domingo, 16 de janeiro de 2022

Quimbanda Brasileira

Para compreender as raízes e os fatos históricos que fazem parte do nascimento da Quimbanda Brasileira, é necessário primeiramente destacar alguns fatos, para que fique bastante clara a diferença entre a nossa corrente e outras manifestações religiosas que se utilizam do nome Quimbanda para se autodenominarem.

Nos diferimos por sermos uma força de embate contra a inércia e contra a estagnação escravizadora, o nosso culto foi forjado no calor de inúmeras batalhas pela conquista e manutenção da liberdade de nossos ancestrais, liberdade essa que muitas vezes ao longo do tempo sofreu diversas investidas por parte de nações e crenças opressoras. A maior parte do que foi escrito a respeito de Quimbanda está sob a influência e se confunde com a formação de outras vertentes religiosas, sobretudo da Umbanda, religião com a qual a Quimbanda Brasileira não possui qualquer tipo de conexão. A Quimbanda não é um culto da Umbanda, como muitos autores afirmam, justamente porque não se trata de mais um culto ao Falso Deus; Os inúmeros espíritos que hoje integram as fileiras de Vossa Santidade Maioral, no início da formação do culto, quando em vida, mantiveram a fidelidade às suas crenças e espiritualidade, defendendo-as de forma feroz e corajosa, muitas vezes tendo enfrentado a brutalidade da intolerância e tendo suas próprias vidas ceifadas; pois a Liberdade não é um bem negociável, sob nenhum pretexto! A célebre frase “É melhor morrer de pé do que viver ajoelhado” se encaixa perfeitamente na motivação que inflamava a chama no coração dos povos formadores da história da Quimbanda Brasileira, que não se esconderam por detrás de sincretismos ou mentiras.

O continente Africano foi um dos palcos de inúmeros eventos importantes dentro do enredo histórico que estamos abordando. Embora este sendo objeto da cobiça de muitos povos, desde tempos imemoriais, aqui focaremos no período do tráfico de escravos durante os séculos XV e XVI. Na busca da conquista de novos territórios e riquezas naturais, exploradores e colonizadores de várias nações Europeias pilharam e se apropriaram, principalmente por meio do poderio militar, de diversos territórios da África, e nesse período Portugal dominava uma larga extensão da costa africana. 

O processo de colonização territorial deu ensejo a uma “colonização ideológica” através de muitas tentativas de imposição da crença e fé cristista, bastante diferentes dos cultos ancestrais e da espiritualidade das nações negras nativas, quase sempre com o uso de métodos violentos, já que os povos aborígenes não cederam a outros métodos de convencimento e se engajaram em batalhas sangrentas para defender sua terra e todo o seu arcabouço cultural, religioso e ancestral. 

Desprovidos de qualquer capacidade de compreender as características naturais e espirituais do território desconhecido no qual estavam adentrando, os exploradores Europeus se escandalizaram com costumes totalmente diversos dos povos nativos que viviam em meio à uma paisagem inóspita, já que entravam em choque com a formação moral e religiosa cristã dos colonizadores. 

Por despreparo e ignorância, os conquistadores e seus missionários classificavam como conduta herética (segundo seus dogmas religiosos) a ausência do conceito de pecado, o uso ritual de sacrifícios de sangue, o nudismo dos negros nativos e ainda o culto a uma deidade que era retratada com o falo ereto e chamada Èsú (conhecida pelos povos Fons de Elegbara). É importante salientar que as formas fálicas desde tempos imemoriais retratam a virilidade e a força, representando a energia dinâmica e ativa e, também, associações com atividades sexuais. Fica claro então que o pecado residia somente na intolerância e nos dogmas crististas.  Não tardou para que a figura de Èsú fosse incluída no rol das associações demoníacas do cristianismo, considerada como mais uma das formas de Satanás. Foi justamente nesse período que chegaram às terras da África as palavras “Diabo”, “Demônio”, “Satanás”, “Beelzebuth” e “Lúcifer”. 

O tráfico negreiro para as terras brasileiras fez com milhares de nativos africanos de diversas etnias atravessassem o oceano em condições enormemente precárias, onde a sobrevivência em si dentro das naus abarrotadas de mercadoria humana eram dificílima em meio as doenças, intempéries e maus tratos. Estavam definitivamente distantes de sua terra natal, despojados de suas famílias e de tudo o que amavam e consideravam sagrado, principalmente sua Liberdade. Muitos dos escravos capturados na África eram prisioneiros de guerra, adúlteros, feiticeiros, assassinos ou indivíduos trocados por chefes tribais ou penhorados por dívidas. É importante ressaltar que a prática da escravidão já era existente entre algumas tribos africanas que atuavam à guisa de fornecedoras nesse obscuro comércio.  

Juntamente com os demais negros escravizados, aportaram em terras brasileiras os Kimbandas. A palavra Kimbanda, originada da língua Kimbundo (Bantu) significa: Sacerdote da arte de curar. De fato o Kimbanda era o Alto Sacerdote curandeiro e conselheiro que evocava e invocava os espíritos para sanar os problemas carnais e espirituais dos membros de suas tribos. Outros tipos de sacerdotes africanos também foram trazidos, dentre eles os temidos Mulôjis e os Ndokis, que diferentemente dos Kimbandas, eram feiticeiros necromantes, agindo em algumas ocasiões como mercenários, eram conhecedores de artes temidas que tiveram origem em uma época que não pode ser datada. A palavra Kimbanda também se confunde com a própria religião Bantu praticada em partes de Angola e no Brasil. Embora sendo homófonas e possuírem a mesma raiz, as palavras Kimbanda e Quimbanda assumiram caminhos e identidades próprias no decurso da história. 

Antes mesmo da chegada dos primeiros homens e mulheres africanos no Brasil, os indígenas brasileiros também enfrentavam as perseguições dos colonizadores europeus, buscando defender suas tribos, seus territórios, sua cultura, bem como, suas práticas e cultos ancestrais baseados na natureza. Sendo os primeiros a terem um contato mais próximo com os indígenas, os Padres Jesuítas atuavam como “controladores de almas”, combatendo as práticas nativas e instituindo a cultura do pecado. Como uma estratégia de propagação do cristianismo nas tribos, os Caciques foram escolhidos para aprender a escrita e a leitura e serem doutrinados pelos ditames religiosos, o que facilitava o processo de conversão. Muitos índios na fase da infância foram enviados à metrópole portuguesa para serem educados e retornarem ao Brasil como “espelhos” para os demais. Toda essa aculturação de poucos séculos contribuiu para dizimar milhares de anos de tradições enraizadas. A ação da catequese diminuía a ferocidade dos nativos e facilitava a ação do Estado (Portugal) no processo de colonização. No entanto, parte do povo indígena impôs restrições à esta invasão através de batalhas sangrentas. Como as guerras intertribais eram constantes, diferentes nações europeias que disputavam as terras recém descobertas aproveitaram para estabelecer relações proveitosas com os nativos, onde tribos rivais se enfrentavam em nome dos reis da Europa e os índios terminavam sendo dizimados aos milhares. 

Diferentes fontes históricas têm opiniões divergentes no tocante aos motivos pelos quais a mão de obra escrava indígena foi substituída pela mão de obra escrava dos nativos trazidos do continente africano. Já se alegou que os índios eram indolentes e preguiçosos, ou mesmo que de tão selvagens preferiam morrer do que trabalhar. Uma vez tendo se tornado escravos das lavouras, índios ou africanos, não estavam em posição de escolher qual tipo de trabalho realizariam, mas certo é que não foi por falta de resistência contra a escravidão.  

Sem dúvida, o contato entre os negros e índios foi bastante intenso, fomentando grande intercâmbio cultural que resultou na fusão de Deidades e no nascimento de novas religiões ou de novas formas de culto às antigas religiões. A Quimbanda Brasileira acredita que índios e africanos se associaram para promover as fugas das senzalas, uma vez que os índios eram profundos conhecedores das matas. Alguns vilarejos rebeldes fundados pelos fugitivos abrigavam não só negros e índios, mas também brancos fugitivos e mestiços. Nesses locais a religião outrora podada pelos Jesuítas volta a existir, mas com algumas novas características herdadas do sincretismo resultante da intensa fusão cultural. 

Não podemos esquecer de mencionar a figura dos Pajés, como um elo de conexão entre os mundos visível e invisível, que através de transe entravam em contato com os espíritos. Eram feiticeiros que tinham poder sobre os animais e espíritos da floresta, sendo também médicos através das forças fitoterápicas e suas palavras eram respeitadas como Leis dentro das tribos. Um Pajé exercia a mesma atividade que um Kimbanda. 

Nesse contexto histórico que é o berço da Quimbanda Brasileira, a miscigenação racial naturalmente propiciou a miscigenação religiosa através dos inúmeros sincretismos e, houve em diversos aspectos, a popularização da espiritualidade. Índios e negros acabaram recebendo influências das culturas pagãs e judaicas através do contato com homens e mulheres degredados da Europa por terem sido condenados pelos tribunais do Santo Ofício pela prática de bruxaria e/ou feitiçaria. Muitos desses exilados estavam ligados às tradições de magia e feitiçaria medievais e tantos outros eram neo-convertidos do Judaísmo, que secretamente realizavam suas práticas Judaicas. O grande contato entre as feiticeiras europeias, os índios e os escravos resultou em uma mescla de conhecimento e a partir desse momento Exu passou a ter o status de Diabo com força renovada. O endurecimento da perseguição dos dominantes aumentou com o decorrer do tempo. Feiticeiros e feiticeiras se tornaram alvos da Lei, além da perseguição religiosa, surgindo daí a necessidade de agirem sem segredo, jamais abandonando suas verdadeiras essências. 

A Quimbanda se diferencia do culto aos Orixás pelo fato de não usar as forças da natureza para alcançar suas metas e desejos, mas sim a força ancestral do mundo dos mortos. Geralmente os espíritos que trabalham na corrente da Quimbanda são antigos Xamãs, Mestres Caboclos, Bruxos, Alquimistas, Feiticeiros, Guerreiros, Assassinos, dentre outros que se encaixam na vibração energética do culto exercendo suas forças nas linhas de Exu e Pombagira (consorte feminino).


Conceitos Essênciais

Dentro do território brasileiro existe uma diversidade cultural imensa, fruto da miscigenação, imigração, migração e costumes locais. A Quimbanda, por ser híbrida, não é homogênea em todas as regiões. Uma grande pluralidade de nomes e designações de Exus e Pombagiras são encontrados nas casas de Quimbanda do Brasil e de alguns países da América do Sul que desenvolvem o culto. O regionalismo (mitos, lendas e folclore) nomeia a mesma emanação com nomes diferentes, porém, se tais espíritos forem devidamente analisados e comparados, encontraremos similaridade em atos, trejeitos e forma de atuação magística. Não existe o certo ou errado em tais casos, pois cada local alimenta as emanações de forma particular. ​

Certo é que cada Casa/Templo/Terreiro de Quimbanda segue o caminho evolutivo determinado por seus dirigentes. Como existem pessoas diferentes, obviamente existem cultos diferentes. Por tal motivo, a Quimbanda acaba se tornando ampla e aberta à alquimia espiritual. Isso não significa que o culto é um “circo de invenções”, tampouco, uma prática irresponsável. A “leitura” e estrutura adotada por cada adepto dirigente recebe influência de todas as práticas que o mesmo adquiriu em sua jornada evolutiva.

Sob a visão dos adeptos mais conservadores, a Quimbanda praticada nos dias atuais destronou muitas características de suas origens pelo fato de adotar métodos e fundamentos que fogem da concepção original, porém, antes de aplaudirmos o mesmo “discurso conservacionista”, devemos entender quatro conceitos primordiais: A Gnose, a Sabedoria, a Evolução e a Prática Religiosa.


Gnose:

Gnose, palavra derivada do grego Γνωσις (gnosis): conhecimento. A palavra é rica em interpretações, porém, podemos sintetizar da seguinte maneira: Gnose é o conhecimento advindo da sensibilidade, da comunhão, das experiências internas que potencializam as “revelações” vindas do próprio astral e retiram do homem a ignorância e a cegueira que o invólucro material (corpo), assim como todas as forças materiais produzem.


Sabedoria:

Sabedoria, palavra derivada do grego Σοφία, (sofia): Pode ser sintetizada como a soma de inteligência, paciência e prudência. Um homem sábio é aquele que executa os atos com total amparo de sua experiência sabendo respeitar opiniões alheias.


Evolução:

A Evolução rege as mudanças e alterações (em amplos sentidos) de uma população no ciclo de gerações. São as transformações ocorridas gradativamente através do tempo.


Prática:

A Prática é o estudo teórico e filosófico dos conteúdos “sagrados” e a execução  ritualística, esotérica e exotérica das religiões e cultos.

Os quatro conceitos citados dão amparo ao longo da busca à “Suprema Verdade”. A “Gnose” faz com que cada indivíduo tenha sua própria concepção e individualize seu entendimento, aplicando-o respeitosamente de forma evolutiva e não estagnada. Esse é o conceito primordial de “Exu”, o princípio da existência individualizada, do dinamismo e da construção que, assim como um caracol “Okotó”, simboliza continuidade evolutiva em ritmo regular. Portanto, a Quimbanda, como todas as religiões e cultos, não escapou das chamas evolutivas impostas pela busca interior dos adeptos e dos próprios espíritos.

Nos dias atuais, os vórtices da Quimbanda absorveram muito conhecimento acerca de Magia Cerimonial, Goetia, Demonologia, Magia Draconiana, Cabala, “Luciferianismo”, Mineralogia, Herbologia, dentre inúmeras fontes de conhecimento implícitas em tais segmentos. Isso proporcionou aos espíritos que compõem as Legiões e Reinos da Quimbanda, bem como aos adeptos, um desenvolvimento com maior amplitude na via evolutiva. Sob outro aspecto, os vórtices também se abriram para os seres que desenvolviam suas vias em outras egrégoras. As legiões aumentaram, conhecimentos se fundiram e consequentemente a Quimbanda tornou-se muito mais poderosa e ampla.

Egrégora pode simbolizar a aura de um local onde há reuniões de grupo, como também a aura de um grupo de trabalho persistente e intenso que busca o aprimoramento na criação de forças através de correntes mentais e ritualísticas específicas, realizadas nos templos verdadeiramente espiritualistas e esotéricos. Quando essa egrégora é direcionada erroneamente, as criações psicomentais se transformam em autênticos monstros que passam a perseguir seus próprios criadores, bem como os frequentadores desses templos. A palavra egrégora é derivada do grego “egregorien”, cujo significado resume-se numa energia condensada criada a partir de uma assembleia de pensamentos iguais e capazes de gerar, condensar e alimentar progressivamente uma entidade/força. Como a egrégora acumula a energia de várias frequências, quanto mais poderoso for o indivíduo, mais força estará emprestando a egrégora para que incorpore a dos demais.

Sabedores dessa premissa maior, muitos bruxos, bruxas e magos poderosos foram atraídos ao culto da Quimbanda ansiosos em fundir novas fontes energéticas. Tais fusões abriram poderosos portais fazendo que certos vínculos e estereótipos fossem modificados. Hoje, o Exu que trabalha nas linhas de Quimbanda possui fundamentos mais complexos deixando de ser a figura marginalizada e coroando-se “Rei”, conhecedor de Gnoses esotéricas e secretas.


Maioral

Um dos conceitos mais revolucionários dentro da Quimbanda Brasileira é a forma como concebemos a Força Suprema que rege toda evolução. Esse conceito, apesar de ser formado por gnoses antigas/anciãs, é relativamente novo, pois contraria tudo que foi dito até o presente momento. Isso não significa que se trata de uma invenção desprovida de fundamentação, ao contrário, foi uma adequação diante às revelações advindas através do contato com os espíritos.

Entre os séculos XIV e XVIII, a Igreja Católica (I.C.A.R) exercia o papel de Estado e todas as formas e expressões religiosas contrárias ao catolicismo eram consideradas inimigas. Nesse momento histórico temos a ação direta de uma corrente denominada “Santa Inquisição”. Não vamos nos aprofundar nas ações que sucederam nesse período, haja vista que todos os estudantes devem ter uma compreensão mínima acerca desse assunto, mas foi uma época onde ocorreram perseguições e mortes a todos que portavam livros denominados “Grimoriuns” ou “Livros de Encantamentos”. Destacam-se os seguintes livros:


“Grimorium Verum” (Grimório da Verdade);

“Clavícula de Salomão”;

“Grand Grimorium”;

“Manual do Papa Leão” (“Enchiridion Leonis Papae”).


Esses livros fundamentavam a supremacia de Deus, Cristo e dos Santos sobre todas as outras formas espirituais. Nelas destacavam-se as diversas formas de evocar e banir espíritos demoníacos, bem como compreender suas supostas naturezas. Entretanto, mesmo quando o poder do Deus cristão era exaltado sobre as forças demoníacas, os atos de magia cerimonial não eram tolerados pelo clero católico.

Provavelmente, parte dessa carga literária “amaldiçoada” aportou nas terras brasileiras em meados do século XVI. Vindos escondidos através dos padres catequizadores e senhores da alta classe Portuguesa (e Espanhola), tais livros foram instrumentos de manipulação. Os povos nativos, os negros escravizados e os colonizadores receberam até o fim do século XVIII a educação religiosa que abordava as facetas do “Diabo Cristão e suas Hostes” apontada nessas obras de demonologia. Dessa forma, ficou assentado no consciente coletivo (através das piores maneiras) tais informações, além das já enraizadas como a luxúria, maldade, danação e sexo. Os livros inquisitórios eram os aceitos para conduzir os processos de reconhecimento e julgamento dos praticantes de magia. Destacamos a presença do famigerado “Malleus Maleficarum” (O Martelo das Bruxas).

Os grimoriuns traziam em seus conteúdos hierarquias espirituais demoníacas. Para o enredo formador da Quimbanda, o “Grimorium Verum” foi o livro mais ativo, pois a “Triade Negra” descrita (Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth) foi adotada como a “Trindade do Oposto” e logo tornou-se referência dentro do culto ao ponto de relacionarem Exus com os demônios listados nessa obra, ou seja, os conceitos deturbados pela crendice medieval foram inseridos na Quimbanda fazendo com que as pessoas cultuassem antigas forças de forma deformada e inconsequente. Lúcifer foi correlacionado com “Exu Lúcifer”, Beelzebuth (Beelzebub) com “Exu Mor” e Astaroth com “Exu Rei das Sete Encruzilhadas”.

A partir dessa tríade os outros Exus foram associados segundo a demonologia.

“Diabo Maioral, ou Exu Sombra, que só raramente se manifesta no transe ritual. Ele tem como generais: Exu Marabô ou diabo Put Satanaika, Exu Mangueira ou diabo Agalieraps, Exu-Mor ou diabo Belzebu, Exu Rei das Sete Encruzilhadas ou diabo Astaroth, Exu Tranca Rua ou diabo Tarchimache, Exu Veludo ou diabo Sagathana, Exu Tiriri ou diabo Fleuruty, Exu dos Rios ou diabo Nesbiros e Exu Calunga ou diabo Syrach. Sob as ordens destes e comandando outros mais estão: Exu Ventania ou diabo Baechard, Exu Quebra Galho ou diabo Frismost, Exu das Sete Cruzes ou diabo Merifild, Exu Tronqueira ou diabo Clistheret, Exu das Sete Poeiras ou diabo Silcharde, Exu Gira Mundo ou diabo Segal, Exu das Matas ou diabo Hicpacth, Exu das Pedras ou diabo Humots, Exu dos Cemitérios ou diabo Frucissière, Exu Morcego ou diabo Guland, Exu das Sete Portas ou diabo Sugat, Exu da Pedra Negra ou diabo Claunech, Exu da Capa Preta ou diabo Musigin, Exu Marabá ou diabo Huictogaras, e Exu-Mulher, Exu Pombagira, simplesmente Pombagira ou diabo Klepoth. Mas há também os exus que trabalham sob as ordens do orixá Omulu, o senhor dos cemitérios, e seus ajudantes Exu Caveira ou diabo Sergulath e Exu da Meia-Noite ou diabo Hael, cujos nomes mais conhecidos são Exu Tata Caveira (Proculo), Exu Brasa (Haristum) Exu Mirim (Serguth), Exu Pemba (Brulefer) e Exu Pagão ou diabo Bucons.” (Exú, Aloísio Fontennelle, editora espiritualista, 1952.)

Aqui vemos Maioral como Exu Sombra. Lamentavelmente, durante anos as pessoas foram submetidas ao erro umbandista e por isso a Quimbanda é vista de forma jocosa por muitos magistas, até porque, os tradicionalistas procuraram inventar as mais insanas teorias que justifiquem essa tabela, mas aos olhos do verdadeiro “Povo de Exu” essas explicações não figuram a VERDADE alguma.

Antes de qualquer coisa devemos entender que a palavra “Maioral” significa: Comandante, supremo, a inteligência, o maior, o “cabeça”, aquele a quem se delegou maior autoridade para guardar um exército. Todas as definições estão corretas, porém, se destaca a última: “Aquele a quem se delegou maior autoridade...”.

A partir desse ponto começaremos traçar alguns caminhos para que os adeptos comecem compreender o mistério que reside nessa palavra. O primeiro ponto que citaremos é: Maioral é Satanás.

Apesar da Bíblia ser o livro mais controverso que a humanidade teve acesso, usaremos um versículo para traçarmos nosso pensamento:

“O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou Satanás, que engana o mundo todo. Ele e os seus anjos foram lançados à terra. Apocalipse 12:9”

O primeiro ponto que gostaríamos de estabelecer é que mesmo sendo uma fonte duvidosa, essa passagem deve ser levada em consideração sob alguns aspectos. Satanás é uma forma Draconiana, ou seja, um Grande Dragão que, segundo os escritos bíblicos, foi enviado para a Terra e caiu nela como um raio. A natureza do Dragão é destrutiva e contraditória, uma força de embate constante às estruturas limitadas que existem no Cosmos. Satanás é uma forma nominal que usamos para ressaltar qualidades importantes, muito diferente da concepção estática que as religiões costumam adotar. A essência de Satanás é transcendente e jamais poderá ser nomeada, porém, a mente humana é limitada e ao usarmos palavras e símbolos captamos determinadas situações com mais facilidade.

Nossa Tradição entende que a força que nomeamos como Satanás representa o primogênito filho da Luz Negra e a força que concede aos homens o caminho para a auto-divindade, através do despertar da fagulha interior, separando os eleitos das massas inertes compostas de homens de barro (estáticos, inertes). É o grande opositor, o inimigo do “Falso-Deus”. Pensando dessa forma entendemos que Satanás é um Grande Dragão que representa o maior de todos os Filhos, ou seja, o Maioral. Satanás representa o Primeiro Trono (Sul) e a essência espiritual do Fogo.

Como sempre é dito pelo nosso grupo, nossa gnose é particular. Se entendemos Satanás como expressão máxima da palavra Maioral, como comparar o Exu Sombra com tais atributos? Ou como comparar qualquer Exu com tais atributos? Seria no mínimo uma comparação vazia e feita por aqueles que jamais tiveram contato com essa força.

Antes da Quimbanda vir a existir como religião já existia o embate entre as forças libertadoras (regidas por Satanás e outros Seres) e forças aprisionadoras (regidas pelo Falso-Deus). Que Satanás é a expressão máxima de Maioral é incontestável, porém, esse substantivo também é usado para nomear o Imperador da Quimbanda. Para não causar confusões vamos a definição da palavra “imperador”:

“Governante de um império, ou de um grupo de nações ou Estados. Um rei geralmente governa apenas uma área ou um povo, mas um imperador governa vários.” (dicionário online).

Portanto fica claro que Maioral na Quimbanda é um Imperador, ou seja, um Ser que comanda todas as áreas, chamadas por nós de “Sete Reinos”. Ele está acima de todos os Reis e Rainhas e governa todo espaço astral destinado à Quimbanda. Satanás não é uma força estática e dizemos que também não está inserida na totalidade do Cosmos. Essa força emana incessantemente para dentro da Criação Causal a fim de gerar as mudanças e programar as rupturas que causarão a falência e a destruição do Sistema vigente. É como um poderoso vórtice energético que direciona o fogo no aspecto destruidor e no aspecto edificador. Entendemos que o aspecto libertador e direcionador denomine-se Lúcifer.

Essa concepção pode confundir os adeptos que ainda não tiveram contato com nossa gnose, pois entendemos que Satanás e Lúcifer tratem-se da mesma energia, ou seja, são dois nomes que correspondem dois aspectos da mesma força.

Se atentarmos em outro aspecto bíblico, veremos que não existiu “queda” de anjo algum e sim o lançamento de forças.

“Eu via Satanás, como raio, cair do céu.” Lucas 10:18

O profeta do Falso Deus não viu queda alguma, apenas teve uma visão de como as forças “Além-Cosmos” estavam se infiltrando na Criação Material. O raio simboliza a chama de Satanás conduzindo as fagulhas energéticas para a Terra a fim de despertar e gerar os Seres que promoveriam o embate nos campos astrais.

O Imperador Maioral da Quimbanda foi um desses seres. O raio de Satanás não trazia apenas a força do fogo. Junto com o fogo veio a fagulha do ar de Beelzebuth, da água de Leviathan e da terra de Belial. Esse conjunto de forças supremas, somados às forças elementares puras e desprovidas de manipulação caíram na Terra, imantaram o veneno e formaram os Imperadores. Esses seres são perturbadores da ordem cósmica, pois possuem toda gnose revelada. São guerreiros estrategistas capazes de erguer entraves, se infiltrarem, corromperem, libertarem ou escravizarem em prol da Grande Causa.

O Imperador recebeu o nome de Maioral em razão de representar uma força satânica e principalmente por esse nome já estar difundido dentro do território que seria o útero para a religião vindoura. Os próprios Exus e Pombagiras, em certos casos, referiam-se a um Ser Maior o qual deveriam prestar reverência. Esse Ser é Maioral. O primeiro grimórium que trouxe esse nome foi o “Livro de São Cipriano – Capa Preta” (hoje largamente difundido) que possui a citação desse nome.

“...Assim como Caifás, Satanás, Ferrabrás e o Maioral do Inferno, que fazem todos dominar, fazei (Nome do Fulano(a) desejado) se dominar, para me trazer cordeiro, preso debaixo do meu pé esquerdo...” (Oração da Cabra Preta)

Existem cultos de Quimbanda que louvam Maioral referindo-se a Lúcifer, mas a grande massa não compreende que Lúcifer e Satanás representam Deuses/Poderes que possuem a mesma essência. Enquanto Lúcifer representa o despertar e a evolução dos adeptos que estão em harmonia com a busca pela Sabedoria Obscura, Satanás é a ação e reação contra as raízes do “Falso-Deus”. Ambos são adversários do ordenamento, antíteses da mentira e combatentes do “Falso Deus”.


Maioral habita nos quatro corpos dos homens:


Corpo físico - terra;

Corpo Astral - água;

Corpo mental - ar;

Corpo espiritual - fogo.


Estes quatro corpos estão relacionados com os quatro deuses demonizados:


Corpo Físico - Belial - Destruidor dos grilhões físicos;

Corpo Astral - Leviathan - Abolicionista das formas astrais;

Corpo Mental - Beelzebuth - O libertador dos pensamentos;

Corpo Espiritual - Lúcifer - O portador da sabedoria.


Seu poder está direcionado para as quatro direções:


Norte - Terra

Oeste - Água

Leste - Ar

Sul - Fogo


Nossa Tradição adotou um símbolo esotérico para retratar Maioral (Pentagrama de Maioral). Nesse símbolo temos alguns elementos que explicam a formação e a ação do Imperador.

Os garfos representam as fagulhas vindas dos quatro Grandes Deuses Negros. Além disso, demonstram o poder de agir de forma dinâmica e receptiva. São símbolos de força, domínio, conquista.

O círculo que está na ponta do símbolo demonstra que Maioral é Divindade e que está em constante estado de evolução e movimento. Isso demonstra que os Reis e Rainhas da Quimbanda devem manter e expandir os Reinos e domínios.

As raízes indicam: Infiltração, Conquista e Morte.

A Lua Crescente demonstra o contínuo estado de crescimento e evolução. Demonstra também que os adeptos devem atentar não apenas para a teoria, mas para a parte prática. Essa prática é a mudança de comportamento interno e externo que deve estar sintonizado com as emanações.


O Principal Ponto Riscado de Maioral

De todos os pontos da Quimbanda talvez esse seja o mais intrigante. Uma linda união de símbolos que representa a Figura Mor de toda Religião: V.S Maioral. Tentaremos elucidar cada símbolo para que possamos compreender a concepção de Maioral e toda história da formação dos Reinos da Quimbanda.

Não sabemos ao certo a origem desse Ponto, nem como foi inserido nas práticas da Quimbanda, todavia, trata-se de algo realmente simbólico que age direta e indiretamente na maioria dos lugares onde Exu (catiço) é cultuado. Os adeptos que estudam as artes mágicas com mais afinco facilmente correlacionarão com outros tipos de sigilos medievais podendo desdobrar as próprias concepções que nosso grupo desvendou. Sob hipótese alguma nossa Corrente deseja ‘castrar’ outras interpretações, ao contrário, aqueles que desejam somar suas compreensões às nossas sempre serão bem-vindos.

Nosso ponto de partida serão as duas espadas cruzadas que se encontram abaixo do triangulo central. As espadas com “guardamanos” são típicas armas de infantaria europeia, entretanto, ao analisarmos o desenho com mais profundidade, entenderemos que tais espadas são mais similares aos ‘Sabres de Abordagem’ pelo fato das lâminas não serem tão extensas e a guarda ser grande. Essa característica garante a integridade das mãos dos combatentes, principalmente daqueles que não usavam armaduras.

Podemos analisar a inserção dessas espadas cruzadas sob dois ângulos:

O primeiro nos mostra um símbolo correlacionado à justiça, retidão, piedade e misericórdia que garante um domínio alicerçado em princípios morais e éticos. Historicamente, os colonizadores usaram essas armas para impor a escravidão, exploração e o esgotamento. Esotericamente é uma síntese do sistema causal, linear, obediente, inerte e escravista imposto pelo Demiurgo. Os soldados representam a fé da massa cega (obediente) e as espadas com ‘guardamanos’ a proteção à mão ditatorial.

Quando olhamos sob outro ângulo, constatamos que esse símbolo (correlacionado ao escravismo) está abaixo do triângulo invertido. Neste sentido, entendemos que existe uma força capaz de bloquear a ação nociva desse escravismo. O triangulo invertido (feminino/lunar/invocatório) demonstra que o Espírito/Inteligência representado por esse Ponto foi gerado em um útero paralelo e independente, com concepções e Leis próprias. O fato de estar cercado pela Grande Serpente não demonstra restrição, mas sim proteção e divisão, pois mesmo que a energia primieva fosse de embate, o plano de manifestação é cósmico. Dessa forma, fica evidente que Maioral nasceu no útero obscuro, mas foi concebido no plano cósmico como forma de embate ao Sistema vindouro, ora vigente.

A ação das espadas cruzadas (símbolo do sistema) foi bloqueada pela força (positiva e negativa) invocada para nosso plano material. Entendemos que o “X” formado pelas espadas também demonstre a energia usada/usurpada para a manutenção do sistema. Maioral, bem como seus Poderosos Mortos, usa essa energia para agir nos planos material e carnal, haja vista que é uma força multiplicadora (necessária para expansão dos Reinos da Quimbanda). Estar abaixo do triangulo também é um meio de harmonizar os impulsos descontrolados, afinal, nada é concedido se não for devidamente desejado.

A natureza desse regente fica evidente através do pentagrama ‘invertido’ localizado ao centro do triangulo. Esse Ponto reforça a concepção moldada pelo lado obscuro e puro dos quatro elementos, assim como que a ação deve ocorrer no plano terrestre, material e denso. As duas pontas superiores são os marcos que definem a natureza de V.Santidade, ou seja, sua dualidade: vida e morte, criação e destruição, masculino e feminino, positivo e negativo, dinâmico e receptivo; Exu e Pombagira. Nossa compreensão nos leva crer que o Pentagrama simbolize “o coração” desse Ponto Riscado que age como vórtice central para sua ativação magística.

O hexagrama cercado de sinais “+” nos mostra que a natureza de Maioral é masculina e feminina (também apontado na posição do pentagrama). Maioral é a Primeira Encruzilhada de Fogo que nasce no sétimo dia e que se expande dentro da construção demiúrgica. Devido a isso, o hexagrama é cercado de seis encruzilhadas, pois a estrela retrata o período em que a dualidade energética de Maioral proporcionou que outros planos fossem maculados. O hexagrama também representa o início da ancestralidade espiritual e da jornada evolutiva dos espíritos que evoluem dentro das Legiões.

Duas adagas (pequenas espadas), estão localizadas nas pontas superiores do triangulo. Suas pontas seguem a mesma direção do triangulo (para baixo) e isso demonstra que a principal função dos mesmos é o aterramento energético, porém, não se limitam a isso. As adagas são pequenas e fortes espadas, com fio em ambos os lados, capazes de bloquear golpes de qualquer tipo de arma e permitir o encurtamento de combate (o que dificulta inimigos com grandes armas). O uso dessas adagas desmorona o ideal propagado por alguns “umbandistas e pseudo-quimbandeiros” que alegavam que o símbolo tinha correlação com o Arcanjo Miguel. Maioral está demonstrando que independente da distância do inimigo, seu combate está dentro do raio delimitado pela serpente que o envolve. Esse ponto é importantíssimo para que os adeptos compreendam que o “campo de batalha” é muito mais interno que externo, claramente demonstrado pelo posionamento do triangulo invocatório (interno) e das adagas. Como as armas apontam para a Terra, também fica evidente que as energias tectônicas alimentam o Trono de Maioral.

Ao lado dos punhais vemos pequenos pentagramas cercados de clavas que representam a ação de suprimir a falsa realidade e macular (como ponteiras de guerra) a ação condicionante dos elementos. É como se as portas cósmicas estivessem trancadas para a expansão demiúrgicas.

No símbolo também podemos ver a presença do Sol e da Lua em seus extremos. O Sol na parte superior brilha com sete raios e a Lua na parte inferior emana sete encruzilhadas.

Os Sete Raios do Sol simbolizam os ‘Sete Caminhos Ocultos’ que todos os adeptos devem percorrer através dos Reinos de Maioral. É um aviso claro que o limiar entre a libertação e a escravidão é muito estreito, pois a luz de Lúcifer pode elevar ou cegar. Os Sete Raios são fluxos energéticos que visam o aperfeiçoamento, expansão e a verdadeira comunhão. É a batalha da ação contra a inércia, da coragem contra a covardia, da sabedoria contra a manipulação, do caminho pela auto-deidade e da contínua busca pelo autoconhecimento. Os sete Raios solares, sob uma óptica mais esotérica, possuem ligações com os Sete Infernos e a superação alquímica individual.

Um detalhe interessante a ser analisado é que as pontas das espadas cruzadas estão ao lado do Sol e isso representa que a Luz Verdadeira também está pressionada e cercada. A ação do Falso-Deus em relação ao seu Sistema sétuplo é contundente e o mesmo costuma se apropriar de certos fundamentos como forma de ludibriar e enganar as pessoas a fim de que continuem em estado letargico. Esse símbolo, muitas vezes descrito como o ‘Sol de São Miguel’ que corou Maioral, possui uma essência esotérica muito mais profunda, pois representa o archote, o fogo, a suprema sabedoria que transcende às formas. Assim, o adepto que meditar sobre o Ponto deverá entender que a Luz Verdadeira custará muito esforço, dedicação e acima de tudo, a real vontade de se libertar.

A Lua representa o lado noturno. A Lua deitada, símbolo ostentado pelas deusas lunares aponta que todas as modificações envolvem o despertar e o guerrear. O tamanho da lua em relação aos demais símbolos aponta-nos claramente que a regência do Trono e da ação dessa força no plano material é noturna, obscura, uterina, interior. Não se trata apenas de masculino e feminino: A Lua transcende o sexo. Uma força noturna, nascida através de uma Chama Sétupla e de um útero obscuro gerou descargas capazes de materializar. Essa Lua, que se assemelha a letra ‘U’, exteriorizou as sete encruzilhadas (sinais “+”) primordiais permitindo a ação dinâmica/positiva e receptiva/negativa de todos os Reinos. Esotericamente o punhal (serpente/fogo) penetrou na Lua (cálice/água) e gerou um equilíbrio a partir do embate (O veneno da serpente).

Todo esse texto pode ser complementado e enriquecido através do conhecimento individual de cada adepto ou grupo. O caminho que a Corrente 49 acredita parte desse raciocínio. Muitas podem ser as interpretações, porém, a gnose é uma força livre e sem dono, portanto, deve ser respeitada. Que Maioral nos forneça forças para continuarmos em busca de seu Fogo! 


A Natureza da Quimbanda Brasileira

A Quimbanda Brasileira, por ser uma Tradição que durante muitos anos resguardou-se através dos ensinamentos orais, ocultou sua verdadeira natureza para poucos iniciados. Esses, por sua vez, em sua grande maioria saíram do ‘Caminho de Maioral’ por não suportarem a pressão que é impingida aos adeptos ao longo de seu processo de alquimia interna. Os poucos que resistiram moldaram a Quimbanda segundo expressões e perspectivas particulares, por isso existe uma grande pluralidade na forma com que o Culto é desenvolvido no Brasil.

Independente de como o Culto foi desenvolvido, deixando de lado o regionalismo e a formação dos zeladores, a Quimbanda Brasileira tem características particulares que devem ser levadas em consideração. A Natureza da Verdadeira Quimbanda, ao contrário das demais religiões e cultos, não está associada ao desenvolvimento de uma conduta moral e ética refinada e nem é influenciada pelas empenhas do período evolutivo da sociedade humana. Também não é um meio ao qual os adeptos sentirão a satisfação espiritual enquanto estiverem na matéria, pois o intuito da Quimbanda não é gerar satisfação e sim libertação, pois satisfação desprovida de libertação é ilusória.

A Quimbanda Brasileira está associada ao processo que ocorre entre a consciência e a inconsciência. É o árduo caminho de aprendizado que tem como intuito o conhecimento sobre si próprio e principalmente sobre a relação do “Eu” com o Sistema vigente mostrando as relações que existem entre o corpo, corpo astral e espírito e a escalada evolutiva ou escravista que esse Ser escolhe.

Os sentimentos são mecanismos que devem ser lapidados por todo adepto da Quimbanda. Diferente de outras expressões religiosas, a Quimbanda Brasileira entende que cada adepto é um Ser individual e tem a liberdade de formar seus parâmetros sem imposições sobre “Bem X Mal”. O mais interessante é que os Exus mostram-nos que existe uma corrente invisível que prende-nos a valores positivos e negativos, pois não compreender o que sentimos em relação a tudo é o mesmo que nos prender em teias invisíveis onde os fios da moral nos sufocam. Se o sentimento é inevitável, que seja formado com múltiplas visões, dotado de discernimento e não esteja atrelado aos conceitos de moral e ética da massa vigente. Exu é a semente que estoura a terra e rompe a vida e não uma árvore que já nasce com frutas.

Todo esse processo de autoconhecimento visa dominar e entender os sentimentos e emoções para formar os pensamentos adequados que irão ser a forma mais verdadeira de comunicação com o mundo espiritual. Para alcançar esse nível o adepto deverá vivenciar em variadas situações, experiências profundas e por vezes doloridas. Até que o adepto entenda que tudo que ele vibra e sente pode interferir em sua jornada e que a mente é mediadora entre o “Eu” e o Caminho de Exu, pode encontrar inúmeras dificuldades. A Quimbanda não deseja adeptos perfeitos, mas almas livres, mentes que transcendem as formas limitadoras e vão além dos conceitos morais e éticos.


Quimbanda e o Instinto Predador

O homem iluminado pela Luz da Quimbanda, que é um dos raios da Luz de Lúcifer, luta internamente contra as amarras do Sistema Cíclico Escravista (reencarnação e cumprimento de Carma). Para vencer esses entraves, o espírito deve ser constantemente alimentado através da fonte espiritual (Sabedoria) e, ao mesmo tempo, seus instintos devem ser incitados para que ajam como predadores. A Sabedoria não confronta o ato predatório, apenas concede ao adepto o discernimento de quando, como e com que intensidade essa voracidade deve aflorar. Não se trata de restringir, mas de adequar e adaptar nossos instintos à realidade que vivenciamos.

O adepto cria em seu “Eu” uma aversão à fraqueza e limitações que existem na sociedade. Um predador não chora em cima de sua presa, tampouco, dispende energia em perseguições infrutíferas. O verdadeiro predador não tende errar porque é alicerçado pela sabedoria e principalmente pelo autoconhecimento. Um adepto avançado sabe seus limites e limitações.

O homem é condicionado ao instinto de autopreservação. Luta incessantemente pela vida e pela integridade. Esse mecanismo é regulado pela dor e pelo medo, ou seja, o homem se mantem vivo porque cultua ambos. O medo libera a adrenalina que aumenta a força física e expande os sentidos tais como audição, olfato e visão e pode fazer com que o homem vá ao combate ou fuja do mesmo. O adepto da Quimbanda aprende que avançar ou recuar nas batalhas não é uma decisão motivada pelos sentimentos ou sensações; sim pelo instinto predatório frio, agudo e incisivo. O Quimbandeiro não é refém do medo, tampouco, da dor, pois entende sua natureza e a dos espíritos que o ministram.

Exu é um espírito com a capacidade de ‘andar’ em nossa linha temporal (passado, presente e futuro). Como se encontra no plano astral, essa linha de tempo não se restringe apenas a existência material ao qual temos consciência, ou seja, Exu pode vagar em nossas existências passadas e interferir, de maneira construtiva, na nossa vida material presente. Assim, Exu pode fazer com que fobias desenvolvidas em vidas anteriores sejam vencidas nessa existência. Todo esse processo visa fortalecer o instinto predador que é desperto nos verdadeiros adeptos.


O Homem de Fogo x Homem de Água

O mundo, cíclico e rotativo, proporciona mudanças perceptíveis e imperceptíveis a todo o momento. Entendemos que o mundo é o “espaço-cativeiro” onde almas diversas encontram-se em estado bruto/solidificado/material. Toda mudança do mundo acarreta mudanças em seu rebanho, ou seja, por mais imperceptível que seja a ação certamente atingirá os humanos. O ritmo dessas mudanças pode ser variável e atingir o coletivo e o individual em estágios diferentes fazendo com que todos sejam obrigados a passar pelos processos de adaptação necessários.

Obviamente que existem teorias sobre o comportamento fixo ou maleável do homem no seu processo de evolução, porém, existe algo importante de salientarmos: A Vontade e o Desejo. Através desses impulsos, aflora a atitude de dinamismo e ostracismo no comportamento humano. Esse é dividido em estágios, porém, no contexto desse ensaio destacamos duas marcas: Furioso e Passivo.

O comportamento furioso é dotado de fogo, auto cobrança, evolução e agressividade que capacita o homem enxergar as mudanças do mundo, suas consequências e criar uma multiplicidade de ações para conviver com elas. Homens de comportamento furioso compreendem rapidamente as ações exteriores e criam ambientes capazes de se estabilizarem nas incertezas deixando de serem ferramentas mecanistas que efetuam a prevenção e conserto do Sistema. Os dotados com esse comportamento conseguem aprender com os erros, mas nunca deixam de promover sua subjetividade, desejos, frustrações e aspirações como parte integrante dos sistemas e das organizações.

O comportamento passivo é como água parada que procura estabilidade e proteção contra as ações agressivas da natureza. Geralmente criam suas identidades baseados em contatos visuais e estruturas que consolidam suas aspirações. Possuí medo em diversos níveis e destaca-se o medo à rejeição da sociedade. Alimenta os traumas e as percas tornando-os obstáculos que estorvam as mudanças. Não suporta um ambiente competitivo e inovador, possui hábitos lineares e tem dificuldade com aspectos e mudanças inovadoras. Foi preparado para ser mão de obra, para ter um chefe mandando o que fazer.

Ambos os comportamentos coexistem na sociedade. Possuem família, amigos, dívidas e sonhos. Convivem com os mesmos problemas, crises e toda complexidade da sociedade. Disputam o mesmo espaço e estão suscetíveis as mudanças no mundo, sejam perceptíveis ou não. O homem de comportamento furioso e o homem de comportamento passivo podem, em algum momento, aproximarem-se do Culto de Exu. Os motivos que os levam a tal decisão são praticamente os mesmo, afinal, não são todas as pessoas que se aproximam do Culto em busca de revelações e evolução espiritual, sejam elas furiosas ou passivas. Inseridos no Culto, ambos passarão pelos mesmos estágios e nesse exato momento diferenciam-se.

Imaginemos que Exu interfira na linha temporal de ambos os comportamentos de forma agressiva. Essa agressividade, sob olhos atentos, capacitará mudanças significativas em suas vidas materiais, mas ao mesmo tempo impingirá pressão e confusão até estabilizar um “novo caminho”. 

O homem de comportamento furioso certamente suportará essa pressão, pois rapidamente criará uma nova forma de adaptação e enxergará através das ‘brechas’ deixadas por Exu. Aproveitará ao máximo a oportunidade e não permitirá que as frustações o atinjam, porque construiu sua fé com subjetividade. Ele se regenerará nas formas sagradas que os Espíritos emitem e não no que seus sentimentos grosseiros tentam formar.  

O homem de comportamento passivo entrará em colapso vendo sua estrutura protecional ruir. Lamentará por não ter seguido conselhos repelentes ao Culto e deixará os traumas tomarem-no de forma literal. Não suportará a pressão do novo e ruirá em pedaços grosseiros.

Exu, na sua imensa sabedoria e com sua gargalhada caótica que bane a inércia, pegará os dois comportamentos e colocará em sua peneira. O homem de comportamento furioso ruirá por inteiro tornando-se um pó sagrado apto a promover a ressurreição de seus antepassados obscuros, já o homem de comportamento passivo ficará sendo balançado em grosseiros pedaços até que Exu jogue-o em algum canto por não servir aos seus propósitos.

Todo esse ensaio mostra aos adeptos porque muitas pessoas que se aventuram nos caminhos de Exu deixam o Culto de forma inesperada e se tornam inimigos dessas forças. São passivos, inertes e esperam que as mudanças venham de forma linear, calma e protecionista. Essas pessoas acabam se escondendo em outros caminhos religiosos que propagam a sutileza, amor, compaixão e caridade. Esperam que Exu plante uma ‘Árvore do Dinheiro’ ou ‘tragam a pessoa amada em três dias’ porque tais situações corroborarão com seus queridos estados letárgicos e anti-evolucionistas.

Lembremos que Exu é constante movimento e nunca carregará fardos. ‘Exu não dá o peixe para quem não sabe pescar!’. Exu nos ensina a agirmos como catalisadores de ações!


O Instinto Predador e o Ego

O Ego é a defesa da personalidade, estrutura do aparelho psíquico que nos conduz pela realidade. O Ego é ‘defensor do medo’ e coíbe todos os instintos predatórios que possuímos.

Compreender nossos instintos predatórios não é o mesmo que coibi-los. Coibir significa reprimir, expressar claramente uma negativa. A compreensão é a aceitação e entendimento do impulso para que o mesmo seja desperto quando necessário. A coibição gera insatisfação, traumas e o ódio. Esses sentimentos, dentro desse contexto, são atrativos de Carma e elos das algemas do Sistema Escravista do Falso Deus. A compreensão dos impulsos é parte da libertação e do próprio autoconhecimento.


Quimbanda: Religião ou Sistema Mágico?

A Corrente L.T.J 49 sempre pesquisou com muita atenção e dedicação as diversas manifestações da Quimbanda no Brasil. Esse estudo nos apontou uma multiplicidade de entendimentos que, de forma reduzida, postaremos aos membros dessa página.

Quando falamos “Quimbanda” estamos nos referindo ao Culto de Exu e Pombagira formado em ‘Terras Brasileiras’ através de um longo processo de sincretismos religioso e cultural. Antes de adentrarmos no campo da multiplicidade, deixamos clara a diferença – sob nosso entendimento- entre ‘Quimbanda e Kimbanda’.

Quimbanda é uma expressão religiosa formada no Brasil. Mesmo com opiniões contrárias, sabemos que o Culto de Exu (e sua evolução) faz parte do processo de formação da sociedade. A Quimbanda é uma resposta obscura ao sincretismo. A corrupção da palavra ‘Kimbanda’ não se trata apenas de uma adaptação linguística, mas sim de uma ruptura a certos preceitos tradicionais provindos da cultura africana. Algumas pessoas tendem a poetizar ou amenizar o verdadeiro sentido, mas nossa Corrente entende que existe uma força de corrupção explicita dentro da Quimbanda.

Kimbanda é uma palavra de origem africana, mais precisamente da língua Kimbundo (Bantu) que significa: Sacerdote da arte de curar. Assim como outros cultos afros, veio ao Brasil através do processo escravista. Essa forma de religiosidade tradicional é uma das bases da Quimbanda Brasileira, entretanto, a forma de desenvolvimento espiritual tem focos muitas vezes distintos e até opostos. A Quimbanda Brasileira se apropriou não só da cultura Bantu, como da Yorubá, Ameríndia e Europeia. Quimbanda é adaptação e corrupção! Se não fosse dessa maneira, a máscara dos nossos Poderosos Mestres não seria chamada de Exu (palavra Yorubá). A Quimbanda é como um poderoso vórtice que bebe de muitas taças e vomita aquilo que não lhe satisfaz.

A Quimbanda foi se desenvolvendo em vários sítios no Brasil e recebendo influencias regionais. Essas influencias determinaram diversos tipos de culto. O processo de infiltração nasceu dentro dos Cultos Religiosos de matriz Africana, por isso vemos Terreiros/Templos/Casas de Candomblé e Umbanda que cultuam a Quimbanda através da manifestação de Exu e Pombagira. Acreditamos que essa forma de culto à Quimbanda seja a mais popular dentro do território brasileiro. Classificaremos as formas de culto à Quimbanda a partir desse ponto.

Dentro de uma Casa religiosa dual (que separa a força em ‘Direita’ e ‘Esquerda’) o culto da Quimbanda ocorre sob pressão, ou seja, os Exus não agem completamente desvinculados. Isso acontece porque apesar de serem linhas paralelas, em certos pontos se convergem e em outros divergem. As “duas cabeças de Exu” são a expressão dessa dualidade. Um clássico ‘Ponto Cantado’ expressa bem essa diferença: “Exu que tem duas cabeças, ele honra sua banda com fé, uma é Satanás do Inferno e outra é Jesus de Nazaré! ”.

Compreendemos que as pessoas que seguem essa forma de culto concebem a formação das forças opostas como elementos provindos de uma mesma regência, ou seja, “Deus e o Diabo” são partes do mesmo corpo e os Exus e Pombagiras estão vinculados ao processo evolutivo ascendente. A plenitude caótica de Exu é afetada pelos momentos convergentes e sob hipótese alguma existe o comprometimento ao embate interno consciente.

Existe a Quimbanda que é vista como um ‘Sistema Mágico’. Os praticantes desse tipo de Quimbanda entendem-na como uma via para alcançar seus desejos e objetivos. Não se trata de uma forma gnóstica de culto. Enxergamos similaridade com a Goetia, por isso é comum paralelos traçados entre os Seres Goeticos e os Exus. Tais praticantes podem exercer outros cultos em análogo, pois a Quimbanda é vista de forma independente. Apesar de não ser uma regra, esses sistemas são traçados por pessoas que frequentaram ou frequentam casas duais. Existem pessoas muito esclarecidas dentro desses cultos, entretanto, não é comum vermos um processo árduo de ascensão, pois não se trata de uma expressão religiosa e sim de um sistema operacional onde os espíritos são evocados e invocados para finalidades pessoais.

Tanto a Quimbanda praticada dentro de casas duais quanto a desenvolvida como sistema mágico são vias de infiltração e expansão. Muitos seguidores dessas expressões acabam sendo atraídos pela força sombria que reside por trás das máscaras de Exu. Essas pessoas diferenciam-se das demais pelo árduo desejo de evolução espiritual através das sendas esotéricas. Por isso não acreditamos que as pessoas são separadas apenas pelo Ego e sim pela essência interna.

A terceira e mais relevante forma de culto é a Quimbanda Gnóstica. Classificamos dessa maneira por concebermos que essa expressão religiosa é avessa à todas as formas estáticas/inertes de culto. Nossa leitura de realidade não dá espaços às fraquezas humanas e todos os nossos trabalhos são direcionados a ascensão da luz bestial. Dentro dos cultos gnósticos não existe espaço para a dualidade e os adeptos tem o comprometimento de destruir suas correntes éticas e morais para reestruturar uma personalidade de força.

Não estamos dizendo que o T.Q.M.B.E.P.N seja o único que dissemina essa expressão, pois sabemos que existem grupos que galgam a evolução através de conceitos contrários ao ordenamento do Falso-Deus, mas podemos responder apenas pelo nosso trabalho. Concebemos que Exu e Pombagira são Poderosos Mestres Mortos que fazem o caminho reverso (contrário a Lei) para agir no plano das formas. Esses mestres não estão submissos à panteões, pois assim como a Quimbanda, drenam energias de muitos planos paralelos trabalhando em forma de Legião e deixam de lado as fraquezas humanas para guerrear contra as forças que o escravizaram por inúmeras reencarnações. Podemos dizer sem medos que a Quimbanda Gnóstica é uma via de evolução religiosa única e incompatível dentro de ambientes duais. Sua caraterística expansionista e dominante torna-a um veneno dentro de ambientes dessa natureza. Os adeptos podem ser beneficiados em todos os campos- material, carnal, espiritual, mental, psicológico – mas o foco principal é a modificação e a criação de núcleos internos de resistência e combate ao Sistema vigente. O primor da Quimbanda é que seus adeptos tenham plena iluminação e clareza em todos os passos da árdua escalada ou caminho para auto deificação (completa transmutação que capacita a expansão da Chama Negra interna). Exu e Pombagira não são meios para alcançar os fins, mas Mestres que nos capacitam para todos os passos da Alquimia interna.

A arte da corrupção (interna e externa) explicita e implícita na Quimbanda é o que a diferencia dos demais cultos. A concepção de causal e acausal e a clareza da mentira cósmica são pontos relevantes aos adeptos. Não compreender as facetas do Falso-Deus deixam os seres a sua mercê, pois existem características que facilmente podemos identificar dentro de muitos panteões.  A Quimbanda Gnóstica tem apenas um núcleo pulsante: V.S. Maioral de Todos os Infernos. O verdadeiro adepto tem a ciência que dentro de sua composição estão os mistérios de todos os deuses obscuros. Deuses contrários ao ordenamento JAMAIS compartilharão o mesmo espaço (físico e astral) que suas fracas sombras cósmicas.

Dentro da nossa gnose essas são as três principais divisões da Quimbanda atual. Todos têm direito de não concordar. Finalizamos com as seguintes analogias (frases de Exu e Pombagira):


“Eis que na mata existem dois tipos de animais: Presas e predadores! Presas não costumam andar pelas mesmas trilhas que as feras. ” (Exu Pantera Negra)

“ Se me pagam para matar posso até matar! Se me pagam para amarrar posso até amarrar! Se me pagam para destruir posso até destruir! Mas se me mostram bravura no espírito e sede de mudanças posso ser Mestre! ” (Exu Tranca Ruas)

“ Nunca me curvei pra santo em vida, quem dirá depois de morta! Cuspo nas oferendas! ” (Pombagira Sete Saias)

“ Nem toda cobra tem veneno e tem cobra que morre no pé de galinha! ” (Exu Cobra)

“Se eu arrancar a máscara sobram um ou dois e o resto sai correndo! ” (Exu Beelzebuth)


A Origem territorial dos Espíritos da Quimbanda Brasileira

Esse tópico é deveras controverso, afinal, existem certas particularidades dentro do Culto de Exu e Pombagira que esbarram no “Ego” de alguns seguidores. Portanto, essa é uma visão da Corrente 49 e cabe-nos apresentar ao público como forma de demonstrar nossas engrenagens espirituais e a forma que construímos nossas atividades.

Todos que já frequentaram alguma casa/templo/terreiro de qualquer segmento religioso que professa Exu e Pombagira já se depararam com seguidores/filhos/adeptos incorporados com tais espíritos. Não é difícil que dentre tais contatos (Homens X Espíritos) algumas histórias (estórias) tenham sido relatas -através das pessoas incorporadas- acerca da origem dos mesmos. Acreditamos que esses momentos sejam os grandes responsáveis pela disseminação de um dos maiores erros da Quimbanda Brasileira: As Origens de Exu e Pombagira.

Não é incomum vermos pessoas incorporadas com espíritos vindos de todas as partes do mundo, com relatos incríveis e até históricos. Ciganas da Espanha, cavaleiros templários, bruxos celtas, índios norte-americanos, egípcios, sumérios, gladiadores, samurais e até (pasmem) elementais. Quando nos deparamos com essas “personalidades espirituais” começamos a nos indagar acerca da veracidade contidas nas histórias desses Mestres, bem como da estrutura energética motivadora que os fez rasgar os véus do tempo/espaço fazendo-os se adaptar a uma nova “roupagem”.

A grande questão é: Você realmente conhece seu Mestre (a) espiritual? Sabe o que serve?

Em primeiro lugar, cabe-nos explicar algo simples e real para iniciarmos essa longa explanação: O que nasceu no Brasil derivou-se de homens e mulheres que aqui habitaram à época dos fatos e dos ancestrais espirituais que os acompanharam ao longo dessa trajetória. A Quimbanda foi composta de três troncos básicos: Brancos (europeus), Nativos Ameríndios e Africanos. Obviamente que cada um desses povos tinha um legado espiritual próprio e a mistura dos mesmos gerou uma nova ancestralidade, bem como adaptou e modificou costumes e crenças tradicionais. Isso é História.

Mesclar etnias faz com que não exista uma regência, ou seja, nenhum desses povos é condutor da espiritualidade conseguinte. Assim sendo, ocorreram diversas manifestações espirituais no território nacional onde a mesma força energética foi denominada com nomes diversos. Devido a esse FATO é que a Quimbanda é tão plural no que diz respeito à sua atuação, regência, número de legiões e tronos. Mas mesmo diante tantas diferenças, algo realmente importante nos aponta a origem territorial de todos os Mestres Quimbandeiros: A língua falada.

No Brasil, todos os Exus e Pombagiras se comunicam em língua portuguesa. Alguns mestres mesclam palavras, expressões e outras figuras de linguagem como forma de demonstrar sua origem, entretanto, a língua portuguesa (ora - brasileira) é oficial dentro do Culto da Quimbanda Brasileira. Muitas vezes constatamos que a língua falada pelos espíritos (quando incorporados) possui uma gramática muito similar à língua portuguesa mais remota; o que demonstra a temporalidade e a Legião ao qual esse espírito pertence aponta-nos, através das palavras e trejeitos, qual região esse espírito pertenceu. Se conversarmos com um Exu Pantera Negra claramente veremos uma Língua Portuguesa mesclada a alguma língua nativa (ameríndia), mas ao conversarmos com um Exu Sete da Lira constataremos o uso de uma linguagem menos coloquial acrescida de palavras e termos estrangeiros (muito presentes no Reino da Lira). Nesse exato ponto podemos começar a traçar Exu e Pombagira como espíritos oriundos de um determinado local, ou melhor, que estiveram materialmente vivos em uma determinada época e dentro de um território específico.

Todos nós temos uma ancestralidade sanguínea. Se seguirmos pelos galhos de nossas ‘Árvores Genealógicas’ chegaremos à ancestrais estrangeiros. Uns possuem ancestrais próximos, enquanto outros em muitas gerações passadas. Essa ancestralidade direta não é responsável pela formação do enredo espiritual da Quimbanda (e que isso fique claro). Os espíritos formadores da LTJ 49 nos ensinaram que existe a manifestação da ancestralidade através da incorporação verdadeira e a manifestação das “memórias ocultas” que nada mais é do que um acontecimento anímico. Um sonambulo (que não está incorporado) pode ser capaz de falar em línguas estrangeiras e até se portar de forma diferente da usual.

Assim como em outras vertentes espirituais, a Quimbanda compreende e crê na reencarnação. Se todos nós já reencarnamos, obviamente que vivemos em diferentes épocas, sob a pressão de culturas, línguas e religiosidade diversa à contemporânea. Apesar de nossas memórias superficiais serem completamente adaptadas (apagadas) a um novo momento (nova reencarnação), nosso subconsciente pode acessar essas memórias a qualquer momento (mesmo que involuntariamente). Toda essa explicação mostra que algumas pessoas que acreditam incorporar um espírito estrangeiro podem estar atrelados ao próprio subconsciente e não ter ligação espiritual alguma. Não somos especialistas na área, mas podemos supor que falar com sotaques estrangeiros pode ser até um sinal de distúrbio cerebral (vide síndrome do sotaque estrangeiro). Se falar nos ‘golpes espirituais’.

Todo caso é um erro? DEFINITIVAMENTE NÃO! Alguns espíritos que viveram em terras brasileiras vieram da Europa e da África com trejeitos próprios e mal falavam a língua portuguesa corretamente. Quando iniciam o processo de compartilhamento sentem enorme dificuldade de se comunicar e levam anos para reaprender a língua falada. Mas esses espíritos necessariamente devem ter vivido e morrido (materialmente) em um determinado espaço. No nosso caso: O Brasil.

Não adianta a pessoa crer que seu Exu/Pombagira tenha sido egípcio (por exemplo) na encarnação anterior, pois isso não corresponde à realidade. O espírito pode até ter vivido em tal tempo/espaço, mas para estar se manifestando sob os códigos da Quimbanda a última encarnação deve ter sido na terra correspondente ao código. Seguindo esse exemplo, o fato da pessoa falar palavras em egípcio, reconhecer papiros, sentir-se atraído pela cultura e até se reconhecer como parte dela nada simboliza para a Quimbanda. Tudo isso é ‘memória ancestral’ e não contato com espíritos egípcios. O verdadeiro Exu dessa pessoa pode ter sido um cafetão que vivia disputando territórios em uma vila abandonada nos recônditos brasileiros.

A língua portuguesa é a chave para compreendermos a ação desses espíritos. Não estamos limitando-os a um código, afinal, esse foi feito pelos próprios espíritos. Estamos olhando nossos mestres sem o ego, sem nenhum tipo de preconceito, sem nenhuma limitação. Exus e Pombagiras são grandes fontes de conhecimento e sabedoria, podem usar conhecimento de todas as épocas em suas explanações, conseguem manipular diversos tipos de energia, mas tudo isso dentro dos padrões que reconhecemos. Um Exu pode falar sobre todos os aspectos cabalísticos, pois na formação da Quimbanda existiram centenas de judeus “neo-convertidos” exilados às nossas terras através do ‘Santo Oficio’, entretanto, quando começamos compara-los com os espíritos estrangeiros estamos errando grosseiramente. Exus e Pombagiras são espíritos que estiveram em situações similares as nossas, reconhecem nossas fraquezas porque um dia padeceram delas.

O aspecto mais importante, talvez o mais fundamental de toda Quimbanda é conhecer seus Mestres e saber enxergar a verdade por trás da ‘máscara de Exu’. Quando um adepto reconhece que seu Mestre é a personificação de um caminho onde suas fraquezas serão vencidas, torna-se o próprio MESTRE. Sem isso, sem entender que a complexidade do Culto Brasileiro está justamente na trajetória humana que se transformou no caminho de fogo que Exu percorre, não existe quimbandeiro e sim adorador de si próprio e de seu ego deformado. Exu usa suas alcunhas como apontamentos de suas origens energéticas e seu campo de ação. A falta de um nome próprio é prova de que esses espíritos se conectam compartilhando, doando ou extraindo (vampirizando) energias. Como dito anteriormente, se você não sabe quem é seu Mestre, está totalmente a mercê dele.

Jamais, sob hipótese alguma, acredite em histórias de Exus e Pombagiras que morreram em terras longínquas, em outras culturas e vieram atraídos pela caridade e amor para sanar suas pendencias espirituais. ISSO É A MENTIRA QUE OS MANIPULADORES IMPLEMENTAM A ANOS! Até a História da Rainha Padilha esses miseráveis tentam manipular, como se a própria Rainha tivesse vindo ao Brasil. Pense: Se não fosse as bruxas exiladas (que cultuavam a Rainha Maria Padilha) será que a Quimbanda a cultuaria? Obviamente que não! O compromisso de um adepto de Exu e Pombagira é estar em constante evolução! Evoluir é aprender na teoria e na prática, afinal, pratica cega é mecânica e teoria sem prática é filosofia. Um Exu falando deve ser respeitado porque são as palavras de um Mestre, um grande espírito que sabe exatamente o que vivemos (ele viveu também), porém, não podemos esquecer que muitos fazem mal-uso desse conhecimento, entorpecem as pessoas com falácias e teatro. Mas não cabe a nós apontarmos “fulano ou beltrano” como expoentes. Cada um de nós é responsável por aquilo que crê!


Quimbanda Brasileira e Impulso do Medo

Existe um lado obscuro dentro de todos nós. Enquanto suprimimos e corroemos essa faceta sinistra estamos à mercê de tudo que acontece no entorno, ou seja, somos vítimas em potencial de nosso próprio desconhecimento acerca dos limites internos e externos. 

A mídia nos traz inúmeras notícias de atos violentos e bárbaros cometidos em momentos de desespero. Pais que jogam filhos pela janela de prédios, mães que afogam crianças na banheira, policiais descontrolados que alvejam cidadãos desarmados, estupradores que vitimam mulheres indefesas, ladrões que matam indiscriminadamente, enfim, são muitos fatos (rotineiros) que poderíamos citar. Todos esses exemplos possuem raízes em comum: A pressão do Sistema, o desconhecimento dos limites e o completo descontrole psíquico. 

A Corrente 49 é uma via religiosa que incita paulatinamente, através dos rituais e práticas religiosas fundamentadas no Culto de Exu, todos os impulsos obscuros que podem dominar o homem. Entendemos que toda formação primitiva que possuímos torna-se um veneno se desconhecermos seus usos e antídotos. Esse ensaio visa mostrar aos adeptos a importância desse controle e como podemos canalizá-los em situações extremas.

Em primeiro lugar falaremos do medo. É possível viver completamente isento desse impulso? Definitivamente - NÃO! O medo é um alerta, um impulso emitido a nós toda vez que os sentidos sensoriais captam sensações incomuns. O medo ativa todos os demais impulsos e os coloca em uma espécie de “modo proteção”. O medo pode agir nas pessoas de diversas formas:


- Petrificando-as.

- Descontrolando-as.

- Avivando facetas obscuras completamente descontroladas.

- Encorajando-as a tomar decisões precisas.


O adepto L.T.J 49 deve passar por várias situações de medo para poder superar as três primeiras formas. Descobrimos ao longo dos anos que quando fazemos rituais em grupo os adeptos se sentem mais ‘protegidos’ e conseguem superar os impulsos de medo. Estar com outros adeptos e comungar de seus medos e anseios é um forte exercício de autoconhecimento, todavia, não atingem todos os abismos do subconsciente. O medo deve ser conhecido e controlado individualmente!

Imaginemos que sua vida dependa da superação do medo. Em grupo, principalmente com VERDADEIROS irmãos e irmãs de senda, as pessoas sabem que não necessitarão carregar ou ser “muleta” dos demais e todo ‘combate’ se torna equilibrado. Sabemos quem é um verdadeiro irmão fazendo uma análise simples: Em uma situação extrema poderei contar com sua coragem e bravura para guerrearmos juntos ou vou ter que lutar dobrado? Se sua vida depender de alguém que não consegue transformar o medo em coragem, essa pessoa não passa de um entrave.

Quando o medo aviva o descontrole e faz a pessoa cegar-se para a situação certamente tudo que está no entorno será destruído. Uma pessoa que não consegue enxergar a batalha claramente é vítima de si próprio, pois além de não se conhecer, não consegue controlar o medo. Essa pessoa, em uma situação real, certamente vai lhe jogar de cima de um prédio como resposta as suas frustrações.

Petrificar-se com o medo é o mesmo que pintar um alvo em si e gritar silenciosamente: “- Atirem! ”.

Por isso, todo adepto deve saber que o trabalho solitário e individual é aquilo que realmente lhe fortalecerá. Sozinho terá de enfrentar as energias, vencer (dominar) os medos e realizar sua própria alquimia. Sozinho, diante suas firmações espirituais, o adepto poderá sentir os impulsos primitivos que garantiram a sobrevivência de nossa espécie. Nossos Mestres nos ensinam viver na guerra, no caos e destruir os entraves que nos deixam abalados. Um verdadeiro quimbandeiro deve ser senhor (a) de si. Seus medos serão o fogo que irá explodir transformando-se em bravura, coragem e superação. Todos os testes que nossos Mestres nos aplicam serão em momentos solitários. Analisando Exu sobre esse prisma, no campo da Guerra (psique) o Mestre é Senhor (a) da Superação. Exu superou e transcendeu o medo pela graça de dominar a morte e a vida, transformou seus ossos em ferro para vencer a reencarnação e sacia a sede no rio de sangue dos Poderosos Antepassados.

Finalizaremos a primeira parte desse ensaio com a frase do Exu Pantera Negra:

“ Seus aliados devem ser tão selvagens quanto seus sorrisos! Não existe Exu Coelho, coelho sempre será comida! ”