domingo, 16 de janeiro de 2022

A Síntese Hermética

Na magia tradicional salomônica o termo evocação tem um significado distinto daquele difundido pela magia moderna. A evocação como compreendida pelos modernistas trata-se de projetar para fora, geralmente para dentro de um triângulo mágico, um demônio da mente inconsciente. O paradigma moderno da magia como estabelecido por alguns membros da Ordem Hermética da Aurora Dourada ou por sua verdadeira representante, a Astrum Argentum fundada por Aleister Crowley (1875-1947) a partir dos escombros da velha e destruída ordem, ensina que os demônios do Lemegeton são partes da mente inconsciente.[1] A magia tradicional salomônica, por outro lado, segue a visão animista apresentada nos grimórios medievais. Como temos estudado neste curso, a prática da magia na Antiguidade e Idade Média exige uma consciência daemonica, quer dizer, a crença na existência de criaturas espirituais separadas da consciência humana, entidades do corpo de Deus. Sem isso a prática da magia tradicional salomônica trata-se de uma impossibilidade.

No contexto dos grimórios, a evocação é o elemento central da operação magística. A palavra evocação vem do latim evoco que significa chamar ou convocar as entidades do corpo de Deus de maneira agressiva, usando ameaças ao invés de adulação e barganha ou bondade e caridade.[2] Uma operação magística evocatória, portanto, consiste na utilização de tecnologias mágicas e armadilhas de espírito que separam o mago do demônio convocado devido à criação da virtude da hostilidade por meio das ameaças mágicas. Essa é uma influência nitidamente católica devido a cosmovisão dos grimórios medievais, todos produzidos pela elite intelectual da Idade Média, quer dizer, os padres da Igreja Católica.

A barreira principal erigida entre o mago e o demônio é o círculo mágico, central em todas as operações de magia tradicional salomônica. O Hygromanteia, ancestral direto das Chaves de Salomão, esboça pelo menos dois tipos de operação evocatória.

Esse tema traz a mente uma experiência pessoal que ocorreu por volta de 2013 no Céu das Estrelas, Igreja do Santo Daime e representante regional lá na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. Depois de uma sessão de concentração, alguns dias antes do Trabalho do Dia das Mães, lá pelas tantas da meia noite, o comandante da igreja, Fernando Ribeiro, toca meu ombro esquerdo e diz: Fernando, estão te chamando aqui no quartinho. Ele se referia ao quartinho de cura que ficava atrás da biqueira do Daime, o altar onde o sacramento era despachado nas sessões.

Prontamente o acompanhei até o quartinho de cura. Quando lá cheguei havia um irmão, o Bibim com nós o chamávamos, arqueado como um exu pagão, quer dizer, da porteira para fora, que me disse logo que entrei: Então, você não gosta do demônio? Tô aqui. Diante dele me prontifiquei com pé esquerdo à frente, acionando o hemisfério direito do cérebro, aquele que realmente faz magia e tem o poder do conjuro. Coloquei a mão esquerda sobre a estrela consagrada da doutrina, no lado direito de meu peito. Estendi a mão direita à frente, na direção dos olhos da entidade. Os dedos polegar, indicador e médio unidos enquanto que os dedos anular e mindinho encostados na palma da mão. Este é o símbolo cristão do fogo do Espírito Santo, utilizado em batismos, unções, bendições, consagrações, conjurações e exorcismos. Ao me prontificar disse: Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e do Eterno Pai Celestial nas alturas e da Santíssima Mãe de Deus, qual é o teu nome? A entidade cabisbaixa relutou e esperneou dizendo: Meu nome é Zé! Então retruquei: Zé? Povo de Rua? A entidade resmungou e resmungou sem nenhuma lógica. Logo identifiquei que se tratava de uma entidade zombeteira, pois não conseguia raciocinar as minhas perguntas. Eu perguntava: Quanto é dois mais dois? Ela respondia resmungando e nada dizia. A entidade mal sabia falar. Quem te mandou aqui? Com que autoridade você se apresenta? Essas eram perguntas que a entidade não sabia responder.

Eu optei por fazer algo muito distinto da doutrina do Santo Daime. Nessas circunstâncias a orientação da doutrina é tratar com carinho, doutrinar e curar. Essa cura o próprio Santo Daime é quem dá. Após a doutrinação da entidade o fiscal ou comandante lhe dá uma dose de Santo Daime, que cristifica e cura a entidade, seja zombeteira, demônio etc. No entanto, em minhas veias correm sangue de mago, optando por exorcizar a entidade zombeteira. Isso foi desonroso ao método da casa, como depois me avaliou o comandante, infelizmente.

Ao perceber que ali estava uma entidade zombeteira, me prontifiquei a conjurar após fazer o Sinal da Cruz na face dele: Senhor Jesus Cristo, Palavra de Deus Pai, Deus de toda criatura que destes aos vossos apóstolos o poder de subjugar os demônios e inimigos hostis de seus servos. Em nome do deus Santo e de sua Palavra Nosso Senhor Jesus Cristo, vá-te daqui demônio. Eu repeti exaustivamente esse exorcismo junto ao Salmo 90 – Sob a Proteção do Altíssimo. Por fim, o irmão da casa se viu livre da entidade zombeteira quando lhe impus ambas as mãos e roguei: Senhor, nosso refúgio e proteção, livrai o vosso servo das prezas do demônio, dos laços do ardiloso, protegei-o nas sombras de vossas santas asas divinas lhe enviando São Miguel e São Gabriel para defender-lhe.

Após o ocorrido o comandante da casa me repreendeu severamente, dizendo que não é daquela maneira que ali se lidava com este tipo de possessão. Eu pedi desculpas dizendo que de onde eu venho, esse tipo de entidade nós sentamos a espada na cabeça. O comandante disse: Aqui não! Aqui nós tratamos os espíritos com «bondade e caridade».

A evocação mágica na magia tradicional salomônica remonta aos Papiros Mágicos Greco-Egípcios e trata-se de uma operação magística cuja finalidade é convocar e imprecar um demônio a sua aparição visível. A tecnologia espiritual da evocação de um demônio é, portanto, violenta e hostil. Ela não está interessada em projetar demônios da mente inconsciente, mas convocar a aparição entidades do corpo de Deus. A principal armadilha de espírito para evocação de um demônio é o triângulo mágico, presente tanto na magia egípcia quanto na magia greco-romana. Pessoalmente, eu melhorei a tecnologia do triângulo ao incluir o cabo de aço e água na evocação de um demônio. 


NOTAS:    

[1] Tecnicamente Crowley diz que os demônios do Lemegeton são partes do cérebro, fazendo entender que se tratava de entidades internas, pessoais. Crowley não descarta entidades objetivas do corpo de Deus e isso ele demonstrou por volta de 1929 quando produziu seus aforismos sobre magia, tendo ainda confirmado em palavras claras no fim da vida a existência de entidades objetivas. Veja Aleister Crowley: Goetia, Magia em Teoria & Prática e Magia sem Lágrimas. A partir do Iluminismo Científico de Crowley, a magia tornou-se cada vez mais psicológica. Veja Natural Occultism de Frater IAO131.

[2] Adulação e barganha é o método dos feiticeiros como praticado nas choupanas de Cabala Crioula, especificamente a kimbanda. Bondade e caridade como praticado nos centros espíritas e ecléticos como a tradição do Santo Daime por exemplo.