sexta-feira, 2 de junho de 2023

Luciferianismo - Fora Do Espaço e Do Tempo

Uma legítima compreensão dos mistérios dos Vigias ou dos Caídos e, consequentemente, da paternidade de seus descendentes gigantes depende do entendimento de certas doutrinas profundamente secretas. Essas doutrinas enunciam uma metafísica de liminaridade que define todo o Absoluto como o Outro, estando situada além de nossos horizontes terrenos humanamente condicionados de percepção e atividade mental. As águas primárias, representadas pela letra hebraica Nun, alongando-se de forma desconhecida em direção à infinidade perto da “bolha” finitamente delimitada do mundo-ilha, oferecem tal paradigma. Ele sugere o abismo antigo do firmamento oculto como a origem e a fundação de todas as coisas, a origem não manifestada do manifestado, de onde toda a criação surge e sobre a qual ela repousa.

Outra metáfora é aquela das Terras Despovoadas, a antiga terra incógnita, ou “terra oculta”, cercando o Cosmos finito, um reino diferente da experiência normativa e totalmente contrária aos estados comuns de consciência. Elas são o domínio das bestas e dos espíritos, aquelas máscaras em forma de animais do Outro Lado do ser que são feições verdadeiramente não-humanas dos Antigos ou Deuses Antigos - os “Deuses de Fora”. No mundo da realidade visível, o uso de máscaras de animais em rituais tem sempre sido um método de conseguir contato com as formas atávicas de deus. Na tradição oculta e nas religiões antigas, os animais eram considerados como “as primeiras formas percebidas” da corrente primária de consciência que provêm de uma fonte extraterrena. Eles eram, na verdade, a forma primária das energias cósmicas ou “deuses”, suas formas de deus prosaicas e a suposição, mais tarde, de que o uso dessas formas pelo homem foi um meio mágico de contatar o fluxo de consciência que primeiro penetrou este planeta a partir de “fora”. (Grant, 1973:16- 17) Isso sobreviveu na representação simbólica dos deuses antigos egípcios, em forma humanóide, mas com as cabeças de seus respectivos totens animais sagrados.

As Terras Desoladas são o lugar desconhecido pelos humanos habitado por demônios, espíritos e o Deus Antigo. Elas também são o vácuo imprevisível dos “espaços externos”. Com isso, o ciclo anual de estações, conhecido como a Roda do Ano, encapsula uma execução repetida da re-emergência rítmica, o término e a renovação do mundo a partir daquele território incompreensível do Ser (o Primeiro Existente), a cúspide do Ano-Novo representa a re-absorção do Todo em Um. É o interstício liminar, ou vácuo vazio, que se abre além da temporalidade serial e as dimensões regionais no “tempo entre tempos”. Não é coincidência que no uso popular os Doze Dias (o período entre o solstício de invemo/Natal e Ano-Novo) são marcados por celebrações desordeiras e anárquicas representando “Senhores da Desordem”, transvestismo, doces ou travessuras, o uso de máscaras de animais e todas as formas de “ações abagunçadas”. Essa “Grande Sensação de Não Ser Nem Uma Coisa Nem Outra” significa a negação absoluta e total dos limites condicionais, convenções e definição aparente entre este mundo e o Outro. É a destruição das divisões ilusórias entre estados de entidade na suprema Teose13 e o Grande Mistério da magia antiga. Nessa divisa liminar, as fronteiras que usualmente separam vida e morte, passado e futuro, dentro e fora, humano e não-humano parecem ter desaparecido ou parecem que nunca tiveram uma realidade intrínseca. Há uma reversão ao estado original de não-dualidade do ser, a sublime fonte não manifestada de toda a manifestação. 

O Livro de Enoch conta-nos que, depois da Queda, o anjo Azazel foi enviado para habitar o deserto mais distante, o deserto de Dudael, além do “limite do mundo”. Esse é o exílio do excluído e do banido. E Azazel e seus companheiros demonios são concebidos como quem caracterizam a natureza da pura Diversidade, como “assombradores dos espaços extemos”. Isso é visto na oferta ritualística do bode expiatorio sacrificatorio para Azazel, que até o ano 70 d.C. era enviado na vastidão do deserto no Ano-Novo Judaico. As terras temíveis, quase literalmente as “terras erodidas e inférteis”, que se situam “do lado de fora”, desprovidas de presença humana, por comparação análoga são um exemplo perfeito do reino do deus com máscara de bode, o Comífero, o Grande Vigia peludo das Térras Desoladas, com sua comitiva endemoninhada de entidades hirsutas, semi-animais, semi-homens, conhecidas como seirim ou “peludos”.

Ligada a esse padrão metacósmico, encontra-se a antiga divisão da terra antiga do Egito - e por reflexo o Universo - em Kmt, a Terra Negra que é produtiva com as férteis lamas do Nilo e cultivada por humanos, e Deshret, a Terra Vermelha (Desher = vermelho), o deserto ao sul governado pelo Vermelho. Ele é o forasteiro ou estrangeiro divino Seth. Uma raça peluda de bode, conhecida como os serau, era sagrada para Seth e o ligava tanto com Azrael/Azazel quanto com o centro de adoração de bodes em Mendes. G. Hart menciona que Seth era acompanhado de bodes, sacrificados em Busiris, cujo sangue era derramado sobre a terra.

Seth, Set ou Sut significa quase literalmente “preto” e é, às vezes, chamado de “o negro” ou “o queimado”. Essa é uma referência críptica dupla ao Egito, como Khem ou Khemu - “a terra negra” - e a fertilidade abundante nas margens do Nilo que permitiu que a civilização florescesse no deserto inóspito. Foi a partir de historias medievais e propaganda cristã sobre o Egito Antigo como a terra de demonios e magos que recebemos nossos termos modernos “magia negra” e “bruxaria”. A palavra “Alquimia” (al khem ia) também vem do velho nome para o Egito porque as ciências da Química e da Metalurgia eram praticadas lá desde tempos antigos. Seth também é conhecido como “o negro” ou “o queimado” porque representa simbolicamente o calor queimante do sol do deserto.

Uma análise dos símbolos e mitos acerca de Seth revela certos atributos e conexões Luciferianas interessantes. Para começar, acredita-se que ele é a divindade masculina mais velha no panteão egípcio. Isso é representado em um comentário no Livro dos Morios egipcio, que declara: “Os poderes de Seth, que pereceu, eram maiores dos que os poderes de todos os outros deuses”. Seth era o filho da deusa primária Sept, “sete”, que era associada às sete estrelas da Ursa Maior, e dizem que nasceu na forma de um raio de luz. Sept é identificada com a deusa estrelar Nut ou Neith e aparece no livro Apocalipse como o dragão de sete cabeças. (Grant, 1973:226) O culto a Seth era realizado desde os períodos pré-dinásticos, e acredita-se que ele se desenvolveu na Africa. Os Sabeus, adoradores árabes dos deuses estrelares, supostamente o adulteraram. Por essa razão, Seth sempre foi considerado como o deus dos estrangeiros. Os sabeus adoravam a mãe dele, a Deusa das Sete Estrelas, e também seu filho Seth, considerado como a estrela-cachorro, Sírio ou Sothis. Tempos mais tarde, Seth tomou-se filho ou irmão de ísis, e ela adotou Sírio como seu símbolo estrelar. Também foi sugerido que Thoth originalmente era Sírio e idêntico a Seth. (Grant, 1975:45 e 1972:60)

Seth é produto de uma partenogênese e não tem pai; portanto, ele é simbolicamente o primeiro arquétipo de bastardo e outra forma de forasteiro ou banido social. O centro do culto a ele era originalmente em Nebet, ao lado do Nilo, ao norte de Luxor, e governava o Alto, ou do sul, Egito. Ele era conhecido como o Senhor do Deserto, o deus do trovão e o regente dos metais. Na verdade, o minério de ferro era ffeqüentemente conhecido como “os ossos de Seth” e Nebet era o começo de uma estrada de abastecimento que conduzia as antigas minas de ouro no deserto. Os símbolos e as formas zoomórficas do deus são elementos importantes para a compreensão da sua natureza e atributos. Por exemplo, ele era associado ao signo de Capricórnio e, na astrologia egípcia, tal signo era chamado de a Casa de Seth. Seus outros símbolos incluíam o pentagrama reverso, ou invertido, conhecido como a Estrela de Seth, o hexagrama, chamado de Selo de Salomão, a estrela de sete pontas, que era o símbolo da Grande Fraternidade Branca e a deusa Ishtar, e a Cruz Tau.14 Outros símbolos de Seth eram o pilar, ou menir, simbolizando o axis mundi ou o pilar do mundo, a cimitarra, ou “espada curvada”, e a segadeira. Um hieróglifo importante usado para representar Seth era a serpente com cabeça de leão, que simbolizava a união dos poderes lunares e solares. (Grant, 1973:12)

Seth ganhou uma imagem negativa, como o inimigo dos Deuses e humanos, mais tarde nos períodos dinásticos, e era considerado um oponente à dinastía solar de Osíris e seu filho Hórus. No entanto, seu culto recebeu um impulso, quando o Egito foi invadido pelos hicsos, chamados de “reis pastores”, por volta de 1670 a.C. Eles associaram Seth com o seu deus tempestade da fertilidade Baal. Nesse processo, Seth ganhou duas esposas, Anat e Astarte (As - tar - te), do mesmo panteão. Quando os hicsos foram derrotados, depois de quatrocentos anos de ocupação, todas as imagens de Seth foram destruídas, e era proibido escrever ou pronunciar seu nome. Os hicsos adoravam Seth sob o nome de Sutekh, mas originalmente, como um “viajante ñas térras desoladas”, ele era adorado principalmente por caçadores nômades. Foi alegado que os sacerdotes de Seth eram originalmente astrónomos, o que se adequaria ao papel antigo dele como deus chefe do culto estrelar e também os arquitetos das “montanhas dos deuses estrelares” ou pirâmides. Se esse era o caso, então Seth teve um papel mais importante na historia e mitologia do antigo Egito do que é sugerido por sua imagem posterior de uma personificação do mal.

Na mitologia egípcia, Seth é mais bem lembrado pelo seu papel na morte de Osíris. ísis e seu irmão/esposo Osíris sentavam no trono do Egito pré-dinástico como os primeiros faraós. Nesse papel, eles eram sábios governantes e modelos culturais. Antes do reinado deles, diziam que as pessoas do delta do Nilo eram como bárbaros selvagens viciados em canibalismo e práticas sexuais pervertidas. ísis e Osíris estabeleceram um código legal, construíram templos e apresentaram a forma correta de adoração aos Deuses. Osíris ensinou agricultura aos seus súditos e como fazer ferramentas para cultivar a terra para plantações. Ele também os ensinou a plantar vinhas para produzir vinho e plantar cevada para produzir cerveja. Aset ou ísis instruiu as mulheres egípcias nas artes de fiar linho, tecer tecidos e moer cereais. Ela também era uma especialista nas artes medicinais e passou seus conhecimentos para suas servas e sacerdotisas dos templos construidos pelo marido déla.

Por causa das ações civilizatórias, o povo egípcio amava seus governantes benevolentes e eventualmente eles foram deificados e adorados como seres divinos. O rival e irmão gêmeo de Osíris, Seth, no entanto, tinha inveja do sucesso deles e tramou para destronar o casal e tomar o trono. Em grego, Seth era conhecido como Typhon, que significa “orgulho”. Ele supostamente conspirou com a Rainha da Etiopia e outras pessoas de dentro da corte para destruir Osíris. O deus negro secretamente mediu seu irmão e fez um esquife ricamente decorado que comportaría o rei perfeitamente. Quando Osíris retomou de uma viagem ao exterior, Seth organizou uma festa em sua homenagem. No banquete, ele disse que daria o esquife decorado de jóias para a pessoa que se encaixasse perfeitamente nele. Todos tentaram sem sucesso, até que Osíris se voluntariou e entrou no esquife. Imediatamente Seth e seus comparsas fecharam com força a tampa e a selaram com chumbo derretido. Depois jogaram o esquife no Nilo e Seth se tomou o novo governante do Egito.

isis ficou obviamente devastada quando ouviu as notícias sobre o assassinato brutal do marido. Ela sabia que, se o corpo dele não fosse encontrado e enterrado com os ritos funerais adequados, seu espírito preso à terra não entraria no mundo subterrâneo. Em vez disso, seu espírito iria vagar pelo mundo mortal, como um espírito mundano. ísis então partiu na busca do corpo de Osíris. Ela eventualmente encontrou o esquife na cidade fenicia de Tiro, onde ele tinha sido levado pelas águas e se alojado em uma tamargueira. A árvore tinha sido derrubada e constituía um dos pilares do palácio da rainha Astarte. ísis tomou-se uma serva no palácio e eventualmente resgatou o esquive e o corpo do seu marido.

De volta ao Egito, ela colocou o corpo em um lugar seguro, mas Seth estava caçando um dia e o encontrou. Em sua furia, ele desmembrou o cadáver do faraó morto e o espalhou em 13 pedaços pelo Egito. Em tempos antigos, isso era um ritual reconhecido quando um rei divino era sacrificado. ísis viajou longe para achar cada parte do corpo e, em cada lugar que ela enterrava uma parte, construía um santuário. A décima terceira parte - o órgão reprodutor, conhecido popularmente como o Talismã de Seth-, nunca foi encontrada, por ter sido engolida por um peixe. ísis fez uma réplica em ouro dele e enterrou essa representação do órgão sexual do marido em 

Mendes. Seth é por vezes associado com o deus anão coxo e corcunda Hoor-paar-kraat e é descrito como “o órgão genital de Osíris”.

Hórus, o filho de Osíris e ísis com cabeça de abutre ou falcão, buscou vingança pela morte de seu pai. Ele e Seth lutaram pelo controle das Duas Terras do Egito. Em algumas versões, Hórus governava o Baixo Egito (o norte fértil) e Seth governava o Alto Egito (as regiões desertas ao sul). Seth foi finalmente derrotado e simbolicamente sofreu uma “queda” abaixo do horizonte (simbolizada pela cruz Tau), onde ele se tomou o Senhor das Terras Escondidas. De certa forma, ao matar Osíris, Seth fez com que o deus solar tomasse seu lugar como o deus negro do mundo subterrâneo.

Depois da “queda” de Seth, ele ficou associado ao inverno, à escuridão e à morte. Na verdade, o mito inteiro envolvendo Osíris, Seth e Hórus é uma história de luta entre a religião patriarcal solar e o antigo culto estrelar centrado na deusa. Sendo que a primeira tomou o lugar da segunda. E um clássico exemplo de como os deuses da religião antiga são degenerados e transformados em demônios da nova religião. O primeiro deus único de Horizonte Duplo foi dividido em dois, e Seth se tomou o duplo divino ou o gêmeo negro, o segundo em importância, de Osíris- Hórus. Seth tomou-se o Senhor do Ocidente (o sol poente ou morrendo), e Hóms era o Senhor do Oriente (o sol nascente ou renascido). Seth ou Sírio era conhecido como “a Luz na Escuridão” e, em alguns dos mais iluminados períodos da história egípcia, ele e Hórus eram adorados ao mesmo tempo. Eles eram unidos como Sut-har e representavam o primeiro deus do Horizonte Duplo como uma entidade. Dizem também que, nos ritos dos mistérios egípcios, o candidato era levado para dentro de um santuário interior, e um sacerdote sussurrava em seu ouvido a aterradora revelação de que “Osíris é um deus negro”.

Referindo-se à “queda” simbólica de Seth, Albert Churchward, em seu livro Origin andEvolution of Religión15 (1924), diz: “Seth era considerado um líder caído das multidões angelicais porque ele tinha sido o primeiro na glória e no poder governante...” Churchward, além disso, identificou Seth com o Anjo Pavão adorado pelos Yazidis. Ele lembra o fato de que os Yazidis acreditavam que “existe uma restauração, assim como uma queda”, e o Rei Anjo será restaurado ao seu lugar de direito no Céu.

Seth também era conhecido como o “filho (ou sol) atrás do sol”, “o sol negro” e o “sol da meia-noite”. Isso se relaciona com o simbolismo do deserto, onde tanto ele quanto Azazel habitaram. Na Cabala, é a “imensidão do tempo e do espaço que divide a sefirah Tiphareth (o centro solar) na árvore da vida da sefirah mais alta Kether”. (Grant, 1973:47) Tiphareth é a esfera da influência associada ao rei divino sacrificado, ou “filho de Deus”, tal como Osíris, Jesus, etc. Kether é o local do Absoluto ou Deus Oculto além do Abismo. O ocultista do caminho esquerdo e chefe da Tifoniana O.T.0.16 Kenneth Grant descreveu a extremidade do abismo como “o Deserto Vermelho de Seth; a mesmíssima extremidade na direção da qual os Grandes Antigos têm guiado o espírito humano durante éons de tempo, na verdade, na direção da qual todos os sistemas verdadeiros de conhecimento oculto, místico, espiritual e mágico preparam para guiar seus aspirantes”. (1992:131)

A forma zoomórfica tomada por Seth sempre intrigou os egiptólogos. Ele foi descrito como “uma besta estranhamente composta (...) ele tinha uma longa cauda aforquilhada posicionada rigidamente para cima, sua face tinha um focinho ou nariz curvado e estendido, e suas orelhas para cima, mas com pontas agudamente achatadas”. (Barratt, 1992:127) A primeira vista, ele não parece lembrar nenhum animal conhecido. Alguns analistas o viram como um burro, mas Grant diz que é um feneço ou raposa do deserto. Em hebraico, é a Shugal, a Uivadora do Deserto. Um outro animal relacionado a Seth é o camelo, como “o navio do deserto”. Na cultura árabe, esse animal é símbolo da genitália feminina. Dizem que, quando o anjo negro Samael “desceu [à Terra] com seus bandos”, buscou uma companheira como ele. Infelizmente ela tinha a aparência de um camelo. Expressivamente, o camelo também significa morte ou, mais propriamente, transmutação e, na demonologia Judaica, Samael é o anjo da morte.

A letra hebraica “Gimel” significa “camelo” e é atribuída ao décimo terceiro caminho ligando a sefirah na Árvore da Vida. Na realidade, ele marca o ponto de travessia para o Daath, ou Véu do Abismo, que leva a Kether, o Grande Não Manifesto em que o humano simples é transformado em Adam Kadmon, o Homem Celestial. Gimel é esotéricamente ligada a Aleph e Beth. No Taró, essas letras são associadas respectivamente com O Louco e O Mago. Para o não iniciado, essas duas cartas parecem ser opostas, mas o iniciado identifica as duas apenas como aspectos do mesmo estado de ser. Ao “atravessar o abismo”, o explorador é transformado de urna simbólica criança inocente em um “tolo sábio”. Ele ou ela é alguém cujos “olhos foram abertos”, e eles se tomam um mago no sentido verdadeiro desse termo extremamente mal usado. Um dos símbolos menos conhecidos de Seth é a cruz com braços iguais em um círculo ou Marca de Seth ou a Marca de Caim. Ela representa “a travessia mostrada pelo pólo ou axis setentrional, ou seja, a morte, a Passagem do Abismo”. (Grant, 1977:211)

Grant simbolicamente associou o Deserto de Seth com o deserto Gobi, na Ásia, mas sem se aprofundar no assunto (1999:41). De fato, o Gobi é supostamente o local ou entrada neste mundo para a cidade lendária e mítica de Shambhala. O também conhecido como Vale dos Imortais supostamente é uma região verdejante escondida no deserto ou no interior das montanhas cobertas de neve do Himalaia. No famoso romance e filme pré-guerra de Hollywood Horizonte Perdido, ele era chamado de Xangrilá, e esse nome veio a significar qualquer utopia ou paraíso terreno escondido do observador extemo. Shambhala é um dos muitos mitos relacionados a cidades ou terras misteriosas que estão normalmente ocultas da visão humana ou que agora estão desaparecidas embaixo das areias cambiantes de desertos ou nas profundezas do mar. Em muitos mitos, esses lugares sobrenaturais eram habitados por bruxos e feiticeiros que desafiavam os deuses e foram destruídos pela sua imprudência.

Shambhala é incomum nesse sentido, já que ela nunca foi destruída e ainda existe. Há muitos relatos de viajantes que encontraram por acaso a cidade que às vezes parece existir no plano físico e outras vezes, no Outro Mundo; por essa razão, um dos seus nomes é “Oásis de Luz”. Ela foi chamada de “o reino secreto dos sábios” e, na tradição oriental, é o lar de um grupo de elite de mahatmas, “grandes almas”, ou Bodhisattvas.

Esses adeptos são alegadamente humanos avançados com poderes sobre-humanos e sobrenaturais que completaram seu ciclo de evolução neste planeta. No entanto, eles preferiram reencarnar em “capas de pele” para auxiliar no progresso espiritual da raça humana. Eles são guiados por um misterioso ser imortal, possivelmente não-humano, chamado o Rei ou Senhor do Mundo, e estão também associados às Nagas, ou “pessoas serpentes”. As Nagas são supostamente uma raça espiritual avançada, possivelmente das estrelas, que se casou com a raça diferente dos humanos no passado antigo, na maioria das vezes com reis e rainhas. (Tomas, 1977:62)

O antigo livro persa Shahnameh, ou Livro dos Reis, descreve como Yima, o filho do Mestre do Mundo, viveu em uma fortaleza ou cidade subterrânea com seu povo, que eram descritos como Arianos ou “de sangue puro”. O deus Abura deu a Yima uma visão de uma grande enchente futura que destruiría a humanidade. Em uma cópia ou, para dizer melhor, em um primeiro modelo da história bíblica de Noé e a arca, Yima foi instruído a recolher um espécime de cada planta, peixe, animal e ave, mais mil casais humanos. Ele deveria levá-los para sua cidade subterrânea para que a Terra pudesse ser repovoada depois do dilúvio.

Na tradição esotérica ocidental, Shambhala é também associada à “pedra negra”, supostamente de origem extraterrena, e a uma torre, que é seu local de repouso terreno. Dizem que essa pedra pertenceu temporariamente ao Rei Salomão. Na década de 1920, o explorador, artista e ocultista russo Nicholas Roeoh levou um fragmento dessa pedra para Nova York, em uma missão política, para ajudar na fundação da fadada ao fracasso Liga das Nações. De acordo com uma fonte oriental, quando a pedra está em seu lugar de direito dentro da cidade escondida, dizem que, “como um diamante, ela irradia a luz na Torre do Senhor de Shambhala”.

Kenneth Grant também associa Seth à serpente de fogo ou força da serpente (kundalini) levantada pelos ocultistas durante os ritos de magia sexual. Então o calor do deserto representado pelo deus pode também ser entendido como o calor da sexualidade. Grant alega que “a corrente mágica iniciática é manifestada no Egito como o culto Draconiano, o culto do Dragão ou Serpente de Fogo. Esse culto representa a primeira forma sistemática dos primeiros mistérios africanos, que os egípcios aprimoraram em um poderoso sistema adaptado de ocultismo, que finalmente amadureceu nos tantras da índia, Mongólia, Tibete e ChincF (1975:50).

Isso se conecta à chamada “perda da inocência (sexual)” pelos primeiros humanos, que está presente no mito do Jardim do Éden. Conforme se alega, o conhecimento proibido usado pelo culto Draconiano era baseado na relação sexual com espíritos com características vampirescas, de súcubos ou íncubos. Tais técnicas mágicas fazem-nos lembrar as primeiras relações sexuais entre os Vigias ou anjos educadores e suas estudantes humanas. Não é de se estranhar que as religiões sistematizadas sempre condenaram o relacionamento com “demônios” do “lado de fora”, e a tradição folclórica popular desaprovava os supostos “casamentos de fadas, que levavam os participantes humanos a ganhar conhecimento oculto e poderes psíquicos. Talvez não seja coincidência o que diz a tradição rústica, ou seja, que as fadas, elfos e duendes são as almas dos anjos caídos que caíram na Terra.

No Egito, acreditava-se que todas as terras estrangeiras estavam sob o domínio de Seth como o deus dos estrangeiros. O que está implícito aqui é o que é diferente ou estranho no sentido verdadeiro da palavra latina alienus, que significa forasteiro ou estrangeiro. Essa idéia está mais bem resumida na frase de um conto de Edgar Alian Poe como a “selvagem, estranha região que se encontra de forma sublime, fora de espaço e fora de tempo”. Há o título iniciático gnóstico de Alógeno - estrangeiro ou nascido no exterior-, que indica que o adepto finalmente ultrapassou as fronteiras do Universo profano. Eles são agora um estrangeiro ou forasteiro que se libertou dos sistemas normativos de valores terrenos e realidades convencionais. Eles alcançaram o estado dos Psykhikoi, que confere a compreensão da essência do verdadeiro eu “fora” de todas as coisas, estados e condições concebíveis. Ele ou ela se tomou um “viajante nas terras desoladas” ou no deserto, como Seth, Azazel, Caim e Jesus. Infelizmente, aquele que é espiritualmente liberto é freqüentemente visto como um “estranho em sua própria terra” ou um excluído social pela xenofobia primitiva da sociedade humana. Tristemente, isso em geral condena à fogueira, à forca ou à cruz aquela pessoa banida, que é diferente dos seus pares.