domingo, 16 de janeiro de 2022

Beelzebuth

 “Tudo que existe tem um nome; o que não tem nome não existe”

(Doutrina do Nome- pensamento mesopotâmio)

Antes de adentramos na criação do nome e das qualidades dessa inteligência, acredito que fazer uma breve explanação histórica acerca das civilizações pode contribuir para algumas associações. A Ásia Ocidental (principalmente o Oriente Médio) englobava a antiga Mesopotâmia, ou bacia do Tigre e do Eufrates; sua parte baixa constituía o país da Suméria, cuja civilização estendia-se e influenciava demais países vizinhos como Elam (Sudeste do Irã), o reino de Urartur ou de Van (mais recente), a Síria e a Ásia Menor (sede do poder dos hurritas e hititas), o reino da Fenícia e da Palestina.

Nos estudos acerca das religiões do passado, nas regiões citadas acima, as religiões eram basicamente delimitadas pela fertilidade e fecundidade. São chamadas de religiões Asiânicas e Mesopotâmicas. Muitas guerras aconteceram dentro de tais territórios. Naturalmente, a cultura foi maculada pela miscigenação dos povos. Em especial destaco a guerra (duelo de múltiplas fases) entre semitas (provenientes da Arábia) e sumerianos que culminou na soberania semita. Portanto, qualquer definição acerca das religiões é cercada de barreiras. Por mais que nos esforcemos, jamais conseguiremos dar uma completa exatidão dos pensamentos de tais povos que se distanciam de nós milhares de anos.

Partindo desses aspectos, iniciamos a jornada de Beelzebuth pelos caminhos da mitologia.


A Formação

 

Baal–  palavra  de  origem semita,  com cognato  em  hebraico que  quer dizer “o senhor, dono ou marido”. Tal palavra pode significar qualquer deus, ou até pessoas mundanas. Portanto, apenas estudando exaustivamente os textos das antigas religiões poderemos dar a certeza de que “Baal” estamos retratando e qual sua relação tempo-espaço nas culturas. Pode ser Hadad em Ugarit, Baal de Tiro, Baal de Cartago, Baal Afelkart entre outras passagens onde o nome aparece.

Outro aspecto deveras interessante na morfologia do nome Baal é a forma cognata em Acádio, Bel. Os significados são os mesmos. Um dos deuses que recebe esse título é Enlil (Pai dos Deuses) – deus do vento e das tempestades. Adorado na cidade de Nippur, no Ekur, recebe o título de Bel e ostenta uma tiara de cornos, assim como Anu.

No culto Fenício, Baal (filho de El-Dagon e Asherat) é representado por animais corníferos como o touro e o carneiro. O ”culto ao corno” demonstra a correlação aos deuses Adad mesopotânico e Hadad siríaco. Todos esses aspectos sustentam a idéia acerca das influencias culturais ocorridas nos territórios mesopotâmicos.

Apesar da natureza dos cultos serem de grande responsabilidade, concedendo a idéias de justiça e benevolência, estudiosos afirmam terem  ocorrido sacrifícios humanos de primogênitos (herdados pelos cananeus) com descobertas de urnas funerárias em Cartago e Kafer-Djarra para a divindade Baal-Hammom.

Uma característica dos deuses das culturas da Mesopotâmia são qualidades humanas. Todos possuem qualidades e defeitos. Não são deuses inatingíveis pelos homens,  ao  contrário,  são  presentes na  vida  das pessoas.

Os  mitos alimentavam as ligações, afinal, eles necessitavam de alimentos (sacrifícios) e se vestiam como humanos, com a diferença que ostentavam suas qualidades planetárias em jóias e artefatos simbólicos que guardavam seus poderes. Alguns defeitos e falhas de comportamento indicam deficiências no processo de formação da sociedade mesopotâmia. O poder do verbo deles também tinha grande força, inclusive em maldições. A imortalidade ao mesmo tempo era relativa, pois alguns deuses morreram em batalhas épicas; Kingu e Tiamat (panteão primitivo) são os exemplos disso. O conceito “imortal” foi fruto de uma evolução e miscigenação da sociedade.

​Segundo antigos escritos, o nome Zebul aparece justamente  em detrimento dos defeitos e das disputas dos deuses entre si; “... atraídos pelo odor, reuniram-se como moscas em volta do sacrificador...” (o sacrifício de Utanapishtim – o justo, no poema “O Dilúvio”). Zebube ou Zebûb  (זבוב  בעל) possui o sentido literal “voar” sendo um substantivo coletivo. Portanto a junção dos nomes Baal+Zebûb significaria “Senhor que voa” ou “Senhor dos Ares”. Em verdade, Zebul é uma forma de designar aos hebreus o “quarto céu” ou o que é “Sagrado”, a “casa”, o “Templo”. Mais uma vez, Baal+Zebul significaria “Senhor do Templo” ou mesmo “Senhor do Céu” e isso nos remeteria também a Bel.

O  número  místico  de  Baalzebube  é  55  (cinqüenta  e  cinco).  O  cálculo   é resultado   da   soma  dos   valores   das   letras   hebraicas   “בה זבּו בַאל”. 

Na numerologia convencional, tal resultado poderia ser (num primeiro momento) reduzido a 10 se somarmos o duplo 5. Porém, numa redução maior onde o 10 transforma-se em 1 pelo mesmo processo, temos a concepção da letra hebraica “Alef” , ou “o início”, “ o desvendador”, “ a chama de um ser que sempre há de nascer”, afinal, tal letra não é um som ( e podemos correlacionar com o próprio Caos pré-criação) e sim uma letra que anuncia vocalizações sem consoantes, visto que não existem letras para sons vocálicos. Na antiguidade,  a grafia da letra Alef era similar a um touro e demonstrava a força, virilidade e poder. Com o tempo, a grafia foi mudando e muitos significados novos foram sendo adaptados. Hoje, existe uma concepção do Alef como uma fronteira entre o mistério e a revelação, contudo, associada ao culto e tradição  hebraica onde, (após milênios de mistérios adaptados de outras culturas) apenas existe a concepção religiosa deles.

A corrupção do nome existiu. Não sabemos de fato onde a  degeneração surgiu, entretanto, como opções, podemos seguir algumas vertentes de pensamento. Se a corrupção veio pelo medo, pela evolução do pensamento da sociedade, pela imposição de deuses de culturas dominantes, pela corrupção lingüística, enfim, muitas são as possíveis explicações. Não tenho  a  fonte dessa informação, mas li há muito tempo que quando sacerdotes de culturas diversas (provavelmente de Yavé) presenciaram o local de sacrifícios repleto  de moscas atraídas pelo sangue, corromperam o nome transformando-o em “Senhor das Moscas”, um arquidemônio destruidor citado nas escrituras dogmatizadas. Essa visão pode encontrar alguns alicerces se correlacionarmos com os sangrentos cultos cananeus na cidade de Ecrom. A Bíblia cita em Reis tal relação: “O anjo de Jeová, porém, disse a Elias tesbita: Levanta-te, e vai ao encontro dos mensageiros do rei de Samaria, e dize-lhes: É por que não há Deus em Israel, que vós ides consultar a Baal-Zebube, deus de Ecrom?”

Outra opção para possíveis origens do nome, seria a errônea interpretação bíblica do Rei James (Authorized King James Version). Em suas  explanações fantásticas, “Zebube”, que está diretamente ligado com “ aquilo que pode voar”, “criaturas que podem voar ” e em inglês “the things that can fly”, foi deliberadamente modificado, afinal, “fly” também quer dizer “mosca”. Associar deuses com animais incompreendidos e tidos como repugnantes era uma ótima maneira de corromper os antigos sagrados e elevar os “deuses” desejáveis e manipuláveis.

Antes de adentrar no mistério “Beelzebuth”, acredito que o ensaio de Carlos Rabelo possa dar uma visão mais poética acerca dessa corrupção do nome Baal.

“Teoriza-se historicamente, baseando-se na cultura mesopotâmia a origem desse mistério espiritual denominado “Belzebu”. De acordo com uma antiga lenda mesopotâmia, o Deus Baal, Senhor da terra, Sol e fertilidade era o mais bondoso Deus com seu povo, incapaz de fazer o mal a qualquer ser humano, nunca negando prosperidade e fartura a toda a raça que o seguia. O Benevolente Deus, com o passar das eras foi deparado com a descrença humana, o desapego da fé e suas tradições sendo inferiorizado, seus templos desrespeitados pelos próprios homens que praticavam sua devoção, maculando os sagrados locais levantados pelos seus ancestrais, destruindo-os. Sua bondade e simpatia pela raça humana era tal que Baal não conseguia castigar todos aqueles que corrompiam seu nome e honra.

Diz à lenda que com o passar das eras toda a raiva, ódio e desejo de vingança retida pelo Deus, foi acumulando-se dentro dele e tomando forma. Seu desejo de destruição era tanto que ele deixou escapar essa força destrutiva, parte de sua divindade que urrava por vingança e destruição, essa energia tomou forma, um terrível inseto gigantesco, uma Vespa titânica que podia comandar todas as criaturas aladas e venenosas. Assim nasceu, forjado pelo ódio retido de Deus Bondoso, a Vingança de Baal, o Filho do Sol, senhor da destruição, Baal- Zebube.”


O lado sinistro do “Deus dos Ares”

Antes de adentrarmos o silencio agudo de Beelzebuth, consideraremos suas aparições em determinadas circunstancias que o elevaram ao posto de suma potencia infernal. É tido como um dos maiores detentores de possessões autenticas na historia da igreja católica, inclusive, existem relatos de sua participação em conjunto com o demonizado espírito de Judas Iscariotes. Em verdade, até a data atual as Igrejas montam verdadeiros exércitos de “exorcistas” prontos para a “pseudo” batalha... "Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas." [2 Coríntios 10:4]. Tais “aberrações” alegam que Beelzebuth  atinge graus tão entranhados que conduzem à extinção das forças biológicas levando o ser vivo a morte.

Essa massa modeladora diabólica judaico-cristã criou arquétipos explanados em muitas obras de Demonologia. No “Dictionnaire Infernal” de “Jacques- Albin-Simon Collin de Plancy” postado originalmente em 1818 na França, Baal e Beelzebuth são descritos da seguinte forma (tradução adaptada feita pelo autor do texto):


Baal: Grão duque e dominador supremo. General e chefe das armadas infernais.

Béelzebuth: Segundo as escrituras é o “Principe dos Demônios”. Pela visão de Milton, o primeiro em poder e crime após Satanás e Wierius define-o como “Chefe Supremo do Império Infernal”.

Seu nome significa “Senhor das Moscas”. Bodin diz que não podemos ver o ponto no seu templo. Béelzebuth era uma dinvidade do povo de Canaã que por vezes era representado/disfarçado por uma mosca, outras com atributos do poder soberano. Ele tinha o poder de libertar os homens das moscas (insetos alados) que devastavam suas culturas. (Entendemos plantações).

Muitos “demonólogos” classificam-no como governante do “Império Escuro”, porém, cada um o representa segundo sua imaginação,  assim  como fabricantes de contos fantasiosos recheados de ogros, fadas e todos os seres imaginários.

Os “escritores sagrados” referem-se a tal como hediondo e terrível. Milton lhe dá uma aparência imponente, transpirando grande sabedoria no rosto, alto como uma torre ou as vezes do mesmo tamanho que nós. Alguns o enxergam como serpente e outros como uma linda mulher. Palingen disserta acerca do “Monarca do Submundo”: "é tamanho prodigioso, sentado em um trono enorme, com a testa emanando fogo, peito  estufado, rosto inchado, olhos cintilantes, sobrancelhas levantadas e ar ameaçador. Tem narinas extremamente grandes e dois grandes chifres em sua cabeça. É negro como um mouro, tem duas asas de morcego que saem de seus ombros, grandes pés de pato, cauda de um leão e cabelos longos da cabeça aos pés (demônios enviados). Segundo o misterioso livro “Grimourium Verum”, Beelzebuth, juntamente com Lucifer e Astaroth compõem a “tríade negra” possuindo diversos espíritos demonizados como inferiores a eles. Comanda a região da África. Descrito como monstruoso, aparece aos olhos do escritor como uma vaca gigantesca  ou como um bode de rabo longo que quando irritado vomita labaredas de fogo.

Muitas outras visões distorcidas de BaalZebube corroboraram para a formação de um arqui-inimigo poderoso e extremamente dominador. Fundido no medo, nas guerras inter-raciais e estabelecido no subconsciente da humanidade, o “Senhor das Moscas” aterroriza as religiões do mundo com suas promessas de destruição. Sempre submisso e expulso da vida dos seres humanos em nome de “Deus”, encontra-se presente nos sermões como aquilo que os seres devem temer. Batalhas espirituais entre sacerdotes figuram a deformação de seu culto original e conseqüentemente, alimentam ainda mais a fogueira das vaidades religiosas. A visão de Carlos Rabelo descreve uma mutação interna de Baal para a forma mais maligna de si , tornando-se mais viva para concebermos toda essa modificação. Da sombra de algo puro, nasceu algo obscuro e nas conchas qliphoticas; Beelzebuth deu seu berro...


Visão Qliphotica de Beelzebuth

Antes de citar referencias qliphoticas, ressaltamos uma ideia que deve ser compreendida para entendermos o contexto.


O “Niilismo”:

Os “porquês” são constantes aos seres humanos desde o início  da consciência. Buscando respostas em diversas vertentes evolucionistas, alcançamos padrões que possibilitam parâmetros para sanar essa “sede”. Quando algo é “supostamente” respondido, edificam-se padrões sociais, científicos, artísticos, enfim, nasce a existência de um conceito. Esse conceito  é uma forma de segurança ao homem, afinal, a matéria necessita de pilares rígidos sob pena de não existirem construções (no mundo físico, consciente   e subconsciente). O Niilismo ocorre quando um desses conceitos literalmente desmorona deixando toda construção dos homens sem estruturas. É como se  o homem crente no que faz descobrir que tudo é falso, sem fundamentos e lógica. Isso o fará despencar num abismo donde deverá decompor tudo que construiu em cima de falsas concepções.

Nessa destruição, o homem é impedido de mentir para si acerca dos seus conceitos e ao contrário do que alguns citam, não existem o niilismo negativo, pois a única forma de obter a completa liberdade é destruindo todo e qualquer conceito moral estabelecido ao longo da formação de uma sociedade hipócrita, religiosamente manipulada e fraca. O Niilismo provoca a morte dos sentidos e um aguçado senso de deidade particular diante a uma “humanidade civilizada”.

Não adentrarei no conceito do niilismo com mais profundidade, apenas uma panorâmica foi descrita afim de que, posteriormente, a Torre de Beelzebuth possa ser devidamente compreendida.


Beelzebuth, a verdade

A mente dos seres humanos é uma ponte que conecta o micro e o macrocosmo. Beelzebuth assumiu a forma de ser infernal, portanto conectou sua existência subconsciente à anti-matéria. Sendo assim, como um vento que tudo destrói, acaba sendo opositor de toda construção sephirotica. Seus impulsos energéticos são como “buracos negros  sugando  incessantemente” tudo que é edificado. Todas as correntes estagnadas são quebradas e dissolvidas no seu niilismo. Beelzebuth surge como o “açoite do velho Aeon” dissolvendo as velhas formas, putrefando velhos corpos (digo corpos como doutrinas, formas de pensamento e formas físicas) demonstrando ao homem que tudo que ele acredita é ilusório, transitório e perecível.

“Existem certas formas de interpretar as energias que influenciam nossas existências, uma das mais  interessantes é a interação da figura em alguns  tipos diferentes de ciências ocultas, assim ocasionando um coeso através da comparação das partes envolvendo a figura do temido ser qliphótico.” (Carlos Rabelo- RJ.)

Beelzebuth torna-se o guardião da torre do niilismo. Sua figura de “Senhor das moscas e dos escaravelhos” é verdadeira e forte, afinal, a mutação de sua essência primordial deu a ele a liberdade de ser o decompositor das mentiras e das ilusões.

A Associação qliphotica ocorre na qlipha de Ghougiel, que é traduzido como “estorvadores”. Essa visão não é tão correta, afinal, um estorvador é um agente que impede, dificulta, embaraça e tolhe (Dicionário Aurélio Buarque de Holanda) e isso limita a influência. Ghougiel, além disso, é a completa destruição!   Isso  corrobora  com a  idéia  de  que  Beelzebuth  é  carcereiro da psique humana, destruidor do ego e a cegueira espiritual dos seres. Dentre seus atributos, ergue-se a grandiosa dissolução do ego e de todos os supostos valores morais impelidos pelas religiões estagnadas da Terra. O homem “desprogramado” torna-se livre e poderoso, um verdadeiro vaso jorrando a luz negra sem a ânsia e a falta de razão perante seu próprio “Eu”.

Outro ponto deveras importante reside que na própria putrefação biológica a raça humana enxerga sua podridão. O dito “ser perfeito” ao morrer torna-se fétido e sua matéria orgânica, dependendo das situações, necessita de determinados tratamentos para não poluir a natureza.

Quando o ser humano consegue aplicar Ghougiel sob seu ego, passa a ser uma sombra que possibilita a vida de novas sementes. Beelzebuth é o motivador dos ventos do niilismo na vida ( como um todo) dos adeptos. Suas energias possibilitam uma grande gama de transformações no vazio que as tempestades deixam (micro e macro) e o silencio precede a criação ou destruição de algo que prende a evolução e o encaminhamento correto. Beelzebuth carrega a vingança dos deuses sinistros, pois faz com que os homens dobrem suas concepções à luz negra.