domingo, 16 de janeiro de 2022

A Prática da Magia Cerimonial

O termo magia – ou a prática da magia cerimonial – vem ganhando popularidade desde o período do Renascimento, que inaugurou uma nova etapa na história da magia. Quando me refiro a história da magia, falo da Tradição Hermética de Mistérios: é impossível falar da história ou mesmo da arte da magia fora do contexto do que se conveniou chamar de hermetismo. O período da Renascença marcou a introdução na Europa de antigas escrituras perdidas, atribuídas a magos conhecidos ou personificações divinas. Um exemplo foi a tradução do Corpus Hermeticum feita por Marcílio Ficino (1433-1944), o que pareceu o ponta pé inicial do renascimento moderno da magia. Até aquele momento, a magia manteve-se reservada, senão preservada, por círculos bem secretos e fechados de magos, principalmente árabes. No entanto, como o Mundo Antigo helenizado possibilitou o intercurso de culturas formando a gênese da Tradição Hermética como movimento histórico, as cruzadas que representaram o maior embate entre cristãos e muçulmanos também foram responsáveis por reintroduzir na Europa o conhecimento esquecido da magia, apagado da história ocidental após a expansão do cristianismo.

Este renascer da magia parece ter tomado pleno vigor com o advento do Iluminismo e a propagação do ponto de vista (ou paradigma) cientificista. Mas a influencia iluminista na tradição mágica ou hermética teria uma consequência grave: a magia perdera toda sua beleza e riqueza ao ser influenciada pelo pensamento cartesiano científico. Nos termos aristotélicos, a magia perdeu seu pneuma. A Ordem Hermética da Aurora Dourada marcou o ápice do pensamento mágico aliado ao paradigma cientificista moderno. Claro, de modo bem discreto e moderado, pois a Ordem mantinha uma aura mística rosacruciana, aliando Astrologia, Alquimia, Geomancia e Tarot dentro de uma estrutura daquilo que ficou conhecido como Qabalah Hermética Moderna. Mas foi somente com Aleister Crowley (1875-1947) que a magia uniu-se completamente ao ponto de vista cientificista, rompendo completamente com a visão animista da realidade em detrimento do idealismo científico. Crowley chegou a chamar o seu sistema de teurgia cética,  como oposta radical da teurgia clássica neoplatônica que depende, para seu exercício, da visão animada da realidade.

Após o advento da Ordem Hermética da Aurora Dourada e seu mais proeminente membro, Aleister Crowley, que dela foi expulso e a partir de então configurou seu próprio sistema sobre os escombros da antiga Ordem, sendo reconhecido como o pai da magia moderna, a maioria das tradições espirituais e ordens que se desenvolveram seguiram uma interpretação idealista da magia, aliada ao pensamento científico moderno.

Quando um jovem impetuoso começa a se lançar no estudo da Arte dos Magi, o que ele encontra é uma miríade de possibilidades. São inúmeros trabalhos entre monografias e livros publicados e distribuídos gratuitamente na internet. Além disso, há novas possibilidades: o You Tube está cheio de magistas desenvolvendo vídeos e existem milhares de grupos no Facebook e WhatsApp onde todo esse material, mais o convívio com outros magias praticantes, especialistas de alto ou menor grau, possibilita aquisição rápida de informações. Embora isso seja ótimo por uma perspectiva, pois hoje é possível carregar no celular uma biblioteca completa de magia, por outro lado a formação do magista sem sido deixada de lado. O resultado é uma leva de magistas medíocres com um conhecimento pífio da Arte, indisciplinados e de mente fragmentada, quer dizer, sem controle ou foco. Se por um lado a magia perdeu seu encanto ao se aliar ao pensamento científico moderno, por outro lado isso também possibilitou uma superficialidade indiscriminada nos magistas modernos. No entanto, os mais sérios têm caído na real, despertado para o fato de que a magia moderna não funciona, carece de vida e é rica em temas pífios. Então dois são os pontos essenciais no início da jornada:

1. Para aprender magia e exercitá-la como os magos da Antiguidade, é necessário redescobrir a visão animada da realidade, quer dizer, começar a olhar o mundo a partir de uma perspectiva animista. No fim dessa lição há um exercício para colocar em prática essa visão animada da realidade. A magia hermética greco-egípcia opera fundamentalmente através dos daimones, criaturas espirituais de inúmeras naturezas: mortos, elementais de todos os tipos, o daimon pessoal etc. Nessa lição você tomará conhecimento de daimones das emoções, das condições ambientais, da estrutura social etc., aos quais deverá entrar em contato íntimo.

2. O início da jornada é um treinamento pessoal. Para se tornar um mago, é necessário empreender um esforço sobrenatural na construção dos fundamentos internos que lhe possibilitarão exercer a magia. Esse treinamento tem o objetivo de despertar suas capacidades paranormais, fundamentais ao exercício da magia. Concentração, visualização, magnetismo pessoal, poder de vontade, divinação etc. dependem de um árduo treinamento físico, mental e emocional. Sem isso é muito difícil conquistar resultados poderosos na magia. Esse treinamento espiritual magístico, no entanto, depende de condições adequadas para ser colocado em prática. Isso tem sido um problema para o magista moderno completamente inserido no estilo de vida tecnológico do mundo de hoje. A condição mais adequada, essencialmente fundamental e preciosa do treinamento mágico é: isolamento total. Poucos são os magistas que podem se isolar completamente hoje. Por isso muitos têm participado de retiros mágicos com seus professores. Nesses retiros há uma oportunidade singela do aluno estar mais próximo do professor, aprendendo diretamente com ele na prática. O treinamento mais adequado é esse: o professor ensinando o aluno dentro de uma estrutura de conhecimento que o possibilite transformar-se completamente.

Se você está no início da jornada na Arte dos Magi, desde agora esteja consciente que por trás do corpo de conhecimento produzido pelos magos da Renascença e Iluminismo até os dias de hoje, no que se conveniou chamar de magia moderna, existe um sistema de prática mágica que é a gênese da magia cerimonial como a entendemos. A parte deste sistema que lida diretamente com a magia cerimonial são uma coleção de papiros que ficaram conhecidos como Papiros Mágicos Greco-Egípcios. Trata-se de uma coleção de textos altamente sincréticos que unem em seu exercício mágico as técnicas da magia como praticada na Grécia, Roma, Egito e Pérsia, mais o Cristianismo Copta e o Gnosticismo. Essas técnicas de magia greco-egípcia, como ficaram conhecidas, utilizam basicamente uma fusão de feitiços e encantamentos com a convocação de daimones diversos (goēteia).

O que realmente deu consistência a magia cerimonial medieval elucidada por Agrippa e sistematizada nos grimórios foi a união da tradição judaica-cristã e suas hierarquias angelicais as invocações e métodos greco-egípcios que, nos dias de hoje, parecem tipicamente inspirados na Cabala Crioula. Foram os magos cristãos-coptas que inspiraram toda prática da magia cerimonial como a conhecemos nos dias de hoje, herdeira de Agrippa e dos grimórios medievais. Essa sistematização está completamente distribuída nos papiros e nos oferece uma prática consistente destinada a conquistas espirituais e sucesso material através de invocações e evocações.

Existe uma diferença tangível entre o mago e o feiticeiro. Não vou me adiantar nessa questão aqui mas, fundamentalmente, um mago está completamente inspirado a trabalhar sobre si mesmo, diferente da caricatura típica do feiticeiro. Desde a Antiguidade ou antes, desde o Séc. VI a.C., já se discutia a distinção entre esses dois personagens. Nós vamos ver isso com detalhes, nessa e nas próximas lições. Mas o que é relevante aqui é que o mago é orientado por princípios herméticos genuínos e isso o distancia do feiticeiro. Ao viver em harmonia com princípios herméticos genuínos, o mago estabelece uma ética e moral para si mesmo que o harmonizam com o cosmos e são fundamentais ao seu desenvolvimento magístico.