domingo, 16 de janeiro de 2022

As Duas Formações de Ain Soph


 

Cronologia da Criação

“Quando nos altos céus não era mencionado,

E a terra inferior ainda não havia sido nomeada...”

Enuma Elish


Para a melhor compreensão sobre a cronologia da criação, usamos figurativamente o conceito de “Tempo” (t) em  três fases simbólicas representadas por t.0, t.1 e t.2.

O t.0 representa o Caos pré-criação, o “Zeroth”, o Nada Absoluto, o momento em que não existia o pensamento de criação, o “Sono de Tiamat” (expressão uterina da grande força draconiana adormecida).Para corroborar, podemos dizer que o “0” precede o primeiro número inteiro e positivo; o “1”, como também é um conjunto vazio que não adiciona nada e na multiplicação é absorvente.

Dentro do T.0 encontram-se os “Três Véus Negativos da Existencia”.

 t.1 é período de formação cósmica, ou seja, ocorre a primeira manifestação das forças demiurgicas culminando na matéria densa. O t.1 abrange dez fases dentro do processo criativo, assim como graus e degraus demiurgicos. Do número “1” ao “10” encontramos a criação demiurgica ( as Sephirots), inclusive suas leis, restrições e processo cíclico (reencarnação).

O “11” procede o processo de criação cósmica e simboliza as forças de embate ao processo criativo. No Caos Gnosticismo Sumeriano, “11” foram os Guerreiros Bestiais criados por Hurbur/Tiamat para combater os deuses cósmicos, ou melhor, os deuses bastardos. Também verificamos a incidência de tal número na “Árvore da Morte” onde “Onze Deuses Obscuros” governam as dez kliphots.

 O “11” é o despertar do Dragão Adormecido e a vingança contra a tirania dos deuses bastardos fazendo tudo voltar ao “Mistério Imanifesto”. Quando ocorrer o t.2 (1+1=2), todos os elementos formadores do “11” estarão unificados e ocorrerá o retorno ao “t.0”, portanto, t.0 = t.2, 0=2.

O t.2 pode ser exemplificado através do advento denominado “Mahapralaya”  ( palavra sânscrita)  onde ocorrerá a completa dissolução da ordem cósmica e a inatividade, motivada pela suprema destruição, devolverá ao Caos tudo que indevidamente foi construído pelos deuses bastardos.É a verdadeira ira expressa na fórmula “Dies iræ! dies illa!  Solvet Cosmos in favilla!”. Neste período de inatividade cósmica, sob nosso ponto de vista denominado o “Eterno Aeon da Morte”, ocorrerá um estado supremo de felicidade onde o estado de "Não-Eu", concomitante ao Vazio e às Trevas, trará liberdade das prisões psíquicas, mentais e fisiológicas e a comunhão com o Caos, ou melhor, com o útero draconiano. 


As Duas Formações de Ain Soph


Primeiramente, o conceito de “Ain Soph” deve ser devidamente esclarecido para que não ocorram falhas interpretativas acerca da manifestação da Luz Obscura.


Segundo conceitos gnósticos, Ain Soph é um dos três véus negativos da existência, mais precisamente  um estágio de luz ilimitada em que o Demiurgo ainda não havia se manifestado, tampouco, não existiam espíritos ou formas restritas. Neste estágio de “Não-Existência”  iniciou-se o TzimTzum, ou seja, em Ain Soph começou a Criação de um Espaço/Tempo e de uma “realidade” através da grande pressão exercida pelo movimento restritivo. Após a separação do espaço conceitual, o agente criador da “realidade” multifaceta-se e nasce o Demiurgo como modelador e organizador da massa caótica emitindo sua imunda totalidade “divina”(Pleroma) abrindo caminho para que o impulso TzimTzum pudesse completar toda restrição e materialização.


Segundo alguns estudos da “Árvore da Vida” (cabalá), esse impulso restritivo e ciclico denomina-se TzimTzum (Tsimsoum ou ZimZum). Trata-se de um movimento que exerce pressão para a criação e restrição da matéria, ou seja, quando o Caos primitivo foi maculado, partículas começaram se agrupar iniciando um processo de materialização densa. A partir desse movimento demiurgico, nasceu um espaço conceitual e uma noção temporal finita onde o Demiurgo é Onipresente podendo estar no mundo físico, ao passo que da mesma maneira, também tem obrigação de transcender a si próprio. Essa é a explicação para o auforisma : “Kether está em Malkuth e Malkuth em Kether, no entanto de maneira diferente” . O TzimTzum é o movimento de separação e limitação de um determinado espaço/tempo sob pena de imergir nos Ocenos Caóticos Infinitos e Eternos.


O impulso TzimTzum foi o formador de “Malkuth” (O Reino) através dos impulsos de coagulação descendentes. Malkuth é o ultimo estágio da formação demiurgica/sephirotica ( representado pelo número 10), onde a matéria densa toma formas através da atividade dos impulsos formadores e modeladores exercidos através dos quatro elementos.


Essa “Luz Infinita” pressionada pelo TzimTzum formou a “Árvore da Vida” e as Sephirots descendentes. Isaac Luria ( “Ari” - o Leão), conceituado cabalista da escola de Moisés Cordovero, após anos de estudo apresentou ao ocultismo, em meados do século XVI, a palavra “Kliphot” ou “Concha” como sendo o reflexo negativo da obra Demiúrgica onde residem os distúrbios sexuais, fanatismo religioso, violência extrema, traição, mentiras, ódio, vinganças (os excrementos energéticos), enfim, as insatisfações compulsivas que tornam o ser humano irracional e débil em amplos aspectos.


Como já descrito, a Cabalá é dividida em dez Sephiras ( ou dez frutos sagrados), sendo as três primeiras (Kether, Chokmah e Binah), formadoras do triângulo supremo ou o plano tridimensional. Em algum momento incerto a pressão TzimTzum, após ultrapassar as três primeiras sephiras, fez que com que os demais sete vasos (sephiras) rachassem por não suportarem os impulsos.


Alguns afirmam que Satanás preencheu tais rachaduras com o mal. Luria dizia que esse “mal” era propositalmente implementado no universo para que o homem soubesse resistir às tentações, além disso, era propósito mister que os cabalistas reparassem as rachaduras de tais “vasos” para a contemplação divina. As rachaduras, sob um entendimento mais racional, seriam as falhas espirituais e comportamentais do ser humano perante às Leis de suas doutrinas e dogmas sagrados. Desse entendimento nasce a ideia da 11ª sephira ou sephira secreta Daath (o abismo).


Certos cabalistas alegam que os pedaços desses vasos rachados cairam nos abismos caóticos que cerceiam o espaço/tempo e, impregnados pelo mal, representado pela figura de Satanás ou Shaitan ( ן ת י ש ן ת י ש) geraram o lado inverso da criação ou uma outra árvore denominada “Árvore da Morte” (Otz Daath), onde as Kliphots exerceriam os vícios das “divinas” Sephirots. Gerson Scholem corrobora com tal afirmação ao explanar: “O Outro Lado é o fogo da severidade divina, externada e feita independente, donde torna-se um sistema hierárquico integral, um mundo contrário governado por Satã.”


A grande maioria dos entendimentos prega que a dualidade (direita e esquerda, “lux et nox”) está sob mesma regência, ou seja; um Ser Inefável,  através da sua Onisciência (ad infinitum) permitiu a quebra da harmônica construção e a formação de um rígido sistema de vícios tutelados por arquidemônios. Tal sistema deveria ser vencido pelo homem sagrado para, ao fim, ser coroado com a luz divina nos mistérios incognoscíveis. O lado divino (santidade)  e puro “Sitra D 'Kedushah” e o lado da impureza em Sitra Ahra são consideradas as duas faces do Criador que tem em ambas a mesma intensidade.


Nathan de Gaza, um estudioso do Talmud e da Cabalá, muito radical e profético, criou um sistema diverso do original e foi considerado um herege pelo rabinato. Segundo seus entendimentos, em “Ain Soph” se formaram duas luzes antagônicas catalogadas em direita e esquerda. A direita era a “luz brilhante que deseja a Criação” (Sheyesh bo Mahshavah) e esquerda era a “Luz Negra que deseja permanecer dentro de Si” (She-ein bo Mahshavah). Num impulso criativo, a “Luz Direita” expande-se criando uma lacuna e, conscientemente, inicia a Criação. A “Luz Esquerda” mesmo estando num estado não pensativo motivado pelo desejo de permanecer na pureza de “Ain Soph” é obrigada a criar forças contrárias à Criação. Tal força esquerda era tão hostil e destruidora que fora entendida como a expressão máxima do próprio “Mal”. As Kliphots têm suas raízes envoltas nessa energia e são Reinos que emitem, em diversos níveis, a dissolução de qualquer estrutura criada através da “Criadora Luz Pensante”. Dessa forma, Sitra Ahra não é entendida como o lado impuro do Criador e sim como o lado não maculado, que está fora da obra Criativa e que tende a destruir a obra “sephirotica”.


Os conceitos de Nathan de Gaza identificam que o segundo Véu Negativo da Existência “Ain Soph” foi o marco donde uma falsa luz criadora separou-se da emanação da Luz Suprema.A Corrente L.T.J 49 entende que a Luz Suprema não tem vínculos com os conceitos de ‘Inefável’, ‘Uno’ e ‘Inominável’ propagado pelas doutrinas pró-cósmicas. Nossa crença baseia-se na ideia que “Ain Soph” (00) foi um período “sem deus”, sem regras e ordenamentos que emanava a essência Irada maculada pela movimentação de partículas que se se contrairam e expandiram no afã de criar um espaço/tempo apropriado para a Criação da Matéria. Sob esse aspecto, torna-se inviável pensar que “Lux et Nox” estão sob a mesma regência! Podemos associar o “Ain Soph” com o Abismo profundo, Bohu ( ) e ao próprio Apsu, consorte de Tiamat.



Em “Ain Soph” a Luz Negra não pensativa manifestou-se com toda grandeza e fúria ao redor do Pleroma, criando uma barreira de energia obscura que impediu a expansão cósmica e iniciou o processo de degradação e destruição da obra demiúrgica. A Luz Negra (She-ein bo Mahshavah)é a própria Suprema Sabedoria não maculada, a Gnose Luciferiana que busca as fagulhas usurpadas dentro da manifestação material, despertando-as e conduzindo-as para Sitra Ahra.