domingo, 16 de janeiro de 2022

A Quimbanda e o Satanismo Anticósmico

“O Culto aos Espíritos Despertos” 

“Ambiciono que o idioma em que eu te falo

Possam todas as línguas decliná-lo

Possam todos os homens compreendê-lo.”


Augusto dos Anjos

O intuito desse ensaio é estabelecer uma relação entre dois sistemas magísticos distintos que possuem raízes em Tradições obscuras e que criaram ‘novas portas’ visando transmutar conceitos estagnados. A Quimbanda Brasileira praticada dentro do Templo de Quimbanda Maioral Beelzebuth e Exu Pantera Negra trata-se de um conjunto de ideias e práticas magisticas onde a Tradição e a Evolução caminham concomitantemente. Isso nos permite traçar paralelos e alcançar respostas de forma teórica, prática e comparativa. Estabelecer relações entre os Sistemas não significa segui-los como via evolutiva, tampouco, vincularmos ou camuflarmos o Culto de Exu dentro de outros parâmetros.

Entendemos que durante muitos anos a Quimbanda foi desenvolvida dentro de ambientes maculados, exotéricos, infundamentados e estagnados onde as pessoas sorviam a seiva amaldiçoada que escorre pelas raízes da ‘Arvore da Vida’ enquanto estigmatizavam seu nome. Em diversos locais a prática se tornou um verdadeiro ‘teatro’ movido pelo Ego de seus participantes limítrofes que usavam as ‘máscaras de Exu’ para ocultarem sua sensibilidade à rejeição e aos sentimentos de insegurança quanto à autoidentidade. Lamentavelmente, muitos “terreiros/templos/casas” ainda vivem atrelados aos transtornos paranoicos, porém, V.S Maioral eclodiu sua “primium- bivio itineris” e expandiu a Quimbanda para dentro de círculos esotéricos sérios e dispostos a entrar em guerra contra a inércia e a sandice que norteia o Culto de Exu. Sabemos que em nome da estabilidade de suas mentiras alguns indivíduos insistem em proteger a forma de suas pedras cúbicas, mas a Verdadeira Quimbanda sempre estará disposta a rachar essa pedra e dividir seus fragmentos entre as Almas Ígneas.

Interpretamos a Quimbanda como uma via estrategicamente criada para produzir um embate interno e externo ao Sistema vigente através da quebra e modificação de conceitos éticos e morais e pelo direcionamento que os espíritos dão aos adeptos aptos às sendas da “Sabedoria Proibida”. Possibilitar evolução através da Sabedoria e incitar o embate à valores ultrapassados e estagnados faz da Quimbanda uma via Luciférica e Satânica que promove mudanças capazes de transformar as estruturas egóicas.

Entretanto, não podemos confundir os traços paralelos com a própria essência do caminho espiritual. A Quimbanda é uma via Luciférica e Satânica, todavia, não pode ser confundida com Luciferianismo ou Satanismo. A Quimbanda é fruto de uma Tradição própria que envolve história, religiosidade, regionalismo e mescla cultural. Os fundamentos Satânicos e Luciferianos viventes em sua essência esotérica agem como adjetivos, ou seja, como qualidades existentes, invisíveis aos olhos profanos e ocultas sob as ‘máscaras de Exu’.

Apesar de a Quimbanda ter sua construção particular, certos conceitos estão em concordância com os divulgados pelo Satanismo Anticósmico. O processo comparativo que traçamos neste ensaio visa corroborar com a quebra dos hipócritas valores enraizados de cunho alienador. Entendemos que informação gera mudanças internas que podem refletir externamente. Essas ações externas podem gerar mudanças nos fluxos pré-determinados pelo Sistema Escravista regente e de certa forma cria um embate às forças do Falso-Deus, cuja Corrente Anticósmica denomina ‘Demiurgo’. A Quimbanda Brasileira entende que esse embate ocorre de quatro formas diferentes:


- Através da modificação alquímica interna dos adeptos;

- Por meio de ritualísticas evocatórias e invocatórias específicas;

- Pela emissão energética ocorrida no processo de incorporação;

- Através da ação individual e coletiva dos Mestres e Mestras que se encontram Assentados.


Acreditamos que quando um adepto compreende essas quatro formas de embate e através de seu comportamento procura corroborar torna-se uma poderosa arma viva, um elemento extremamente perigoso capaz de desestruturar uma parcela do Sistema. Esse raio de ação é variável, porém, todos que se dispõem à ‘guerra’ são considerados seres diferenciados.

Quando iniciamos o projeto da Quimbanda Brasileira e construímos o T.Q.M.B.E.P.N fizemos de forma consciente, pois víamos claramente certas rachaduras dentro do Culto que possibilitavam a infiltração gerando transformações nas formas de pensamento e ação. Acreditávamos que certos conceitos eram tão superficiais, errôneos e estagnados que marcaram a Quimbanda como algo repulsivo, um culto onde não existia evolução alguma, apenas uma possível amenização dos desejos através da exteriorização da vontade. Sob nosso entendimento, satisfazer esses impulsos faz parte da Quimbanda, entretanto, focar o Culto apenas para cumprir um papel amenizador limita e condiciona a ação das Correntes Ocultas por trás da Máscara de Exu. As experiências contrastantes do nosso cotidiano criam efeitos colaterais e esses geram os desejos, porém, existem inúmeras armadilhas que estão entre o próprio desejo e o processo de autoconhecimento. Sem o autoconhecimento toda função de embate ao Sistema, cujo pilar sustentador é a Sabedoria, torna-se equivocada e os adeptos acabam presos aos impulsos grosseiros.

A evolução dentro da Quimbanda é algo notório, porém, como estava muito atrelada à Umbanda (salvo em raras exceções), permaneceu marginalizada durante décadas. As publicações inerentes à Quimbanda são conceitos e visões deturbadas vindas através da mente deformada daqueles que jamais entenderam a função e o grau de Exu. As relações e comparações que tais escritores propagaram não se tratavam apenas de falta de compreensão, mas (sob nosso entendimento) de um erro proposital e limitador. Foi justamente nesse erro que enxergamos a fragilidade e, em nome da Luz Luciférica, decidimos desfigurar intencionalmente alguns conceitos para posteriormente propagarmos a verdade acerca das forças cultuadas na Quimbanda. Assim, traçamos vários paralelos até concebermos algo –não estático- que pudesse alicerçar essa transformação mantendo em nossas essências as reais intensões resguardadas e guiadas pela fonte interna. Essa estratégia de infiltração e corrupção é retratada em por algumas Ordens e Templos internacionais que propagam o Satanismo Anticósmico e tem como fundamento combater as energias do Aéon atual através de uma profunda modificação e despertar interno. Essa mutação (Alquimia) transforma o adepto em um portal vivo e ativo para a ação das forças espirituais rebeldes ao Sistema Vigente. Entendemos que cada adepto desperto age como uma ‘gota de veneno’ capaz de contaminar (no sentido de libertação) os ‘reservatórios da massa cega que nada mais são do que poças de água parada’. 

A ‘gota que pode envenenar’ visa à destruição e reconstrução sob novos patamares energéticos. Esse ‘veneno’ também age como libertador, pois quando começa contaminar (através de diversos meios) faz com que algumas pessoas enclausuradas aos Sistemas estagnados tenham contato com os fortes impulsos libertadores e deem seus gritos de liberdade. Esse embate ocorre em razão da ação opressora emanada pelo “Falso-Deus” e seus agentes que oculta e incita a marginalização todos os Cultos religiosos que não servirem-no como fonte energética. A verdadeira essência necrosófica da Quimbanda foi guardada durante anos por aqueles que conseguiram um despertar interno intenso o suficiente para escapar das emanações provindas do “Falso–Deus”. Esses antepassados, mesmo desprovidos de literatura, tinham o real contato com os espíritos e os separaram por Grupos, Reinos, afinidades e meios de ação. Mesmo com poucos recursos, deixaram-nos caminhos relevantes para uma nova geração dar prosseguimento nesse legado.

A história da Quimbanda foi feita por pessoas cujas almas emanavam uma energia diferenciada. Essa força é denominada ‘Chama Negra’, ou melhor, a própria essência de Maioral, a energia que afeta a Criação através da emanação desperta de seu portador. Os homens e mulheres chamados de ‘Chama Negra’ são regentes de seus sentimentos e abismos internos. Diferentes da grande massa, essas pessoas compreendem suas energias sombrias e as adaptam segundo suas necessidades. O Satanismo Anticósmico entende que a ‘Chama Negra’ (ou Fogo Acausal) é a força caótica que molda os Seres “Nascidos do Fogo” (Fireborns) fazendo-os transcender as limitações causais do Ego. O Ego, segundo essa Corrente, é condicionado apenas pela mente consciente, submissa às Leis do Cosmo, inimigo do ‘Eu’ obscuro. Anticósmico pode ser resumido da seguinte maneira: Define-se como todas as formas legítimas de combate à escravidão imposta pelo Sistema Demiúrgico, livres de dualidade e conceitos morais , éticos e religiosos, cujo objetivo principal é devolver ao Caos primordial todas as fagulhas usurpadas ilegitimamente na formação do Cosmo e de toda matéria, destruindo as estruturas sephiróticas, bem como findando os polos de energia sustentadores da farsa universal.

Dentro dos ensinamentos da Corrente Anticósmica, entende-se que os portadores da “Chama Negra” são seres humanos que, apesar de possuírem uma força diferenciada, ainda enfrentam o escravista e cíclico processo de reencarnação. Dessa maneira faz-se mister aos seguidores dessa Fonte de Sabedoria fornecerem energias para que os seres enclausurados espiritualmente incitem seus núcleos imortais de tal forma que se transformem em Nexions ou Poderosos Portais capazes de permitirem às potencias caóticas (exteriores ao Cosmo) a manifestação nesse plano e a ação incisiva no processo de destruição do Sistema Escravista. A Quimbanda também tem essa função, entretanto, faz uso de rituais necrosóficos para que os Poderosos Mortos, denominados Exus e Pombagiras, sejam os condutores na busca pela Fonte de Luz. Outra diferença é que a Quimbanda oferta aos seus adeptos a oportunidade de escapar do cíclico e escravista sistema de reencarnações inserindo o adepto nas Colunas de Maioral.

 Dentre os conceitos citados nesse ensaio, destacou-se a figura do Quimbandeiro de Alma Ígnea, avesso aos padrões que combate suas limitações e barreiras morais. Esse adepto cuja ‘Chama Negra’ fica evidente no processo evolutivo possui qualidades que grande parte da humanidade não tem. Essa diferença entre os tipos de homens é fruto do estudo de seu comportamento, espiritualidade e relação social. Por mais que sejam os entraves que cerceiam a “mente” subversiva e inconformada com os ditames repressivos, o ‘Chama Negra’ busca através da revolta aos preceitos dogmáticos a libertação do estado de ‘rebanho’. Esse espírito sabe que não é igual aos demais e sente o fogo do inconformismo consumi-lo incessantemente. Possui uma espécie de “blindagem” mental que incapacita aos inertes sistemas sócio religiosos qualquer tipo de manipulação e tem como característica principal a busca incessante pelos caminhos que conduzem à “Sabedoria Libertadora”. De forma contrária, existem indivíduos institucionalizados, inertes, adoradores dos próprios medos e barreiras psíquicas, repletos de dogmas e conceitos morais enraizados, ignorantes, manipuláveis, espiritualmente cegos e gélidos interiormente.

Essa diferença entre os homens não se trata de um discurso de separação por raça ou etnia, tampouco, alimenta o nazismo ou o apartamento por castas sociais. Partimos do pressuposto que nosso trabalho espiritual visa despertar àqueles que possuem a ‘fagulha obscura’ adormecida presa nos “vasos de barro” ou invólucros materiais (corpos). Entendemos que transcrever a diferença entre os homens é um ponto importante para elucidar o verdadeiro espírito Quimbandeiro e para isso apelamos ao Conhecimento do Satanismo Anticósmico. Desejamos usar um conhecimento esotérico alicerçado para alcançarmos certas convicções. Entendendo a natureza dos homens compreenderemos a natureza do Culto aos Exus e mais profundamente a própria natureza de Exu.


Os Três tipos de Homem

Um dos termos usados dentro da Gnose Anticósmica para diferenciar dois dos três tipos de homens é: Clayborn e Fireborn.

Clayborn é um termo que designa os “nascidos da argila”, ou melhor, os descendentes da linhagem Adâmica (terra/barro vermelho). Segundo a Tradição Satânica, a raça do barro é desprovida do Supremo Espírito/Essência da Chama Negra, portanto, composta de seres escravizados, alienados e submetidos ao ordenamento demiúrgico. São seres que prestam reverência e culto ao Deus Criador e mantenedor do Universo, o “carcereiro” de suas quintessências que os aprisionou num contínuo estado de hipnose, cegueira e renascimento. Tais seres estão submetidos à uma “Roda Arcônica” e não têm possibilidades de sorver o proibido néctar escarlate. Neste plano material, representam a grande maioria da humanidade.

Fireborn é um termo que designa os “nascidos do fogo”, ou melhor, os portadores da verdadeira fagulha espiritual/Azoth/Isfet. São seres que buscam a transcendência do “Ego-consciência” da dualidade destruindo as amarras cármicas. Os “Nascidos do fogo” representam o embate ao sistema demiúrgico e ao mundo material, afinal, possuem inscrições primais em suas fagulhas que podem ser despertas vida-após-vida inacessíveis ao bastardo Demiurgo. São dragões adormecidos, aptos a despertarem e guerrearem em busca do Eterno Aeon Obscuro! Os poucos “Fireborns” possuem espíritos cujo pneuma é provindo da própria chama luciférica e representam uma parcela muito ínfima da humanidade.

Ao estudarmos outras tradições, encontramos reciprocidade na cultura Indiana, mais precisamente nas escolas de Tantra Yoga. Tais ensinamentos tipificam o temperamento do homem de acordo com a predominância de um “Guna”, ou melhor, na forma em que a natureza se manifesta em sua plenitude e qualidades. Da interação desses “Gunas”, a personalidade e o padrão de pensamento dos homens, bem como a qualidade de suas ações é formada. Os “Gunas” dividem-se em três aspectos qualitativos:


- Sattva: Derivado da palavra “Sat” (a verdade), tal Guna relaciona-se com a harmonia, pureza e tranquilidade. Figurativamente é o “Sol do meio-dia”;

- Rajas: É o próprio dinamismo que aciona os dois demais Gunas. Relaciona-se com a ação, o movimento e a violência. Figurativamente é o “Sol Nascente”;

- Tamas: É a inércia, a imobilidade e a solidez. Figurativamente é o “Sol Poente”.

Apesar dos homens estarem sob a influência desses três “Gunas”, os mesmos se diferem na proporção que agem na vida dos mesmos. Dessas proporções três tipos de homem são encontrados:

- Pashu-bhava: É o arquétipo correspondente ao “clayborn”. Com influência direta de Tamas, o homem “Pachu” é atolado mentalmente. Confuso, ignorante e estático, é completamente amarrado ao meio social e incapaz de efetuar um julgamento desprovido de parâmetros pré-estabelecidos. Ignorante; pratica atos motivados pela “cegueira” e arca com suas costumeiras desilusões.

- Vîra-bhâva: É um arquétipo mediano, pois se encontra em constante guerra. Por ter um temperamento explosivo e entender seus desejos como metas, está em constante atividade e movimento. Por ser um amante do poder e, em determinados casos, extremamente apegado às conquistas, o homem “Vîra” pode ter uma tendência à escravidão e cegueira espiritual. Todavia, se equilibrar seu temperamento com “Sattva” gerará energia e conquistas em amplos sentidos apaziguando suas buscas.

- Divya-bhâva: É o arquétipo correspondente ao ‘fireborn”. Com influência direta de “Sattva”, o homem “Divya” é inteligente, desprovido de barreiras dogmáticas e apegos materiais. Apesar de ter coragem e aptidão para qualquer batalha, sua inquietude é apaziguada pela Sabedoria. Seu desenvolvimento espiritual, proporcionado pelo autocontrole das emoções, transformam-no num receptáculo de forças.

Após a compreensão das influências dos “Gunas” na personalidade dos homens, a Tradição Anticósmica acredita que entre o “clayborn” e o “fireborn” exista mais uma qualidade de ser humano. Esse homem está no limiar entre a cegueira espiritual e a Luz Luciférica libertadora. O homem mediano, através da Vontade, do árduo Trabalho e da Fé pode cair nas graças de Lúcifer para obter a Grande Sabedoria. O homem mediano, chamado também como “Psíquico” ou “Ouvinte” (termos usados pela Corrente 218), por ter predisposição à guerra, tem capacidade de sair da inércia do sistema demiúrgico e despertar a centelha adormecida que reside em sua eternidade.


Conclusão

Para completarmos esse primeiro ensaio, vamos resumir outro aspecto fundamental para que a realidade Exu possa ser vislumbrada dentro de um círculo mais obscuro e esotérico. Historicamente, o nome Èsú já veio da África estigmatizado com o Demônio Cristão Satanás (Arqui-inimigo de Deus). No Brasil Colônia não seria diferente, ao contrário, esse Ser Astral recebe características dos também perseguidos Deuses Indígenas e de alguns demônios trazidos pelos Jesuítas e pelas bruxas e feiticeiros deportados pelo Santo Ofício. O processo de sincretismo tratou de fazer com que o nome do Òrísá Èsú se tornasse ‘Exu’: Um título para os espíritos obscurecidos que adentravam no culto aos mortos praticados no Novo Território. Esses espíritos em sua grande maioria não estavam conectados com V.S.Maioral, mas agiram como escravos, pois abriram portais para que os Poderosos Espíritos pudessem transpassar os véus, adentrar pelas mesmas portas astrais que os demais espíritos transpassavam e aos poucos, imporem certos conceitos que hoje vivenciamos com maior plenitude.

“Quando V.S. desejou, começou separar esses espíritos por afinidade. Maioral enxergou na ancestralidade africana a força apropriada para edificar um culto próprio. Dessa forma, aproveitando-se de todo contexto histórico e político que essa terra vivia nasceu, de um nome incompreendido, uma das religiões mais temidas da Terra: A Quimbanda.  Quimbanda continua sendo o Sacerdote de Cura, mas essa cura não é para doenças físicas e espirituais, é a cura da cegueira e domínio do Ego. É a cura para uma doença que se chama escravidão.” (Coppini, Danilo. Quimbanda -O Culto da Chama Vermelha e Preta– T.Q.M.B.E.P.N, Editora Capelobo- SP.)

A Quimbanda foi uma resposta vinda através das forças externas. A verdadeira função dessa gloriosa vertente foi criar um ambiente astral onde os espíritos dos eleitos pudessem continuar em estado de guerra sem estar atrelados às sendas da reencarnação, ou seja, todo espirito com pré-disposição é arrebanhado, conduzido e desperto para guerrear contra as emanações do ‘Falso-Deus’. Dessa forma, os Fireborns e os Ouvites, puderam ter Espíritos afins para garantir suas evoluções através do culto da Quimbanda. Por isso, entendemos que os Clayborns que se envolvem com cultos como a Quimbanda ou outra vertente afro-brasileira, possuem em seu enredo espíritos de Clayborns (presos) e os Fireborns, espíritos despertos (livres), verdadeiros Mestres e Mestras. Aqui fica explicada a grande diferença na ação dos Exus e como o astral se modela de acordo com afinidades energéticas.

Finalizamos alegando que existem muitos laços que nos unem ao Tradicional Satanismo Anticósmico, porém, o mais relevante de todos é essa escalada espiritual e a forma de infiltração e envenenamento que está sendo feito por diversos Templos e Ordens.  A Quimbanda é cíclica e renasce cada vez que um muro rachado não suporta a pressão dos Sete Reinos de Maioral e cabe aos Verdadeiros Quimbandeiros continuarem desbravar os planos obscuros em busca de gnoses e forças inacessíveis aos clayborns.


Exu e Pombagira

Parte Um: Exu - Formação Histórica e Hierarquia

A palavra “Exu” é a adaptação linguística da palavra de origem Yoruba: “Èsú”. Dentro dos cultos religiosos Nagô, que envolvem os ebora, os orixás e todos os Irúmmmale; Èsú é a força motriz geradora, construtiva, dinâmica de todos os seres que existem. Forçosamente, Èsú participa de tudo, pois sem seu asé, não haveria expansão, tampouco, vida individualizada. Portanto, Èsú é o próprio desenvolvimento, crescimento, transmutação e comunicação dos seres.

De acordo com as religiões africanas, todos os seres (incluindo os próprios orixás) possuem seu Èsú (Bara), como uma espécie de tratamento (medicamento) para ser usado conforme as necessidades. Os Nagôs alegam a existência de centenas de Èsús espalhados com competências diversas, inclusive as de regulamentar os animais e vegetais. Esse glorioso Ser é o direcionador da evolução, “abrindo e fechando” os caminhos necessários e causando as revoluções necessárias para a evolução individual. Dentro de suas atribuições, existe o fator de procriação e o povoamento.

A simbologia de Èsú é enorme, assim como suas lendas e mitos. Podemos dizer que Èsú é resultado da fusão de água e terra, do poder dinâmico (+) e receptivo (-), masculino e feminino do sangue branco e do sangue vermelho.

Quando os Kimbandas e o Ngangas atravessaram o Oceano Atlântico (Kalunga Grande) trouxeram o culto de Èsú ao território brasileiro. Como dito em textos anteriores, fusões, interações culturais e sincretismos fizeram com que o culto a Èsú tomasse vias diversas e o nome Èsú (adaptado para Exu), tornou-se também um título para os espíritos desencarnados que se manifestavam em vias evolucionistas e de “Mão Esquerda” nos “novos” rituais. Esses espíritos desencarnados foram classificados como “Exus-Egúns” ou ainda Exus “Catiços”.

Antes de adentrar nos labirintos do conceito “Exu”, faz-se necessário entender o conceito “Egún”. A palavra “Egún”, também derivada do povo Nagô e da língua Yorubá, possui uma pluralidade de aplicações, todavia, a definição mais apropriada é de “ancestral”. Segundo os Nagôs, os Egúns Primais são responsáveis pela ancestralidade dos homens. Essa concepção diviniza os antigos, dando-lhes os status de formadores da história dos homens, porém, não nos cabe discutir sobre a gênese da teogonia das religiões afro. Egúns são os espíritos das pessoas falecidas, mesmo que as mesmas não tenham sido iniciadas nas sendas das religiões africanas. Quando as pessoas são iniciadas em religiões africanas, tornam-se objeto de culto e reverência. Os espíritos ancestrais masculinos são chamados de “Egúngúns” e os ancestrais femininos são as “Iyá-àgbà” ou “Iyá-mi”. 

O Termo “Catiço” pode ser entendido como um sinônimo de esperteza. Numa análise mais profunda, “Catiço” também é um termo popular para definir tanto crianças hiperativas, quanto pessoas com má índole. “Catiça” é outra palavra de mesma raiz que pode ajudar esclarecer outros aspectos, afinal, seu significado assemelha-se a “mandinga”, “mau-olhado” e azar. Portanto, espíritos “Catiços” são os desencarnados espertos, rápidos, ativos, com doçura e maldade quando necessário e que possuem a energia da mandinga, do feitiço, da boa sorte e do azar.

Os Exus-Egúns ou Exus-Catiços, manifestam-se através de evocações e invocações. Quando invocados dos planos astrais, podem incorporar em determinadas pessoas que possuem faculdades apropriadas somadas a um alto grau perceptivo. Tais pessoas são chamadas de “médiuns”, intermediadores que regulam a descarga energética entre suas matérias densas e o corpo espiritual de seres falecidos.

Como dito anteriormente, quando um ser humano desencarna, torna-se um egún. Os egúns são classificados da seguinte maneira:


Os Egúns Transitórios

Os espíritos Transitórios são assíduos seguidores de suas escravistas formações religiosas que, ao desencarnarem, não carregaram consigo dúvidas espirituais. As possíveis decepções e frustrações que tiveram em vida não são fortes o suficiente para acorrentá-los. Quando partem da vida material estão no estado hipnótico adequado para continuarem suas jornadas na roda das reencarnações. Geralmente são alicerces familiares e deixam na Terra sentimentos de saudade e nostalgia. São inertes, passivos e tão cegos espiritualmente que são desprezados pelos espíritos despertos.


Os Egúns Vagantes

Os egúns vagantes e perdidos são espíritos que ao desencarnarem estão carregados de frustrações, traumas e decepções tão agudas que os aprisionam em labirintos psíquicos fortíssimos. Vagam pelas encruzilhadas em busca de respostas e por vezes não entendem que transpuseram o invólucro material. Vivem no plano astral em estados apáticos e submissos e não são desejáveis para as correntes espirituais mais densas, porém, são usados para determinados fins obscuros. Permanecem neste estágio por muito tempo, até encontrarem a força interior que os ilumine para buscarem apoio dos Povos encaminhadores.


Os Egúns Revoltados

Os eguns revoltados são espíritos que partiram da matéria com algum tipo de revolta. Não se obscurecem completamente, mas são atraídos por correntes de espíritos justiceiros. Como ainda possuem resquícios de suas formações religiosas e morais, são doutrinados e podem seguir por dois caminhos distintos: Atravessar um portal através do Cruzeiro das Almas ou integrar o corpo de alguma Legião ou Povo de Exu.


Os Egúns Obsessores

Os egúns obsessores são espíritos que partiram da matéria com fortes impulsos de vingança. Não se conformam com os acontecimentos e procuram de todas as formas concluir os impulsos que tinham enquanto na matéria estiveram. São ferozes, rebeldes e toda formação religiosa e moral que possuíam na matéria, são dragadas pelo obscurecimento de seus corpos astrais. Quando possuem a Chama Negra dentro de si, tornam-se desejáveis nas correntes de Exu, todavia, quando são obscurecidos apenas pelas falhas comportamentais e descontrole emocional, são facilmente integrados a um grupo de kiumbas (Vampiros astrais).


Os Egúns Escolhidos

Os egúns escolhidos são aqueles cuja espiritualidade é latente como uma chama incessante, são pessoas direcionadas aos estudos esotéricos profundos. Incansáveis buscadores, quando atraídos pelas correntes de Exu, tornam-se objeto de zelo e honra pela corrente. Suas jornadas materiais não são fáceis, haja vista que se tornam perigosas armas de embate ao Sistema Regente, porém, não se curvam a nenhuma estrutura estagnada. Quando partem da matéria são recebidos com Glórias pelas Correntes de Exu e direcionados aos Campos Magnéticos onde deixaram seus lastros.

Os egúns escolhidos, revoltados e obsessores são a matéria prima que compõem as Legiões de Exu e Pombagira. Após serem arrebanhados pelas legiões, são doutrinados e treinados pelos Chefes do Povo e podem compor a espiritualidade de outro ser humano.

São atraídos aos Reinos segundo as vibrações que carregam no astral, portanto, nos planos espirituais, a Lei de Atração é fundamental para a formação dos Reinos de Exu e suas hierarquias.

Quando falamos em “Hierarquia de Exu”, falamos sobre gerencia, a capacidade de distribuir ordenadamente. Essa graduação demonstra que a organização das fileiras de Maioral objetiva uma otimização do sistema de embate, um máximo aproveitamento da capacidade de cada espírito e o Direito evolutivo aos mesmos. Portanto, desde que um espírito é conduzido às sendas de Exu, sua essência é lapidada, enriquecida e preenchida com sabedoria e magia. Esse processo não pode ser medido pelo nosso tempo causal, não existe uma medida certa para que os Exus e Pombagiras permaneçam nos degraus evolutivos. Certo é que alguns despertam suas chamas internas com tamanha força que recebem títulos. Essa graduação não faz com que existam Exus Maiores e Exus Menores, pois a Quimbanda Brasileira classifica os espíritos pelo grau evolutivo que os mesmos ostentam. Jamais podemos esquecer que mesmo que existam disputas internas, existe o poder limitador e nada pode ser maior que as emissões energéticas do Grande Dragão Negro.

No começo da jornada evolutiva, os Exus são direcionados aos Reinos e sub-reinos onde receberão um árduo processo de decomposição e aprendizado. Quando aptos, passam a ostentar o nome do Reino e servir nas fileiras de algum Exu com grau evolutivo superior. Por exemplo: Se o espírito receber o título de “Exu de Encruzilhada”, será direcionado para a falange/legião cuja energia seja compatível com a essência individualizada. Se a energia compatível for da “Kalunga”, o mesmo servirá nas “Encruzilhadas de Kalunga”. Dessa forma, a essência formadora do espírito é respeitada e usada dentro das necessidades do Grande Reino.

O Exu, como todos os espíritos em vias evolutivas, pode evoluir absorvendo forças e sabedorias nas correntes energéticas astrais. Isso faz com que seus poderes tornem-se mais direcionados e suas características definidas. Nesse ponto, os Exus recebem “nomes” que representam suas legiões. O “Exu de Encruzilhada” pode se tornar “Exu Tranca Rua das Encruzilhadas” ou um “Tiriri das Encruzilhadas” dentre outras classificações.

A evolução é contínua e longínqua. Após o Exu ter desempenhado sua função com maestria e força, destacando-se pela busca e despertar, servindo a causa maior com dinamismo e tendo alcançado a plenitude de forças, recebe o título de “Mestre”. Em alguns casos, esse título pode ser de “Mestre Sete”. O “Mestre Sete” difere-se do título de “Mestre” pela necessidade expansiva e organizacional do Reino. Os “Mestres Sete” possuem maior número de legionários pela máxima necessidade de embate que existe no Reino.

Todos os “Mestres” tem por obrigação a expansão de seus Reinos. Cada espaço do plano astral deve ser modelado de acordo com os impulsos da Vossa Santidade Maioral. Os “Mestres” são potencializadores e organizadores dessa expansão. Entendemos que expandindo os Reinos, crescem o número de passagens entre os dois “mundos” e o despertar das chamas aprisionadas. Quando essa expansão atinge o número construtivo “49”, ocorre a necessidade de um “Rei” zelar desse espaço. Um dos “Mestres” é eleito pelos “Poderosos Mortos” e as características nominais são elevadas ao nobre título de “Rei”. Seguindo o exemplo descrito, o “Exu de Encruzilhada da Kalunga”, evolui para “Tranca Rua da Encruzilhada da Kalunga”, “Tranca Rua das Sete Encruzilhadas da Kalunga – Mestre Sete” e “Exu Rei das Sete Encruzilhadas da Kalunga”.

Da mesma forma que os espiritos masculinos são caminhados, Pombagira (Espirito feminino) também o é, ostentanto seu titulo. Assim funciona a verdadeira hierarquia de Exu e Pombagira dentro da gnose da Quimbanda Brasileira.


Parte Dois: Pombagira, A Rainha de Todos os Mistérios e Seus Arquétipos Comportamentais

Pombagira é uma classe de espíritos que, sob nosso entendimento, são os mais mal compreendidos dentro do culto da Quimbanda. Sem nenhuma dúvida esse foi o capítulo mais difícil de transcrever, afinal, nosso entendimento acaba ferindo os “pilares tradicionais” das religiões Afro-brasileiras.

A etimologia do nome “Pomba Gira” é deveras confusa. A definição mais comum alega que o nome Pomba Gira se trata da corrupção do nome do Nkisi “Pambu Njila”, cultuado no rito de Candomblé de Angola como “Senhor dos Caminhos e das Encruzilhadas, protetor das vilas e guardião de tudo que começa”. A palavra Kikongo “Mpambu” significa “encruzilhadas”, enquanto a palavra “Njila” significa “caminhos”. Provavelmente seja essa a verdadeira origem do nome Pomba Gira, afinal, no território brasileiro, dezenas de etnias provindas da África pronunciavam de modo diferente nomes comuns à mesma divindade. Dessa forma, a mesma força recebia diversos nomes: Pambu Njila, Mpambu Njila, Bambogira, Kongogiro, Ganga Pambuguera, Pangira, Ungira, Ungila.

Alguns autores alegam que “Pambu Njila”, assim como “Aluvaiá” (divindade do Congo), foram submetidos ao Èsú Yorubá pelo processo de fusão cultural e acabaram assumindo o polo passivo, receptivo e feminino. Nós não compactuamos com essa informação, pois no curso da história e da mitologia, deuses sempre tiveram suas consortes e isso se refletiu na formação dos espíritos que encarnariam em matérias densas (humanos). O homem e a mulher sempre existiram em pares e Exu também possui sua parceira (esposa), sua manifestação feminina “Exua” ou “Exu Mulher”, ou seja, um espírito feminino que caminhou nas sendas espirituais da mesma forma que Exu e recebeu seu título astral.

Pombagira é uma força magnética cuja suavidade esconde um véu bestial e brutal e na energia das palavras somos conduzidos a “labirintos” psíquicos e abismos pessoais. O pulsar de liberdade é tão intenso que nossos corpos carnais e mentais por vezes não suportam. Sob nosso entendimento toda Pombagira ostenta mistérios individuais sinistros e ocultos para a maioria dos adeptos e o contato verdadeiro com essas “serpentes” exige muito mais que oferendas e rezas. Pombagira é Exu mulher, um ser que esteve na matéria, conheceu as luxurias da vida, vivenciou complôs e armadilhas, foi traída, mutilada, foi rainha, princesa ou concubina, se vendeu por necessidade ou por pura vontade, matou, humilhou e foi humilhada. Viveram intensas paixões ou amores tendenciosos e interesseiros, riu, debochou, conduziu ao erro e foi conduzida aos abismos. Pombagira é um título para as mulheres que escreveram suas vidas de acordo com suas vontades, silenciosas ou não, são mulheres notáveis que marcaram suas passagens em linhas astrais e rasgaram suas roupas diante a Luz. 

Portanto, falar de forças tão anárquicas e subversivas não pode sob-hipótese alguma ser tratada de forma simplista e superficial. Temos a intenção de colocar as “Rainhas do Mundo” no altar que elas merecem, sem hipocrisias propagadas pelos que tentam aplacar suas energias. Existe uma linha de conduta moral e ética, cujos homens modernos aplicam como uma espécie de “lei” do “bem”, da caridade e do amor. Tais regras foram codificadas e aplicadas como forma de conduta coletiva, afinal, o homem tem necessidade de viver em grupo de “afins” e julgar todos os atos segundo tais “normas”. Acreditamos que a primeira fundação que sustenta nosso entendimento sobre Pombagira reside exatamente nesse ponto. As “Pombagiras” foram espíritos subversivos e contrários a tais padrões comportamentais. São “diabas”, livres pensadoras que agem segundo seus instintos e conhecimentos e, por tal motivo, associam-na ao próprio Satanás; literalmente: “O Inimigo”.

Para corroborar, a palavra “Moral” explicitamente significa: Costumes. Entendemos, portanto, “Moral” como um conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em sociedade. Tais normas são frutos da educação, tradição e do próprio cotidiano. Quando lutamos contra tais “Leis” entranhadas no subconsciente, quebramos uma cadeia de julgamentos “internos” e nos libertamos de todo e qualquer modo comportamental aprisionador, ou seja, damos vazão aos nossos desejos desprovidos de qualquer barreira interna que impeça a ascensão do nosso “Eu”. A Moral, por ser um empreendimento social, norteia todos os seres em diversos níveis sócio-religiosos-culturais e é agravada pelo julgamento ético, que nada mais é do que a “regulamentação” da moral. A função da moral e da ética é fazer com que os indivíduos acatem as normas de forma livre e consciente, ou seja, “camufla-se” a escravidão numa pluralidade de “conceitos” entranhados nas mais diversas tradições e religiões para que a vida, bem como as atitudes que a fazem proliferar, devam ser enraizadas.

Para compreendermos melhor a definição de uma mulher contrária ao “sistema patriarcal escravocrata” talvez encontremos respostas nas antigas lendas de origem hebraica. No manuscrito “Alphabetum Siracidis” (Sabedoria de Siraque) atribuído a Shimon ben Yeshua ben Eliezer Ben Sira, a história de uma deusa intrigante é contada. “Lilith” foi a mulher que surgiu do barro para que Adão não se sentisse sozinho. Todavia, essa Deusa não admitia ser tratada como inferior, tanto sexualmente como em outros aspectos. Uma das alegações transcritas nesse manuscrito expressa isso claramente: "Nós somos iguais uns aos outros na medida em que ambos fomos criados a partir da terra.” Diante ao sistema patriarcal isso soa como um grande insulto, uma rebeldia ou um sinal de disputa. Mesmo diante as graves ameaças vindas de seu “Criador”, Lilith se manteve forte na decisão de deixar tudo de lado e viver sua liberdade. Lilith foi o claro exemplo do inconformismo. Ela demonstra em seus atos que ninguém deve ser acorrentado contra a própria vontade e que dogmas são prisões a serem derrubadas. Lilith tornou-se então “Mãe” dos Demônios, Rainha dos Vampiros, Governanta das Meretrizes e a Imperatriz do Mal. Uma deidade que assombra a humanidade desde o tempo dos Sumérios até os dias atuais. Não é difícil de entender a manipulação de tais lendas em prol de pilar patriarcal. Entramos em discordâncias com isso desde o momento que Iavé citou que o homem era sua semelhança (vide escrituras). Oras, então como foi gerado um homem sem uma mulher? Na extensão, como algum homem é capaz de gerar algo sem sua companheira? Não há como uma criatura pensante crer que existe a possibilidade disso ocorrer de forma natural. No afã de assegurar um DEUS PAI, cria-se a figura de Lilith como espírito rebelde, sexualmente aberta, livre de dogmas e vergonhas e “demonizada” por não acatar as ordens angelicais. Lilith foi a língua da serpente que fez Adão pecar, ou seja, fez Adão enxergar que o sexo poderia ser a forma com que os humanos estabeleciam pontes com o divino sem se privar de nada, ao contrário, transformando o sexo num ato cerimonial e  prazeroso. Lilith é temida como também desejada em razão de sua beleza surreal. Nas noites, assombra e seduz todos que estão adormecidos e, com sua energia, capacita prazeres sexuais que vão muito além do gerado em nível material.

Essa deusa resiste aos séculos de perseguição religiosa, pois jamais permitiria que seu legado fosse em vão. Lilith é a expressão máxima de Pombagira, talvez a Mãe e Imperatriz de todas elas. Esotericamente, através de Lilith são abertos os portais do “antimundus” para que o adepto preparado possa penetrar nas regiões inconscientes mais obscuras. Tais “vales sombrios” nos conectam com o abismo que destrói os aspectos que a grande maioria dos homens ignora e reprime. 

Apesar de ser extremamente ligada ao erotismo, Pombagira está intimamente associada às agitadas decisões individuais e coletivas. Dentre suas múltiplas facetas, aparece aquela que influencia os bastidores, que motiva decisão como conselheira oculta e que eventualmente usa do sexo e dos prazeres para galgar o que deseja. Esses espíritos literalmente fazem o que for necessário para alcançarem seus desejos e metas. O poder de sedução é tão intenso que age como teias, enredando o objeto ou pessoa de tal forma que dificilmente consegue escapar. Esse atributo “arachinideo” é mais uma qualidade oculta que encontramos na sagrada Deusa Lilith. Armar, aguardar, estrangular e sorver! Dentro desse mesmo conceito, a Deusa Namaah é outra fonte primal para entendermos Pombagira.

Namaah, segundo as lendas hebraicas, é descendente direta de Caim (Qayin). Filha de Lameque e Zillah, representa a sexta geração de Caim. Além de vir da sagrada linhagem Qayinica, era a manifestação material de Lilith, portanto, uma divindade, ou melhor, uma avatar. A Deusa, além de possuir uma beleza inenarrável, tinha o dom de, através de seu címbalo e de danças exóticas, expressar uma sensualidade “inocente e amável” que fascinava todos a sua volta. Namaah também foi a primeira tecelã da história, o que nos leva a crer em seus dons espirituais de tecer as teias do destino através de seus impulsos, aspecto esse herdado de Lilith em sua manifestação como Arachinídea-Lilith.

Namaah foi um marco, uma estaca que delimitou o primitivo do moderno. Por razões obvias acreditamos que sua coroa brilhará eternamente e seu arquétipo vive dentro de todas as Pombagiras. Dançarina, feiticeira, tecelã, amante sedutora, vaidosa e misteriosa, amável e tenebrosa, doce e sangrenta... Eis o primeiro grande arquétipo!

Sob nossa concepção, Lilith é a Grande Deusa, Mãe de todas as Pombagiras e Imperatriz do Inferno e Namaah, sua avatar, torna-se a grande Rainha das Rainhas, Princesa das Trevas e dos Sete Reinos de Exu e Pombagira. Arquétipos de “mulheres deusas” que desafiam e enfrentam o mundo e tudo que se interpõem aos seus desejos.

Entendemos que todas as Pombagiras são filhas dessa revolta. Cada espírito feminino que é sugado para os Povos de Exu teve estórias marcantes na Terra e causaram mudanças no raio que puderam influenciar. Muitas passaram momentos difíceis e desesperadores como estupros, mutilações, agressões, prisões, vícios, opressões, abortos e traições e a partir desses “Obeliscos da Agonia” reescreveram suas jornadas e acenderam a tocha que brilha entre seus olhos. São notáveis seres que superaram os limites e assumiram o que eram sem vergonhas ou medos hipócritas.

Na Quimbanda Brasileira, Pombagira é o espírito da inquietude e da liberdade. Só a energia provinda desses espíritos é capaz de observar os abismos que os homens e mulheres carregam dentro de si e ativar ou trancar as portas desses “porões” de acordo com a necessidade. A alegria, o erotismo e a força que pulsa delas capacita ao homem enxergar o que é necessário e não o que está condicionado a ver. Como “rasgaram véus”, sabem exatamente a lâmina necessária para cada tipo de situações. Todavia, o lado obscuro e sinistro que carregam faz desses espíritos os mais perigosos da Quimbanda, pois todas as mulheres que formam as Legiões de Exu sabem inúmeros caminhos dolorosos para concluir suas vinganças. São profundas conhecedoras das artes negras, feitiçarias e bruxedos. 

As grandes “Damas Infernais” expressam tudo aquilo que causa descontentamento e frustração nas mulheres e nos homens. São lindas, luxuosas, sedutoras, repletas de energia, inteligentes e sagazes. Todos os atributos que uma mulher enseja em ter elas possuem, são capazes de transformar a mulher menos atraente num “oceano” de beleza e libido, afloram a beleza reclusa e escondida, pois “soltam as feras” contidas no âmago de cada mulher. Além disso, através de suas poderosas emanações energéticas, fazem o homem cair em suas teias e dobrarem-se ao poder feminino, oculto e até num sentido mais esotérico o poder exclusivo do sexo feminino: A maternidade.

Quando invocadas e evocadas, podem sanar a dor mais aguda dos seres humanos: Os relacionamentos amorosos. Por terem vivido intensamente ou sido repreendidas de forma brusca, as Pombagiras são únicas no que diz respeito a relacionamentos. Quando magisticamente acionadas de forma correta e condizente podem “virar o jogo” em um relacionamento. Se necessário desfazem casamentos, afastam amantes, unem casais improváveis, proporcionam prazer ou “asco”. Tudo pelo simples desejo de acertar a vida de alguém que está sofrendo de amor. Porém, sua ação não se limita apenas ao sentimental. São grandiosas curandeiras capazes de realizar prodígios incríveis em muitos aspectos, tais como: saúde, abertura de caminhos, quebra de maldições e outras necessidades.

Dentro de um contexto mais profundo, Pombagira pode ser a condutora e mestra para aqueles que se atrevem ultrapassar os portões de “Nahemoth”. Sendo esses espíritos representantes de grandes legiões de mortos coroados, possuem conhecimentos avançados sobre o entrelaçamento das Raízes e todos os meios de deslocamento. São poderosas feiticeiras astrais que conseguiram deslocar-se da roda das reencarnações e não se submeteram à “lavagem” de suas memórias ancestrais no rio do esquecimento.


Os Sete Reinos

Definimos “Reino” como um estado que possui uma ordem maior ditada por um soberano, um rei ou imperador, que regula os atos de seus súditos. Portanto, os “Reinos de Exu” são espaços no plano astral que agrupam seres de mesma frequência (energia) tutelados e governados por um ser maior, denominado “Rei”.

​Os “Exus Reis” são seres que se destacam nos grupos, tendo poder absolutista de guerra, persuasão, domínio e força. Portanto, são extremamente importantes nas colunas do Grande Império Negro.

Os “Reinos de Exu” são compostos por sete grandes reinos. Dentro dos Reinos existem subdivisões denominadas “Linhas”. As “Linhas” são formadoras de legiões ou falanges comandadas por um Exu de grande poder e os reinos são espaços astrais que delimitam, ordenam e estruturam tais Legiões sob a tutela de um Exu Rei e uma Pombagira Rainha.

Entendemos que dentro de cada “Reino de Exu”, atuam diversas “Linhas de Exu”, porém, existe um Rei que ministra todo o reino e líderes de falange que atuam concomitantemente.

Os Reinos de Exu são:


Reino das Encruzilhadas

Reino dos Cruzeiros

Reino das Matas

Reino da Kalunga Pequena (cemitérios)

Reino das Almas

Reino da Lira

Reino da Kalunga Grande (Praia)


O Reino das Encruzilhadas​

Desde as épocas mais remotas, muitos mistérios cercam as encruzilhadas. Culturas milenares faziam uso dessas localidades para os cultos e oferendas. Dito pelas antigas tradições, as encruzilhadas são o ponto de interseção entre dois mundos: O mundo físico e o mundo espiritual.  As encruzilhadas são os locais onde ocorre o entroncamento e direcionamento energético encaminhando as almas ao destino prescrito, ou seja, os “espíritos” encontram rumo correto no reino dos mortos. Vinda de qualquer direção, uma energia flui apenas por três caminhos distintos nas encruzilhadas. Estátuas e monumentos diversos foram erguidos em tais pontos para sinalizar o limiar entre o profano e o sagrado.

Como símbolo que une o físico ao espiritual, entendemos que a linha horizontal representa o mundo espiritual e a linha vertical o físico. O centro é onde ocorre a junção dos dois mundos. É o ponto de maior força e poder.

As encruzilhadas determinam a trajetória que deveremos seguir em nossas vidas, bem como o destino dos nossos desejos e súplicas.

O princípio dinâmico, vital aos seres individualizados, dentro dos cultos afro-brasileiros está intimamente ligado ao mistério de Exu. Segundo a cultura Nagô, é a qualidade de Exu (Èsú) Bara, Senhor dos Caminhos, que junto à qualidade de Exu Onã, abre e fecha a vida individual para elementos construtivos e destrutivos. Exu fica a esquerda dos caminhos controlando tudo que por eles passam. A encruzilhada aparece para Exu, sob o nome de orita, o ponto predileto, onde um único caminho reparte-se em três. Exu é o centro de toda comunicação, controlador dos caminhos e ordenador de todas as coisas que existem. Exu torna-se o regente da encruzilhada na horizontal e vertical, sendo o grande vínculo entre os homens e os espíritos.

A encruzilhada é o grande portal que possibilita aos Exus estarem em qualquer lugar, o que faz dela um dos locais mais importantes para o culto de Exu, afinal, Exu direcionará de acordo com as necessidades.

Os Exus são chamados nas encruzilhadas para trabalhar nos templos, assim como suas oferendas devem ser feitas no mesmo ponto de força. Além disso, estão intimamente ligados ao imaginário infernal, assim como à cidade de Torrinha, berço da lendária Maria Padilha.

A Quimbanda utiliza do “Reino das Encruzilhadas” para intercambiar todos os demais Reinos. As encruzilhadas são como “vias” energéticas que possibilitam a locomoção espiritual dos seres. Essas Legiões proporcionam vitórias contra todos os inimigos, ensinam feitiços poderosos, abrem os caminhos fechados e quando necessário curam enfermos. Trabalham nos processos de sedução e escravidão amorosa, além de serem excelente conselheiros aos filhos e adeptos da negra arte.

Muitas legiões, chamadas também como “Povos” compõem o “Reino das Encruzilhadas”:


Legião ou Povo da Encruzilhada da Rua;

Legião ou Povo da Encruzilhada de Lira;

Legião ou Povo da Encruzilhada da Lomba;

Legião ou Povo da Encruzilhada dos Trilhos;

Legião ou Povo da Encruzilhada da Mata;

Legião ou Povo da Encruzilhada da Kalunga;

Legião ou Povo da Encruzilhada da Praça;

Legião ou Povo da Encruzilhada do Espaço;

Legião ou Povo da Encruzilhada da Praia.


O Reino dos Cruzeiros

​As encruzilhadas são vias de acesso das almas aos destinos que lhes competem e os cruzeiros são os portais entre os planos vibracionais. Entendemos que os cruzeiros são os portais de entrada e saída dos seres que estão se locomovendo nos planos astrais. Portanto, os dois reinos estão intimamente ligados.

Os antigos feiticeiros ensinavam que o “Cruzeiro” é o verdadeiro portal da Morte que, como toda porta, possui duplo fluxo: Entrada e saída. Os Exus que manifestam-se em tais linhas são intransponíveis guardiões dos Templos de Quimbanda, porém, quando enfurecidos, são sanguinários e perversos assassinos, feiticeiros que dominam os lançamentos de pragas e doenças terríveis. Em contra partida, se respeitosamente cultuados, são capazes de curar a pior das moléstias e evitar graves acidentes.

Muitas legiões, chamadas também como “Povos” compõem o “Reino do Cruzeiro”:


Legião ou Povo do Cruzeiro da Rua;

Legião ou Povo do Cruzeiro de Lira;

Legião ou Povo do Cruzeiro da Lomba;

Legião ou Povo do Cruzeiro das Almas;

Legião ou Povo do Cruzeiro da Mata;

Legião ou Povo do Cruzeiro da Kalunga;

Legião ou Povo do Cruzeiro da Praça;

Legião ou Povo do Cruzeiro do Espaço;

Legião ou Povo do Cruzeiro da Praia;

Legião ou Povo do Cruzeiro do Mar.


O Reino das Matas

​​​​​​​​​O “Reino das Matas” é um dos frutos produzidos pela alquimia da Quimbanda. Nesse reino estão os seres de antigos caçadores, guerreiros e feiticeiros Kimbandas, Ngangas e Xamãs. Possuidores de conhecimento dos reinos mineral, vegetal e animal, são silenciosos e vorazes como os predadores que habitam nas escuras matas.

​O arquétipo desses Exus costumam agradar-se com peles, penas, animais secos, lanças, arcos e todo tipo de artefato nativo. Conhecem poções e pós poderosos, bradam forte em seus filhos e não se corrompem por luxo algum. Sob alguns aspectos são verdadeiras feras em pele de cordeiro, animais selvagens e assassinos quando necessário e, ótimos conselheiros capazes de reconciliar os piores inimigos. Conhecedores da guerra e da morte, não se curvam para nada e enfrentam todo tipo de feitiço com seriedade e força.

A mata exerce um poder purificador e as armadilhas que existem em seus sombrios vales e montes são cultuados na Quimbanda para que o adepto possa enfrentar a terra hostil que vive com  fúria nos olhos e conhecimento na mente. A revolta dos antigos feiticeiros encaminha o guerreiro para a luz verdadeira e o fraco para o abismo inconsciente. Esse é o reflexo da obscuridade que existe no “Reino das Matas”, assim como no “Reino da Kalunga”.

A mata é uma “Kalunga”, pois a morte também repousa em suas terras. Existe uma relação estreita entre esses dois Reinos, afinal, existem inúmeros cemitérios indígenas e animais nas matas.

Muitas legiões, chamadas também como “Povos” compõem o “Reino da Mata”:


Legião ou Povo das Árvores;

Legião ou Povo dos Parques;

Legião ou Povo da Mata da Praia (que costeia);

Legião ou Povo das Campinas;

Legião ou Povo das Serras;

Legião ou Povo das Minas;

Legião ou Povo das Cobras;

Legião ou Povo das Montanhas;

Legião ou Povo das Panteras;

Legião ou Povo das Flores;

Legião ou Povo das Raízes.


​O Reino da Kalunga ou Reino do Cemitério

Kalunga, palavra derivada dos povos do Congo ou Angola, possui uma definição que assemelha-se com “Necrópoles”, “Terra dos Mortos”, “Mundo dos Ancestrais” ou ainda a tênue linha que separa vivos dos mortos. Alguns acreditam que “Kalunga” significa o rio que separa vivos e mortos, papel muito similar ao rio “Styx” da mitologia grega. A mesma palavra é usada para qualificar grupos de escravos africanos e seus descendentes que fugiam dos senhores de engenho e agrupavam-se em pequenos povoados isolados e protegidos denominados “Quilombos”. Essas comunidades acabaram por agregar índios, brancos, brasileiros e europeus, além da presença de membros da igreja católica. Tal mistura de povos e tradições criou uma cultura hibridizada e, muito provavelmente, também tenha sido incubadora natural dos mitos formadores da Quimbanda Brasileira.

Para os ocidentais, o cemitério é um local de dor e solidão, onde as lágrimas jamais cessam, todavia, o conceito “Kalunga” difere-se culturalmente, pois os africanos acreditavam que o mundo dos ancestrais era o local de onde se emanava força e sabedoria que capacitavam  as pessoas tornando-as ilustres.  Quando o negro africano foi escravizado e trazido ao Brasil, atravessaram o grande rio (mar) ao qual denominaram de “Grande Kalunga” (Kalunga Grande). Assim temos duas concepções: Os cemitérios (Pequenas Kalungas) e o Mar (Kalunga Grande). Um detalhe importante é que antigos rituais crematórios de grandes autoridades e monarcas eram efetuados em embarcações dentro das águas do mar para que suas cinzas encontrassem o caminho do Reino dos Mortos. Em países do Oriente ainda existem tradições de cremação nas margens de rios.

A diferença reside no fato de que os cemitérios são locais destinados à sepultura dos mortos. Geralmente são afastados dos centros urbanos, pois são habitat de animais repugnantes que exercem o papel decompositor, ou seja, a morte alimenta a existência de outros animais.

Espiritualmente, os seres que compõem o “Reino da Kalunga Pequena” são muito obscuros, e parte de suas forças reside na nostalgia, nos sentimentos e ressentimentos, angústias e desespero. São grandes senhores e senhoras aptos à guerra, com enorme conhecimento no lançamento de feitiços que levam as pessoas à loucura, magias carregadas de epidemias e desgraças. Quando zelados e cultuados da maneira correta são capazes de curar e transmitir uma herança ancestral incrível. Só um ser da Kalunga é capaz de desmanchar um feitiço feito nela.

Muitas legiões, chamadas também como “Povos” compõem o “Reino da Kalunga Pequena”:


Legião ou Povo das Portas da Kalunga;

Legião ou Povo das Tumbas;

Legião ou Povo do Forno;

Legião ou Povo das Caveiras;

Legião ou Povo da Kalunga da Mata;

Legião ou Povo da Lomba;

Legião ou Povo das Covas;

Legião ou Povo da Mironga;

Legião ou Povo das Trevas;


Reino das Almas

Alma é uma palavra que deriva-se do latim “Animu” (aquilo que anima). De forma simplória, a alma é parte da fagulha original que ciclicamente vaga entre as reencarnações dentro dos vasos (corpos) materiais em busca da libertação. Toda peregrinação ao longo das vidas constrói e destrói convicções materiais nos seres que entram num turbilhão emocional ao longo do processo mortuário. Muitos aceitam os desígnios que lhe são impostos, outros demoram, mas acabam aceitando e alguns não. Dentro do processo de desencarnação, existem duas situações distintas: A transição e a busca.

A transição é o momento em que a pessoa acaba de se desligar do invólucro material. Neste exato ponto, existem determinados Senhores e Senhoras que direcionam para o “Cruzeiro das Almas” (portal de direcionamento espiritual). O trabalho de tais senhores é extremamente importante, pois conduzem seres que acabaram de receber o choque da morte. Essa é a transição. Nos hospitais, igrejas, centros espíritas, terreiros, mesquitas e velórios sempre existem seres aptos a guiar os desencarnados. Porém, o lado obscuro é o de aprisionadores das almas. De seres condutores, tornam-se algozes perseguidores que capturam e obrigam as almas a trabalhar nas correntes sinistras desse Reino. Os Exus das Almas são espíritos em constante contato com os seres humanos, conhecendo cada fenda na alma de cada um.​​​​​​​​​​

Outro domínio das legiões formadoras do “Reino das Almas” são os picos altos, as montanhas e desfiladeiros. Segundo antigas lendas, as almas que buscavam libertação e crescimento espiritual deveriam subir em montanhas para transcender e encontrar a imortalidade. Essa é a busca.

Os Exus e Pombagiras das Almas conhecem os centros energéticos dos seres humanos e são capazes de libertar as correntes necessárias para o despertar do “Eu Supremo” ou a “Suprema Consciência”. Num plano material, são responsáveis pelo crescimento material e evolução intelectual, pois carregam conhecimentos de milhares de existências. São mestres na arte da emboscada e aniquilação de frentes vindas pelos inimigos.

Muitas legiões, chamadas também como “Povos” compõem o “Reino das Almas”: ​


Legião ou Povo das Almas da Lomba;​

Legião ou Povo das Almas do Cativeiro (Anima Mundi);​

Legião ou Povo das Almas dos Velórios;​

Legião ou Povo das Almas dos Hospitais;​

Legião ou Povo das Almas dos Hospitais e Templos;​

Legião ou Povo das Almas do Mato;​

Legião ou Povo das Almas da Kalunga pequena;​

Legião ou Povo das Almas da Kalunga Grande;​

Legião ou Povo das Almas do Oriente;​

Legião ou Povo das Almas dos Campos de Guerra.

​Reino da Lira

O “Reino da Lira” é um dos maiores mistérios dentro da Quimbanda. Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, “Lira” significa um instrumento musical de cordas  usado em tempos medievais. Apenas com esse direcionamento não entenderíamos a profundidade esotérica desse Reino, por tal motivo devemos recorrer à história para compreendermos melhor a associação entre a palavra “Lira” com o Reino de Exu que a mesma representa.

Lira é o nome de uma cidade localizada ao norte de Uganda que desde os tempos remotos destacava-se como grande centro de negócios. A localização geográfica da cidade, assim como a fartura de água e comida, faziam dessa cidade um ponto de encontro de diversos povos. A história da cidade relata que grandes tratados comerciais ocorriam entre etnias como os ciganos, árabes, chineses e os poderosos clãs bantus. Um local que atraia estrangeiros, certamente atraia o povo do entretenimento que é composto tanto de artistas quanto das damas da noite. Relatos provindos de espíritos alegam que na cidade de Lira muitos tratados comerciais eram regados com bebidas, danças, apresentações diversas e sexo. Diamantes, esmeraldas, cavalos árabes, pólvora, porcelanas, tapeçarias, peças em cobre e ouro e lindas mulheres, dentre tantos outros itens eram negociados nesse poderoso polo sócio-econômico-cultural africano. Além dos negócios, guerras ocorridas entre os próprios clãs e entre o povo de Uganda com estrangeiros, em especial os árabes, construíram uma identidade particular nessa região. Com o processo escravista europeu, homens e mulheres de Lira foram acorrentados e trazidos para o continente americano. Essa é a origem real do nome desse Reino, composto por espíritos que vivenciaram os dias de glória da região de Lira.

Porém, o “Reino da Lira” expande-se e agrega outros elementos em sua formação. Nos tempos da “Belle Époque” na França, abastados senhores frequentavam casas noturnas chamadas “cabaret”. Tais estabelecimentos eram extremamente luxuosos e existiam inúmeros espetáculos que envolviam desde danças sensuais com mulheres até apresentações circenses e óperas. Dentro de tais casas, a luxúria se mesclava aos vícios e conluio de banqueiros, policiais, assassinos e políticos que definiam os ditames do poder. O “cabaret” era uma casa onde o obscuro era rodeado por gargalhadas, sexo e luxo.

Não podemos citar os “cabaret” sem falar acerca da prostituição. Só ocorre prostituição em locais onde os conceitos morais e éticos aplicados consideram adultério como crime ou falha religiosa. Onde o adultério não é crime ou pecado, dificilmente existe prostituição. Muitas prostitutas são mestras na arte de manipulação mental e comportamental, fazendo com que os homens cometam todos os tipos de atos quando bem presos aos seus  laços. Esse estado hipnótico que tais damas agarram suas presas, marcou a história do mundo em várias fases.

Os “cabaret” vieram ao Brasil através da colonização europeia. Além das moças, imigraram também algumas atrações que costumeiramente apresentavam-se em tais casas. Ao longo do tempo, mulheres de etnia indígena e negra também compuseram os “cabarés” brasileiros, onde  ricos e poderosos senhores costumeiramente frequentaram. No processo formador da história do Brasil, os cabarés estiveram em diversos “bastidores”, assim como as prostitutas.

Na Quimbanda, o “Reino da Lira” é um espaço astral composto por toda essa legião que circundava o mundo dos negócios, da sedução e dos cabarés. Prostitutas, cafetões e cafetinas, senhores abastados (banqueiros, políticos, fazendeiros), jogadores e apostadores, artistas circenses, ciganos e ciganas, viciados em sexo e luxúria, assassinos passionais, traficantes, dentre outros seres. Seus pontos de força são os cabarés, motéis, boates, discotecas, bares, casas de aposta, porta de bancos, locais onde existam circos e outras atrações do gênero, casas antigas, casas de espetáculo e museus. Todavia, as legiões da Lira também respondem em quase todas as partes das cidades urbanizadas.

Os Exus e Pombagiras desse Reino são seres espertos e ladinos, aptos e sempre prontos para os golpes de boa sorte. São portadores de caminhos para as riquezas materiais e satisfações carnais. Podem levantar da miséria os adeptos dando oportunidades de trabalho, retirando pessoas dos vícios e depressões, em contra partida, obscuramente são seres que “chafurdam” os humanos nos vícios e na luxúria descontrolada. Capazes de iludir e enevoar, levam as pessoas a completa derrota em todos os sentidos. Não sentem piedade em escravizar e manipular os humanos fazendo-os cometer barbáries e sandices, além de corromper todos os pilares morais individuais.

Muitas legiões, chamadas também como “Povos” compõem o “Reino da Lira”:


Legião ou Povo do Inferno;

Legião ou Povo dos Cabarés;

Legião ou Povo da Lira;

Legião ou Povo dos Ciganos;

Legião ou Povo dos Malandros;

Legião ou Povo do Oriente;

Legião ou Povo do Lixo;

Legião ou Povo do Luar;

Legião ou Povo do Ouro;

Legião ou Povo do Camércio.


Reino da Kalunga Grande (Praia)

Como descrito anteriormente, o conceito “Kalunga Grande” é bem amplo. Entendemos que o “Reino da Praia” é composto tanto pelo mar quanto pela areia, pedras, rios e mata circundante. Outro aspecto importante é que a palavra praia aplica-se tanto para a água doce quanto para a salgada. ​

A grande massa de água salgada é composta por sete oceanos: Pacífico Norte,  Pacífico Sul,  Atlântico Norte,  Atlântico Sul,  Índico,  Ártico e  Antártico. Além desses sete oceanos encontramos lagos compostos de águas salinas sem saída para os oceanos como o Mar Morto, Mar Cáspio, dentre outros. Dentro dos inúmeros mitos e lendas descritos pelas antigas civilizações, os mares sempre foram ponto primal de seres espirituais e, até os dias atuais, não existe tecnologia que capacite ao homem suportar a pressão exercida nos abismos submersos. ​

Antigas lendas relatam que no fundo dos mares, rios e lagos, milhões de almas encontram-se encarceradas. As legiões do Cruzeiro depositam tais seres em gigantescas prisões astrais fortemente guardadas pelos Exus e Pombagiras do Reino da Praia,  inacessíveis à outras formas espirituais. O mar também recebe náufragos de diversas espécies, além de já haver engolido cidades e civilizações inteiras.​

A areia da praia é composta por grãos que são micro cristais. Tais cristais são micro pontos energéticos que transformam as praias em grandes emissores e receptores de energia. As areias e as águas formam pontos de força gigantescos. Existe uma aparente sensação de bem estar quando os humanos banham-se com as águas do mar ou mesmo meditam ao som das ondas, pois a água com imensa concentração de sal desobstruí e abre os pontos energéticos e a areia emana as energias necessárias para uma revitalização. Mas, dentro dessa poética e hipotética situação, existem forças brutais que usam dessa abertura dos centros de energia para se instalarem dentro dos seres humanos. ​

O “Reino da Praia” é composto por almas conduzidas a esse ponto de força para determinadas funções dentro do Grande Império de Maioral. Os Exus e Pombagiras do Reino da Praia são seres capacitados a conduzir os homens pelos caminhos da evolução, descobrindo a força interna e saindo dos labirintos da psique. Assim como os povos da Kalunga Pequena, curam enfermidades e abrem novos caminhos ao homem. Muitas vezes são evocados e invocados para resolver assuntos sentimentais, haja vista que o elemento água manifesta certas emoções, porém, são completamente desprovidos de sentimentos, apenas cumprindo as metas dos adeptos. São ferozes zeladores dos segredos religiosos, não permitindo que profanos (nascidos do barro) aproximem-se dos sagrados conhecimentos. Quando necessário, causam turbilhões emocionais e levam a pessoa ao centro do pior labirinto sentimental. Alguns são festeiros e gostam de algazarras, outros são silenciosos e pouco se manifestam no plano material. ​

Muitas legiões, chamadas também como “Povos” compõem o “Reino da Kalunga Grande (Praia)”: ​


Legião ou Povo dos Rios;

Legião ou Povo das Cachoeiras;

Legião ou Povo das Pedras Costeiras;

Legião ou Povo dos Marinheiros;

Legião ou Povo dos Piratas;

Legião ou Povo do Lodo;

Legião ou Povo do Mar;

Legião ou Povo da Ilha;

Legião ou Povo das Ondas;

Legião ou Povo dos Ventos;

Legião ou Povo das Profundezas.​​


Exu - Entre o Cosmo e o Caos

“A Mente humana é limitada demais para compreender certas coisas!”.

Parte Um: Definições

Todo ser humano vive sob o embate de duas forças: A força linear e limitada conceituadamente e a força não-linear, dinâmica e não previsível. Essas forças são esotericamente conhecidas como Cósmicas e Caóticas ou Causais e Acausais. A partir desse embate vamos elucidar a ação dos Exus e Pombagiras em meio a esse turbilhão. A mente humana é programada para captar todos os elementos em estado de constância invariavelmente construindo um sentido (mesmo que frágil), pois se não fosse dessa maneira, pelas inúmeras limitações, tornar-se-ia confusa e doente.  

O Cosmo, cuja origem da palavra encontra alicerces na palavra grega κόσμος, define-se como os aspectos de disciplina, harmonia e organização projetados no próprio Universo físico em sua plenitude; o macrocosmo e microcosmo. Teoriza-se:


Pressupõe-se que atue de forma infinita, haja vista que age de forma cíclica e contínua no ordenamento vibracional das partículas subatômicas.

É uma estrutura causal, ou seja, regida pelas “Leis da Física”.

É Vibracional, afinal, a construção das diferentes formas materiais depende da intensidade aplicada nas partículas.

Temporal pelo fato de estar limitado à linha de tempo (passado, presente e futuro).

Material, pois é composto tanto de matéria densa quanto de gases detectáveis.

Não admite o conceito do “Nada Absoluto” e sim do espaço vazio que será preenchido.

Tridimensional, pois se encontra limitado à altura, largura e profundidade.

É tudo que tem forma.

É disciplinado, pois possui formas e rumos previsiveis.


O Caos (do grego χάος, Abismo), erroneamente confundido como “confusão” e “desordem”, na verdade é o antigo nome do “Espaço Vazio Disforme” ou “Estado Primordial” ou ainda “Nada Absoluto” (Não Ser). Esse conceito vem de uma definição mais antiga ainda: A separação. Existem muitas gnoses esotéricas que retratam a gênese do Cosmo e a separação de uma fagulha desse Estado Inicial, que se dividiu formando dois sistemas energético-elétricos que embatem em tempo constante. Criação e “Não Criação”.

Sua natureza inenarrável age em vários pontos da Criação (Macro e Microcosmo) e em diversos mundos paralelos.

Sua ação desordena o estático e linear através de acontecimentos não previsíveis e de natureza anárquica. Todavia, sob um olhar mais profundo, é generativo e auto criativo.


Todo ordenamento do Cosmo é frágil diante a ação do Caos.

É o Amorfo.

É anárquico.


Parte Dois: Caos X Cosmo

Partindo dessas definições, a ciência nos explica que todo ordenamento é provindo do Caos (Ordo ab Chaos) e todo sistema linear tende ao desordenamento e à falência, a não ser que encontre entradas de energias sustentadoras. Em um sentido amplo, quando a emissão de energia (e a falta de atenção) do sistema linear está comprometida, é atacada violentamente pela desordem e destruição para que uma nova estrutura possa imperar, ou seja, o Caos retoma a energia para gerar uma nova ordem (Chaos ab Ordo).

Alguns cientistas alegam que a ação incisiva do Caos nos ambientes Causais é uma espécie de “desordem ordenada” ou melhor, algo que está por trás da estagnação dos véus causais. Essa ação está inserida dentro de todas as vertentes (medicina, economia, climatologia, biologia, religiões, dentre outras). Alegam que as mudanças produzidas pelas forças Causais não possuem uma descarga energética forte o suficiente para causar grandes mudanças, já a ação do Caos é violenta ao ponto de modificar o fluxo inicial de qualquer sistema, mesmo sendo através de adventos simples. Exemplificando:

Um rapaz que estuda em determinada escola, em razão de inúmeros problemas, se sente desvalorizado e desmotivado. Humilhado, acaba perdendo sua evolução e adoece psiquicamente. Após um determinado período, através do apoio de certos amigos e familiares, procura outra instituição para se matricular. Lá, descobre seu poder, floresce e ganha status. Depois de certo tempo passa ser admirado pelas mesmas pessoas que o humilharam.

A constância/estagnação está evidente na sua primeira escola. As humilhações e desvalorização e a vida sem sentido (insuportável) abriram uma “porta” para a ação caótica. Veio a perca e a doença. Nesse momento a vida linear recebe um duro golpe do niilismo e a jornada simétrica desse rapaz é literalmente agitada, colocada a prova até que se despedace o concreto que norteava a vida e se inicie uma busca individual. Literalmente o rapaz adentrou em seu abismo pessoal. O Caos é isento de sentimento, frio e quente ao mesmo tempo, como uma ferramenta de demolição agindo nos conceitos e estrutura psíquica-social. Esses valores destruídos construirão um espaço/vácuo que devem ser preenchidos novamente. O Caos não preencherá essas lacunas e nesse estágio entra novamente a ação organizadora do Cosmo e sua reestruturação. A ação Caótica faz com que essa reestruturação não recaía em mesmo erro e os conceitos de autoestima e valorização modifiquem a trajetória vindoura do rapaz. Essa Nova Ordem trouxe uma nova perspectiva acerca do mesmo ser. Esse exemplo mostra claramente a ação do Caos para destruir e dar um novo ordenamento a desenvolvimento linear.

O Caos pode agir em diversos níveis da vida de um ser humano e a absorção e transmutação dessas ações é individual.  

A Quimbanda não seria uma expressão de amplo progresso se seus pilares estruturais não fossem a evolução e a liberdade. Dessa maneira, entendemos que devemos percorrer certas “trilhas” para a real compreensão acerca da dimensão da palavra Exu (em ambas polaridades) e sua ação comunal e individual diante ao Cósmico e ao Caótico. Para isso procuramos as respostas em todas as vias e esmiuçamos o que já é consolidado nos ricos campos da Tradição para após dissertarmos sobre a formação e ação do Exu de Quimbanda.


Parte Três: Èsú – O Nome Perfeito Para a Reaparição dos Poderosos Mortos

Os contextos histórico, político e religioso que estiveram presentes na formação da Quimbanda Brasileira já estão bem dissertados em outros textos nossos. Por tal motivo, optamos em seguir pelas sendas dantes não exploradas, principalmente as que dão vazão ao confronto ordenado entre o Caos e o Ordenamento.

A Sabedoria dos Antigos Yorubás nos deixou heranças nos “Itan” e ‘Òríkís’.  Os “Itan” são a narrativa de mitos e lendas, histórias e algumas canções passadas oralmente geração pós-geração pelos Yorubás. Os Orikis são compactos discursos poéticos, ritualísticos, comemorativos e podemos dizer sem medo que também são certas adaptações dos “Itan”. Ambas são formas narrativas. Ao estudarmos essas duas fontes, percebemos que em alguns trechos ou mesmo frases, a figura de Èsú é extremamente condizente com a ação Caos X Cosmos que descrevemos anteriormente. Assim, transcreveremos certas passagens e usaremos como ponto inicial para descrevermos a real natureza do Exu de Quimbanda.

Sob hipótese alguma estamos dizendo que a Quimbanda Brasileira faz uso dessa prática, entretanto, podemos recorrer as mesmas para traçarmos uma rota que fortificará a explicação sobre a adoção do nome Yorubá ‘Èsú’ para os Poderosos Mortos que compõe o corpo dos Sete Reinos da Quimbanda. As passagens escolhidas para corroborar em nosso entendimento se alinham perfeitamente com a proposta inicial do texto, porém, não seguem nenhuma ordem específica. Usaremos aquelas que evidenciam as tendências que desejamos ressaltar, frases que demonstram a natureza caótica implícita e por vezes explicitas nessa Deidade Yorubá.

A forma que conectamos os dizeres contidos nos “Itan” e nos “Orikis” não é parte da Antiga Tradição Afro. Lembramos que a Quimbanda Brasileira é eclética e absortiva e isso acarreta uma grande liberdade de conectarmos pontos tradicionalmente separados. 

Iniciamos essa trajetória com o seguinte trecho:

“Bara anda senhorilmente balançando-se para a direita e para a esquerda” (Bara nyan gbégi gbégi).

Bara (um dos nomes de Èsú) anda com segurança, cheio de domínio, ora para a direita (que representa o Cosmo e a causualidade), ora para a esquerda (que representa o Caos e acausualidade). O mesmo ser tem livre acesso e domínio (Senhoril) de ambas as polaridades. É importante entendermos esse conceito, pois não se trata de bem X mal e sim de masculino/positivo/dinâmico e feminino/negativo/receptivo.

 ”Ele matou um pássaro ontem, com uma pedra que somente hoje atirou!”

Mesmo sem ter a plena compreensão sobre a dimensão do Caos e do Cosmo, os Antigos sacerdotes e sacerdotisas sabiam que Exu era uma deidade que caminhava aleatoriamente na linha temporal do Macro e Microcosmo. Entendemos que nos sistemas causais, o tempo possui três marcações básicas: Passado, presente e futuro. Essa marcação é linear, ou seja, obedece a linha dos acontecimentos. Somente a natureza caótica e acausal não está submetida a tais limitações. A expressão demonstra que Exu tem uma natureza caótica e conhece todos os meios de provocar acontecimentos atrelado ou não ao sistema linear. Essa expressão também demonstra que Exu pode buscar no passado, presente e futuro de todas as pessoas, energias capazes de provocar situações reversíveis ou não. Ajuda fortalecer essa compreensão parte de um outro “Oriki”: “Èsú, apressado, inesperado, quebra em fragmentos que não se poderão juntar novamente!”

“Exu faz o erro virar acerto e o acerto virar erro.”

Dentro de um sistema linear, um erro pode comprometer tudo que já está traçado energeticamente a uma pessoa. Entretanto, muitas vezes Exu (conhecedor das entradas temporais) nos impele a cometer certos atos que, inicialmente, acreditamos ser aquilo que nos derrubará. Mais a frente, vemos que tais atos foram necessários para uma mudança evolutiva. Exu também não tem um conceito de certo e errado tão atrelado como nosso sistema vigente embasado, dessa forma age de acordo com a necessidade. Isso também se reflete nessa frase retirada de outro “Oriki”: “Exu, que faz uma pessoa falar coisas que não deseja!”. Seus impulsos são tão fortes que destroem pensamentos pré-ordenados e recriam raciocínios. Essa qualidade é exaltada em outras passagens, tal como: “Èsú, não me manipule, manipule outra pessoa.” (Èsù máse mí, omo elòmíràn ni o se). Exu também é considerado o Divino mensageiro da palavra e dessa forma sua palavra se ecoa em todo Universo; (“Exu Oro ma ni ko. Exu Oro ma ja ko. Exu Oro Tohun tire site. Exu Oro Ohun Otohun niima wa kiri.”). Mais uma vez, os Antigos nos deixaram rastros da natureza de Èsú, que mesmo possuindo uma natureza caótica, a extensão de suas ações está atrelada ao Cosmo.

“Aborrecido, ele senta-se na pele de uma formiga.”

Como portador dos mistérios de Tempo/Espaço, para Exu a dimensão das coisas pode ser modificada de acordo com sua necessidade ou desejo.

“Se ele se zanga, pisa nessa pedra e ela põe-se a sangrar.”

Ao contrário de nós que temos nossos sentidos limitados, Exu consegue enxergar energia (vida) até naquilo que consideramos inanimado. Por isso consegue extrair energia de todas as coisas. Outro aspecto é a própria destruição. Segundo uma antiga lenda “Itan”, em uma determinada situação Exu se transformou em pedra para escapar de soldados que o perseguiam. Isso demonstra que ele mesmo sabe destruir-se e reconstruir-se sempre que sente necessidade.

“Você quem provocou o Rei para sair do trono!”

Sua natureza caótica também age como incitador. Provoca guerras (externas e internas), pois conhece os meios de alcançar onde nossos sistemas estão comprometidos e a partir desse ponto causar as mudanças. Exu é capaz de destruir e matar se necessário para obter um poder transmutador, em algumas lendas ele age de forma completamente contrária ao senso comum de justiça, ética e moral. Arquiteta, planeja, age silenciosamente para alcançar seus objetivos e gosta de ver a desgraça. Esse caráter, tido como irreverente, demonstra-nos uma aversão à Ordem e às Leis.

“Eu quero prosperidade de você, Exu, você que é o dono de saúde, proteção, promoção, bondade e prosperidade, por favor, me dê tudo isto.”

Esse trecho de um “Oriki” mostra que a natureza caótica de Exu pode interferir beneficiando seus adeptos. Sua ação combate a estagnação que causa a contraparte de todos esses pedidos. Mais do que nunca compreendemos que a natureza caótica age de acordo com a vontade de Exu. Muitos não compreendem que a ação que rompe a estrutura estagnada, linear e temporal da pobreza pode ser considerada caótica, afinal, uma trajetória escrita sem as interferências de Exu poderiam retratar uma vida de miséria, onde as relações pessoais estariam vinculadas a esse meio. Falando em relações pessoais, Exu também recebe em outro “Oriki” o título de Senhor das Relações pessoais (fartura). ”Exú wara na wa ko mi o”.

“Salve-nos, busque a nossa salvação!”

Esse trecho de um “Oriki” nos demonstra que Exu tem a capacidade de Salvação, ou seja, de Iluminação. A relação que iremos construir a partir dessa frase talvez não seja bem aceita por certos grupos religiosos, entretanto, se faz necessária para a compreensão da profundidade da gnose da Quimbanda Brasileira. A expressão: Àgiri Esú ma na! Significa: “Exu está presente no nascer da aurora!”. Isso demonstra que existe uma relação entre a natureza de Exu e o despertar da Luz. Esotericamente, temos a palavra latina “Lucifer” cujo significado e o uso interpretativo são muito similares. Um ser que trás a Salvação e está na Aurora, justo (Odara), cuja essência caótica é usada para corroborar a escalada evolutiva espiritual e material daqueles que o buscam, bonito (Elégbára Rewá), Senhor da Comunicação, cuja fúria pode matar e libertar a humanidade de tudo que é ruim foi uma deidade perfeita para ocorrer o sincretismo.  

Todos esses trechos de “Orikis” e interpretações de “Itan” nos mostram como o nome Èsú foi um arquétipo perfeito para nomear os espíritos que formavam as Colunas de V.S. Maioral. Usamos apenas alguns exemplos, pois existem inúmeros outros que poderíamos estudar. As relações de Èsú com os Deuses Cósmicos (Òrisás) não nos compete, pois não faz parte da nossa busca, porém, que fique explícito a todos que se analisarmos de forma comparativa encontraremos similaridades desse Deus com muitas outras Tradições.

O que realmente nos importa é a força do nome que ao longo da criação e desvencilhamento de outras expressões religiosas fez com que determinados espíritos fossem qualificados e tipificados segundo certas características. O nome Èsú corrompeu-se para Exu e passou exercer a qualidade de título. Todo espírito que carrega o nome Exu tem determinadas similaridades, entretanto, a banda (Caminho evolutivo) em que exercem suas funções diferencia-os. O Exu de Quimbanda, ao contrário dos espíritos nomeados como Exu pela Umbanda, tem natureza caótica, mas dominam as polaridades e não agem de forma concomitante com espíritos de natureza cósmica. Espíritos de natureza caótica são senhoris tanto da direita quanto da esquerda (Bara nyan gbégi gbégi).

Pelo que estudamos e compreendemos, Exu é um nome que deixa evidente certas qualidades:


Natureza Caótica;

Domínio dimensional;

Ação restrita ao Plano Cósmico (físico e astral);

Domínio da temporalidade;

Domínio elementar;

Personalidade sem traços morais;

Ação sem julgamento de ‘Bem x Mal’;

Aniquilação do Ego;

Ação de protetor;

Portador da Libertação.


Essas são as principais características contidas nos espíritos da Quimbanda. O título Exu, além de conter todo processo de demonização e repudio imposto pelo Estado Cristão, esotericamente demonstra a Real Natureza dos Espíritos da Quimbanda. A essência luciférica já residia silenciosamente dantes mesmo das transformações.


Os Aspectos Vampíricos de Exu e Pombagira

Certamente esse é um dos aspectos mais intrigantes da Quimbanda Brasileira, pois aborda uma face desconhecida e inexplorada de Exu. O ato de vampirizar é muito amplo, por isso, necessitamos adentrar na história, mitos e lendas de diversas culturas para entender a complexidade e visualizarmos essas ações dentro do Culto de Exu.


História, Mitos e Lendas

Os seres vampíricos são personagens religiosos ou mitológicos/folclóricos encontrados em diversas culturas antigas cuja característica principal era o consumo da essência vital através da ingestão de sangue humano. 

A história relata-nos que a existência de seres com essa natureza ocorre desde épocas pré-históricas e alguns autores apontam a feitiçaria egípcia como criadora da raça vampírica, entretanto, o nome “vampiro”, cuja etimologia é um tanto quanto incerta, foi inserido na Língua Portuguesa através da palavra francesa ‘vampire’. Mesmo que seres vampíricos tenham ocorrido em culturas antigas como a mesopotâmica, grega, romana, entre outras, o ser como é conhecido hoje teve sua origem em meados do século XVIII no sudeste da Europa.

Como já explanamos anteriormente, seres vampíricos são tão antigos que dificilmente conseguiremos data-los, entretanto, salientaremos algumas lendas que corroboram com os aspectos que desejaremos explanar:


Vampiros Africanos

Na Nigéria, mais precisamente na Tribo “Igbo” (um dos maiores grupos étnicos africanos e possivelmente o mais atingido com a escravidão), encontramos relatos onde bruxos ‘sugavam a essência’ das vítimas sem que as mesmas percebessem tal ataque. Doenças graves eram vistas como frutos dessa ação vampírica. Nas tribos “Yakö” (também na Nigéria), os bruxos atacavam suas vítimas enquanto estavam dormindo. Tinham o poder de sugar seu sangue ou mesmo esganá-las até a morte.

Inclusive as bruxas eram tidas como criaturas poderosas na cultura africana e ostentavam incríveis e perigosos poderes, dentre esses a habilidade de se transformar em diversas formas animais, ressuscitar os mortos, capturar espíritos, dentre outros. Entre seus ritos macabros, destacam-se a necrofagia e o canibalismo.

Os “Ashanti” (Ghana- África Ocidental) a bruxa (ou bruxo) era chamada de “Abayfo” e sorvia o sangue de crianças durante a noite e se alimentava do medo. Era um corpo habitado por um espírito e isso que a distingue do vampiro como conhecemos atualmente. A versão masculina para esse espírito vampírico é chamado de “Asasabonsan”. Esse ser, descrito como portador de afiadas garras e dentes de ferro, era encontrado nas florestas e sugava o sangue (comia a carne) até a morte caçadores ou qualquer pessoa que cruzasse seus caminhos.

Dentre o Povo de Daomé (Benin) o ser vampírico era chamado de “Asiman”. As características são muito similares a ação dos “Abayfo”.

Em Madagascar, o Povo “Betsileo” acreditava no espírito de Ramanga, um vampiro que bebe o sangue de suas vítimas e come lascas de unhas das pessoas nobres.

Todo enredo do ‘Vampiro Africano’ está baseado no ato de sugar gradualmente o sangue das vítimas através de formas sobrenaturais, cujo resultado era sutil às pessoas. Está muito vinculado à vingança e a morte dos oponentes. Esses aspectos também foram herdados pelo culto de Exu, pois assim como a Tradição Africana, os interessados tramam com seus ‘demônios’ o fim de seus inimigos. Assim como os Europeus, os Africanos compartilhavam o conceito de que existiam pessoas que enfrentavam a morte emanando poderes mesmo depois da falência física. Eram pessoas especiais, fortes, rebeldes e destruidoras, cuja alma possuía uma chama ígnea que as diferenciava das demais.


Pluralidade de Tradições

Pelo mundo encontramos diversas Tradições que possuem pontos em comum. Listaremos algumas delas acrescentando certos comentários:

Índia- Baital (Vietala): Espírito vampírico similar a um grande morcego que habita os cemitérios e toma como habitação corpos em putrefação. Não se alimenta do sangue propriamente dito, mas da energia dos cadáveres. A característica do Vietala é muito similar aos obsessores.

Rakshasa: Seres canibais e perversos que desde a sua origem (vindos durante o sono de Brahma) possuem sede de sangue e fome de carne humana. Uma de suas características são as presas pontiguadas, olhos vermelhos e a prática de beber sangue com as mãos em concha ou na tampa dos crânios. Essas características são deveras semelhantes aos vampiros ocidentais.

China - Ch'iang Shih: Esse ser é formado a partir de almas condenadas e com seus subconsciente escravizados. Amaldiçoados, ficam presos ao corpo carnal vagando em meio a dor da decomposição até que não sentem mais as dores e recebem poderes malignos que os fazem transmutar de formas. São sádicos e cometem atrocidades com suas vítimas e como outros vampiros, bebem o sangue fresco. Uma característica que se assemelha aos vampiros ocidentais é a voracidade sexual. Podem ser exorcizados com sal e alho.

Assíria – Ekiminus:  Fruto de um mal sepultamento, esses espíritos tomam os corpos humanos e só podem ser destruídos com estacas de madeira ou poderosos exorcismos.

Grécia – Lâmia: Era o espírito de uma Rainha que se tornou devorador de crianças, entretanto, o termo se expandiu e acabou sendo usado para outros espíritos que atacavam suas vítimas sugando-lhes o sangue. As lâmias são associadas com Hécate e com Lilith e em outras ocasiões são vistas como malignas sereias.

Strix: Criatura da mitologia romana que era descrita como um pássaro noturno ávido por carne e sangue humano. Possui formas zoomórficas. É descrita como uma mulher coruja, porém, pode se transformar em uma bela mulher que seduz jovens homens.

Vrykolakas: Pessoas que morrem de forma violenta, excomungados, enterrados sem ritos religiosos ou que teve uma vida imoral poderiam se tornar um Vrykolakas. Assim como os vampiros mais modernos, esse ser descansava em seu túmulo e as pessoas que queriam destruí-lo tinham de decapitá-lo, empalá-lo e cremá-lo para garantir que não retornasse. Existem relatos que ocorreram desde 1700 na Grécia.

Mormo: É uma vampira que está a serviço de Hécate. Habitante do submundo, terrível e sanguinária esse espírito, assim como outros, atacava crianças.

Eretica: Alguns dizem ser grego, outros ser de origem russa, Eretica também faz parte das legiões de Hécate. A descrição aponta ser demônio capaz de tomar forma humana, entretanto, assim como em outras culturas trata-se de uma alma feminina condenada pela prática de feitiçaria. Alguns alegam que Eretica são espíritos de mulheres que venderam sua alma ao diabo e assumiu a forma astral de uma idosa vestindo farrapos.

Empusa: Apesar de não ter a característica de um morto-vivo, esse espírito é considerado uma semideusa e possui associação com Mormo e Lâmia. Empusa é um espírito a serviço de Hécate que zela das estradas, devora os andarilhos e se deleita com o sangue de jovens atacados durante o sono. Derivam-se desse nome Empusai e Mormolykiai.

Roma/Itália – Strigolius/Strigoi: Apesar da pouca literatura sobre esse ser, entendemos que se trata de um espírito masculino que vive em cavernas escuras e se alimenta tanto do sangue humano quanto de outros animais. São espíritos amaldiçoados, atormentados, alma de bruxos, bruxas e pessoas malignas. Possuem o dom de se transformar em animais. A versão feminina se chama Strigoaica.

Romênia- Exotericamente é considerada a ‘República dos Vampiros’, berço de diversos mitos e lendas. Destaca-se o mais notório vampiro: “Conde Drácula”. Essa história, fruto do romance homônimo de Bram Stoker, relata uma narrativa fantasiosa e errônea sobre o herói romeno “Vlad Tepes”, conhecido como “Filho do Dragão”.

Moroi: São fantasmas amaldiçoados que saem de suas tumbas para drenar a energia vital de suas vítimas. Muitas vezes são crianças não batizadas que ao morrerem tornam-se espíritos que produzem pesadelos.

Nosferatu: Possivelmente seja o mais célebre dos vampiros, entretanto, sua lenda ultrapassou a fantasia e criou um poderosa egrégora. Temerários da luz solar, esses espíritos são considerados amaldiçoados e presos à matéria deformada, alguns alegam que buscam redenção, outros que são a mais pura expressão de revolta. Certo é que Nosferatu tornou-se um ser repulsivo, morador de ambientes ermos e possuidor de uma força obscura quase desconhecida. São predadores da raça humana. Não são belos e charmosos, ao contrário, aos olhos humanos são repulsivos e seu mundo não é romântico como os descritos em contos e lendas.

Irlanda - Dearg-Dues: É um espírito de uma mulher morta que vaga em busca de vingança, atraindo suas vítimas. Para derrota-la, os Druidas ensinaram que após matá-las com estacas de madeira, muitas pedras devem cobrir a sepultura. Sua ação é muito similar as Leanhaun-shee, entretanto, essas eram muito mais sedutoras e fatais. Essas tradições também existem na Escócia.

Escócia - Boabhan Sith: Vampiro feminino, similar ao banshee irlandês. Segundo sua lenda, trata-se de uma linda mulher que se ergue da sepultura uma vez ao ano e sacia sua fome matando jovens e bebendo seu sangue.

Espanha- Na Espanha temos a lenda de Guaxa que é um idoso que usa seus poderes para sugar suas vítimas e o correlato Guajona. Na Ilha da Madeira aparece o poderoso cão vampírico Dix.

Balcãs- Dhampir: São os filhos resultantes do cruzamento de vampiros com humanos. Tem poderes superiores e não possuem as deficiências do vampiro tradicional. Bebem sangue e podem se alimentar de comida normal.

Hungria- Izcacus: O bebedor de sangue extremamente selvagem que era evocado em certas batalhas.

Sérvia - Vlokoslaks ou Mulos: Geralmente são pessoas atraentes que saem nas ruas se vestindo de branco. São ativos de dia e de noite e, quando necessário, assumem formas zoomórficas. Além de beber o sangue, costumam comer os corpos de suas vítimas. Uma característica interessante é que “Mulos” (mortos) são provenientes da cultura cigana Romani e, além de agressivos, costumam obsidiar seus algozes. Os ciganos também correlacionavam os vampiros com fortes impulsos sexuais.

Bulgária – Krivopijac: Tradicional vampiro, cujas características elegantes o fazem um poderoso predador.

Polônia – Upiertzi: Tenebroso caçador noturno que porta três olhos de fogo. Alguns alegam que se trata de uma alma amaldiçoada ou excomungada que vaga em busca de suas presas. Nasce no frio das catacumbas e tem o dom de chamar outros demônios, em especial os filhos de Judas.

Rússia – Viesczy: Com poderosas presas pontiagudas e um agulhão letal embaixo da língua, esse espírito que é ativo durante o dia e a noite é de extrema voracidade. Lendas dizem que o fogo pode destruí-lo.

Bolívia- Abchanchu: É um viajante que usa um aspecto idoso e necessitado de ajuda para atrair suas vítimas. Quando esses se dispõe, o vampiro as ataca e bebendo o sangue.

Cultura Maia- Camazotz: Deus Morcego da Morte, habitante de Xibalba (submundo).

Tradição Judaica- Estries: Poderosas e lindas vampiras, correlacionadas às aves noturnas predatórias que seduziam, enlouqueciam e matavam suas vítimas (preferencialmente homens). Muito similar aos Succubus, essas vampiras eram sedentas por sangue e poderiam assumir muitas formas, entre as mesmas destaca-se a de um gato.

Europa medieval – Inccubus: Espírito demoníaco masculino que drena a energia vital das mulheres através de atividades sexuais. Acreditamos que a origem dessa definição tenha vindo da Mesopotâmia, através do termo “Lilu” (O Perturbador). Alguns alegam que tal relação é capaz de gerar crianças, pois ocorreria uma coleta involuntária de esperma que posteriormente seria usada, outros alegam que espíritos tomam o corpo do homem como veículo e usam-no para esse fim. A contraparte feminina é chamada de Succubus que possivelmente teve sua origem baseada nas lendas da demônia Lilitu (A Sedutora). A ação de drenagem através do sexo é a mesma.

Brasil- No Brasil a tradição do vampirismo não é tão explicita, mas encontramos alguns seres que possuem características que nos levam a crer que existam fortes associações. Alguns mitos alegam que dentro das Naus Portuguesas esconderam-se vampiros europeus que desejavam fugir da rígida perseguição do Santo Ofício. Chegando nas Terras Brasileiras, se espalharam e criaram núcleos. Existem estórias sobre encontros entre vampiros estrangeiros e locais, entretanto, não sabemos a legitimidade desses, por isso optamos em não citá-los ou transcreve-los.

Cupendipe- Homem morcego pertencente ao Povo “Apinajés”. Esses seres voavam com asas de morcego, moravam em cavernas e portavam machados em forma de ‘meia-lua’ que eram usados para degolar animais e seres humanos.

Caraybaqüeras- Vampiro indígena, sedento de sangue e com conhecimentos ocultos. Tinha poder de transfigurar-se em animais da selva.

Encourado- Homem que trajava uma veste negra feita em couro e possuía hábitos noturnos. Não era sedutor, porém, possuía um dom de aliciamento muito forte. Histórias relatam sacrifícios humanos para afastá-lo de certos povoados, assim como a morte de certos animais (em especial galináceos) servidos na entrada das cidades. Esse procedimento é muito semelhante aos sacrifícios servidos a Exu na entrada de alguns povoados africanos.

Capelobo- Meio-homem, com focinho de anta, portador de unhas e presas, esse ser atacava suas vítimas (homens e animais de grande porte), sugava seu sangue e comia o corpo.


O Arquétipo do Vampiro e as relações com Exu

Todas as descrições anteriores mostram-no um mundo onde a similaridade ultrapassa nosso entendimento e devemos nos atentar para algumas características herdadas pelo Culto de Exu na Quimbanda. Não desejamos uma correlação literal, mas os “ingredientes” formadores da massa modeladora do Diabo certamente foram influenciados por tais arquétipos. Exu, dentro da Quimbanda, assume características opositoras e suas energias são poderosas armas contra o Sistema Escravista, Cíclico e Inerte. Assim, certas codificações adotam uma identidade grupal. Os Poderosos Mortos valem-se de todas as facetas e heranças que formaram o título. Inclusive o título “Exu” carrega o aspecto de embusteiro (assim como os vampiros) desde sua origem ancestral. Podemos vislumbrar isso na máxima: “Ele aproveita-se de suas qualidades para provocar mal entendidos e discussões entre as pessoas ou para preparar-lhes armadilhas.” ¹ A Quimbanda nasceu de uma profunda modificação espiritual e plástica, aproveitando-se de diversas influencias nativas e estrangeiras para a edificação de uma Coluna Luciférica.

Não adentraremos no aspecto plástico (imagem), mas citaremos essas relações através da relação existente nas Cantigas/Pontos de Exu, visto que são orações evocatórias e invocatórias feitas por músicas rimadas. Para corroborar com nossa afirmativa, não usaremos Pontos de nossa autoria, afinal, poderíamos direcionar de maneira tendenciosa.  

Em algumas descrições vimos que os bruxos e bruxas eram portadores de conhecimentos negros e profundos que tornavam-se tão temidos quanto os próprios deuses. Isso porque exerciam o completo domínio da vida e da morte. Encontramos em diversos Pontos Cantados a glorificação desses ancestrais satânicos. Destacaremos duas cantigas que exaltam esses antepassados “amaldiçoados” pelos seguidores do ‘Falso Deus’:


“O galo cantou, era madrugada

Saudei tua coroa no meio da encruzilhada

Vermelho e preto é a cor do seu castelo

Soberana do Exu, ela comanda o Império

Exu vai correr gira e para ela pede licença

No meio do cruzeiro é majestade ela é Alteza

Vem girar rainha levanta do trono!

Vem saudar o cruzeiro, vem balançando os ombros!

Na ponta do seu garfo está sua defesa

A bruxa de Satã e no cruzeiro ela é Alteza!”

“Eu arriei, em um cruzeiro fechado

Sete garrafas de marafo e sete maços de cigarro

Galinha preta, farofa, vela e dendê

Buque de flor de defunto, pô de pimenta e um padê

Veio a Mulambo, com a vassoura de trapo

Mexendo em um caldeirão, fervendo sangue de gato

Ela é bruxa das almas ela é o Exu

Na boca do lixo é Maria Mulambo!

Eu andava fumando e bebendo Mulambo

Eu fiquei em um abandono, eu perdi a mulher que amo

A Mulambo amarrou um casal de bonecos do farrapo

Matou ‘quatro pés’ no buraco e até hoje eu sou grato

E o nome desta bandida, costurou na boca de um sapo

Ela é bruxa das almas ela é o Exu

Na boca do lixo é Maria Mulambo!” 


Nos pontos descritos, podemos apontar a relação dos Exus com o cemitério. Outro aspecto é a relação com as covas e túmulos.


“Abre essa cova quero ver tremer

Abre essa cova quero ver balancear

Maria Padilha das Almas

O cemitério é o seu lugar

É no buraco que a Padilha mora

É na lomba que a Padilha vai girar!”


A similaridade na antropofagia e canibalismo:


“Exu Caveira comedor de carne crua

Espera o seu lá no meio da rua!”


As unhas (garras) e pontiagudas também fazem parte da formulação de uma postura particular. Podemos ver isso no Ponto Cantado:

“De unhas grandes, de braços fortes, Exu (dizer o nome do Exu) vem trazendo a sorte!”. Esse ponto também tem uma versão que exalta seus poderes mortais: “De unhas grandes, de braços fortes, Exu (...) vem trazendo a morte!”.

Os dentes pontiagudos fazem parte da iconografia de muitas legiões. Encontramos essa característica principalmente nos Exus que carregam nomes de animais tais como: Exu Pantera Negra, Lobo, Morcego, Sete Presas, Asa Negra, entre outros.


“Deu meia-noite só vejo a presa brilhar

Oferto esse galo preto

Pra meu inimigo matar!

Exu Asa Negra, leve inimigo embora

Ele jurou me matar

Mas ainda não chegou a hora!”


A sexualidade é exaltada em muitos Pontos Cantados. Geralmente acendem o poder sedutor usando a beleza, vestes exuberantes e rosas vermelhas. Sua presença é perturbadora e tanto homens quanto mulheres que desconhecem sua essência são facilmente presos em suas “teias invisíveis”.


“De vermelho e preto, ao cair da noite, o mistério traz

De colar de ouro, vestido lindo, a promessa faz!

Se é preciso ir, você pode ir, peça o que quiser,

Mas cuidado amigo, ela é bonita, ela é mulher!

Mas cuidado amigo, ela é bonita, ela é mulher!

E no canto da rua, zombando, zombando, zombando está!

Ela é moça bonita, girando, girando, girando lá.

Ô girando, laroyê!

Ô girando, laroiá!

Ô girando laroyê!

Ô girando lá!”


Poderes sobrenaturais para controlar o fogo:


“Foi condenada pela lei da inquisição

Para ser queimada viva sexta feira da paixão!

Padre rezava e o povo acompanhava

Quanto mais o fogo ardia mais ela gargalhada!”


A relação com asas de morcego:


“Voando duas asas negras

Voando pelo mundo inteiro

Na Lei de Exu, Exu Morcego

É o diabo que eu chamei primeiro!”

Exu, o sangue e as relações vampíricas


Dentro da Quimbanda Brasileira o sacrifício é ofertado por três motivos principais:


- Garantir o equilíbrio entre a força dinâmica e receptiva aplacando a ira de certos espíritos;

- Clamar ajuda das forças obscuras para diversos fins;

- Solicitar a destruição das fraquezas internas.


Existem outras funções esotéricas, pois, um dos princípios da Quimbanda Brasileira é: “Sangue por Sangue, Vida por Vida!”. Para o quimbandeiro o sangue é a vitalidade, força e a própria forma fluídica do espírito. Sacrificar é o ato de comungar com as raízes profundas, com o fogo líquido que carrega a hereditariedade, com a força que catalisa nossas intensões, resumindo, é o grande veículo que une vivos e mortos. Se o sangue representa a própria vida, também representa a morte. Nesse sentido, entendemos que a morte simboliza a transformação alquímica interna, ou seja, a energia vital transforma-se e adapta-se para modificar a própria energia do adepto.

O ato de sacrificar e derramar o sangue como oferta para Exu não se limita apenas a função ‘revitalizante’. O sangue não é somente o veículo vital, mas um meio pela qual os adeptos ‘quebram a redoma’ que envolve nossa existência material. Cada gota de sangue carrega uma hereditariedade e todas as transformações e adaptações que a raça teve que passar para sobreviver e, esotericamente, essa é a maior energia que existe no sangue.

Sangue é uma das maiores fontes de energia e para rompermos as barreiras entre o mundo dos vivos e dos mortos necessitamos dessa poderosa fonte. Entendemos que nossos Mestres Exus fazem o caminho reverso ao qual estamos, ou seja, naturalmente a matéria vai envelhecendo, padece e se decompõem, já nossos Mestres renascem em suas firmações e necessitam do sangue para a manutenção da energia reversa. Se o ciclo dos vivos é horário, dos Poderosos Mortos é anti-horário. A relação do vampirismo com o Culto de Exu na Quimbanda Brasileira ocorre quando, através de um ataque, Exu/Pombagira suga a vitalidade de suas vítimas. Esse ato pode ser direto ou indireto (quando são usados Obsessores₄). O próprio tridente/garfo arredondado é uma arma com aspectos vampíricos, pois tem o poder de drenar as forças e transmuta-las de acordo com as necessidades.

O vampirismo está muito conectado com a vingança e a saciedade. Geralmente ocorre através de espíritos de baixa vibração, ou seja, nem sempre um ato dessa natureza está conectado com Exu. Entretanto, quando desejado, esses espíritos são manipuláveis e podem ser incitados e até conduzidos para determinados fins. Um adepto bem instruídos artes obscuras da Quimbanda sabe incitar esses parasitas através do uso do sangue ritual.

O uso do sangue ritual, proveniente da imolação de animais, tem fortes ligações com a alquimia interna. Cada animal imolado causa rupturas no humanismo demasiado e protecionista dos adeptos e tais fendas abrem espaço para que as forças libertas iniciem um processo de enegrecimento interno. As pessoas tendem achar que o ato de sacrificar é bárbaro e covarde, pois enxergam as formas de maneira limitada. Desprovidos da sabedoria acerca das prisões materiais, nutrem um sentimento de remorso ao ver um animal sangrando. Esse sentimento, desprezível e hipócrita, é um agente limitador que vai sendo retirado e, aos poucos, o adepto deixa de ser um ‘gado de rebanho’ e passa a ter instintos predatórios. Esses instintos garantem a sobrevivência em situações extremas e o próprio culto ensina como ocultá-los da sociedade. O autoconhecimento gera o autocontrole e um homem dessa natureza é um agente capaz de gerar o caos e a estabilidade.


A Linha de Sangue

O uso do sangue nos rituais, o processo formador comparativo e os mitos nativos e estrangeiros fizeram com que o Sangue se tornasse um Império digno de Rei e Rainha espiritual. Assim, alguns escritores inseriram a “Linha dos Vampiros” dentro dos quadros formadores da Quimbanda. Antes de tecer comentários, transcreveremos parte de uma conversa com um Mestre Exu sobre o assunto:


“- Mestre, como é a Linha dos Vampiros?

- Linha de Vampiro?

- Isso Mestre! O Reino do Sangue!

- Todo Exu é dono da parcela de sangue derramada em seus domínios e em seu vaso!

- Mestre, mas e os Exus que carregam nomes dessa natureza?

- Olha moço, imagina nos tempos passados um homem profano vendo um Exu beber sangue. Esse homem branco e que tinha seus entendimentos vindos de outra terra fez uma ligação. Logo Exu se torna vampiro!

- Mas o sangue não forma um Reino?

- Quem deseja levantar seu Reino no Sangue tem todo Direito! Não é errado! Quem se alimenta de sangue é um Exu de Sangue e toda Dama que se alimenta de sangue é uma Dama de Sangue. O homem que veste preto e não reza para o impregnado pode criar seus Tronos!”

Todo Exu tem poder para drenar a vida de seus inimigos, assim como influenciar nas decisões e nos pensamentos. Particularmente, o TQMBEPN não cultua a Linha dos Vampiros, mas respeita profundamente aqueles que a cultuam, pois como disse o Mestre Exu, o bom adepto pode criar seus Tronos. Mesmo que a sociedade tenha ofertado referenciais como modelo, fica evidente que Exu tem o poder herdado para certas criações, afinal, “Se zangar-se, ele sapateia numa pedra na floresta e esta pedra põe-se a sangrar!”.


Necessidade das Oferendas aos Espíritos

Dentro da Quimbanda todos os elementos são vistos de uma única forma: Energia. O corpo grosseiro e material necessita dos alimentos como fontes energéticas que proporcionarão equilíbrio e movimento além de agirem em todas as funções biológicas. Dentro dos campos astrais os espíritos não necessitam do mesmo tipo de energia que os corpos materiais, porém, quando atravessam os ‘portais que separam vivos e mortos’ necessitam manipular fontes energéticas de diversas naturezas.  Todas as oferendas têm fundamentos elementais, ou seja, são feitas para incitar e/ou equilibrar os quatro elementos primordiais (fogo, ar, água e terra) com o quinto elemento: O Espírito. Por tal motivo, após anos de estudos e práticas, percebemos que as oferendas são fundamentais para o ciclo de força de nossos Mestres e para nosso próprio desenvolvimento.

Muitos professam que os espíritos criam “sombras/cópias astrais” desses elementos e se consomem os mesmos nos Campos Astrais. Essa afirmativa é completamente errônea! A forma com que manipulam essas energias se reflete apenas no mundo material e para ações relacionadas à materialidade. Alguns seguidores confundem os Exus com ‘espíritos famintos’, carentes de atenção e suscetíveis a vínculos familiares.

Novamente entramos em conflito com tais ideais, haja vista que para um espírito receber o ‘título’ de Exu necessita estar completamente liberto de todos os vínculos terrenos, inclusive sua própria ancestralidade carnal. Se concebermos Exu como um espírito que se transforma em um Ser irado e causador de danos quando não recebe as oferendas, certamente os conceberíamos como meros ‘sofredores’ astrais presos aos vícios e comportamentos mundanos. O desconhecimento dessa faceta esotérica de Exu faz os leigos acreditarem em uma suposta ‘ira do espírito’ ao invés de compreenderem que a falta de oferendas é algo que dificulta a ação dos espíritos em NOSSAS PRÓPRIAS JORNADAS. Quando não ofertamos energias ao nosso corpo material as consequências são o desanimo, fraqueza, falta de disposição e a dificuldade do organismo se proteger de doenças. Da mesma maneira funciona com Exu, mas com uma grande diferença: jamais ocorrerá um canibalismo interno! Exu não comprometerá sua armadura astral por nada! (Principalmente para suprir nossas dificuldades).

Imaginemos que nossos Mestres (Exus e Pombagiras) fazem o caminho reverso da morte natural burlando o cíclico e escravista Sistema de Reencarnação para adentrarem no mundo material. Esse trajeto de “retorno” tem seus pontos de entrada e saída, porém, não são fontes capazes de alimentar/abastecer os Mestres para seus trabalhos individuais. As oferendas individuais ou em grupo garantem fortes descargas que serão absorvidas pelo espírito e a consequente capacitação magística para determinados atos. Certamente esse é o princípio básico de todas as oferendas da Quimbanda Brasileira.  

A Corrente 49 entende que a Quimbanda não é um Sistema e sim uma via evolutiva de mão única. Exu, para nós, não é um mero ‘mercenário astral’, ao contrário, é um Poderoso Mestre capaz de nos indicar caminhos sábios e verdadeiros para que alcancemos a libertação. Nesse sentido são criados laços mais profundos entre o adepto e os espíritos. O interesse de Exu é a transformação dos adeptos para que possam agir no Sistema como ferramentas (lúcidas) de embate (guerra). Toda relação cria um vínculo vampírico, todavia, se existir benefícios em tais conexões se torna extremamente favorável. As oferendas, também são meios de abrandar esse vampirismo energético existente entre as partes, além de ser uma forma de contaminação material.

Ao oferendarmos algo para Exu sabemos que a energia nos beneficiará atenuando os laços vampíricos (em ambas as partes), favorecendo a ação desse espírito em nossas jornadas (física, material, astral, psicológica, mental e espiritual), ampliando a ação material das Legiões e fortalecendo sua ação nos cruzamentos energéticos (pontos de força).

Ao longo do tempo verificamos que cada Legião recebe a energia correta através de determinados elementos unidos. Isso fez com que certos códigos fossem determinados, ou seja, foram criadas “assinaturas” para as oferendas de cada Legião. A questão simples é: “Exu come tudo? ” E a resposta adequada é: “Sim e Não! ”. O que diferencia os Exus de todos os demais espíritos é a ligação e o conhecimento que possuem acerca da natureza humana. Ao contrário do que muitos acéfalos propagam, Exu reconhece cada ato praticado pelos seus ‘filhos’, dessa maneira, quando um adepto não tem condições financeiras de ofertar grandes quantidades energéticas Exu aceitará o que for ofertado. Isso não faz da Quimbanda um culto simplista; apenas adaptável. O seguidor que achar que com uma simples farofa consegue tudo de Exu está MUITO enganado, pois como dito anteriormente, esses espíritos necessitam de fortes descargas energéticas para exercer intervenções incisivas no plano material (relativo a individualidade). Enquanto o adepto não tiver condições financeiras de realizar determinados tipos de oferendas, dedicações simplórias são aceitas e esgotadas ao limite para conceder ao adepto a evolução necessária. A Quimbanda Brasileira é uma via religiosa e magística progressista que luta pela evolução interna de seus adeptos para que possam exterioriza-las conquistando seus objetivos. Assim sendo, o adepto respeitará as ‘assinaturas’ conhecidas pela Corrente e inserirá novos elementos de acordo com o próprio conhecimento e prática pessoal. Isso garante a “reciclagem e a expansão” de toda gnose. 


Incorporação

Para facilitar a leitura decidimos organizar o assunto em perguntas separadas e seguidas de respostas. Dessa forma poderemos explorar mais profundamente os diversos aspectos contidos nesse tema.


O que é incorporação?

Incorporar (vinda do latim “incorporatione”) é o ato de entrar na composição de um corpo e compartilhar determinadas funções. Dentro do culto da Quimbanda é o ato de ceder parcialmente o corpo físico para que outra alma (desencarnada) possa usar determinadas funções para se comunicar com pessoas vivas.


Por que a Quimbanda faz uso dessa prática?

A Quimbanda é uma expressão religiosa que tem em suas raízes formadoras essas práticas. As heranças indígenas e africanas são carregadas de atos cerimoniais onde ocorre o transe e a incorporação. Acreditamos que um adepto com boa desenvoltura nessa faculdade possa fornecer uma gama imensa de conhecimento e sabedoria, pois as Almas atraídas para os vórtices da Quimbanda (em especial Nossa Tradição) já ultrapassaram as limitações materiais e tiveram acesso às linhas astrais onde estão as fontes de sabedoria. Dessa forma temos a presença parcial de Grandes Mestres e Mestras desencarnados que nos conduzem através da Gnose proibida. A Quimbanda, assim como outros sistemas mágicos cerimoniais, também tem contato com tais energias através das evocações, entretanto, tem como ato primordial o aprendizado através dos espíritos incorporados.


Qual a diferença entre incorporar e ter uma posse?

Incorporar é ceder parcialmente, de forma consentida e muitas vezes controlada. “Posse” é o completo domínio, anárquico e prejudicial. Na posse muitas funções corporais ficam descontroladas ou cessam e isso faz com que as pessoas tenham graves sequelas ou mesmo morram após o ato. Muitos não sabem a diferença entre esses acontecimentos e é comum vermos um adepto que canaliza de forma inconsciente dizer que a alma tomou posse de seu corpo. Vale ressaltar que para que a posse seja devidamente confirmada, são feitos exames para que não seja confundida com transtorno de personalidade ou outra patologia psicológica.​


Quais são as fases da incorporação?

 

Consciente

Quando o adepto canalizador está iniciando o compartilhamento e ainda preserva grande parte de sua consciência e de suas faculdades. Esse é o período mais difícil, pois é uma linha tênue que separa o ato espiritual da manipulação mental.   Os verdadeiros mestres dirigentes não permitem que tais pessoas atendam outras, pois muitas informações ainda são manipuladas pelo adepto (de forma consciente ou não).​

As Giras de desenvolvimento, as oferendas nos pontos de força, os banhos com ervas e os ensinamentos esotéricos tornam esta etapa mais suave.


Semiconsciente

A Semiconsciência ocorre quando o adepto começa perder suas funções sensoriais enquanto está incorporado. O primeiro passo é perder controle sobre a fala, após perder a visão clara (enxerga vultos) e por ultimo perde-se parcialmente a audição. Nesse estágio os adeptos devem estar com seus “pontos-de-força” devidamente feitos e consagrados para que a evolução continue.


Inconsciente

Inconsciência é o estágio mais desenvolvido da incorporação. O adepto inconsciente ao incorporar sente a mesma sensação de estar desmaiado. Perde controle de todas as funções sensoriais. Nossa corrente acredita que todos aqueles que incorporam devem se esforçar para chegar nesse estágio, entretanto, há pessoas que mesmo se esforçando não o alcançam. Isso ocorre pelas “travas inconscientes” que as mesmas possuem. O querer consciente não se reflete totalmente no inconsciente. 


Qual a credibilidade dessa faculdade e o real intuito de estar incorporado?

Obviamente que em casas sem fundamento os adeptos acabam tornando-se vítimas (conscientes ou não). Em tais lugares é comum vermos até os dirigentes em estágio consciente. Outros por sua vez mentem sobre estar incorporado. Manipular as pessoas através de pseudo-incorporações é uma prática costumeira dentro das religiões afro-brasileiras, porém, o adepto da Quimbanda tem a espiritualidade desenvolvida em todos os sentidos e seu sensorial avisa se está ocorrendo um ato mentiroso. Outro ponto a ser alertado é o uso do mentalismo. Nunca deixemos nos enganar por um ou dois acertos que fazem em relações as nossas vidas. Nem sempre os Exus querem provar sua presença através desses argumentos. O discernimento (e alguns testes) é a única arma que nos salva desse engodo.

Devemos deixar claro que a incorporação não é algo natural. É um processo mágico que envolve desenvolvimento e prática esporádica. Quando abrimos nossos corpos para que um espírito Mestre o compartilhe, desejamos que o mesmo possa “derramar” conhecimentos e sabedorias aos demais membros do Templo, e dessa forma criar diversas fontes de conhecimento. Entretanto, esotericamente, quando desenvolvidos nos tornarmos portais para que tais mestres possam descarregar certas energias no plano terrestre, ou seja, muitas coisas podem acontecer no mundo físico enquanto um Exu ou Pombagira está incorporado, pois seus poderes ultrapassam do plano astral para o material/físico. Um tabu que deve ser esclarecido é sobre limitações. Os Exus, ao usarem uma matéria física acabam absorvendo certas limitações, ou seja, mesmo que o adepto canalizador receba uma energia extra, certas limitações físicas não serão modificadas quando um Exu está incorporado.


Todos podem incorporar?

O T.Q.M.B.E.P.N tem um conceito muito diferente dos demais no que diz respeito à incorporação. Para nós, TODAS as pessoas podem incorporar, haja vista que essa faculdade não é um dom. Existem pessoas que dificilmente incorporarão em virtude da maior espessura e densidade que possui em seus escudos energéticos, o que dificulta muito o compartilhamento, mas apesar de bloquear, com árduo trabalho e paciência pode ser revertido.


A Quimbanda e o Povo Cigano

“A sobrevivência da etnia cigana segue, como os lobos, as leis instintivas da horda!” (Oswaldo Macedo. Ciganos, natureza e cultura).

Apesar da Quimbanda ter um domínio próprio para os espíritos ciganos, não existe uma liturgia sobre a extensão real do mesmo. Tudo que temos são fragmentos de experiências pessoais ou relatos recebidos por outros quimbandeiros. Dificilmente vemos um adepto da Sagrada Quimbanda Brasileira desenvolver a Linha Cigana e isso ocorre porque existem muitos terreiros de Umbanda que ‘praticam’ a Quimbanda e quando se desenvolvem com a Linha Cigana iniciam um ‘teatro’, onde médiuns maquiados, carregando sotaques latinos e expressões corporais que mesclam dança do ventre, cigana e indiana, interagem com as pessoas, entretanto, são proibidos de exercerem a verdadeira Magia Cigana e acabam atrelados à uma suposta Lei ordenada pelos Orixás.

Entendemos que a Quimbanda é uma religião sem pré-conceitos, dessa forma temos liberdade para buscarmos dentro do Reino da Lira a Legião de Ciganos e Ciganas que serão encantados com a Lei do Sangue e poderão emanar plenamente suas essências. Temos plena ciência que os Ciganos são poderosos feiticeiros capazes de modificar o fluxo dos caminhos. Fechados, ardilosos e sábios, o Povo Cigano tem muito a contribuir com o desenvolvimento dos adeptos.

O ícone dessa linha é a Pombagira Cigana. Glorificada em todas as casas de Quimbanda, esse espírito trás um movimento único quando é evocada para um ambiente. Senhora das Estradas e da Boa Sorte se divide por nomes que representam suas qualidades. Junto a essa Senhora, o responsável pela gestão é o Exu Cigano. Dono das rodas, esse espírito determina a evolução e o comércio de um grupo. Por vezes é agressivo e violento, mas torna-se cordial depois de alguns contatos. Todo Povo Cigano é cercado de mistérios e adoram exaltá-los como forma de confundir aqueles que não são parte de sua linhagem. Eles nos ensinam que existem formas diversas (manifestas pelas muitas cores que eles trabalham) de ludibriarmos o destino, imposições e limitações que consequentemente nos abatem.

Existe um véu obscuro de cobre o grupo cigano: A descendência Caiinita. Segundo as lendas, os ciganos são os descendentes diretos de Cain. Por tal motivo vagam pela Terra em busca de seu espaço sagrado, donde edificarão o Reino do Primeiro Assassino. Outra lenda é que os ciganos foram responsáveis pela confecção dos pregos que prenderam Jesus na cruz. Se associarmos o Povo Cigano com a linhagem de Cain encontraremos a Tradição da forja, ensinada pelo Mestre Tubal-Cain (descendente) nos Ciganos Kovatsa. Isso não significa que os Ciganos fizeram os pregos, mas que certas relações esotéricas possivelmente estavam ocultas nas brumas dessa lenda.

Uns alegam que são ladrões e prostitutas que vagam pela Terra, outros que são os mais poderosos magos, ninguém sabe exatamente quem são os não os ciganos, pois não existe um controle de inserção nas comunidades. “Ou é Cigano de Sangue ou é Cigano de Alma, porém, sempre Cigano!” (Exu Cigano)

A história é marcada de passagens onde o sofrimento do Povo Cigano tomou proporções assustadoras. Assim como os Judeus, esse Povo foi perseguido na segunda guerra e morto em campos de extermínio, mas antes disso foi escravizado, perseguido e humilhado. Muitos Ciganos tinham que fingir serem cristãos para poder ter acesso às cidades, haja vista que na Europa as cidades tinham medo deles. Alguns grupos tinham dons musicais e promoviam-se através de espetáculos, outros mesclavam música com misticismo promovendo a leitura de cartas, quiromancia e trabalhos espirituais sentimentais, entretanto, dentro desses grupos temos relatos de ciganas que se  prostituiam. Os homens ciganos acabaram se tornando mestres nos negócios, pois levavam novidades em suas carroças para todas as partes do mundo.

“Sua religião era desconhecida, apesar de se dizerem cristãos, mas sua ortodoxia era mais que duvidosa. De onde vinham eles? De que mundo maldito e desaparecido...? Eram os filhos das feiticeiras e dos demônios? Que salvador moribundo e traído os condenara a marchar para sempre? Era a família do judeu errante? Não seria o resto das dez tribos de Israel perdidas...?” LEVI, Eliphas (Alphonsus Louis Constant). História da Magia. [Trad. Rosabis Camayasar]. São Paulo: Pensamento, 2005.

A pressão que o mundo exerceu sobre esse Povo foi tão intensa que dificilmente não iriam sucumbir. O cigano aprendeu sobreviver usando todas as artimanhas possíveis que vão desde a falsificação de documentos, roubos, venda de ouro e joias falsas, enfim, usam de todos os meios lícitos ou não para assegurarem sua existência. Não podemos generalizar essa questão, pois todos os documentos oficiais que encontramos para dar embasamento nesse texto assim apontam. Sabemos que não existe uma história oficial sobre eles e que quase tudo que foi escrito veio de pessoas que não eram ciganos, dessa forma relatamos com parcimônia certas questões.

“Mas deixando de lado a correção noética dessas práticas, no que diz respeito aos ciganos, é um traço cultural revelador que permite afirmar com certeza: 1. a antiguidade desses nômades na escala do passado histórico. O conhecimento e domínio desses Oráculos, desses métodos divinatórios que, sabe-se são de origem bem remota, essas "artes" sendo mantidas como forte tradição entre os ciganos significa que muito possivelmente todas as hipóteses dos estudiosos estão certas: os Ciganos transitaram pelo mundo, na Antiguidade, desde a Índia, Mesopotâmia, Egito, oriente Médio e depois, Grécia, leste europeu, Ásia Menor, até buscarem as terras mais ao Ocidente da Europa já entre meio-fim da Idade Média.

"De cada lugar visitado, país, região, de cada terra que lhes serviu de pouso, eles absorveram um tanto de cultura. Ou seja, adotaram práticas, fizeram escolhas e apropriaram-se delas de acordo com sua própria necessidade e conveniência. Práticas, saberes, do linguajar, da religiosidade, das tecnologias, dos costumes alimentares, vestuário, artes (especialmente musicalidade), convenções sociais.” VILAS-BOAS DA MOTA, Ático. Ciganos: Antologia de ensaios. Brasília: Thesaurus, 2004

Para a Quimbanda a história tem uma importância fundamental, pois sem fatos não poderíamos alicerçar nossas práticas e condutas. Assim, entendemos que devemos apresentar o Povo Cigano como mais uma Tradição vítima de pressão por parte do Sistema Vigente. Assim como africanos e nativos, os ciganos se dividiram entre aqueles que aceitaram e se adaptaram às imposições e os que se rebelaram e confrontaram o Sistema à sua forma. Chegaram em Terra Brasileiras através das naus portuguesas como condenados da Justiça ou do Santo Ofício por volta do século XVI. A primeira leva era da etnia calon e somente no século XIV vieram os romani, porém, de forma voluntária ou para se esconder de condenações.

Esse dado é importantíssimo, pois desmistifica apenas a aparição de espíritos que mesclam língua espanhola com língua portuguesa, haja vista que os Calon adotaram a língua como oficial e apenas inseriram parte de um dialeto particular para diferenciá-los.

Em Terras Brasileiras, apesar de chegarem extraditados, não foram escravizados como ocorreu em outras partes do mundo. Alguns Ciganos, ao contrário do que as pessoas pensam, dedicaram-se ao comércio de escravos e atingiram grandes fortunas. Mas essa não é a regra. Até a atualidade são um Povo excluído, analfabeto e que sofre pelas diferenças sociais.

Os espíritos ciganos que foram atraídos pela imantação da Quimbanda certamente foram e são os mais arredios à pressão material. Esses foram assassinos, ladrões, estelionatários, vagantes sem fé, magos negros, feiticeiras implacáveis, curandeiros, prostitutas, chefes intransigentes e violentos que lutavam pela sobrevivência de um Povo massacrado pelo Sistema. Esses espíritos jamais se submeteriam às Leis da Umbanda ou de qualquer outra expressão religiosa que não fornecesse a verdadeira Luz de Lúcifer. Os Ciganos da Quimbanda são a máscara mais perfeita dentro do Culto de Exu, pois ludibriam, enfeitiçam, praguejam, amaldiçoam e libertam enquanto dançam e bebem.

Muitos feitiços e práticas que usamos na Quimbanda Brasileira possuem fundamentos ciganos. Não temos a exata noção do tamanho dessa influencia, mas ao estudarmos a Magia Cigana antiga começamos vislumbrar muitas similaridades. O mais impressionante é que as influencias já haviam ocorrido antes do descobrimento do Brasil, principalmente na Europa e Ásia. O culto lunar, o uso de talismãs, objetos de poder (chaves, ferraduras, moedas, etc.), quiromancia, cartas, runas, enfim, a Magia Cigana está fortemente presente em muitas Tradições de Bruxaria. Para a formação da Quimbanda Brasileira destacamos a Tradição Ibérica e, consequentemente, as Bruxas e Bruxos extraditados pelo Santo Ofício para as Terras colonizadas por Portugal e Espanha. Também encontramos referencias ciganas na Tradição Stregheria (Italiana). Certo é que os Ciganos absorvem tudo que podem sobre a Cultura e religião dos lugares onde estão e direta ou indiretamente em suas andanças e peregrinações acabam influenciando outros Povos. Esotericamente, são portadores das sementes do conhecimento proibido que só comercializam-nas para as pessoas que tem a coragem de procura-los e desnuda-los.

Desenvolver a Linha Cigana na Quimbanda não significa que os adeptos deverão zelar de mais um espírito, tampouco, incorpora-lo. O adepto deverá ser apresentado ao Exu Cigano e Pombagira Cigana - chefes do Sub-Reino (esses representam o Rei e a Rainha Cigana) e reverenciar esse Povo. Após fazer as oferendas corretas, serão iniciados nos mistérios do ‘Baralho Cigano’ que, dentro da Quimbanda Brasileira, é um poderoso oráculo.

Existem casos em que o adepto deseja se aprofundar na Magia Cigana. Para esses, após um estudo profundo sobre sua espiritualidade, um espírito da corrente Cigana deverá ser eleito como Mentor (a). Se essa relação enraizar demasiadamente, o adepto deverá zelar desse espírito da mesma maneira que zela de seus Mestres Pessoais. É uma grande responsabilidade. Por isso, só fazemos essa apresentação nos adeptos que tenham controle sobre sua espiritualidade e já estejam em graus elevados de ‘simbiose’ com seus Mestres Pessoais.

Para os adeptos que possuem uma ancestralidade espiritual emanada pela corrente Cigana os feitiços e magias desse Povo fluem com imensa facilidade. Geralmente esses adeptos tem uma boa intuição e conseguem se desenvolver nos oráculos muito melhor do que os demais adeptos. Mas a contraparte é que da mesma maneira que dons são favorecidos, outros aspectos nocivos podem aflorar se o adepto não aprender filtrar as energias canalizadas. O Povo Cigano é a expressão máxima de Liberdade, mas essa tem muitos níveis e em alguns deles o adepto pode se perder e criar labirintos psíquicos. Esse também é um dos motivos que Nossa Tradição entende como fundamental para só fazer o desenvolvimento Cigano nos adeptos mais experientes.


Mensagens vindas através das velas

Um estudo L.T.J 49 sobre a Magia das Velas e a inserção desses conceitos na Quimbanda Brasileira.

O mundo moderno faz com que as pessoas se afastem da espiritualidade e marginalizem a sensibilidade de seus espíritos. A Corrente L.T.J 49 não se trata apenas de um Templo/Terreiro, mas de um caminho magistico que resgata a sensibilidade espiritual através do desenvolvimento da intuição, sensibilidade e discernimento espiritual. Todos os textos que publicamos tem como meta acrescentar a todos experiências religiosas reais advindas das práticas realizadas em nossos rituais.

Acender uma vela não é um ato banal. Velas são instrumentos importantíssimos dentro da Quimbanda Brasileira, afinal, são meios físicos de incitação do elemento fogo, que por sua vez, representam as chamas elevadas dos nossos próprios espíritos e a via de libertação dos demais elementos (ar, água e terra), por isso, dentro de todas as ritualísticas, é o primeiro item incitado. Tudo começa quando acendemos a primeira vela. Existe um ponto cantado (por nós) que retrata isso com clareza:


“Apague a luz,

Acende a vela preta

Que a magia vai começar! ”


Exus e Pombagiras são espíritos que se manifestam através do fogo. Vossa Santidade Maioral de Todos os Infernos concedeu força a todos os legionários através das emanações do Sagrado Trono firmado na Primeira Encruzilhada de Fogo.

Apesar da vela ser o instrumento que representa o elemento ígneo, podemos compreendê-la mais profundamente. O fogo que lentamente derrete o corpo de parafina ou gordura animal é uma representação da matéria sendo incinerada para conceder liberdade e direcionamento. Uma vela bem acesa é capaz de absorver, transmutar e controlar tudo que nos rodeia. Essa queima espiritual representa a exaltação da Luz que em nossa Tradição trata-se da Luz de Lúcifer. Como somos constituídos dos mesmos elementos formadores de todo Cosmo, a vela representa exaltação da pureza elemental permitindo a libertação de uma série de entraves. Sempre que uma vela é acesa o elemento fogo destrói todas as barreiras materiais e permite o contato com as forças que estão além-matéria, ou seja, aproxima vivos e mortos.

Uma vela pode ser abrangida como um punhal capaz de rasgar todos os véus que separam os mundos. Ela é perfurante, incisiva e agressiva. Quem direciona seu uso somos nós e nossas intensões e quanto mais focados estivermos, mais poder conseguiremos direcionar nesse momento tão importante. Um simples desvio de atenção faz com que todo trabalho espiritual esteja comprometido, afinal, a vela é o primeiro e mais importante ato e se esse não for feito corretamente, todos os demais serão comprometidos. Em uma oferenda para Exu (por exemplo) se não acendermos a vela convictos e firmes, podemos forrar o chão de oferendas que o intuito não ocorrerá, porém, se acendermos a vela carregados de certezas e foco, a mais simples oferta é capaz de realizar modificações estrondosas na realidade material.

A chama da vela queima no intuito de fortalecer e lidera as demais forças usadas para evocar ou invocar Exus e Pombagiras, pois, trata-se de um SÍMBOLO DA IMORTALIDADE. Dominar o fogo é indispensável em qualquer ato ocultista e esse domínio envolve a explosão, direcionamento energético, controle do medo e o poder de conquista. Dominar o fogo é conquistar a morte, pois o espírito é a chama imortal. O fogo regula nossos corpos purificando ou obscurecendo nossas almas.

Se a vela é um objeto de tamanha importância, sua queima deve ser observada com extremo cuidado. Tudo que realizamos magisticamente deve ser realizado de forma mais consciente possível. Velas são objetos feitos pelos homens e podem ter defeitos, assim, o discernimento é a ‘chave mestra’ para não nos tornarmos fanáticos. Todo conhecimento que passaremos adiante é uma compilação de muitas fontes, mas certamente servirão de base para novas compreensões individuais.

Observando a Vela como um Instrumento Oracular.

Acreditamos que a maioria das pessoas que acendeu ou acende velas constantemente já se deparou com acontecimentos inesperados. Velas com chama dupla, borras que formam imagens, crepitação, velas que apagam indevidamente, enfim, muitos são os sinais que podem ser enviados através de tais instrumentos. Dentro da L.T.J 49 desenvolvemos uma linguagem própria sobre tais acontecimentos, porém, tomamos por base práticas de ceromancia, bem como Oráculo a partir do fogo.

Após limparmos ritualisticamente uma vela e a impregnarmos com o óleo correto acendemos o pavio. A chama pode nos mostrar certos aspectos energéticos que nos circundam nesses momentos. Se o local for desprovido de correntes de ar o fato da vela não acender é um claro sinal de oposição à energia renovadora. Quando isso ocorre o adepto deverá usar tinturas e defumações no local, haja vista ocorre uma disputa espiritual. Lembramos que pavio úmido e ambientes com correntes de ar são situações que impedem o fluxo natural da queima.

A cor de uma chama não influencia tanto, mas tivemos experiências em que velas com chamas ‘azuladas’ são sinais de foco comprometido e de dificuldades na realização dos intentos espirituais. Alguns exotéricos alegam que se trata da aproximação de um ente espiritual poderoso, mas o fogo azul demonstra uma descarga mais intensa que a habitual, a temperatura é mais elevada e muito mais quente. Essa necessidade de esgotamento da fonte energética é um indicativo de desequilíbrio. A cor amarelada tendendo para o vermelho é a mais equilibrada.

Velas que crepitam ou por vezes chegam estalar sinalizam que dentro do objetivo a ser alcançado algumas coisas ainda necessitam serem dissolvidas. A densidade dessas coisas faz com que partes da vela não se transformem em gás. Quando a vela solta muita fumaça é um claro sinal de que um denso escudo está entre o adepto e seu objetivo. Obviamente que devemos analisar a vela e ter plena certeza que não se trata de parafina reciclada, suja e de péssima qualidade antes de chegar a tal conclusão.

Um acontecimento mais raro é a manifestação da chama em forma espiralada. Se não houver corrente de ar, trata-se de uma revelação espiritual fortíssima, a união de matéria (vivos) e espírito (Poderosos Mortos).  

Se a chama da vela ergue-se e abaixa-se enquanto está queimando é um indicativo de que o pedido não foi feito com plena convicção. Pare o ritual e foque-se no objetivo. Obviamente que correntes de ar e baixa qualidade da vela também interferem nesse processo.

Se a ponta do pavio está bem vermelha (incandescente) é um sinal de continuidade dinâmica. Isso garante que o intento está sendo bem direcionado. Se a ponta do pavio entortar aumentando a chama da vela é um pedido de que mais velas sejam firmadas no mesmo objetivo. Quando os pavios se dividem formando duas chamas é um sinal de que no mesmo momento que você vibra por algo (objetivo) existe alguém vibrando de forma contrária. Dependendo do pedido realizado, pode ser um sinal de irracionalidade e ilusão (Ex.: Exu me conceda os números da loteria!). Se uma bola se formar na ponta do pavio é um bom sinal, mas ao mesmo tempo mostra que, apesar do caminho estar correto, para o desejo ocorrer deverá se esforçar por mais algum tempo.

O pavio é uma parte importante, mas o corpo da vela (parafina ou gordura animal) também nos mostra muitos aspectos ocultos. Quando a vela entorta é sinal de guerra espiritual e devemos reforçar nossas proteções e ataques (princípio do Bambu). Se a vela racha no meio (literalmente) existem duas explicações: Se for um pedido de proteção ou ruptura de algo mostra que ocorreu/ocorrerá em breve, mas se não for é um sinal de que existem espíritos atacando-o para cortar/romper seus objetivos.

Um dos mais controversos meios de oráculo advém da borra das velas. Quando as velas “choram” (derretem irregularmente) podem significar coisas positivas ou negativas. A máxima de verificar se o ambiente possui corrente de ar e se a vela é confeccionada com parafina de qualidade sempre vigorará. Em um ambiente controlado, o choro da vela pode formar figuras abstratas ou similares às formas convencionais. Não podemos, sob hipótese alguma, deixar uma crendice desmedida tomar nossas mentes ao interpretar tais acontecimentos, porém, não podemos desprezá-los. Existem interpretações consolidadas pelos bruxos (as) que usam a ceromancia e nos apoiamos nelas para nossas próprias interpretações.


Quando a borra das velas forma:


Filetes/espinhos: Pode ser dificuldade, negativa de amor (pedidos sentimentais), disputas.

Forma de colmeia: Boas notícias.

Asas: Prosperidade material, libertação, cura.

Círculos: Alianças prósperas – Círculos unidos por um filete: Algemas/problemas judiciais.

Ampulheta: Paciência, perseverança.

Similar a uma âncora: Estabilidade diante as tempestades ou imobilidade.

Anzol: Pode ser um sinal para ir buscar algo, se esforçar, não deixar nas mãos alheias seu sustento. Se essa forma de anzol estiver com mais filetes simboliza um enrosco, algo que atrapalha a vida.

Aranha: Se for muito nítida é sinal de dinheiro, mas se estiver junto com outras formas confusas trata-se de inimigo armando emboscada.

Árvore: Vida, estabilidade, ancestralidade. Se estiver com o tronco quebrado é sinal de agouro.

Balança: Equilíbrio, julgamento próximo.

Bengala: Ajuda vinda de parente ou conhecido.

Boca: Bem formada – Boas notícias / Deformada: Mentiras, calunias e difamações.                 

Chifre de Boi: Abundância. Chifre de Bode: Força e virilidade.

Borboleta: Com asas bem feitas boa fase/criatividade – Com asas deformadas: necessidade de atenção.

Cabeça de Bode: Inimigos.

Cachimbo: Reflexão, atenção.

Cachorro: situação de fidelidade, justa amizade.

Cadeado: Aberto: surpresa / fechado = aviso

Cadeira: Grandeza, sucesso e descanso após a batalha.

Pés: Caminhos. Pés cercados de formas irregulares: Caminhos dificultosos.

Cálice: Gravidez, matrimônio ou emoções profundas.

Castelo: Fortuna, prestígio, reconhecimento e ganho inesperado

Cauda/rabo: Estabilidade, equilíbrio.

Cavalo: Força, caminhos e viagem.

Chapéu: Ocultação de intensão.

Charuto: Negócios sendo resolvidos.

Chave: Inteiras: Vitória. Quebradas: Fechamento de caminhos

Círculo:Produtividade, situação resolvida

Cobra: Enrolada: Descanso após guerra. Com a cabeça para o alto: Inimigo descoberto, traição.

Cogumelo: Ilusão, obstáculos profissionais.

Colher: Interferência feminina.

Concha: Momento de se recolher.

Coração:Caso de amor envolvente, alegrias, reflexão sobre relacionamento.Coração rachado: Fim de um amor, traição.

Coroa: Vela recebida pelos Reis/Rainhas da Quimbanda.

Corrente: Enrolada: Inimigos impiedosos. Aberta: Necessidade de ajuda.

Crânio: Presença ancestral. Cuidado, zelo.

Cruz: Necessidade de mais esforço, dinamismo e se rachada ou incompleta são sinais de            provações.

Dedo: Relações planetárias, delatores, sentimento de culpa.

Dente: Magia Negra, mágoa, inimigos familiares.

Escada:Progresso.

Escorpião: Natureza imutável, irritação, clamor pela organização.

Espada: Antagonismo.

Espingarda: Defesa de patrimônio, desastre.

Estrela: Inteira: boa sorte a caminho. Quebrada: Inveja.

Faca: Ruptura, traição de alguém próximo, amizade rompida.

Fechadura: Fofoca ou intuição benéfica.

Ferradura: Sucessos nas escolhas.

Flechas: Decisão irreparável. Ataque eminente. Sufoco.

Flor: Inteira: Boa sorte em curto prazo. Quebrada: Morte ou desastre.

Forca: Mentira que está lhe sufocando ou triunfo sobre o inimigo.

Gota: Quando a vela “chora” formando gotas simboliza estado emocional abalado.                 

Joia: Ostentação desnecessária ou mudança de condição financeira em médio prazo.                   

Lança: Ataque distante e resultado futuro.

Lua Cheia: Poder magístico, momento certo para certas magias ou narcisismo demasiado.

Lua crescente: Momento oportuno para novos empreendimentos/planos bem-sucedidos.

Lua minguante: Fim de relacionamento. Momento de limpeza interior

Lua nova: Energia, novidades, viagens.             

Machado: Ruptura, forte ataque e momento de justiça. Com a lâmina em direção à vela simboliza vingança.

Mão: Decisão pessoal.

Moeda: Riqueza, sucesso, conquista, novo trabalho.

Montanha: Conquistas após dura escalada. Cuidado com a ambição.

Ninho: Cuidado com a família/filhos.              

Olho: “Olho Gordo”, inveja, ilusão.                  

Ondas: Riscos com possibilidade de grande vitória.

Ossos: Não espere nada de ninguém.               

Ponte: Cuidado por onde anda. Travessia dificultosa. Mudança de carreira.                

Quadrado: Estabilidade. Rachado: Cuidado com a fé.     

Rato: Querem tomar o que é seu. Inimigo rondando seu espaço.              

Rosa: Momento de observar seus atos. Reflexão. Paixão correspondida.

Rosto bonito: Boas influencias. Rosto feio: Rixas, disputas, desavenças.

Sapo: Feitiço, amarração

Tesoura: Corte, ruptura e desentendimentos.

Vela: Concentração, busca espiritual, procurar cura e autoconhecimento. Limites.   


Existem outros significados para essas formas, porém, essa lista baseia-se tanto no conhecimento interno da L.T.J 49 quanto os adquiridos através do contato com a ceromancia.

A vela de “7 Dias”, tão popular nos cultos de Exu/Pombagira, também podem nos enviar mensagens sutis ou não. Seguindo o conceito já exposto, algumas formas já foram inseridas em nosso credo. Novamente deixamos explicito: Depende das condições do local (ventilação e excesso de calor) e da qualidade da vela.

Quando a vela queima completamente (inclusive o plástico protetor) é um sinal que ao firmamos a mesma existiam forças contrárias que foram combatidas e rechaçadas. Se a vela apaga com um inseto (barata, moscas varejeiras, besouros, mariposas) é um aviso que energias ruins também foram vencidas. Nesses casos o adepto deverá se banhar com ervas quentes e firmar suas obrigações novamente.

É comum que a vela dure 7 dias, mas quando dura menos é um aviso que o adepto necessita intensificar suas práticas. Na grande maioria das vezes as velas queimam mais rápido pela baixa quantidade de parafina, problemas no pavio e pela própria espessura. Se acendermos duas velas completamente iguais também podemos averiguar que pode ocorrer diferenças. Se trocarmos de marca e continuar o problema trata-se de questão espiritual.

Quando a vela cai e apaga é um aviso que estão tentando lhe derrubar e destruir sua vida. Recomendamos sempre o copo de vela para não ter perigos.

As velas são um mistério que ainda tem muito a ser revelado. Nosso credo; a Quimbanda Brasileira; traçada com Magia Negra, Bruxaria Ibérica, Diabolismo, Luciferianismo, Satanismo, Xamanismo e outros Cultos Ancestrais, aproveita-se de todas as ferramentas para elevar seus adeptos. Que as velas continuem reinando, porém, devemos enxergar por trás dessas formas e assim veremos nossas próprias limitações.


Lembrem-se que:


“Quem não pode com feitiço

Não acende a vela preta!”