos foi ensinar para as mulheres as artes mágicas. Os Vigias escolhiam fêmeas humanas como suas alunas na Arte porque Lúcifer sempre preferiu ensinar mulheres. Paul Huson disse: “São os Vigias, os Poderosos dos Locais Celestiais, os pais dos gigantes e dos humanos também, como vistos em forma simbólica e arquetípica como os pais da humanidade, seja como mestres de sabedoria e amor ou simplesmente como poderes benevolentes de fertilidade e caça, que formam as entidades verdadeiras da bruxa’'Explícitamente, Huson afirma: “Azael ouAzrael é um dos deuses modernos da bruxa" (1970: 10-12).

O britânico Huson escreveu três livros muito bons sobre bruxaria, herbalismo e Tarô na década de 1970. Enquanto viveu nos Estados Unidos, ele se tomou um roteirista em Hollywood e, supostamente, fundou vários covens, que permaneceram secretos. Ele foi, conforme o que algumas pessoas alegam, um iniciado de uma tradição inglesa de magia que tinha uma linhagem do século XVI. Parecida com grupos existentes, conhecidos pelos autores, ela combinava magia tradicional com magia cerimonial e uma filosofia gnóstica Luciferiana. O fato de Huson, em seu livro sobre a Arte, recomendar aos aspirantes a Magos que recitassem o Pai- Nosso ao contrário como parte da iniciação solitária deles causou alguma controvérsia. Isso e o conteúdo mágico do livro levaram alguns Wiccanos ignorantes e intransigentes a condenar a publicação como “Satânica”. Na verdade, tudo o que Huson estava fazendo era desprogramar culturalmente o pretenso iniciado e quebrar os grilhões que o prendiam ao condicionamento cristão de sua infância. Isso é relativamente uma técnica gnóstica legítima. Com toda essa confusão, os comentários perceptivos de Huson sobre os Vigias e o importante papel deles na bruxaria tradicional foram amplamente negligenciados.

Huson mencionou a tradição Cabalística em que Naamá, a irmã de Tubalcaim, seduziu Azazel. Naamá era associada à filha ou á forma mais jovem da deusa sumério-hebraica da Lúa negra Lilith. Ela também era associada a outras deusas médio-orientais, incluindo Ishtar da Babilonia, Innana da Suméria e Astarte da Fenicia. Seu irmão Tubalcaim é descrito como Uum artífice de cobre e ferro” (Génesis 4:22). Em termos lendários, ele é um dos avatares de Azazel-Lúcifer e um dois reis sacerdotes da linhagem de seu ancestral Caim (Fesold 1990:69). Huson identifica Tubalcaim e Azazel com o deus sol babilónico Shamash em sua aparência do mundo subterráneo como o Senhor das Riquezas e o Artífice de Metais.

Na magia angelical moderna, Azazel ou Azrael é o regente do re- cém-descoberto (1930) planeta Plutão, o deus romano do tesouro escondido e do mundo subterráneo, e ele é também o Anjo da Morte. No Livro de Enoch, Azazel é descrito como o anjo caído que fez espadas e outras armas para os humanos. Essa é uma imagem de VulcanoAVayland do forjador de metais que fabrica as armas dos Deuses. Curiosamente, Azrael também ensinou para as mulheres a arte dos cosméticos. Ele parece estar associado ao “encanto” mágico da atração sexual usado pelas bruxas no correr dos séculos e, pelo seu relacionamento com Naamá, a figura da mulher fatal.

É consideravelmente óbvio que, nas historias dos anjos caídos, no Jardim do Éden e no Dilúvio estamos lidando com mitos alegóricos que antecedem a religião hebraica. Sabemos que eles constituíram sua mitologia adotando elementos de outras culturas semitas no Oriente Médio antigo, que eles encontraram e conquistaram ou por elas foram conquistados. Personalidades do Velho Testamento, como Moisés e José, parecem ter sido iniciados das escolas de mistérios egípcias, e os exílios dos hebreus no Egito e na Babilônia os colocaram em contato com outras mitologias. Os hebreus também adotaram a adoração de vários “deuses estrangeiros” em Canaã, e há várias referências sobre esse fato no Velho Testamento. Mesmo o termo Elohim, usado para descrever Javé no Gênesis, é uma palavra no plural que significa “os Deuses” ou “Deuses e Deusas”. A versão confusa do mito da criação dos hebreus deixa claro que o primeiro homem e a primeira mulher lendários foram feitos à imagem dos Deuses. Como já vimos, os hebreus copiaram, inclusive, o conceito de anjos de fontes caldéias, assírias, sumérias e egípcias.

No Cristianismo esotérico (ou seja, a forma verdadeira da crença cristã que a Igreja tem tentado reprimir, censurar e perseguir no decorrer de séculos manchados de sangue), Lúcifer representa um papel interessante e único como uma suposta figura satânica do mal. Uma lenda, documentada no romance sobre o Graal do século XIII intitulado Parsifal, alega que o Santo Graal, o cálice usado na Última Ceia por Jesus, foi entalhado a partir de uma esmeralda que caiu da testa ou coroa de Lúcifer durante a guerra no Céu. Supostamente, ou essa pedra foi trazida para a Terra por anjos rebeldes que foram banidos do Céu por não apoiar o lado de Deus ou ela “caiu como um meteorito” enquanto Lúcifer estava lutando com São Miguel. Essa pedra verde alegadamente pertenceu ao Rei Salomão, o filho do Rei Davi e uma personalidade importantíssima na tradição Maçônica e Templária. Depois ela chegou a José de Arimatéia, um mercador rico, que era o tio e o pai adotivo de Jesus depois da morte de seu velho pai. José é descrito como um comerciante de metais e um “artífice de metais”, e foi a pessoa que entalhou a esmeralda Luciferiana, transformando-a em um cálice que ele deu para o seu sobrinho.

O Novo Testamento descreve como um centurião romano golpeou a parte lateral do corpo de Jesus com sua lança enquanto ele estava sendo pregado à cruz. Sangue e água fluíram abundantemente da ferida. Esse é o tão chamado sang rael ou “sangue sagrado”, e ele simbolicamente representa a linhagem hereditária de Jesus. A lança usada para matar Jesus como o bode expiatório ou rei divino sacrificado não era uma arma comum. Supostamente, ela era o símbolo oficial do rei judaico e pertenceu a Salomão. Tubalcaim, cujo nome significa “lança” ou “arpão”, tinha forjado a cabeça daquela lança com ferro de meteorito. O antigo clã de Caim, conhecido popularmente como “o povo do fogo”, era composto de ferreiros hereditários e sacerdotes sacrificatorios da Grande Deusa do Oriente Médio. Eles eram também chamados de “os bons pastores”, título dado aos deuses da vegetação sacrificatorios da região. Eles incluíam Adônis, Átis, Baal, Tamuz, Osíris e Jesus. (Walker, 1983:132-134)

Diz-se que, quando a esmeralda caiu da testa de Lúcifer, ela deixou uma cicatriz. Essa era a também conhecida “Marca de Caim”, que pode ser vista nas auras daqueles que possuem o antigo “sangue bruxo” ou “sangue élfico”. Esses indivíduos são aqueles que são física ou espiritualmente (por encarnação da alma através de vidas passadas) descendentes dos Nephilim nascidos a partir dos casos amorosos entre os Vigias e os humanos. A Marca de Caim foi dada ao primeiro assassino por Javé para protegê-lo de outros seres humanos. Ela também tem o objetivo de separar Caim e seus familiares do resto da raça humana (Gênesis 4:15).

O mestre de bruxaria moderna Andrew Chumbley, do clã tradicional de bruxaria do Cultus Sabbati, que segue um mito Cainita, declarou que, por meio da gnose Luciferiana: “A humanidade poderá incorporar a verdade do Absoluto e então chegar ao estado de Unidade Divina”. Ele acrescenta que “escondida dentro do mito [da Queda, Lúcifer e os fühos de Caim] há uma doutrina iniciática a respeito da natureza da Divindade e da evolução do homem." (1996:70-71) Esses comentários são baseados na crença esotérica de que o próprio progresso de Lúcifer está tão próximamente alinhado à evolução humana por meio da intervenção dos Vigias que a descoberta pessoal do Graal, em um sentido metafísico no nível interior, terá uma repercussão profunda tanto no nosso progresso espiritual quanto na redenção e restauração dos anjos rebeldes aos seus lugares de direito na ordem cósmica.

Nós percorremos um longo caminho desde a história de amor entre Diana e Lúcifer até os simples camponeses, que iniciaram este capítulo. Talvez não, pois, apesar de parecer simples, a história encapsula o mistério cósmico da “luz nas trevas” que está no centro do mito dos Vigias. Nos textos da medieval Ordem da Rosa-Cruz ou Rosa-cruzes, está escrito que a luz e as trevas são idênticas. Elas só podem ser divididas pela mente humana, que as transforma em dualidades opostas. O alquimista, astrólogo e Cabalista do século XVII Robert Fludd disse: “As trevas receberam a iluminação para que pudessem fazer-se vistas”. Infelizmente, a Igreja jamais compreendeu esse fato simples e criou uma fé sobre uma falsa dualidade a partir dos ensinamentos de seu fundador, que resultou na morte brutal de qualquer um que ousasse contrariá-la.

Madame Blavatsky, referindo-se às doutrinas do ocultismo ocidental, alegou que “As trevas são a única realidade verdadeira, a base e a raiz da Luz, sem a qual essa última jamais podería se manifestar, nem mesmo existir. A Luz é a matéria e as Trevas são espírito puro. As trevas, em sua base radical e metafísica, são Luz subjetiva e absoluta. Ao passo que a luz, em todo seu esplendor e glória aparente, é meramente uma massa de sombras, pois nunca poderá ser eterna e é simplesmente uma ilusão ou o Maya”. (1893, Volume I: 99)

A tradição esotérica ensina-nos que, até encontrarmos o Graal, e é preciso deixar bem entendido que não se trata de um objeto físico nesse continuum de tempo-espaço, Lúcifer deve representar o seu papel de rei sacrificatorio. Ele está condenado a encamar em uma “capa de pele” como um avatar para a raça humana, e pagar o preço supremo, como um bode expiatório em favor da humanidade. Esse é o sacrifício supremo por ter sido o portador da luz que trouxe do Céu a iluminação da sabedoria gnóstica e o fogo original da criatividade. Lúcifer eternamente morre e é renascido no intuito de salvar a humanidade de si mesma. Conforme a raça humana progride espiritualmente, ele pode lentamente subir a Escada de Luzes de volta ao reino dos Deuses além da Estrela Polar. Ele é o Senhor da Estrela da Manhã e a Lux Mundi (Luz do Mundo), cujo renascimento da escuridão celebramos todos os anos no solstício de inverno.