domingo, 16 de janeiro de 2022

Lúcifer e Satanás

 

Vejo Lúcifer como Satanás.

Vejo Lúcifer como o meu Pai do Caos,

Vejo Lúcifer como meu protetor e herói.

Vejo Lúcifer como a chama negra selvagem,

Donde minha gnose é descendente.

Vejo as asas de Lúcifer como as sombrias manifestações

Das colunas negras onde repousa meu templo

Ave Lúcifer!

Ave Satã!”

(PanParadox- Vexior, Editora Ixaxaar.)


Desde os primórdios o homem tenta encontrar subterfúgios para sanar seus distúrbios, iniquidades e descontentamentos. Esse pensamento foi o “palco” perfeito para o nascimento de arquétipos bestiais e malignos como causadores e mantenedores de todos os males que impediam a “felicidade” e a “ascensão dos homens de bem”.

Antes de adentrarmos no mito do mal, temos por obrigação deixar explícito que o nome “Satanás”, sob nosso entendimento, não é uma figura estática, portanto, existe uma abismal diferença entre o “Satã Cristão” e o verdadeiro Vingador Amorfo. Os cultos cósmicos são limitadores e opressores por natureza e não seriam diferentes as concepções acerca de forças que vão além das formas materiais.

 A grande maioria dos seres vive amparada pelos pilares morais e éticos de bem e mal. Esse conceito simplista alimenta a ideia de que “somos puros e bons” e toda força contrária ao invés de ser compreendida é esmagada por conceitos propagados pelas correntes demiúrgicas. Assim, impossibilitado de “enxergar” além das formas, o homem de barro rejeita a verdade implícita em seus impulsos primais e adora seu escravizador deus multifacetado.

Os antigos deuses dos povos dominados pelos “exércitos da cruz” foram enxertos para a “massa” que modelou e restringiu o grande inimigo do povo cristão. Essa “massa modeladora” era composta de elementos que despertavam o temor às pessoas incitando-as a crer que todos seus desejos e atos “impuros” tinham causas espirituais. O “opositor” era retratado com asas de morcego (animal temido e incompreendido pelo povo), com corpo bestial vermelho e preto (características herdadas de deuses como Seth, Pan e Saturno, associado aos poderes ctônicos e à própria morte). O “Satã Cristão” é um conjunto de histórias, mitos e lendas modelado na temerosa mente eclesiástica.

“O reflexo da aparência de Pan originou a criação do mal; Satanás chifrudo e com cascos fendidos... O pavor da luz eterna revela uma obscura ligação entre o Caos, Satanás e Pan.” (PanParadox- Vexior, Editora Ixaxaar.)

O mais sensato seria dizer que o nome Satã derivar-se-ia da corrupção das palavras sânscritas “satana” e “sanatana” que significam “Eterno/Permanente”, todavia, a origem do termo “acusador ou oponente” provém do semítico šṭn, cujo significado gira no orbe entre hostil e acusador. Dessa forma, também podemos compreender a relação com a palavra de origem grega διάβολος (diabo): O acusador e caluniador. A fusão cultural, ocorrida principalmente ao longo das traduções bíblicas fez nascer um “Ser”, expulso dos Céus e que visava caluniar, tentar e levar à perdição o “povo de Deus” usando milhares de artifícios para tal.

Os nomes (formas) Satanás e Lúcifer são erroneamente utilizados no processo de tradução dos textos bíblicos que foram palco de muito apelo emocional e religioso. Se buscarmos a etimologia da palavra “Lúcifer”, encontraremos uma gigantesca gama de explicações passíveis de debates inter-religiosos.

Segundo a morfologia latina, a junção das palavras LUX + FERROS, significa: “Aquele que ilumina”, ou ainda LUX + FERRES (portador da luz). Historicamente, Lúcifer jamais apareceu nas páginas da Bíblia como é divulgado e propagado (até como forma de manipulação) pelos sacerdotes cristãos. A Bíblia foi escrita originalmente em três línguas: aramaico, hebraico e grego e a palavra/termo “lúcifer / lúciferi” foi extraída do latim e utilizada erroneamente para traduzir os textos bíblicos gregos do “profeta Isaías” (Septuaginta). A palavra grega “EOSFOROS /EΩΣΦΟΡΟΣ” traduz-se literalmente por “condutor da aurora” e seu sinônimo Phôsphoros (Φωσφορος) por “portador da luz” eram termos para designar a aparição matutina do planeta Vênus.

Os romanos entendiam “Lúcifer” tanto no sentido de uma luminosidade genérica quanto no da aparição matutina do planeta Vênus e seu deus correlato ao invés de um ícone demoníaco. Resumidamente, Lúcifer seria o condutor da luz solar pela aurora, ou ainda, a força que ilumina pós-escuridão, haja vista que os romanos cultuavam os astros .

Antes de citar Lúcifer sob a óptica judaico-cristã, vale ressaltar o culto romano pré-cristão a “Dianus Lucifero”, afinal, é um antigo nome que denota todo resplendor venusiano tanto de forma matutina quanto vespertina. Dessa maneira podemos associar a duas deidades: Phosphoros/Eôsphoros (já citados) e Héspero (Vesper/Noctifer). Dianus absorve uma espécie de “dualidade” através de sua forma mortífera “Dis” ou a própria forma infantil que emana esperança e luz; “Lupercus”. Ao longo da Idade Média, foi associado ao diabo cristão e seu arquétipo fez parte da massa modeladora satânica, juntamente com outros deuses corníferos.

No cristianismo, “São” Jerônimo foi o responsável pela tradução dos textos bíblicos para o latim (Vulgata) e todas as posteriores traduções, inclusive a famigerada feita pelo Rei James I, deturparam a hebraica figura de linguagem “filho da aurora”. Nesse exato momento histórico, somados ao mito da “Queda”, Lúcifer tornou-se a própria forma antropomórfica do “anjo mal”, assumindo o nome de Satã.

“... Nota-se que a ideia do mal tem suas variantes conforme o momento histórico, o contexto sócio-econômico-político-cultural do local, a cosmovisão do povo e a identidade do grupo social. Tais ícones concebidos pela imaginação popular talvez tenham o seu papel como um mecanismo intrínseco à raça humana.” O Mal: Transformações do Conceito na Tradição Judaico-Cristã. Antonio Lazarini Neto

Jamais um judeu admitirá as interpretações que os cristãos fazem acerca dos sagrados textos de Isaías e Ezequiel. A religião hebraica não acredita numa força opositora a Deus.  A denominação “heleyl ben-sharar” (o que brilha), foi substituída na tradução “Vulgata” pela palavra “Lúcifer” e pode ser uma das explicações mais condizentes com o erro gerado pós tradução latina, afinal, tudo indica que tal termo referia-se ao Rei Nabucodonosor, o senhor do “cativeiro babilônico”, um rei tirânico e soberbo que acreditava ser maior que “Deus” (criador). O fato é que as palavras “estrela da manhã”, “portador da Luz” ou “o que brilha” acabam aparecendo nos textos bíblicos inclusive como qualidades do próprio “Jesus Cristo”.


Na Vulgata:

“... et habemus firmiorem propheticum sermonem cui bene facitis adtendentes quasi lucernae lucenti in caliginoso loco donec dies inlucescat et lucifer oriatur in cordibus vestris.”

Na versão de “Almeida” (revista, corrigida e anotada):

“E temos mui firme, a palavra dos profetas, a qual bem fazeis em estar atentos como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça, e a estrela da manhã apareça em vossos corações, (…)”.

O clássico texto da “Bíblia Cristã” demonstra claramente no capítulo de Isaías 14,12 (14) a corrupção do nome “Lúcifer”. A segunda tradução é a versão mais antiga na língua portuguesa.


Vulgata:

“Quomodo cecidisti de coelo, Lucifer qui mane oriebaris...”

(Como caístes do céu, oh estrela da manhã...)


Na tradução de Figueiredo verte Isaías 14,12-14:

"Como caíste do céu, ó Lúcifer, tu que ao ponto do dia parecias tão brilhante?" ( Antonio Pereira de Figueiredo, padre português que traduziu a Bíblia para a língua portuguesa).

Ao leigo, as traduções são digeridas com facilidade, até pelo fato de desconhecerem todo contexto histórico que as envolvia. Lúcifer tornou-se o opositor de Deus, aquele que desejava “destronar” o “Supremo Ancião”, símbolo da “serpente tentadora”, fonte dos pecados, senhor do inferno, líder dos anjos caídos, enfim, muitas qualidades nocivas ao culto cristão foram inseridas em tal nome.

A corrente cristã, que realmente proliferou uma série de alegações desarmônicas, alega que Ele (Lúcifer) era chamado de Lucibel, o ser mais perfeito, majestoso, harmonioso que Deus criou e, ao perceber sua divindade, decidiu que se tornaria sua própria majestade. Foi julgado e condenado pelo seu “dito” pecado e mandado ao inferno (símbolo cristão de penitência e dor eterna).

Ao longo do tempo, Lúcifer tornou-se o expoente máximo da “Mão Esquerda”, desdobrou-se em infinitos arquétipos e, como “Portador do Archote Anticósmico”, iluminou os escolhidos com os sagrados mistérios das Trevas, ou seja, permitiu a escalada satânica através da manifestação da chama negra acausal dentro do próprio “Eu”.

Para nós (Corrente 49), Lúcifer é apenas um nome, uma forma de despertar as sementes agindo como antítese da mentira e da ilusão demiúrgica, concedendo o fruto da “Árvore da Morte”, incendiando nossas almas com o latente desejo de elevação ao que está além da compreensão causal. Lúcifer nos dá o caminho pan-dimensional através da Alquímica Gnose Suprema, trazendo à tona em nossos labirintos, todas as iradas forças gravadas em nossas almas. O “Portador do Fogo” incita nossos instintos selvagens e agressivos e nos transforma em verdadeiros “Acusadores, Opositores e Guerreiros” que se lapidam internamente para exteriorizarem tais forças através de atos.

O “Supremo Senhor do Archote” também concede a compreensão do cíclico processo de reencarnação e aprisionamento em “Malkuth” onde os humanos nada diferem de rebanhos emitindo a energia necessária para a sustentação do Falso-Deus no poder, por tal, Lúcifer é Adversário do Cíclico e das Leis Reencarnatórias Remissivas. Sua emanação separa os escolhidos desse rebanho imundo, dando-lhe condições de superar a adversidade do aprisionamento temporário, forjando-os no fogo da Verdade.

Observando tais atributos eternos, concluímos que Lúcifer é adversário do Sistema e de toda a obra ilusória cíclica. Lúcifer é a força que desperta nos acusadores a ira contra toda classe de oponentes, ao mesmo tempo, é a sabedoria que destrona, portanto, Lúcifer é Satanás!

Lúcifer é a Chama Negra que se exterioriza, promovendo aos que se atravem busca-lo o orgulho de pertencerem à classe dos despertos cujo poder dissolve em cinzas as estruturas estáticas/estagnadas. Lúcifer é o fogo que ilumina o campo de guerra e queima os olhos dos infelizes que se deslumbram com tal luz. Assim sendo, Lúcifer é a “face” menos destruidora de Satanás, porém, não menos incisiva.

Sob todos esses aspectos, não podemos compactuar com as correntes que dispõem Lúcifer como regente do elemento “ar” ao “Leste”, enquanto Satanás rege o elemento fogo ao “Sul”. Ambos são a mesma força e regem o fogo no Trono Obscuro do Sul, além do cinturão cósmico. O reflexo está dentro dos escolhidos!

Ao longo das eras, alguns arquétipos representaram/representam o mesmo poder de iluminação de Satanás/Lúcifer são usados para estabelecer contato com os desdobramentos da mesma essência. Citaremos alguns exemplos dentre outros:

Ahriman: deus maligno da mitologia persa;

Apep: (ou Aphopis em grego), a grande serpente inimiga de Maát, era a personificação da escuridão e do caos da não existência.

Loki: o trapaceiro, o promotor da queda do mundo, o Pai do Lobo e Pai da Serpente, portador da morte na Mitologia Nórdica.

Thypon: forma draconiana grega, associado a Satanás. Representa a indignação contra o demiurgo Zeus. É filho da Terra e do Vento.

Zohak: forma draconiana de origem persa. Personificação de Azhi Dahaka. Pertence ao exército de Ahriman. O símbolo dessa dinastia é o “Signum Draconis Purpureum”, ou seja, o “Signo do Dragão Púrpura”. Para alguns estudiosos, torna-se arquétipo de Satanás.

Lúcifer e Satanás são unos e compreendidos como um único portador da verdadeira chama do “Sol Nigrantis” não podem serem restritos a nomes ou formas.