quinta-feira, 1 de junho de 2023

Luciferianismo - As Origens da Angelologia



As origens da Angelologia hebraica e dos cultos mágicos de adoração aos anjos no Oriente Médio revelam uma formação complexa de influências culturais persa iranianas, egípcias, canaanitas e greco-romanas. Elas influenciaram o mundo religioso semita por canais históricos específicos. Na atual teologia Cristã, o papel das hierarquias angelicais é praticamente esquecido. Apesar de sua presença constante por toda a arte ocidental e iconografia religiosa, elas não são mais consideradas de grande importância teológica. No movimento moderno da Nova Era, a existência de forças angelicais é admitida, mas apenas como figuras puras que pouco retratam o poder e a importância real dos anjos. E chegado o momento de reexaminar e restabelecer os antigos ensinamentos a respeito dessas sublimes entidades espirituais dentro do contexto da tradição oculta ocidental. Para que a real importância delas na prática da Alta Magia - a “arte divina” do mago - possa novamente ser evocada tanto experimentalmente quanto teoricamente. 

A Alta Magia dos anjos sintetiza um acervo considerável de conhecimento esotérico, ou gnose, que esclarece tanto sobre o passado misterioso da raça humana quanto sobre os potenciais místicos do nosso futuro, propagando indícios das potencialidades miraculosas que são manifestados nos mais altos níveis da consciência espiritual. As potencias angelicais são as emanações mais antigas da Mente Divina, literalmente mensageiros da vontade celestial e encarnações divinas de sabedoria transcendental. Por esse motivo, a invocação dos anjos da luz pertence adequadamente ao mais alto nível de prática mágica, que é o campo da teurgia (“Obra de Deus”) ou magia supercelestial. Antes de tentar interagir com as potências angelicais, seria desejável primeiro ter um panorama claro da origem histórica dessa tradição e as diferentes correntes das crenças tradicionais da sabedoria antiga que a alimentaram no passar dos milênios. Dessa maneira, um domínio sólido dos conceitos fundamentais da Angelologia esotérica poderá ser alcançado.

No Egito dos Faraós, nós encontramos referência à classe de emissários divinos chamados de Urshu, ou “Vigias”, um termo que, como veremos, é de grande significância, e à raça pré-dinástica de semideuses chamados de os Seguidores de Hórus. Eles supostamente reinaram por milhares de anos antes do primeiro rei mortal. Lewis Spence, em seu livro Myths andLegends o/Egypt (1915), coloca-os junto dos Ashemu, dos Henmemet, dos Utennu e dos Afa como “seres que poderiam ser adequadamente descritos como angelicais”. Os Shemsu-Heru2 eram imaginados como criadores da comitiva celestial do deus Elórus na chamada Primeira Era antes do início da História. Os Akhu, ou “Os Exaltados”, que habitam de forma oculta as “estrelas incessantes” do Pólo, estão estreitamente ligados à ordem mística dos Shemsu-Heru. Suas doutrinas de mistérios ancestrais provavelmente formam as bases dos níveis mais profundos da Angelologia aramaica.

Na mitologia do Egito Antigo, a Primeira Era, ou “Era dos Deuses”, ocorreu quando a civilização foi estabelecida pela primeira vez no delta do Nilo. Textos escritos em hieróglifos nas paredes do templo de Edfu, entre Luxor e Assuã, referem-se à Primeira Era e aos Deuses Antigos, que foram os civilizadores e serviram como modelos culturais para os primeiros humanos primitivos neste planeta. Os textos mencionam explícitamente os Sete Sábios ou sete deuses (os sete arcanjos?) que foram responsáveis por erguer os primeiros templos e, particularmente, o templo principal conhecido como a “Casa de Deus”. Conta-se que originalmente os sete Deuses Antigos vieram de uma ilha conhecida apenas como “a terra natal dos Antigos”, que havia sido destruída em uma enchente. Esses seres eram conhecidos por diversos nomes, como os “deuses construtores”, “os Séniores ou Antigos” e os “Senhores da Luz”. A função primordial deles parece ter sido a de guardiões do conhecimento antigo do passado distante e sua transmissão para as gerações do presente e do futuro. (Bauval e Hancock, 1996:198-202)

Algumas tradições ocultas também alegam que as primeiras deusas e deuses do Egito dinástico eram visitantes de uma ilha destruída por um cataclisma. Muitos ocultistas consideram que essa ilha seja a mesma que o lendário continente perdido da Atlântida, cuja existência ainda é intensamente debatida. Dizem que as primeiras divindades, Osíris e ísis, governaram o Egito antigo em forma humana e trouxeram com eles os elementos da civilização, inclusive a agricultura. De acordo com os registros de Hermes Trismegisto, datados entre os séculos I a III, o casal divino “trouxe a divina religião à humanidade e parou com a selvageria da matança mútua. Eles estabeleceram ritos de adoração em concordância com os poderes sagrados do céu e tornaram-se legisladores da humanidade.,, (Freke e Gandy, 1997:88). Dizem que o mago e escriba da corte deles, Thoth, o deus da sabedoria, com cabeça de íbis, introduziu a Escrita, a Matemática, o Registro do Tempo e a Astronomia aos Egípcios.

Essa tradição foi ensinada dentro do grupo conhecido como a Ordem da Estrela da Manhã, fundada pela falecida astróloga, taróloga e maga Madeline Montalban nos anos de 1950. Esse grupo era baseado em uma mistura de mito egípcio, magia angelical medieval e filosofia Luciferiana.

Montalban ensinava aos seus alunos que os deuses egípcios eram formas adotadas pelos anjos educadores ou regentes planetários que ocasionalmente se materializavam na Terra para ajudar a evolução física e espiritual da raça humana. Longe de ser uma forma primitiva e atávica de adoração, a representação das divindades egípcias com cabeças de animais era uma ferramenta de ensino usada pelos sacerdotes do templo para explicar as características e atributos de cada um dos deuses. Por exemplo, o íbis passa sua vida nos banhados do rio procurando comida com seu longo bico. Isso simbolizava o ato de coletar e organizar os fragmentos de sabedoria e conhecimento por Thoth. Da mesma forma, o chacal vagava por entre as tumbas na busca de comida, e Anúbis, com máscara de chacal, era o deus que guiava os mortos para o mundo subterrâneo.

Em Abidos, o deus Osíris era venerado como o líder dos Sete Sábios ou Sete Construtores. Cada um deles ostentava em suas coroas o símbolo de uraeus ou cobra egípcia pronta para dar o bote. Isso representava o fogo cósmico trazido dos céus para a terra pelos Deuses Antigos. Osíris é associado tanto com o arcanjo solar Miguel quanto com o deus persa do fogo e da luz Ormuzd. Na tradição Luciferiana, no entanto, Osíris é um dos avatares do arcanjo conhecido como o Portador da Luz, que, como Azazel, liderou a rebelião dos anj os caídos ou Vigias durante a guerra no Céu.

Apesar de nossas tradições de magia sobre seres angelicais terem suas origens principalmente nas Escrituras hebraicas, como nós veremos freqüentemente em referências neste livro, tem sido amplamente admitido o fato de que a tradição judaica em relação a essas entidades foi muito expandida e enriquecida durante e após o período de cativeiro na Babilônia. Isso ocorreu quando eles foram apresentados às complexas magias astrológicas e estrelares da antiga Mesopotâmia. Quando Ciro, o Aquemênida, o xá da Pérsia, acabou com o exílio dos judeus na Babilônia, a religião hebraica começou a assimilar muitas características da espiritualidade dos Magos do Irã. O conhecimento da maioria das pessoas sobre os magos provém de breves referências no Novo Testamento aos três homens sábios ou astrólogos que visitaram e prestaram homenagens ao menino Jesus. Eles são às vezes descritos como os Três Magos e dizem que eles seguiram “a estrela no oriente” a partir da Pérsia (atualmente Irã).

No Primeiro Evangelho apócrifo sobre a infancia de Jesus Cristo, um dos muitos textos excluidos da Biblia, é dito que os três homens sábios vieram a Jerusalém à procura de Jesus por causa da profecia dita pelo adorador do fogo Zoroastro sobre o nascimento de um novo messias. O Evangelho também menciona que, após terem feito suas ofertas ao menino, os magos, de acordo com o costume no país deles, fizeram um fogo e o adoraram. Eles então fizeram uma oferta sacrificatoria das faixas que envolviam o menino ao fogo que eles criaram (3:6-7). Essas ofertas provam que os três homens sábios eram magos ou seguidores do Zoroastrismo, ou até uma forma mais antiga de adoração do fogo persa. Outra tradição alega que eles eram Cainitas, ou “povo do fogo” descendente de Caim do Velho Testamento.

O conceito judaico de arcanjos, em particular, passou por um florescimento radical durante os anos pós-exílio, ao passo que os sábios hebreus absorviam as antigas idéias Mazdeístas dos magos. Essas idéias diziam respeito aos seres divinos conhecidos como Amesha-Spenta, os “Imortais Beneficentes” e os emissários celestiais chamados de Yazatas nas tradições persas, parecidos com os Yajata da índia. Nos Amesha- Spenta, podemos compreender as divindades antigas do panteão indo- iraniano, os símbolos divinos que exerceram uma influência profunda sobre o desenvolvimento da Angelologia Judaica. Até mesmo os nomes hebraicos dos arcanjos, como Gabriel (“Poder de Deus”) e Rafael (“Cura de Deus”), são originados dos padrões formalistas iranianos que descrevem as diversas emanações da Divindade Suprema. Eles mostram grandes afinidades com os “Imortais Beneficentes”, cujo culto predominou em todo o Império Persa aproximadamente mil anos antes da era comum.

Reformas Zoroastristas reinterpretaram os deuses e as deusas da Pérsia por meio de linhas místico-filosóficas, dando origem à visão dos Amesha-Spenta, os arcanjos da religião Mazdeísta. O anjo hebraico reuniu a crença persa dos “Imortais Beneficentes” com as divindades planetárias e astrológicas que eles encontraram nas culturas assírias e babilónicas, uma fusão que deu origem à única Angelologia judaica, com seus aspectos simbólicos complexos e suas classificações cosmológicas.

A sequência canônica dos Amesha-Spenta dada na literatura Zoroastrista claramente provém do antigo panteão mago. Em sua ordem correta, eles estão listados como: 1) Vohu Manah - “Boa mente”, também chamado de Bahman, que imperava sobre o gado e os animais domésticos, um ser com ressonâncias mitraístas. 2) Asha-Vasishta - “Verdade Suprema ou Arbidihast, a personificação do fogo, e Rta, a ordem cósmica ou a divina “disposição do Universo”. Também ligada à figura indiana de Vasoshtha, um dos Sete Rishis (grandes espíritos) da constelação Ursa Maior. 3) Xsathra Vairya- “Primoroso Domínio”, ou Shariver, o senhor dos metais e da casta de guerreiros. 4) Spenta-Armaiti - “Pensamento Benigno”, ou Sipendarmith, o anjo feminino da Terra, a quem o escritor clássico Plutarco identificou como Sophia ou “sabedoria”. 5) Haurvatat - “Perfeição, Thothalidade”, ou Khordadh, a personificação das águas salutares ligada às divindades aquáticas femininas dos indo-iranianos. 6) Amirita- “Imortalidade”, ou Mourdad, que tem domínio sobre as plantas, especialmente a ambrosia, e imortalidade obtida do fermento da planta mística haoma, a também conhecida “erva branca do paraíso”. Esses “Imortais Beneficentes” representam as emanações hipostáticas da divindade suprema Ahura-Mazda sobre os diversos níveis da realidade cósmica, do reino empíreo do fogo cósmico até os elementos da terra, água e vegetação. Eles são os emissários elevados e onipotentes da Mente e da Vontade Divina.

Associados a esses seres, e os próximos em precedência a eles na hierarquia espiritual, estavam os Yazatas, que eram o alvo das oferendas ritualísticas no período mais remoto das culturas persa-iranianas. Eles eram anjos cuja presença permeou toda a criação, sendo agradados com oferendas de fogo sacrificatorio por toda a Pérsia. O principal deles era Ahura-Mazda, o primeiro Yazata Celestial. A Yazata da Terra é Zamyat, comparável com a deusa russo-eslava Mati Syra Zemlja, ou “Mãe Terra Úmida”. Na Terra, o mago iniciado era respeitado como um Yazata Terrestre, e o mais notável entre estes era o próprio Zoroastro. O Yazata Mercurial, chamado de Tir, tomou-se mais tarde o-anjo hebraico Tiriel na Angelologia de Israel.

A influência dos magos sobre as culturas do Oriente Médio e suas Angelologias foi difundida muito além do que apenas aos hebreus. Os adoradores de anjos sabeus (do egípcio “S’ba”, que significa “deus estrelar” ou “professor estrelar”) e os Yazidis também ficaram profundamente gratos às filosofias místicas da Pérsia. Yazidi, nome comum do povo tribal indígena no Curdistão (norte do Iraque), na Síria e no sul da Rússia, deriva da palavra Yazd, ou “anjo”, derivada da palavra persa Yazata. Yazidi significa literalmente “o Povo do Anjo”, especificamente MelekEl Kout, “O Grande Anjo”. O mito deles de fundação tribal descreve uma genealogia que se origina nos anjos caídos que se casaram com o gênero humano, e a religião deles é quase que totalmente dedicada à veneração desses seres espirituais celestiais.

Yazid é o nome do primeiro da linhagem deles, o lendário fundador da religião Yazidi, e é associado com o próprio Poder Divino. Um significado alternativo de Yazid é Azed, ou Deus, enquanto Yazed equivale ao Diabo. (Chumbley, 1995:76). De acordo com a escritura Yazídica, chamada de O Livro Negro, os setes xeques da religião deles eram encarnações dos arcanjos criados e enviados ao Universo por Deus. Sabeu parece ter sido um termo geral usado pelo Islã para descrever Hermetistas árabes não-muçulmanos e adoradores de anjos da antiga cidade de Harã na Mesopotâmia, as civilizações pagãs de Sabá, a terra bíblica de Sabá, na parte sul da Arábia, e os centros antigos e cheios de templos das grandes religiões estelares na Ásia, cujas chamas sagradas estiveram a serviço dos sacerdotes-magos do reino por várias eras.

Os Yazidis têm um histórico longo de perseguição por Muçulmanos ortodoxos, que dizem que eles são heréticos e adoradores do Diabo. Eles afirmam que o fundador da tribo foi Yezid ou Yazid ben Muquiya, um homem santo que se recusou a aceitar os ensinamentos de Maomé e se afastou para fundar sua própria seita islâmica herética. Outra teoria declara que os Yazidis são uma ramificação da herética seita Cristã conhecida como os Nestorianos, que se desprenderam da Igreja Católica Romana em seus primordios. No Nestorianismo, existiam dois Cristos: “um humano e um divino”, e, por causa desse doutrinamento blasfemo, eles foram expulsos de Bizâncio (Istambul) no século V d.C. Missionários Nestorianos viajaram para o Oriente e, por volta do século VII, eles haviam chegado à índia e à China, onde fixaram comunidades religiosas.

A tradição Cristã Nestoriana herética incorporou o uso da doutrina mágica, que supostamente foi dada a Adão pelos anjos e transmitida ao Rei Salomão. Acredita-se que hoje existam por volta de 10 mil Cristãos Nestorianos vivendo em campos de refugiados sírios perto da fronteira com o Iraque. Seus vizinhos próximos são os 2 mil Yazidis que fugiram da perseguição dos iraquianos no Curdistâo após a Guerra do Golfo. Dizem que os sacerdotes Nestorianos e Yazidis compartilham os dias de festividades entre si. (Dalrymple, 1997:140)

Especialistas ocidentais em religiões do Oriente Médio acreditam que a Pérsia antiga foi a origem das crenças dos Yazidis, porque as práticas e doutrinas da seita possuem elementos do Zoroastrismo. Eles também conservaram, ou adotaram, práticas que antecedem ao Islamismo, como a adoração do Sol e da Lua, a reverência de poços sagrados e a santidade de pedras e árvores. Eles acreditam que a água de um poço sagrado tem poderes mágicos de cura e purificação. Arvores e pedras também eram consultadas como oráculos, pois eles acreditavam que espíritos habitavam nelas.

Como vimos, conexões foram estabelecidas entre os antigos adoradores de estrelas sabeus, que dizem ter suas origens em Noé e Abraão de Ur, e os Yazidis. Os sabeus eram profundamente envolvidos com a crença estrelar e veneravam os anjos que governavam os sete planetas clássicos. Uma crença em especial dos sabeus pode ter influenciado tanto a Angelologia dos Yazidis quanto a dos hebreus; eles acreditavam que o Criador era um em essência, mas que se manifestava em várias formas. Ele habitava em cada um dos sete planetas e era representado por um arcanjo. Pelo fato de o corpo humano, em seu estado de perfeição, ser considerado um templo para o espírito, eles acreditavam que a força divina podería ser encontrada nos corações dos bons. Eles também acreditavam que o Deus do Universo, o Ser Supremo, era inteiramente bom. O Mal para eles foi um acidente cósmico que corrompeu a humanidade. Diferentemente de esquemas dualistas de fé e crenças que surgiram depois, eles não acreditavam que o mal era um princípio distinto, separado do Ente Supremo, agindo constantemente em oposição a ele.

Escrevendo sobre as crenças dos Yazidis na atualidade, o escritor viajante William Dalrymple as descreveu como: “Uma religião rara e esotérica, provavelmente uma ramificação de alguma seita herética Cristã Gnóstico ou Muçulmana. Os Yazidis acreditam que Lúcifer [sic], tendo apagado as chamas do Inferno com as lágrimas de sua penitência, foi perdoado por Deus e empossado novamente como Anjo Comandante. Agora conhecido com Melek Taus, o anjo-pavão, supervisiona a rotação diária do mundo” (1997: 463). Isya Joseph, escrevendo aproximadamente 80 anos antes, disse: “A religião atual dos Yazidis é um sincretismo que as religiões Muçulmanas, Cristas (mais heréticas do que ortodoxas), pagãs e quem sabe até as persas ajudaram a construir. ”(1919:21)

Os Yazidis ganharam consistência social e religiosa como um grupo organizado e estruturado apenas no século XII, sob a direção e o controle do xeque Adi ben Musafir, um famoso mestre Sufi. Eles então se tomaram “o povo do Livro” porque, à parte de aceitar uma estrutura islâmica, o Xeque alegou que havia recebido o texto de um livro sagrado chamado de Kilab al Giwah diretamente do próprio anjo-pavão. No entanto, os Yazidis sempre conseguiram sobreviver apesar da perseguição religiosa porque sempre aceitaram a conversão para as crenças ortodoxas dos países em que viveram. Apesar dessa aparente obediência ao Cristianismo e ao Islamismo, “a essência da fé deles é secreta e, quando livre dessas aparências que escondem essa essência, ela compartilha da gnose transmitida por uma fonte anterior ao ponto de vista histórico”. (Chumbley, 1995:76)

Os Yazidis acreditam que o Ser Supremo, o Criador Cósmico ou Deus do Universo, passou o trabalho de criar a vida na Terra aos sete deuses menores ou anjos. De acordo com a crença deles, Deus pode ter se eximido da tarefa de criação ou ido embora para criar novos universos. Deus, para eles, é um ser transcendental que tem pouco ou nada a ver com a humanidade. De acordo com eles, aquele que governa a nossa parte do Universo é Melek Taus ou Azazel, o Anjo-Pavão, que é o Senhor do Mundo. Ele é a fonte da revelação divina, o controlador da vida e da morte e o líder dos outros anjos que controlam os sete planetas. Embora o principal objeto de adoração deles seja Melek Taus e as sete potências angelicais, eles também veneram seu lendário fimdador Yazid, xeque Adi e diversos santos Sufis. Entre os últimos, podemos encontrar o mártir Sufi Al Hallaj, do século XII, que foi crucificado por heresia. Al Hallaj disse que seguia uma doutrina esotérica que podería ser ligada diretamente ao deus grego Hermes, a Pitágoras e aos magos Zoroastristas.

Os Yazidis também têm uma lenda acerca do Dilúvio, como descrito no Velho Testamento. Na verdade, eles reivindicam descendência de Noé e, portanto, da linhagem de Caim, que se origina nos anjos caídos. Melek Taus é descrito na mitologia Yazidi como aquele que desobedeceu a Deus por se recusar a adorar Adão. Na versão Cristã desse mito em particular,

Lúcifer é aquele que se recusa a curvar-se perante a criação de Deus. Ele questiona a Deus: “Por que você me força? Eu não vou adorar alguém que é mais novo do que eu. Eu sou mais velho que ele. Ele é que deve me adorarF\ (Pagels, 1995:49) No entanto, Miguel curva-se perante a criação de Deus, e Lúcifer é expulso do Céu pelo seu ato de rebeldia. Na versão Yazidi, o Anjo-Pavão diz que adorará a Deus, mas não à sua criação.

Os Yazidis também possuem uma história diferente de Adão e Eva. Na versão deles, o Arcanjo Gabriel criou Eva a partir da omoplata de Adão, ou de sua axila. No início, tudo estava bem, mas o primeiro homem e a primeira mulher começaram a discutir sobre quem seria o progenitor da raça humana. Adão depositou seu sêmen em um vaso de cerâmica e Eva colocou parte de sua menstruação em outro. Eles fecharam os vasos e esperaram por nove meses. Quando eles abriram os vasos, aquele que pertencia a Eva tinha apenas pó e vermes em putrefação. No entanto, o vaso de Adão tinha bebês gêmeos, homem e mulher, que foram os ancestrais dos Yazidis.

Após essa experimentação em nascimento de proveta, Adão e Eva tiveram uma relação sexual e mais dois bebês, homem e mulher, que foram os primeiros ancestrais dos cristãos e dos judeus. Melek Taus então desceu à Terra e, enquanto a raça humana crescia em número, ele nomeou seus próprios reis ungidos para governar os Yazidis. Esses reis foram os detentores antigos do trono e da coroa do pavão. Aúltima pessoa a ser coroada no trono do pavão foi o xá da Pérsia, antes de ele ser destronado em um golpe islâmico na década de 1980.

A tradição Sufi tem um mito que diz que, quando a Luz foi criada e contemplada pela primeira vez, tinha forma de um pavão. O pássaro é, portanto, um símbolo da “Beleza da Majestade Divina”. É “um símbolo dos processos alquímicos de transmutação e os estágios de desenvolvimento na consciência daquele que procura. As “cores do arco-íris em cada pena simbolizam as kalas ou cores dos raios da corrente mágica”. (Chumbley, 1995:72-73)

Nos rituais dos Yazidis, o Melek Taus é representado pela imagem de um pavão. Ela é afixada no topo de um castiçal com sete braços chamado de sanjak. Ele pode ser facilmente desmontado quando não está sendo usado e colocado em uma bolsa para transporte. Quando montado para uso ritual, vários jarros de água são colocados perto dele. A água nos jarros supostamente irá ficar “energizada” por esse contato próximo com a imagem do Anjo-Pavão. Durante as cerimônias, essa água é tomada pelos doentes e idosos, pois eles acreditam que ela tem poderes curativos.

Outra prática ritual importante para os Yazidis é adorar o Sol nascente a cada manhã e orar para a Estrela Polar. Em seu romance A Sacerdotisa do Mar, a ocultista Dion Fortune descreve o ritual mágico do Fogo de Azrael. Ele envolve a queima de galhos de cedro, sándalo e junípero. Azrael é então invocado como o Anjo das Portas para permitir o acesso a visões de vidas passadas ou ver além no passado. No romance, o personagem Wilfred tem uma visão do Oriente Médio antigo e diz: “Eu che- guei a uma terra onde as pessoas veneram as estrelas; para elas, a Estrela Polar é sagrada como o centro do céu. O deus deles é o Senhor Deste Mundo, o Anjo-Pavão”. (Fortune, 1957:145)

Outro ritual importante dos Yazidis consiste em realizar voltas reversas ou em sentido anti-horário em tomo de uma pedra especial. Esse ritual pode ser relacionado com a reverência mostrada pelos muçulmanos para com a Pedra Negra em Meca, começado pelo Xeque Al Hallaj, ou pode ser o reconhecimento do axis mundi ou pilar do mundo ligado à Estrela Polar e encontrado em culturas pagãs no mundo inteiro. Como vimos anteriormente, pedras comuns também eram usadas pelos Yazidis como “pedras de oráculo”, com base em uma crença animista em espíritos da natureza.

Os Yazidis eram predominantemente vegetarianos e pacifistas que acreditavam em reencamação. Se uma pessoa for julgada após a morte pelos anjos como alguém que foi bom durante sua vida, renascerá como um ser humano. Se ela for julgada como alguém que foi perverso durante a vida, poderá ser punida e renascerá em forma animal. Em tais casos, a pessoa poderá passar por diversas vidas como um animal antes de poder reencarnar como um humano.

Por conta de suas origens misteriosas, de suas crenças incomuns e da idéia difundida de que eles eram adoradores do Diabo, os Yazidis têm sido o assunto de vários relatos de viajantes. Na década de 1920, o escritor americano, aventureiro e ocultista W.B. Seabrook foi informado por um ex-oficial do exército de que os Yazidis haviam construido urna cadeia de sete torres “se alongando pela Ásia da Manchúria até o Tibete, a oeste pela Pérsia e terminando no Curdistão”. Supostamente, cada uma dessas torres (moldadas de acordo com a Torre de Babel na Biblia) era ocupada por um “sacerdote Satánico” que, “transmitindo vibrações ocultas, controlava os destinos do mundo para o mal” (1928:266). Meritoriamente, Seabrook rejeitou essa historia fantástica como “absurda” e descartou a lenda das sete torres Satánicas como um mito.

Na verdade, Seabrook conheceu o emir Said Berg, o emir Yazidi de Mosul, que ele descreveu com sensacionalismo como o “Papa Negro” dos Yazidis. Seabrook continua dizendo que Berg é “o governador supremo dos adoradores do Diabo de toda a Ásia”. Ele o descreveu “com barbas pretas em um turbante escarlate, vestindo uma grande capa preta”. O Emir levou Seabrook a um templo Yazidi construído ao lado de uma montanha. Perto da porta do templo, esculpido em alto relevo na parede, estava a imagem de uma serpente negra em pé sobre sua calda. Quando Seabrook perguntou sobre o significado daquela imagem, foi informado de que era “um símbolo de sabedoria”.

Dentro do templo havia um santuário e o túmulo de um santo Sufi que dizem ter sido um dos avatares humanos do Anjo-Pavão. O refugio sagrado do templo consistia de uma caverna com nascentes naturais que alimentavam os lagos no pátio extemo do edifício. Perto do templo havia uma torre branca, e Seabrook foi informado de que ali era aonde os sacerdotes Yazidis nos graus de faquir iam para realizar magia. Era essa a verdade por trás da lenda das sete torres Satânicas? Seabrook certamente parecia acreditar que sim, mas infelizmente ele continua a se referir aos Yazidis como “sacerdotes de Satanás” e adoradores do Diabo. (1928: 287-292)

Voltando à Angelologia dos hebreus, o mais importante de todos os anjos na tradição do Zohar era Raziel, “o Anjo Sagrado responsável pelos mistérios sobrenaturais”, e foi ele quem transmitiu a sabedoria sagrada da magia para Adão no Paraíso. “Razim” em hebraico significa “segredos” ou “mistérios”. Os místicos hebreus medievais ensinavam que o próprio Deus passou os mistérios da Cabala para uma companhia selecionada de anjos, que tinham a sua própria escola no Éden. Infelizmente, quando os anjos caídos tomaram esposas humanas para si, eles passaram os segredos da Cabala para “os filhos da Terra”. Raziel trouxe do Céu para a Terra o Livro da Gênesis do Homem, e suas folhas estavam repletas de “inscrições sobrenaturais e sabedoria sagrada”. De acordo com a doutrina iniciática, esse livro continha o mistério do Nome Divino, que foi passado por Adão ao seu terceiro filho, Seth. Ele foi herdado por Enoch, o filho de Caim, que tem um papel importante e significativo na preservação da gnose angelical dentro da tradição Hermética e dos mitos da Maçonaria antiga, como será mais tarde mostrado neste livro. Eventualmente, e talvez como fosse esperado, o Livro terminou em posse do hábil mago Rei Salomão.

A palavra “anjo” deriva da palavra grega angelos, ou um mensageiro, e do termo parecido ángaros, que supostamente veio da antiga língua persa, significando um emissário a cavalo. O termo angelo, que significa os mensageiros e potências celestiais da Mente Divina, aparece na literatura Hermética da cidade egípcia de Alexandria. O texto Kore Kosmu associa os anjos com o demônio sagrado dos ensinamentos platônicos que conduz a alma do reino imortal para a encarnação terrena. O Demônio age como o anjo defensor, inspirador e protetor da alma humana em sua existência mortal em um corpo físico.

O modo de pensar neo-platônico moldou a Angelologia Cristã recente de forma considerável, especialmente no livro apócrifo atribuído a São Dioniso Aeropagita. Na obra Da Hierarquia Celeste, uma classificação em nove partes das ordens ou coros angelicais é detalhada. Serafins, Querubins, Tronos, Dominações, Virtudes, Potências, Principados, Arcanjos e Anjos que são alinhados na nona esfera fora do reino das estrelas fixas. Marsilio de Ficino, estudioso e mago renascentista, descreve os papéis dessas ordens angelicais da seguinte forma: os Serafins investigam “a ordem e providência de Deus”; Querubins observam “a essência e forma de Deus”; Tronos contemplam a Presença Divina, “apesar de alguns descerem para trabalhos”; Dominações “planejam o que os outros executam” como “arquitetos celestiais”; Virtudes “movem os céus” e “contribuem para fazer milagres”; Potências são vigias alertas (sic) da ordem mundial, de onde “alguns deles descem para as questões humanas”; Principados são guardiões das egrégoras das “causas públicas, nações, príncipes e magistrados”; Arcanjos são os supervisores espirituais do “culto divino e protegem as coisas sagradas”; e Anjos representam um papel mais pessoal, pois “tomam conta de indivíduos como anjos de guarda” (os demônios da tradição grega).

Na tradição oculta ocidental e em sua teologia esotérica, os anjos são imaginados como seres serenos e de sabedoria elevada, entidades extraordinárias cuja natureza é de pura luz e de consciência gloriosa. Como seres compostos de energia pura e luz, eles são conhecidos como Senhores da Chama. Eles são formas de revelação da Mente Divina (Inteligência), bem como mensageiros do Altíssimo. Quando estão nessa função, eles são emissários cósmicos presentes na criação e na evolução do Universo e de seus habitantes. No contexto da magia aplicada, eles fornecem as chaves para as transformações impressionantes do micro e do macrocosmo, de acordo com a vontade esclarecida de um verdadeiro mago. Em planos mais profundos, as potências angelicais servem como mediatrizes da inefável espiritualidade do Supremo, existente totalmente fora de toda experiência limitada e concepção humana.

Os arcanjos e os anjos permanecem entre o mundo divino e o natural como portadores da influência supraceleste do Além. Eles são igualados, dentro dos complexos psíquicos, às mais altas ordens que se estendem, do natural ao divino, às faculdades sobre-humanas da Ratio ou Razão Divina relacionadas com os três coros de Anjos, Arcanjos e Virtudes. Intellectus ou Inteligência Ativa é associada aos coros intermediários de Potências, Principados e Dominações. Finalmente, a mais sublime faculdade, Mente ou Mente Perfeita, é típica dos mais altos coros de Tronos, Querubins e Serafins. É o estado no qual há uma identificação total com o Divino. No esoterismo ocidental, é dessa forma que as potências angelicais se correlacionam com os mais elevados meios de consciência. Por essa razão, eles são considerados como supervisores da evolução espiritual dos seres humanos. Como “anjos educadores”, eles incorporam os miraculosamente poderosos potenciais iniciáticos ocultos dentro da psique, instruindo-nos, inspirando e transformando todo o nosso ser de acordo com a Vontade Superior.

É como o grande mago renascentista Pico delia Mirándola disse em sua visão magnífica do mago completo. Segundo ele, foram colocados potenciais mágicos em todos os humanos no momento em que foram criados, permitindo que eles se tomem o que quiserem. Mirándola disse: “Quaisquer sementes que cada homem cultivar amadurecerá, e ele carregará seus próprios frutos. Se elas forem vegetativas, ele será como urna planta. Se sensíveis, ele se tornará embrutecido. Se racionais, ele se tomará um ser divino. Se intelectuais, ele será um anjo e o filho de Deus. E sefeliz na sorte de nada ser criado, ao se recolher no centro de sua própria unidade [a Mente], seu espírito, feito em unidade com Deus, na escuridão solitária de Deus, que é posto sobre todas as outras coisas, deverá superar a todos” (Oração da Dignidade do Homem). As hierarquias angelicais dionisíacas eram freqüentemente identificadas com o esquema de dez partes dos caldeus relacionando as potências supracelestes no “mundo intelectual” como governantes das esferas planetárias. Esse era um modelo derivado do antigo Mercavah, ou Livro do Carro, no qual o iniciado passava através dos “céus” planetários em direção ao unio mystica ou união mística (com Deus).

O grande ápice da transformação angelical na tradição oculta ocidental e o objetivo da magia consiste na elevação da psique à sua natureza angelical primordial, na revelação do anj o oculto dentro do ser humano de matéria, na compreensão daquela natureza, que envolve a transformação em um ser deificado ou “aperfeiçoado” e a transformação do ambiente de alguém em um mundo paradisíaco ou divino. No culto angelical dos Yazidis, esse mistério está resumido na imagem do Anjo-Pavão, Melek Taus. Esse termo foi habilmente interpretado pelo mestre Sufi, já falecido, Idries Sayed Shah, como uma receita esotérica descrevendo a renovação espiritual do iniciado. Pela técnica árabe do abjad, a palavra MaLaK, “anjo rei”, representa a poderosa faculdade angelical de consciência espiritual dentro do gênero humano. O homófono “Tauus” significa “terra verdejante”. Conseqüentemente, isso envolve a expansão paradisíaca do campo psíquico sob a governança do anjo interior ou a expansão da mente (a terra verde) por meio da faculdade maior (anjo).

Esse processo iniciático talvez possa ser compreendido por meio da classificação gnóstica valentiniana dos temperamentos espirituais humanos, uma tipologia tripla que define o estado interior do desenvolvimento das entidades humanas neste mundo como explicado a seguir. O Hylkos, ou Humano Hílico-Material, é caracterizado por estar preso ao estado terreno e limitado a um nível material de percepção/ concepção. Eles são atados pelo condicionamento instintivo animal. Tais pessoas pertencem à “massa popular” da humanidade e são algemadas pelos seus padrões dualistas e ilusórios definidos pela massa e para ela por meio da engenharia sociopolítica, da mídia, da publicidade, etc. Esse é um estado em que a pessoa se encontra cega ou adormecida e no qual a mente humana está iludida e desorientada pelos fantasmas da ignorância material. É, portanto, o estado mais baixo e mais comum da evolução humana neste planeta na atualidade e é representado pelo elemento alquímico Sal. Muitas das técnicas de magia e exercícios espirituais do ocultismo prático têm como propósito despertar a humanidade do “sono do materialismo”. Uma vez acordadas, essas pessoas podem perceber, entender e apreciar a realidade da vida em todos os níveis e aprender a se desenvolverem espiritualmente.

O Psykhikos, ou Humano Psíquico, é o gênero que, até certo grau, desenvolveu as faculdades ocultas da psique. Eles estão se empenhando para a compreensão tanto da verdade interior quanto da exterior. Esse é um estado caracterizado pela força ativa, propósito espiritual e despertar para a natureza verdadeira do eu, na qual há momentos de percepção (synesis) que permitem que o iniciado obtenha relances da gnose ou auto- conhecimento. E a fase na qual o iniciado começa a emergir no estado de despertar e toma-se diferente das multidões adormecidas do mundo profano. Conforme o início da Era de Aquário se aproxima, cada vez mais seres humanos buscarão se libertar das algemas do materialismo a fim de atingir esse estágio de desenvolvimento espiritual. A natureza dinâmica desse estágio é representada pelo elemento alquímico Enxofre.

O Pneumatikos, ou Humano Divino, é o mais alto estágio de perfeição, no qual a compreensão da gnose se toma um fluxo incessante fundamental de bem-aventurança. Tendo superado as algemas ilusórias do estado material, o Pneumatikos pertence inteiramente ao mundo divino da Mente Pura e existe fora de todos os padrões terrenos de bom e mal como um “liberto”, “perfeito” (Cathari) ou “purificado” (Katharos). Imortal, onisciente e possuidor de poderes milagrosos. Esse é o estado de “exaltação” divina buscada pelo mago, a Apolytrosis (liberação ou redenção) inicial dos ensinamentos do místico gnóstico Valentino. Ele é caracterizado pelo estado angelical em sua prístina e imaculada pureza. Tendo se elevado além das esferas do mundo natural e celestial, o Pneumatikos está livre do domínio do Destino e do tempo causai, escapando do Círculo da Necessidade e da influência condicionante das estrelas. Eles se tomam completamente livres e fora do dominio do tempo e da morte. Esse estado transcendental corresponde ao elemento alquímico Mercúrio, o Mercúrio dos Sábios.

Os três Humanos Arquétipos da antropologia Gnóstica se ligam aos três mundos e às 22 esferas concêntricas da cosmologia Ptolemaica. Este não é um esquema científico inicial do sistema solar, e sim um mapa secreto cósmico psíquico revelando os estágios iniciais de ascensão e a interligada “cadeia dourada” do Ser que transpõe o mundo espiritual, estrelar e material como segue.

O Mundo Natural é o reino geocéntrico da substância física densa ou matéria e dominio terrestre do Hylkoi. Ele parte da Terra, a esfera elemental da terra ao centro, até as esferas elementáis gradualmente purificadas de Aqua (água), Aer (ar ou atmosfera) e Ignis (fogo), que é a esfera das chamas celestes. Esse mundo está totalmente sob as influências causais do Tempo e sob o dominio dos planetas e estrelas do zodíaco. É caracterizado por um “tomar-se” e um fluxo incessante, em vez de um “ser” ontológico fixo no sentido platônico. É, portanto, a limitação finita do Absoluto, uma miragem ou teatro de sombras distante das “Idéias” ou “Arquétipos” dentro da realidade pura do Espirito ou Mente Divina.

O Mundo Celeste engloba as esferas planetárias e astroestrelares propriamente ditas, ou seja, os circuitos do Sol, Luna (Lúa), Mercurius (Mercúrio), Venus, Marte, Júpiter e Satumus (Saturno), além da esfera ogdoádica do Caelum Stellatum ou Céus Estrelados (Mazloth - os Céus Estrelados da tradição oculta Caldeu-Judaica) -, abrangendo as estrelas fixas do cinto zodiacal. Elas são consideradas como as condutoras das inteligências viventes, ou almas, em vez de corpos físicos e principios microcósmicos que agem como agentes e canais para a Luz Divina. Elas estão constantemente despejando as influências divinas em manifestação material e condicionando a realidade do espaço-tempo abaixo dela. Essa é a doutrina oculta por trás da astrologia esotérica como ferramenta mágica nas mãos do mago. Esse é o domínio dos Psykhikoi ou a esfera dos princípios psíquicos viventes ligando-se às Idéias Divinas que se gravam na substância maleável da matéria (hylé).

O Mundo Divino ou Supraceleste é o reino do Primeiro Existente. Ele simboliza o estado divino dos Pneumatikoi ou Libertos. É aplemora imutável da existência imortal, a preexistência ou estado “antes da luz” de Plotino, a perfeição vindoura do Supremo, que é a verdadeira “Era Dourada” mítica ou terra paradisíaca. Ele tem luz própria, além dos limites do Tempo e da mudança, e é totalmente beatífico - a vastidão infinita do conhecimento e felicidade pura, que é a verdadeira essência divina do legítimo eu. Ele progride para fora através das nove esferas das hierarquias angelicais de Dioniso: Anjos, Arcanjos, Virtudes, Principados, Potências, Tronos, Dominações, Querubins e Serafins na esfera da Mente ou Mente Perfeita. Ele alcança, portanto, o infinito misterioso do Ente Supremo Oculto, o Absoluto além de todo pensamento ou concepção condicional.

As esferas e os círculos dessa cosmología tripla representam a cartografia gnóstica da consciência, revelando os “éons”, pilones e pórticos de energia que o mago deve passar no caminho para a Grande Compreensão, que é a Apoteose suprema. Dessa forma, ela fomece tanto o autêntico padrão holístico universal micro-macrocósmico quanto o Caminho Real da ascensão iniciática na Alta Magia Angelical. Ela revela a estrutura entrelaçada dos “mundos” noumenal e fenomenal e, consequentemente, fomece a compreensão dos meios dos processos mágicos de acordo com o axioma de Hermes: “Assim como é em cima, é embaixo”.

No Tratado das Enéadas, do século IV, Plotino menciona essa catena aureae ou “corrente de ouro” ligando os níveis mais altos e mais baixos da realidade. Na Arte da Magia, tudo gira em tomo dessa corrente: a Prece e sua resposta e a Magia e seu sucesso dependem da harmonia das forças ligadas entre si. Do mundo sublime das inteligências angelicais à rústica dimensão dos elementos, tudo é um conjunto sagrado continuo cheio de ligações harmônicas e ressonâncias vibratorias que alinham os princípios mais altos e os mais baixos. É o conhecimento aplicado desse padrão, essa Harmonia Mundi ou Mundo Harmonioso invisível, que torna a magia tão possível quanto eficaz. Isso se encontra com a mesma intensidade tanto no mais humilde dos encantos para se conseguir um desejo quanto nos mistérios angelicais mais elevados da Luz.