sexta-feira, 2 de junho de 2023

Luciferianismo - O Touro Negro Dos Chifres Dourados

É evidente que a transmissão da tradição Luciferiana, dos mitos Cainitas e das doutrinas arcanas dos anjos caídos tem sobrevivido por meio das crenças e práticas da bruxaria histórica e tradicional. Seus praticantes modernos alegam que a Arte representa uma antiga herança mágico- religiosa descendente do Xamanismo dos nossos ancestrais pré-históricos. É claro que uma tradição contínua e ininterrupta desde os tempos antigos é impossível de se provar, mas há evidência de elementos xamânicos em relatos medievais de bruxaria. Por exemplo, o uso de máscaras de animais na Arte - uma prática que sobrevive até hoj e em rituais convéns tradicionais - é um aspecto atávico que remonta à adoração de deuses bestiais nos tempos primitivos. Da mesma forma, apesar da dificuldade de se provar a preexistência de sobreviventes da bruxaria moderna há mais de 200 anos, há evidência de que a (alguns ramos da) “Arte Antiga” tradicional herdou a sabedoria antediluviana estelar ensinada aos primeiros humanos pelos deuses antigos.

Essencialmente, a Arte Antiga herdou de forma adulterada e corrompida os símbolos e crenças do tráfego com “Aqueles que são de Fora”, o qual foi filtrado ao longo de muitos períodos históricos e tradições esotéricas diferentes. Como disse Paul Huson: "...nos dias de hoje a magia das bruxas está decadente. Urna colcha de retalhos composta por partes históricas, destroços de um naufrágio religioso” (1970: 18). Essa sobrevivência é mais forte nos padrões genéticos e espirituais daqueles indivíduos que trazem astralmente a marca secreta - a chamada Marca de Caim ou Marca de Seth.45 Essa marca é um símbolo da sua herança mágica, como “o povo da serpente”. Eles são os membros verdadeiros do “sangue das bruxas”, herdado (raramente) fisicamente ou pela reencamação da alma. Esses portadores do “sangue de fada” ou do “sangue élfico” ainda acreditam que, apesar "das distorções dos últimos seis séculos, ainda resta no centro [da Arte] uma centelha daquele misterioso fogo angelical negro que soprou vida nos primordios deste mundo”. (Huson, 1970:18)

O Deus Comíféro46 das bruxas, identificado de diversas maneiras - Cemunnos, Pan, Janus, Dianus, Heme e Puck-, era popularmente conhecido como o Sátiro Negro ou o Homem de Preto no sabá medieval das bruxas. Ele está ligado a Sutekh-Seth, ao Shaitan Yezidi, ao senhor islâmico do Eblis ou Iblis, ao Lúcifer grego e ao hebreu Azazel. O Comíféro da Arte Sabática é a Grande Serpente de Luz que guia seus discípulos à Gnose do Despertar Supremo e ao objetivo final de unidade com o Ente Supremo.

Como uma divindade comífera, o deus das bmxas revivalistas modernas é quase exclusivamente representado como o deus veado gaulês Cemunnos. Entretanto, no passado, o Deus também era representado na forma zoomórfica de um cachorro preto, um gato, um bode, um carneiro e um touro. É essa última forma animal que queremos examinar aqui, pelas suas ligações interessantes com a antiga tradição Luciferiana. A adoração ao deus touro remonta a um passado muito antigo. Na Epopéia de Gilgamesh há uma menção ao Touro do Céu. Quando o rei Gilgamesh recusou o amor de Ishtar, ela enviou essa criatura mística para destruir a cidade dele. Da mesma forma, o amigo de Gilgamesh, Enkidu, é descrito como “metade touro, metade homem”. O deus-sol babilónico Marduk era conhecido como o Touro da Luz e é descrito como tendo um “corpo cheio de chamas de fogo, ele lançava raios à sua frente, ele conduzia a carruagem da tempestade. ” Na religião canaanita, Baal como o deus da tempestade e do trovão era o touro que “montava as nuvens”. O Bezerro ou Touro de Ouro adorado pelos hebreus dissidentes no deserto era provavelmente uma efígie de Baal. Nos mitos hindus, o touro era sagrado para Shiva, deus da criação e destruição. No Egito, o touro sagrado era Apis, e acreditava-se que ele foi concebido pela descarga de um raio. Ele era considerado a forma animal do deus criador Ptah.

Na tradição greco-cretense há o Minotauro, uma criatura imaginária que é metade touro e metade humana. O rei Minos de Creta pediu a Poseidon um presente digno de ser oferecido aos Deuses em sacrifício. O deus do mar deu ao rei um magnífico touro branco, e Minos ficou tão impressionado com esse animal que decidiu ficar com ele para si mesmo. Para vingar-se dessa ofensa contra os deuses, Poseidon fez com que a esposa do rei, Pasífae, se apaixonasse pelo touro. A rainha estava a tal ponto dominada pelo desejo que convenceu Dédalo, o mestre das artes, a fazer uma imagem de uma vaca em tamanho natural. Ela escondeu-se dentro da imagem para facilitar a relação sexual com o touro.

Pasífae significa “ela que brilha” e pode ser uma referência à Lua. A vaca é um animal lunar e acasala-se com o touro, representando a força fálica solar. Minos pode ter sido o nome genérico para os reis-sacerdotes que serviam à deusa Lua. Como resultado desse hieros gamos ou “casamento sagrado” do touro com a vaca, nasceu o Minotauro. Em virtude de sua furia, o rei Minos mandou Dédalo construir um labirinto, no qual o Minotauro foi aprisionado. A cada nove anos, os atenienses mandavam sete dos seus melhores jovens como um tributo à Creta, e eles eram oferecidos em sacrifício ao deus touro. Na famosa lenda, a filha de Minos, Ariadne, apaixonou-se por um desses jovens, chamado Teseu. Ela o ajudou a matar o Minotauro e reconstituiu os seus passos até a saída do labirinto usando um novelo de linha. Ariadne representa a primitiva deusa aranha do destino e da morte, a qual tinha como símbolos o labrys ou machado de duas lâminas e a cobra enrolada.

Na Idade do Bronze na Europa, a adoração ao touro era muito difundida. Ele representou o símbolo primário da virilidade e potência masculinas como um dos zoomorfos da força da vida solar e do deus da tempestade e do trovão. Na Idade do Bronze, petróglifos do touro são retratados ao lado de discos e rodas solares. Na Idade do Ferro, as imagens do touro são igualmente comuns. Para os povos celtas da Europa, o deus touro era associado ao sol, ao trovão, ao céu e ao fogo. Um cetro de bronze, encontrado em Willingham Fen, Cambridgeshire, retrata uma cabeça de touro com três chifres com a figura de um deus jovem segurando um raio. Ele está acompanhado pela roda solar em cima de uma águia, o pássaro sagrado do deus celestial indo-europeu.

Como A. Basham diz em seu livro Origem e Desenvolvimento do Hinduísmo Clássico (Beacon Press, 1989) em relação à antiga civilização hindu do vale onde hoje se localiza o Paquistão: “A Deusa Mãe e o Touro Sagrado, representando o céu fertilizante, eram comuns aos agricultores da época por toda a Eurásia. Eles são os elementos principais de um culto criado para assegurar a fertilidade das colheitas, dos rebanhos e dos humanos. ” O antigo deus védico do trovão, Indra, foi concebido em seu aspecto touro como Paijanya, o liberador das chuvas. Em seu papel itifálico como o fecundador seminal do ventre-terra, era Vayra ou o raio adamantino. Nos cultos indo-iranianos da cosmogenia taurina Mitraísta e da adoração Altaica ao “Touro Negro no norte”, que traz as chuvas fertilizantes, são igualmente relevantes como tipos cognatos.

Na Europa setentrional, o gado sempre foi muito apreciado como um indicador de riqueza e prestígio tribal, evidenciado nas grandes oferendas de touros sacrificados feitas no período romano-britânico. Estas incluíam os sacrifícios clássicos de touros brancos em bosques sagrados durante os rituais druidas para juntar viscos. Imagens de um deus touro chifrudo, geralmente com uma serpente chifruda, são frequentemente encontradas na Grã-Bretanha nesse período e são mais comuns que deuses veados com chifres. O deus touro também aparece com “Cemunnos” no famoso caldeirão celta-trácio de Gundestrup e no alívio em Reims. Em Trier e Paris, o touro é apresentado com três aves empoleiradas nas costas. Dessa forma, ligando-o ao labirinto de Geranos ou “dança das grúas” executada pelo Deus Coxo. O deus comífero dos Brigantes do norte da Inglaterra, do País de Gales e da região da Inglaterra Central era também representado por um carneiro ou touro, como o consorte de Brigit ou Brígida, “A Grande Rainha” ou “A Mãe dos Deuses”. 

Esses são apenas alguns dos muitos sinais evidentes do culto do touro nas religiões pagas populares da Europa. Entretanto, sob esses sinais externos, repousam estratos misteriosos mais profundos e talvez menos visíveis, nos quais a imagem do touro assume uma majestade particularmente pressagiosa, como a personificação dos segredos da eternidade, do tempo e da precessão celestial dos equinócios. Esses aspectos são preservados dentro de um complexo de ritos populares antigos, procissões rituais desordenadas e frenesis mascarados. Estes, um por um, relacionam-se indiretamente ao Via Liminalis, o culto arcaico da desordem e os segredos mais que humanos promulgados no sabá das bruxas. Na realidade, dentro da Arte Tradicional, o touro assume um papel místico até agora desconhecido para aqueles que estão além dos domínios da fé.

O Touro Negro da desordem pertence ao assustador complexo cerimonial de “charivaris”, “música desafinada”, aparência teriantrópica e cultos e rituais incontroláveis da Caçada ao Inferno ou Grande Perseguição. Estes representam o nodo liminar divino das Doze Noites em pleno inverno como o “tempo entre os tempos”, a reversão para a ex- piação primitiva na qual toda a distinção dualística profana entre as formas e as estatísticas mundiais são místicamente inválidas e nulas. Entre o passado, o presente e o futuro, à Meia-Noite ou hora das bruxas, quando o relógio bate 13 vezes, o ano mesocósmico começa. Então ocorre a separação dos limites (fronteiras) dividindo os vivos e os mortos, os humanos e os não-humanos e o fenômeno e o nômeno. Isso, como visto por estudiosos como Carlos Ginzburg, Mircea Eliade e Peter Hans Duerr, entre outros, fornece uma conexão temática incontestável com os mistérios interiores do culto sabático das bmxas e toda a tradição charivari maníaca nos rituais populares.

A Satumália em pleno inverno é a recuperação temporária da época do rei Saturno ou Cronos, os primordios do tempo. Por conseguinte, o primeiro símbolo do alfabeto greco-latino é Alpha ou Apis representando o boi-touro de Sator, o Semeador da semente seminal no campo do Tempo (Saturno é a divindade da Agricultura e do Tempo). A constelação Ursa Maior está intimamente ligada ao mito Daquele que Abre o Caminho e da Grande Caçada. Na Europa, a Grande Caçada também é conhecida na tradição popular como a Caçada de Caim. E igualmente interessante o fato de que no Egito a Ursa Maior era chamada de Khepesh ou Touro Dourado e era a moradia transestelar e a origem da linhagem de Seth. Na verdade, o planeta Saturno era chamado de “Touro do Céu” pelos sacerdotes-astrónomos egípcios. Na Pérsia antiga, as sete estrelas da Ursa Maior eram visualizadas como as “Guardiãs dos Sete Pólos do Céu”, imaginadas como figuras humanas paramentadas com rostos de touro negro, chifres dourados e coroas ornamentais carregando cetros dourados. O Deus persa da luz, Mitra, também aparece portando as ancas douradas de um touro jovem. Isso representou o enxó meshtyw empregado na cerimônia egípcia de “Abertura da Boca”. Na verdade, esta denota a abertura da sutura do crânio ou a passagem através da Estrela do Pólo para liberar a alma.

De acordo com os ensinamentos dos neo-platonistas, como Plotino, o primeiro reinado de Saturno representou a bem-aventurada plenitude de Nous, a Mente Pura do Divino. Esse foi o reinado imortal e imutável das “Idéias” Platônicas: “Aquele arquétipo do mundo é a verdadeira Idade do Ouro, Era de Cronos (...) pois aqui contém tudo o que é imortal; tudo aqui é Mente Divina. ” (Enneads, V: 4) Esse é o Sabá Divino (Shabattu, Zabat, Shabbathai - a esfera de Saturno) no qual o velho Touro Comífero era o Senhor sintetizando a Mente Arrebatadora da Desordem. O Mais Velho é o Senhor liminar do Tempo e da Eternidade, e ele preside além dos circuitos de transformação temporal, acima das incansáveis estrelas circumpolares que descrevem as vastas revoluções do ciclo do progresso ou do Ano Platônico. Em algumas correntes antigas da fé das bruxas na Inglaterra, o Charivari do Touro Negro sintetiza esse estado atemporal da Satumália. Ele leva a Bênção da Desordem para o mundo frió e obscuro de modo estranho e inquietante. Provavelmente, não é coincidência que o mestre de cerimônias da popular festa de inverno de Mari Lwyd, no sul e oeste do País de Gales, usasse um bastão cerimonial com uma cabeça de touro na ponta. O Velho Pai Saturno ainda comanda a alegria de inverno.

No século VII da Era Comum, Theodore, o Grego, enviado por Roma para ser o novo arcebispo de Canterbury e erradicar o renascimento pagão na Inglaterra anglo-saxã, após a falha abjeta da missão papal de Augustino, emitiu sérias proibições sobre as festividades de inverno. Ele impôs proibições drásticas para aqueles que aparecessem com máscaras de veados ou touros nas “Calendas de Janeiro”, Natal pelo cálculo do Calendário Antigo. Apesar de tais regras, o Mais Velho, na forma do Touro de Natal, sobreviveu em Cotswolds e no sudoeste da Inglaterra até pelo menos antes da Primeira Guerra Mundial no século passado. O Touro de Natal era um homem vestindo ou segurando uma vara acima da cabeça com uma máscara ou cabeça de touro. Seu corpo ficava escondido por uma pele de touro verdadeira, por um lençol branco ou por uma capa feita de saco. Dentre estes, um dos mais famosos era o chamado Dorset Ooser, uma máscara feita de madeira pintada com chifres de touros verdadeiros. Essa era usada regularmente na época de Natal, ao redor da vila de Melbury Osmond, até que foi supostamente roubada do seu dono hereditário por volta de 1900. Diz-se que ela acabou sendo guardada no sótão de uma casa em Dorchester, e ali foi apodrecendo aos poucos.

Em Gloucestershire, o Touro de Natal também era conhecido como The Broad. Era acompanhado por um cortejo carregando uma taça para brindar, decorada com fitas vermelhas e ramos verdes. Um dos serventes do touro em Tetbuiy carregava uma pequena árvore de natal em um vaso suspenso por trapos brancos e vermelhos. Presume-se que isso representava, como a árvore de natal, o Arbor Mundi ou Árvore do Mundo, o eixo do Cosmos, que estava frequentemente decorada com a Estrela Polar na ponta. A aparição do Touro de Natal nas peças dramáticas de Natal e Ano-Novo é interessante pela sua conexão com a bruxaria. Por exemplo, em uma peça vitoriana, um personagem do século XVIII conhecido como Capitão Calftail diz: “Vou vestir meu manto demoníaco — quero dizer, meu temo bovino de Natal - e então andar pela floresta (...) e voltar como um diabrete. ” A suposta procissão Godiva (Godgyfu ou “presente de Deus” - um eufemismo para sacrifício) em Southam, um vilarejo perto de Coventry, apresentava um personagem popular chamado O Velho Rosto de Bronze, um homem usando uma máscara de touro. Huson relata que o Mestre das Bruxas pode ocasionalmente cobrir totalmente a cabeça com uma máscara ou capacete de metal nos rituais. Portanto, ele diz “o título cômico para o mestre ‘O Velho Nariz de Bronze’” (1970:215). Na tradição popular, “O Velho Rosto de Bronze” era um apelido para o sol. Durante o julgamento das bruxas, Pierre de Lancre relatou que o Diabo apareceu para as bruxas de Toumelle como “um grande touro negro”. Thomas Ady, em seu livro Uma Vela no Escuro (1656), descreve um homem sábio de Essex, com tendências trapaceiras, invocando O Ser das Trevas para o benefício de um fazendeiro apavorado que o havia consultado. Um colega do homem sábio apareceu a tempo “coberto por uma pele de touro e um par de chifres na cabeça. ”

Do templo anglo-romano do deus Mitra aos bailes de máscara do sudoeste da Inglaterra, do culto à estrela Setian do Antigo Egito às procissões com máscaras do Boeuf Gras na Paris medieval, o Touro Negro de Chifres Dourados é o símbolo eterno dos Mistérios da Satumália. Os adoradores delirantes de Saturno se enfurecem em um êxtase atávico pela luz das chamas, embriagados pelo vinho sacramental e cambaleando ao som dos tambores e do silvo dos chifres pelas ruas congelantes das vilas durante o inverno, sob as frias estrelas do norte.

O sabá das bruxas no período medieval incorporava uma misteriosofia antinomiana envolvendo a subversão ou reversão total dos estados de realidade objetivos habituais. Foi uma ruptura dos limites da normalidade a fim de ocasionar o esclarecimento gnóstico. Isso se traduziu, em termos sociais, em um etos de desordem e revolta contra a falsa autoridade dos poderes do mundo profano. Em 1961, escrevendo sob o pseudônimo de “Arkon Daraul”, o falecido Sayed Idries Shah alegou que o culto europeu medieval de bruxaria havia sido fortemente influenciado por origens árabes. Esta ocorreu supostamente durante os séculos VII ao XIV, quando a Espanha e o norte da África estavam sob influência dos mouros. Pode ter sido um dos caminhos pelo qual a Gnose Luciferiana foi transmitida do Oriente Médio para a Europa.

Essa influência árabe, diz Shah, veio de bandos nômades ascetas, chamados de cultos dos Dois Chifres ou dos Chifres Duplos pelas autoridades islâmicas, que tentavam suprimi-los. Eles eram iniciados no culto após terem infligido em seus corpos um ferimento que deixava uma cicatriz semelhante à suposta diablo stigmata ou Marca do Diabo das bruxas européias. A faca ritual usada na cerimônia da cicatriz chamava-se althame ou “derramadora de sangue”. Esses rituais envolviam danças em círculo no sentido anti-horário para evocar poderes mágicos, acompanhadas de tambores, citações de orações muçulmanas de trás para a frente e invocações ao deus deles, chamado El Aswad, o Homem Negro. Sobre o seu bastão de culto havia dois chifres feitos de latão. Cerimônias noturnas eram realizadas “onde os dois caminhos se cruzavam”, e esses encontros eram conhecidos como Zabbats, “o forte ou poderoso”. Eles adoravam o seu deus como Raban ou Rabanna (Senhor), e este era representado algumas vezes por um ferreiro.

Nas montanhas Atlas do Marrocos, esse culto era seguido pelos misteriosos berberes de olhos azuis, conhecidos como os seguidores do Comífero. O chefe desse culto ensinava seus seguidores como alcançar um estado psíquico de embriaguez por meio do uso do vinho (possivelmente com a adição de narcóticos), no qual eles adquiriam poderes mágicos. O seu líder divino é conhecido como Dhulqamen, ou o “Senhor de Dois Chifres”. Ele também é conhecido como o Senhor dos Dois Séculos, pois supostamente reencama na Terra por um período de cem anos cada vez. Quando desencama, permanece na terra como um guia espiritual do culto por mais cem anos antes de renascer como um dos “homens da perfeição”.

Há semelhanças óbvias entre o culto Dois Chifres do norte da África e a bruxaria medieval da Europa. E. W. Liddell também alega que os Mouros e os cristãos retomando das Cruzadas introduziram aspectos das escolas de mistério Sarraceno no sul da Europa, e isso influenciou a bruxaria tradicional. Esses elementos supostamente incluíam doutrinas Luciferianas e técnicas de magia sexual. Esses magos árabes se formaram em uma irmandade clandestina que, juntamente com os sobreviventes pagaos, supostamente criou o culto medieval das bruxas.

Os bruxos mouros se comunicavam com espíritos, controlavam elementais serventes, animais encantados, liam o futuro e alteravam acontecimentos magicamente. Eles também ensinavam a seus alunos brancos que cada pessoa era seu próprio deus/deusa, e que o conhecimento inerente intemo podería uni-los ao Deus Supremo do Universo (1994:78- 81 e 133-137). Uma visão semelhante foi confirmada pelo ocultista Rollo Ahmed em seu livro A Arte Negra * (1936), no qual ele constata: “Outro efeito das Cruzadas foi a mistura das idéias e crenças do leste e do oeste; em particular homens que eram prisioneiros dos Sarracenos trazem as teorias e práticas da magia oriental, sob as quais é baseada uma grande parte da bruxaria atual. ”

Qual evidência pública pode ser citada hoje para a sobrevivência do deus com máscara de touro na Arte Tradicional? No seu livro Enciclopédia da Bruxaria** (Robert Hale, 1973), a falecida Doreen Valiente contou uma história estranha da cabeça de Atos, a qual ela afirma que representava o deus comífero da bruxaria. Essa imagem pertenceu a um antiquário de Norfolk chamado Raymond Howard, o qual foi associado por um período ao bruxo tradicional Charles Cardell, editor ladino do gardneriano Livro das Sombras em 1964. Howard disse que havia herdado a imagem de uma velha bruxa cigana nos anos de 1930. Infelizmente, após ser exibida na televisão, em 1967, a imagem foi roubada da sua Loja e nunca mais foi vista.

A cabeça de Atos, como apresentada em um desenho no livro de Valiente, era feita de carvalho e tinha chifres de touro com prata e jóias. Os chifres também eram decorados com símbolos do zodíaco, e na testa havia um círculo com cinco anéis. O nariz tinha o formato de um cálice com um pentagrama inscrito. No peito, havia uma figura antropomórfica com os braços levantados como em uma cerimônia e com serpentes gêmeas ao lado. Outros sinais místicos nesse assunto compreendiam a estrela de sete pontas (Ursa Maior), o quarto crescente e o quarto minguante da Lua e a oitava roda de raios solar das estações e das direções. A imagem de Atos resume todo o simbolismo do deus com a máscara de touro da bruxaria cigana e o culto do touro dentro dos mistérios da Satumália da bruxa tradicional ou xamã cigana.

A influência cigana na Arte provavelmente fornece uma pista para a nomenclatura peculiar que identifica o Touro Comífero com Asmoday ou Asmodeus durante o “ritual em tempo transfigurado” na Satumália. No século XII da Era Comum, em Testameníum Salomonis, Asmodeus é descrito como o governante poderoso da Grande Constelação, as estrelas setentrionais da Ursa Maior, as quais têm, como vimos anteriormente, um amplo significado para o arquétipo divino do Touro Negro com Chifres Dourados. Nos grimórios medievais, tais como A Chave de Salomão, Asmodeus é descrito como um demônio de três faces com os semblantes de um homem, de um touro e de um carneiro. Nas tradições rabínicas, ele é o fruto da relação incestuosa entre o ferreiro Tubalcaim e sua irmã tecelã Naamá. Esses dois são reverenciados na Maçonaria esotérica e em alguns ramos da Arte Tradicional como hipóstases ou emanações do Senhor e da Senhora; Azazel-Lúcifer e Lilith como o Comífero e a Mãe Negra.

Os ciganos também adoravam o deus fogo da forja, Tubalo e, dessa forma, é possível que em Atos temos a versão cigana de seu filho Asmodeus, retratado tanto como o Touro Mascarado quanto como o deus das bruxas. Todo esse corpo de doutrina arcana foi alimentado por correntes afluentes dos ensinamentos dos magos dos mistérios indo-iranianos, já que Asmodeus, além da sua imagem demoníaca, é Aezhmaí Daeva. Os segredos da adoração daeva entre os mágicos medianos sobreviveram clandestinamente após as reformas Zoroastrianas. Isso aconteceu especialmente nas criptas-templo do sacerdócio Mitraísta, em que o antigo Deo Arimanio ainda era adorado como Aion, o Senhor do Tempo Ilimitado com a cabeça de um leão. Esses traços do gnosticismo persa foram a todo lugar com a diáspora dos judeus e dos ciganos e também fundamentaram todo o culto da Angelologia Hermética e magia Gnóstica. Também pertence a uma corporação secreta da tradição que liga a bruxaria antiga e a alta Gnose da mágica angelical. Nesse capítulo, está contido o aspecto mais esotérico do culto do Touro Negro, como expresso popularmente no folclore rural e na bruxaria campestre.